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PARTILHA DOS BENS DO CASAL
CREDOR HIPOTECÁRIO
Sumário
A assunção da dívida, antes comum, por uma das partes no inventário para separação de meações não vincula o credor hipotecário que não deu o seu consentimento expresso a tal transmissão da dívida, pelo que esse credor pode continuar a exigir o pagamento de ambos os ex-cônjuges.
Texto Integral
Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
1 – Relatório.
Nos autos de inventário para separação de meações instaurados em 27.11.2011 por A contra B, na data da conferência de interessados o Banco C, SA., comunicou por fax que não iria estar presente na presente conferência.
Nos termos da acta da conferência «pelos Ilustres mandatários dos interessados foi pedida a palavra e tendo-lhes sido concedida no seu uso requereram:
- a exclusão das verbas nºs. 9 (nove), 10 (dez) e 11 (onze), da relação de bens de fls. 408 e ss.;
- a rectificação do valor do bem imóvel descrito sob a verba 12 (doze), da relação de bens, para o valor actualizado pela AT, de 137.110,00€ (cento e trinta e sete mil, cento e dez euros), conforme consta da caderneta predial urbana respeitante àquele prédio e cuja junção desde já se requer aos presentes autos.
Seguidamente, pela Srª. Juiz foi proferido o seguinte despacho:
«Defiro o requerido, devendo a secção proceder à respectiva anotação na relação de bens da eliminação das verbas nºs. 9 (nove), 10 (dez) e 11 (onze) e à actualização do valor do imóvel descrito na verba nº 12 (doze) da relação de bens.»
Seguidamente, pelos interessados, representados pelos seus Ilustres mandatários, foi dito estarem de acordo quanto à aprovação do passivo e à partilha do património comum a partilhar nos presentes autos e à composição dos respectivos quinhões, nos termos do disposto no artº. 1354º e 1353º, nº 1, al. a) do C. P. Civil. Decidem assim transigir, o que fazem nos seguintes termos: Que as verbas nºs 1 (um) a 16 (dezasseis) relacionadas como passivo na relação de bens são assumidas integralmente pelo requerente, cabeça de casal A e serão pagas por este, incluindo a dívida ao credor Banco C, SA., pelo valor indicado por aquele credor no seu requerimento com a referência 199949, ou seja pelo montante de 45.198,35€ (quarenta e cinco mil cento noventa e oito euros e trinta e cinco cêntimos). - Relativamente às verbas relacionadas sob os nºs. 13 (treze), 14 (catorze) e 15 (quinze) do activo, os mesmos são bens próprios da interessada B. Decidem ainda adjudicar os bens que formam o património, pela forma seguinte: - As verbas nºs. 1 (um) a 8 (oito) e 12 (doze) relacionadas no activo da relação de bens são adjudicadas ao cabeça de casal A, pelo valor indicado para cada uma delas na relação de bens de fls. 408 a 412 e pelo valor ora indicado quanto ao imóvel descrito sob a verba nº 12 (doze). Foi ainda acordado por ambos que prescindem reciprocamente de tornas. As custas em dívida serão pagas por ambos, em partes iguais. Após o que foi proferida a seguinte:
SENTENÇA
Atenta a qualidade e a capacidade dos intervenientes e o objecto da transacção acima exarada não dizer respeito a direitos indisponíveis, julgo válida a transacção que antecede, que por isso a homologo por sentença, condenando ambos os interessados a cumprirem-na nos seus precisos termos (artigos 283º, 284º, 289º e 290º, nºs 1, 3 e 4 do Código de Processo Civil). Custas em partes iguais - artigo 537º, nº 2 do C.P.Civil. Registe e notifique.»
*
Relativamente à assunção da dívida pelo cabeça de casal, relativamente ao credor Banco C, bem como as demais, a mesma fica assim adjudicada e responsabiliza-se este unicamente pelo seu pagamento, nos termos do disposto no artigo 1353º, nº 5 do Código de Processo Civil, uma vez que o credor acabado de citar não se encontra presente e conforme o seu requerimento remetido aos autos com a referência nº 199949, encontra-se perfeitamente notificado da sua realização. Pelo exposto a deliberação dos interessados presentes vincula os que não comparecerem. Notifique.» Inconformado com tal decisão, o credor Banco C, SA interpôs recurso contra a mesma, concluindo a sua alegação da forma seguinte (transcrição):
« (i) O Requerente/Cabeça de Casal instaurou a Acção Especial de Inventário e consequente Partilha contra a ex-cônjuge em 18.01.2012
(ii) Os ex-cônjuges divorciaram-se em 29.07.2011, por decisão transitada em julgado.
(iii) Existiam bens a partilhar adquiridos pelos ex-cônjuges e passivo contraído por ambos na constância do matrimónio, não se tendo conseguido acordo entre os mesmos para partilha extrajudicial.
(iv) Foi o Recorrente por ofício datado de 21.03.2012 citado para deduzir oposição ou impugnação ao processo de inventário, tendo por requerimento datado de 27.04.2012 procedido à actualização das verbas que compõem o passivo.
(v) No ponto n.º 10 do referido requerimento indicou que “O aqui credor desde já e para os devidos efeitos expressamente declara que em circunstância alguma prescindirá do regime de solidariedade da dívida nos termos inicialmente contratados e decorrente das responsabilidades supra referenciadas”.
(vi) Por requerimento datado de 01.04.2013, procedeu o Requerente/Cabeça de Casal à actualização da Relação de Bens, constando como Verba N.º 2 do Passivo a dívida Banco, contraída para empréstimo para habitação, com o capital em dívida de €56.188,53, sendo que os créditos em questão encontravam-se em dia.
(vii) Por despacho datado de 24.06.2014, o Tribunal a quo designou a data de 23 de Outubro de 2014, pelas 15h00 para a realização da diligência de conferência de interessados.
(viii) Por requerimento datado de 22.10.2014, o Recorrente veio uma vez mais significar que nada tinha a opor quanto ao destino a dar aos bens relacionados, bem como a quaisquer decisões sobre os mesmos, pelo que não iria estar presente na referida na conferência.
(ix) E procedeu à indicação do valor actualizado em dívida, no montante total de capital de € 45.198,35, uma vez que os empréstimos se encontravam em dia.
(x) E voltou a significar que, “não obstante a não oposição ao processo, nos termos dos contratos de mútuo celebrados entre as partes, ambos Cabeça de Casal e Requerida mantém-se solidariamente responsáveis pelas obrigações pecuniárias assumidas perante o Banco Credor” e “Deste modo, até que as partes formalizem junto do Banco C, S.A., pedido de desvinculação dos empréstimos e que, os mesmos venham a merecer o acordo do Banco, serão ambos responsáveis pelo pontual pagamento dos mesmos”.
(xi) Realizou-se a conferência de interessados, tendo os interessados dito estarem de acordo quanto à aprovação do passivo e à partilha do património comum a partilhar nos presentes autos e à composição dos respectivos quinhões, nos termos do disposto no art. 1354.º e 1353, n.º 1, al. a) do CPC.
(xii) Decidiram transigir nos seguintes termos: “Que as verbas n.ºs 1 (um) a 16 (dezasseis) relacionadas como passivo na relação de bens são assumidas integralmente pelo requerente, cabeça de casal António Manuel Lopes Silva e serão pagas por este, incluindo a dívida ao credor Banco C, S.A., pelo valor indicado por aquele credor no seu requerimento com a referência 199949, ou seja pelo montante de € 45.198,35 (quarenta e cinco mil cento e noventa e oito euros e trinta e cinco cêntimos).
(xiii) Decidiram ainda adjudicar os bens que formam o património, pela forma seguinte: -
As verbas n.ºs 1 (um) a 8 (oito) e 12 (doze) relacionadas no activo da relação de bens são adjudicadas ao cabeça de casal A, pelo valor indicado para cada uma delas na relação de bens de fls. 408 e 412 e pelo valor ora indicado quanto ao imóvel descrito sob a verba n.º 12 (doze).
(xiv) Tendo o Tribunal a quo homologado por sentença a transacção.
(xv) Relativamente à assunção da dívida pelo cabeça de casal, no que respeita ao Recorrente, o Tribunal a quo decidiu que a mesma fica adjudicada e que se responsabiliza unicamente este pelo seu pagamento, nos termos do disposto no artigo 1353.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, uma vez que o banco credor não se encontrava presente.
(xvi) O Recorrente não se pode conformar com a douta sentença homologatória proferida pelo Tribunal a quo com fundamento nas sua simples ausência na conferência de interessados.
(xvii) O Requerente, através dos requerimentos datados de 27.04.2012 e 22.10.2014, transmitiu ao Tribunal a quo que ambos os mutuários/interessados se manteriam solidariamente responsáveis pelas obrigações pecuniárias assumidas perante o Banco credor e até que fosse formalizado de um pedido de desvinculação dos empréstimos, e colhesse o mesmo o acordo do Banco.
(xviii) Não obstante a ausência do Recorrente na conferência de interessados agendada, a verdade é que em momento algum o Banco C, S.A., autorizou expressa ou tacitamente a desvinculação da Requerida Sónia Maria Rodrigues Batista.
(xix) Conforme decisão do Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão datado de 20.01.2005, Processo n.º 0436394, “Não ratificando um credor um acordo para pagamento do passivo feito entre os interessados num inventário, o mapa de partilha que reproduziu esse acordo não é oponível nas relações entre esses interessados e a credora” (negrito e sublinhado nosso).
(xx) Seguindo de perto o aresto supra, “sem autorização do Banco….não pode este ficar desvinculado do contrato de mútuo que celebrou com o Banco….”.
(xxi) Entre os devedores pode ser acordado que apenas um fica responsável pelo pagamento da dívida, porém tal acordo não pode ser oponível ao credor, podendo apenas ser oponível entre os devedores.
Xxxii) Conforme dispõe o artigo 406.º, n.º 1 do Código Civil, os contratos apenas podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei.
(xxiii) Nesse sentido, a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo violou o disposto no art. 406.º do Código Civil, porquanto o ora Recorrente não só não ratificou o acordado, como previamente à realização da conferência de interessados, explanou a sua posição contra a desvinculação de qualquer dos mutuários e manutenção da solidariedade do pagamento da dívida assumida perante o Banco credor.
(xxiv) Dos contratos de mútuo hipotecários juntos pelo ora Recorrente, consta que ambos os ex-cônjuges se confessaram devedores do Banco credor pelos montantes dos empréstimos acordados, tendo sido constituídas hipotecas sobre o imóvel adquirido com o capital mutuado.
(xxv) A transmissão singular das dívidas resultantes desses contratos de mútuo hipotecários de um dos co-devedores originários ao outro, para que seja eficaz perante o Banco credor, carecia do consentimento expresso deste no sentido de que libertava o outro co-devedor do referido débito – assunção liberatória da dívida – o que não sucedeu.
(xxvi) Na falta da declaração expressa exigida pelo n.º 2 do artigo 595.º do Código Civil, ambos os cônjuges respondem solidariamente pela dívida perante o credor – assunção cumulativa da dívida.
(xxvii) Nos termos do artigo 595.º, n.º 1 do Código Civil, a assunção de dívida entre o antigo e novo devedor depende sempre da ratificação por parte do credor.
(xxviii) Inexistindo ratificação, o contrato entre o antigo e novo devedor não é eficaz em relação ao credor, pelo que não pode valer como assunção de dívida.
(xxix) Sem a ratificação, o contrato não é eficaz perante o credor.
(xxx) No caso sub judice, não houve ratificação, porquanto o Banco credor declarou expressamente o contrário, isto é, que se manteria a responsabilidade de ambos os cônjuges, em conformidade com os contratos celebrados entre as partes.
(xxxi) No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.09.2013, referente ao Processo n.º 2092/11.8TBOAZ-A.P1, quando refere “na partilha dos bens do casal, na sequência de divórcio, assunção por um deles do pagamento de um crédito hipotecário só exonera o outro cônjuge de responsabilidade perante o credor se este expressamente o libertar dessa obrigação”.
(xxxii) Conclui-se assim não ter havido liberação da ex-cônjuge Sónia Maria Rodrigues Batista das dívidas bancárias perante o Recorrente, na medida em que este não deu o seu consentimento expresso à transmissão das dívidas da Requerida para o seu ex-marido.
(xxxiii) Pelo que, ao não ter ratificado o acordo homologado pela douta Sentença, a assunção de dívida pelo ex-cônjuge mulher é inoponível ao Recorrente, por ser ineficaz relativamente ao Banco credor, continuando este, por via dos contratos, a poder exigir o pagamento de ambos os ex-cônjuges.
(xxxiv) Pelo que, não deveria o tribunal a quo homologado por sentença a transacção acordada entre os ex-cônjuges, uma vez que o Banco Recorrente havia previamente e de forma expressa significado que apenas autorizaria a desvinculação de algum dos mutuários depois de formalizado tal pedido e que o mesmo viesse a colher a sua aceitação – o que nunca aconteceu – mantendo-se desta forma ambos os mutuários responsáveis pelo pagamento dos respectivos mútuos.
Nestes termos, Deve ser concedido provimento ao Recurso apresentado pelo Recorrente, revogando-se a douta sentença do Tribunal “a quo”, pois assim impõem o Direito e a JUSTIÇA!» Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir. Factos relevantes para a decisão:
1. O Requerente/Cabeça de Casal A instaurou a Acção Especial de Inventário e consequente Partilha contra a ex-cônjuge B.
2. Os ex-cônjuges divorciaram-se em 29.07.2011, por decisão transitada em julgado proferida no âmbito do Processo de Divórcio por mútuo consentimento n.º 6299/2011, que correu termos na Conservatória do Registo Civil.
3. O credor Banco C, SA, por ofício datado de 21.03.2012 foi citado nos termos do processo de inventário instaurado para deduzir oposição ou impugnação, nos termos conjugados do art. 1342.º, n.º 1, 1343.º, n.º 3 e 1327.º todos do CPC, tendo por requerimento datado de 27.04.2012 procedido à actualização das verbas que compõem o passivo.
4. Tendo ainda no ponto n.º 10 do supra referido requerimento indicado que “O aqui credor desde já e para os devidos efeitos expressamente declara que em circunstância alguma prescindirá do regime de solidariedade da dívida nos termos inicialmente contratados e decorrente das responsabilidades supra referenciadas”.
5. Por requerimento datado de 01.04.2013, procedeu o cabeça-de-Casal à actualização da Relação de Bens, constando como Verba N.º 2 do Passivo a dívida ao Banco C, SA, contraída para empréstimo para habitação, com o capital em dívida de € 56.188,53, sendo que os créditos em questão encontravam-se em dia.
6. O Banco C, SA por requerimento remetido ao Tribunal a quo em 22.10.2014, o ora Recorrente veio uma vez mais significar que nada tinha a opor quanto ao destino a dar aos bens relacionados, bem como a quaisquer decisões sobre os mesmos, pelo que não iria estar presente na referida na conferência.
7. Nesse sentido, procedeu à indicação do valor actualizado em dívida, no montante total de capital de € 45.198,35, uma vez que os empréstimos se encontravam em dia.
8. No final do seu requerimento, o ora Recorrente voltou a significar que, “não obstante a não oposição ao processo, nos termos dos contratos de mútuo celebrados entre as partes, ambos Cabeça de Casal e Requerida mantém-se solidariamente responsáveis pelas obrigações pecuniárias assumidas perante o Banco Credor” e “Deste modo, até que as partes formalizem junto do Banco C, S.A., pedido de desvinculação dos empréstimos e que, os mesmos venham a merecer o acordo do Banco, serão ambos responsáveis pelo pontual pagamento dos mesmos”.
9. Em 23.10.2014 realizou-se a conferência de interessados, tendo os interessados dito estarem de acordo quanto à aprovação do passivo e à partilha do património comum a partilhar nos presentes autos e à composição dos respectivos quinhões, nos termos do disposto no art. 1354.º e 1353, n.º 1, al. a) do CPC.
12. Desta forma, decidiram transigir nos seguintes termos:
“Que as verbas n.ºs 1 (um) a 16 (dezasseis) relacionadas como passivo na relação de bens são assumidas integralmente pelo requerente, cabeça de casal A e serão pagas por este, incluindo a dívida ao credor Banco C, S.A., pelo valor indicado por aquele credor no seu requerimento com a referência 199949, ou seja pelo montante de € 45.198,35 (quarenta e cinco mil cento e noventa e oito euros e trinta e cinco cêntimos).
- Relativamente às verbas relacionadas sob os n.ºs 13 (treze), 14 (catorze) e 15 (quinze) do activo, os mesmos são bens próprios da interessada Sónia.
Decidem ainda adjudicar os bens que formam o património, pela forma seguinte:
- As verbas n.ºs 1 (um) a 8 (oito) e 12 (doze) relacionadas no activo da relação de bens são adjudicadas ao cabeça de casal A, pelo valor indicado para cada uma delas na relação de bens de fls. 408 e 412 e pelo valor ora indicado quanto ao imóvel descrito sob a verba n.º 12 (doze).
13. Tendo o Tribunal a quo homologado por sentença a transacção nos termos supraexpostos.
14. Relativamente à assunção da dívida pelo cabeça de casal, no que respeita ao ora Recorrente, o Tribunal a quo decidiu que a mesma fica adjudicada e que se responsabiliza unicamente este pelo seu pagamento, nos termos do disposto no artigo 1353.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, uma vez que o banco credor não se encontrava presente.
2 – Objecto do recurso.
Face ao disposto nos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1 do Código de Processo Civil, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que a questão a decidir (por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do mesmo diploma) é a seguintes: Saber se a assunção da dívida, antes comum, por uma das partes no inventário para separação de meações vincula o credor hipotecário que não deu o seu consentimento expresso a tal transmissão da dívida e se esse credor pode continuar a exigir o pagamento de ambos os ex-cônjuges.
3 – Análise do recurso.
3.1 – Impugnação de direito:
O recorrente insurge-se contra a sentença que homologou a transacção acordada entre o Requerente/Cabeça de Casal e Requerida, na parte em que ficou esta última desresponsabilizada do pagamento da dívida assumida perante o ora Recorrente.
E alega que o Tribunal a quo não teve em consideração a posição assumida pelo ora Recorrente, por mais do que uma vez, no sentido de não autorizar a desvinculação de nenhum dos interessados sem o seu consentimento prévio.
Logo, nunca deveria o Tribunal a quo ter homologado por sentença a adjudicação da verba n.º2 do passivo, correspondente à dívida ao Banco C, S.A. ao Requerente/Cabeça de Casal, sem o seu consentimento prévio, não bastando para tal consentimento o facto de não estar presente na conferência.
Cumpre decidir:
Desde já se adianta que, no nosso entendimento, o recorrente tem razão.
Como refere Galvão Telles, Direito das Sucessões, 4ª ed. p. 197, “A partilha é um acto que se destina a fazer cessar a indivisão de um património”.
A partilha é realizada no âmbito de um processo (de inventário) inter-partes, ou seja, tem um efeito que vincula exclusivamente as partes a não ser que seja obtida de terceiros a concordância para os actos que os afectem.
Nomeadamente, neste caso, sendo o bem seja adjudicado a um dos ex-cônjuges que assume a totalidade da dívida – o que antes não se verificava – para que esta declaração tenha efeitos para o credor hipotecário é necessário que este dê o consentimento expresso da transmissão da dívida hipotecária apenas para um dos ex-cônjuges, com exoneração do outro.
Caso contrário, inexistindo qualquer modificação subjectiva do devedor do crédito hipotecário nas relações externas ao julgado, mesmo que a responsabilidade da dívida, assumida pelo ex-cônjuge a quem o bem seja adjudicado, seja expressamente homologada por sentença, o trânsito desta apenas produz consequências jurídicas nas relações intra-meeiros (os ex-cônjuges), não vinculando, no âmbito externo, tal credor, ou seja se o credor não ratifica um acordo para pagamento do passivo feito entre os interessados num inventário, o mapa de partilha que reproduziu esse acordo não é oponível nas relações entre esses interessados e a credor – neste sentido o Ac. referido pelo recorrente da RP de 20.01.2005, Processo n.º 0436394 e também o Ac. RL de 26.01.2010, Proc. nº 829/04.0TBSSB-C.L1-1.
Sem a autorização referida os devedores podem acordar que apenas um fica responsável pelo pagamento da dívida, porém tal acordo não pode ser oponível ao credor, podendo apenas ser oponível apenas entre tais devedores.
Como defende Joel Timóteo Ramos Pereira no seu artigo “divídas hipotecárias de ex- cônjuge extinguem-se ou permanecem após partilha” , publicado na Revista «O Advogado» nº 29 Fevereiro de 2003 “que haja transmissão singular de dívida, com eficácia perante o credor, de forma a exonerar o antigo devedor, a lei exige a existência de uma declaração expressa (que não se resume à simples ratificação) por parte deste em consentir na referida transmissão. Consequentemente, conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela (C.C. Anotado, I, 1987, p. 611), este preceito estabelece uma medida de protecção do credor, que deve exonerar expressamente o antigo devedor. Sem essa expressa exoneração, o credor pode exigir o cumprimento da obrigação a qualquer deles, continuando estes como devedores solidários (art.os 512.º e 518.º e ss. CC), sem prejuízo de, posteriormente, um deles exercer o direito de regresso contra o outro, no âmbito exclusivo das relações internas (…). Ainda que a entidade credora intervenha no inventário, nessa qualidade (e geralmente isso sucede), dispõe o art.º 595.º, n.º 2, do Código Civil que "a transmissão só exonera o antigo devedor, havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado (…) Nos termos do art.º 217.º, n.º 1 do Código Civil, a declaração é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade. Não bastam, por conseguinte, meros comportamentos processuais, designadamente a "falta de oposição" do credor hipotecário, sendo necessária uma manifestação externa com a maior certeza e clareza possível.
Se assim não suceder, face ao princípio geral estatuído no art.º 601.º do Código Civil, a hipoteca sobre um certo bem não exclui que, pelo cumprimento da obrigação mutuária, respondam outros bens dos devedores, susceptíveis de penhora, sendo possível e lícita a demanda e a penhora de bens de qualquer ou em conjunto dos ex-cônjuges”.
No fundo trata-se de uma situação de “assunção de dívida” já que uma parte aceita que lhe seja transmitida a metade da dívida da outra parte.
Esta situação está prevista no artº 595º do CCivil relativo à transmissão a título singular de dívidas através da figura denominada “assunção de dívida”, a qual consiste na transmissão singular de uma dívida através de negócio jurídico celebrado com terceiro.
De acordo com o nº 1 do citado preceito legal, a assunção da dívida pode verificar-se:
a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor (assunção interna);
b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor (assunção externa).
Integrando-se a situação dos autos na al.a) – assunção interna – na qual a transmissão de dívidas resulta do efeito conjugado de dois negócios jurídicos: um contrato entre o antigo e o novo devedor, determinante da transmissão e um negócio unilateral do credor a ratificar esse contrato.
Ora, o credor Banco C, S.A. não autorizou a desvinculação da Requerida B.
A transmissão singular das dívidas resultantes desses contratos de mútuo hipotecários de um dos co-devedores originários ao outro, para que seja eficaz perante o Banco credor, carecia do consentimento expresso deste no sentido de que libertava o outro co-devedor do referido débito – assunção liberatória da dívida – o que não sucedeu.
Logo, o contrato entre os ex-cônjuges não é eficaz em relação ao credor pelo que não pode valer como assunção de dívida, não ficando, por isso este a ele vinculado.
Daqui resulta que o acordo a que chegaram os cônjuges, é ineficaz relativamente ao credor, pelo que nos termos do n.º 2 do artigo 595.º do Código Civil, ambos os cônjuges respondem solidariamente pela dívida perante o credor – assunção cumulativa da dívida.
Também neste sentido o Ac. RP de 17.09.2013, Proc. n.º 2092/11.8TBOAZ-A.P1, onde se lê: “na partilha dos bens do casal, na sequência de divórcio, assunção por um deles do pagamento de um crédito hipotecário só exonera o outro cônjuge de responsabilidade perante o credor se este expressamente o libertar dessa obrigação”.
Conclui-se assim não ter havido liberação da ex-cônjuge B das dívidas bancárias perante o ora Recorrente, na medida em que este não deu o seu consentimento expresso à transmissão das dívidas da Requerida para o seu ex-marido, continuando o credor recorrente a poder exigir o pagamento de ambos os ex-cônjuges.
Em suma:
Procede o recurso impondo-se a revogação da sentença na parte em que determina que “Relativamente à assunção da dívida pelo cabeça de casal, relativamente ao credor Banco C, bem como as demais, a mesma fica assim adjudicada e responsabiliza-se este unicamente pelo seu pagamento, nos termos do disposto no artigo 1353º, nº 5 do Código de Processo Civil, uma vez que o credor acabado de citar não se encontra presente e conforme o seu requerimento remetido aos autos com a referência nº 199949, encontra-se perfeitamente notificado da sua realização. Pelo exposto a deliberação dos interessados presentes vincula os que não comparecerem”. Devendo ser substituída pela seguinte determinação:
“Relativamente à assunção da dívida pelo cabeça de casal, a mesma não vincula o credor Banco C, uma vez que o mesmo não deu o seu consentimento expresso à transmissão das dívidas da Requerida para o seu ex-marido, continuando o credor a poder exigir o pagamento de ambos os ex-cônjuges.
4 – Dispositivo.
Pelo exposto, os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas.