Não tem qualquer apoio, nem na letra do nº 1 do artigo 1409º do Código Civil, nem na sua razão de ser, a extensão do direito de preferência aos comproprietários, em caso de alienação da totalidade do prédio a terceiros.
I - RELATÓRIO
B..., SA, propôs contra C..., D... e mulher, E..., acção de divisão de comum relativa aos seguintes prédios:
a) Prédio rústico, composto por alpendre e eira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cabeceiras de Basto sob o n° 00283/180901, da freguesia da Faia;
b) Prédio urbano, correspondente a uma casa coberta de telha destinada a lagar de -vinho e alambique, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cabeceiras de Basto sob o n° 00213/180698, da freguesia de Faia;
c) Prédio urbano, correspondente a uma casa coberta de telha destinada a três caseiros agrícolas, com eido ou terreiro anexo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cabeceiras de Basto sob o n° 00214/180698, da freguesia do Vilar.
Declarada a indivisibilidade dos prédios objecto desta acção e não tendo as partes chegado a acordo quanto à adjudicação, o processo seguiu para venda por propostas em carta fechada.
Na acta da abertura de propostas em carta fechada e após a Mmª. Sra. Juiz a quo ter aceite a proposta apresentada pela Requerente B..., para aquisição de dois dos prédios a vender, os Requeridos D... e esposa E..., declararam, por intermédio dos respectivo mandatário, que pretendiam exercer o direito legal de preferência, que lhes assiste enquanto comproprietários da verba nº2, devendo para o efeito ser dado cumprimento ao disposto no artº.896º do Código de Processo Civil, na versão aplicável ao caso dos autos.
Cumprido o contraditório foi proferida o seguinte despacho:
Entendemos que, face ao nº 1 do artigo 1409º do Código Civil (norma que, pese embora não directamente invocada pelos requerentes, está subjacente à respectiva pretensão) os requerentes não podem neste âmbito exercerem o direito de preferência.
Com efeito, esta prorrogativa legal tem em si contida a intenção do legislador em proteger os comproprietários, da aquisição por terceiros de uma parte do bem ou direito com a formação de uma nova compropriedade em termos subjectivos, a qual passará a incluir pessoas estranhas às razões que fundamentaram a origem da formação da compropriedade
Destarte, o direito de preferência apenas pode ser exercido contra estranhos à compropriedade e não entre comproprietários.
Ademais, se fosse aplicável o direito de preferência a situações como a presente, o aqui requerente (e bem assim a proponente) nunca teriam de apresentar propostas, bastando aguardar pela existência de propostas por terceiros.
No fundo, a norma contida no artº.1056º nº2 parte final do C.P.Civil, seria, quanto à venda em propostas por carta fechada, inócua.
Pelo exposto e pelos fundamentos supra aduzidos não se admite o exercício do direito de preferência pelo Requerente D....
Não se conformando, os requerentes recorreram, recurso que foi admitido como agravo, a subir em separado e com efeito devolutivo.
Apresentaram alegações, pugnando pela substituição “do despacho recorrido por outro que julgue verificado o invocado direito de preferência, cumprindo-se o artº 896º, dando consequentemente sem efeito a aludida venda.
Formularam, a posteriori, as seguintes conclusões:
A) - A questão que o ora recorrente pretende submeter à sempre sábia e douta apreciação de vossas excelências, venerandos senhores juízes desembargadores do Tribunal da relação de Guimarães, e a de saber se, após a abertura de proposta apresentada em carta fechada poderia o mesmo, de harmonia com o disposto no artº 896º, lançar mão do direito de preferência que enquanto comproprietário lhe assiste;
B) - O direito processual dos titulares do direito de preferência está consagrado no artº 896º que, sob a epígrafe “exercício do direito de preferência” dispõe:
“1 – Aceite alguma proposta, são interpelados os titulares do direito de preferência presentes para declararem se querem exercer o seu direito.
2 – Apresentando-se a preferir mais de uma pessoa com igual direito, abre-se licitação entre elas, fazendo-se a adjudicação à que oferecer preço mais alto.
3 – Os preferentes que pretendam exercer o seu direito depositarão logo a totalidade do preço.” (sic);
C) - A tal propósito ensina o Prof. José Lebre de Freitas in “A Acção Executiva Depois da Reforma”, 4ª edição, pág. 335, que “o direito de preferência convencional sem eficácia real não é reconhecido em processo executivo (artº 442º CC). Mas são nele reconhecidos o direito de preferência legal e o direito de preferência convencional que tenha eficácia real. O primeiro prevalece sobre o segundo (artº 442 CC).
Os titulares do direito de preferência são notificados para o exercer (artºs. 876º nº 2 e 892º nº 1), devendo fazê-lo no próprio acto e estando sujeitos às mesmas regras do proponente quanto ao pagamento do preço (artºs 896º nº 3 e 897º nº 2, na venda por propostas em carta fechada).” (sic);
D) - No caso dos autos, resulta que a proposta “ganhadora” foi apresentada pela agravada, não enquanto requerente/comproprietária, mas enquanto mera interessada, através de carta fechada para compra das verbas números 1 e 2 – proposta esta que, por mero acaso (ou seja, que não a coberto de qualquer direito enquanto comproprietária), foi apresentada pela requerente dos presentes autos;
E) – No caso dos autos, a proposta apresentada poderia ter sido efectuada por qualquer interessado, não sendo necessário a qualidade de comproprietário para o fazer – pois a este assiste o direito legal de preferência;
F) - Com efeito, o facto de, ao ter sido apresentada proposta por comproprietário que os demais interessados/comproprietários desconhecem (quer na sua existência, quer no seu conteúdo), considerar-se afastado o exercício do ónus processual consignado no artº 896º, é seguramente violador do espírito da lei em tal matéria;
G) – A tal propósito, dispõe de forma clara e linear o citado nº 2 do artº 896º que, em benefício de todos os interessados, apresentando-se a preferir mais de um comproprietário abre-se desde logo licitação entre todos;
H) - De resto, e por revestir interesse para a questão em apreço, não pode o agravante deixar de chamar à colação o que nos ensina o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 23 de Março de 1994 (publicado in www.colectaneadejurisprudencia.com com a referência 2671/1994), tendo por relator o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Dr. Oliveira Branquinho:
I) – Pelo que, no caso em apreço o que foi objecto de venda através de proposta em carta fechada foi cada um dos bens como um todo, não estando excluída a quota da proponente enquanto comproprietária, e, como tal, não está nem pode estar excluído o direito legal de preferência que assiste ao comproprietário ora agravante enquanto tal;
J) - Pelo que, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou e/ou interpretou erradamente o disposto no artº 896º do Cód. de Proc. Civil, e ainda o disposto no artº 1410º do Cód. Civil, cometendo, consequentemente, nulidade processual que influi na decisão da causa ao não permitir ao agravante exercer o direito legal de preferência que na venda efectuada lhe assiste – vide artº 201º do Cód. de Proc. Civil;
Dos autos não constam as contra-alegações da recorrida no tocante a este agravo (apenas estão juntas as contra-alegações respeitantes ao agravo que subiu em separado e que, nesta 2ª secção do Tribunal da Relação de Guimarães, correu termos com o número 185-C/2002.G1). Consultado este apenso C, verificou-se que nele se encontram as alegações, que a este respeitam e de que se extraiu cópia, que se inseriu nos autos.
O recurso veio a ser admitido neste Tribunal com a forma, modo de subida e efeito fixados na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, tal como decorre das disposições legais dos artº 684º nº3 e 690º-nº1 e 2 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (artº 660º-nº2 do CPC). De entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artº 664º e 264º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.
Atentas as conclusões do recurso de agravo, a questão a decidir é a seguinte:
– Se os comproprietários têm direito de preferência na venda da coisa comum, nomeadamente na venda judicial que se processa na respectiva acção de divisão.
III - FUNDAMENTOS DE FACTO
Para a apreciação deste recurso tem interesse e está assente a seguinte factualidade:
1 - B..., SA, propôs contra C..., D... e mulher, E..., a presente acção de divisão de comum relativa aos prédios a seguir descritos:
a) Prédio rústico, composto por alpendre e eira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cabeceiras de Basto sob o n° 00283/180901, da freguesia da Faia;
b) Prédio urbano, correspondente a uma casa coberta de telha destinada a lagar de vinho e alambique, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cabeceiras de Basto sob o n° 00213/180698, da freguesia de Faia;
c) Prédio urbano, correspondente a uma casa coberta de telha destinada a três caseiros agrícolas, com eido ou terreiro anexo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cabeceiras de Basto sob o n° 00214/180698, da freguesia do Vilar.
2 - A requerente e os requeridos são comproprietários dos prédios acima descritos, nas seguintes proporções:
- A requerente B..., SA: 1/3;
- O requerido C...: 1/3;
- Os requeridos D... e mulher, E...: 1/3.
3 – Nos autos principais foi proferida decisão, já transitada em julgado, no sentido da indivisibilidade dos supra referidos prédios e realizou-se a conferência de interessados (prevista no artº 1056° nº2 do Código de Processo Civil), na qual as partes não chegaram a acordo sobre a adjudicação.
4 - Os autos prosseguiram para a venda dos prédios, mediante propostas em carta fechada, podendo os consortes concorrer à venda.
5. Em 18/09/2009 realizou-se diligência de abertura de propostas em carta fechada, tendo sido recebidas e abertas as seguintes propostas:
– Da requerente B..., S.A.:
a) €: 10.500 (dez mil e quinhentos euros), para compra do prédio rústico, composto por alpendre e eira, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o nº00283/180901 - freguesia da Faia e omisso á respectiva matriz(verba nº 1 do anúncio);
b) €: 12.000 (doze mil euros) para compra do prédio urbano, casa coberta de telha destinada a lagar de vinho e alambique, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o nº00213/180698 - freguesia da Faia e inscrito na matriz no artigo 123 (verba nº 2 do anúncio).
– Do Requerido D..., que ofereceu o valor total de €: 8943 “para compra dos bens em questão”.
6 - Na sequência foi proferido o seguinte despacho:
Uma vez que a proposta apresentada pelo interessado D... não individualiza cada um dos três prédios à venda, não pode a mesma ser aceite pelo que é esta proposta desde já rejeitada.
Dado que a proposta apresentada pela requerente B... reúne os requisitos legais para ser apreciada, constatando-se que o preço oferecido excede o mínimo admissível decide-se aceitar a mesma.
Notifique, sendo a requerente B... para, no prazo de 15 dias, depositar na Caixa Geral de Depósitos o preço devido, com a cominação prevista no artigo 898° do CPC, conforme o disposto no artº. 897° do C.P.C (na redacção anterior à reforma da Acção Executiva)
7 - Seguidamente os ora recorrentes, por intermédio do respectivo mandatário, apresentaram o seguinte requerimento:
Apreciada a proposta apresentada através de carta fechada pretendem os requeridos exercer o direito legal de preferência que lhes assiste enquanto comproprietários da verba nº2 devendo para o efeito ser dado cumprimento ao disposto no artº.896º do C.P.Civil na versão aplicável ao caso dos autos.
III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
Dispõe o artº 1409º nº 1 do Código Civil que o comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes.
Trata-se de preferência na venda da quota e não na venda da coisa objecto da compropriedade, no caso prédios.
Assim, é de liminar clareza que os agravantes não têm razão quanto à pretensão de exercer o direito de preferência que invocam, com base no artigo 1409º, nº 1, do Código Civil.
Efectivamente, a Lei, ao conferir ao preferente a faculdade de, em igualdade de condições, se substituir ao adquirente de uma coisa, em certas formas de alienação, afecta significativamente o poder de disposição que integra o direito de propriedade, já que retira ao proprietário o direito de escolha do outro contraente. A sua atribuição resulta, por isso, da verificação da existência de razões de interesse público que se sobrepõem àquela liberdade de escolha, enquanto integrante dos poderes do proprietário.
Tais razões de interesse público visam, essencialmente, a protecção da mesma plenitude do direito de propriedade, considerada, agora, do ponto de vista da situação resultante do acto de alienação.
Assim, ressalvando o direito de preferência atribuído a proprietários de terrenos confinantes de área inferior à unidade de cultura (cfr. artigo 1380º do Código Civil), cuja razão é a de permitir uma mais eficiente exploração agrícola, o exercício dos direitos legais de preferência leva à concentração numa só pessoa, ou num número mais restrito de pessoas, dos poderes que integram o direito de propriedade plena sobre uma determinada coisa.
Efectivamente, nos casos da preferência conferida ao proprietário do prédio onerado com uma servidão de passagem (artigo 1555º do Código Civil), com o direito de superfície (artigo 1535º do Código Civil) ou com um arrendamento, o objectivo é o de reunir numa mesma pessoa as faculdades que, contidas no direito de propriedade plena, se encontravam divididas entre diversos titulares: entre o proprietário e o titular do direito real menor, nas duas primeiras hipóteses, entre aquele e o arrendatário na terceira.
No caso da compropriedade, que é o dos autos, a atribuição do direito de preferência aos comproprietários, em caso de venda ou dação em cumprimento a terceiros (artigo 1409º do Código Civil), tem em vista a redução progressiva do número de comproprietários, de acordo com a ideia de que a propriedade singular permite o melhor aproveitamento da coisa, desde logo porque elimina diversos conflitos que frequentemente se travam entre comproprietários.
Não tem qualquer apoio, nem na letra do nº 1 do artigo 1409º do Código Civil, nem na sua razão de ser, a extensão do direito de preferência aos comproprietários, em caso de alienação da totalidade do prédio a terceiros.
Não só não procedem, aqui, as razões que determinam a atribuição do direito de preferência em caso de alienação de quotas a estranhos, como não se retira do regime da preferência qualquer indicação no sentido de que se pretendeu, com a limitação que ele implica, beneficiar um comproprietário em relação a terceiros (ou a um deles que se propôs adquirir a totalidade) apenas pelo facto de ser comproprietário.
Por todos ver o douto Acórdão do STJ relatado pela Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza de 10-07-2008 (in www.dgsi.pt), de cujo sumário passamos a citar: «A atribuição do direito de preferência aos comproprietários, em caso de venda ou dação em cumprimento a terceiros da quota de qualquer dos seus consortes, tem como objectivo a redução do número de proprietários, de acordo com a ideia de que a propriedade singular permite o melhor aproveitamento da coisa; Não tem apoio, nem na letra, nem no espírito da lei, a extensão do direito de preferência aos comproprietários em caso de alienação total a terceiros de prédio em regime de compropriedade».
V- DELIBERAÇÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o agravo, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelos agravantes.
Notifique
Guimarães, 02.03.2010