COACÇÃO MORAL
AMEAÇA
Sumário

I - A coacção moral é a perturbação da vontade, traduzida no medo que vicia a decisão negocial, por falta de liberdade suficiente, resultante de ameaça ilícita de um dano (de um mal), cominada com intuito de extorquir a declaração negocial, actuando sobre a vontade negocial e determinando-a num sentido em que, de outra forma, se não determinaria.
II – A ameaça do exercício normal de um direito, porque de uma ameaça lícita se trata, não constitui coacção, desde que a vantagem que o titular do direito pretende com o negócio seja inerente ao próprio direito, mas já representa uma cominação ilícita a ameaça desse dano com o intuito de extorquir uma declaração, determinando-a num sentido em que, de outra forma, se não determinaria.
III - Se se impõe uma condição para contratar, não há necessariamente e sempre coacção, pois é necessário que a cominação seja ilícita e isso acontece quando o acto não tem relação com o direito do coactor, quando a exorbitância da vantagem obtida, por força de chantagem que se traduz na ameaça de exercer um direito que causaria um dano de avultadas consequências patrimoniais, consubstancia já um caso de flagrante coacção injusta.
IV - A ilicitude da ameaça pode resultar do fim prosseguido, do meio empregue ou da ilegitimidade da prossecução dum determinado fim com um determinado meio, isto é, da inadequação da relação meio-fim.
V - Quando não se demonstre nada em contrário da possibilidade do requerente recorrer ao direito à indemnização pelos danos causados, não se pode concluir pela existência de lesão grave e dificilmente reparável do direito.

Texto Integral






Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 - Relatório.

Em 11.06.2015, na secção de competência genérica, AA e BB intentaram contra CC procedimento cautelar em que requerem que:
a) A requerida conceda o acesso para uso e fruição do imóvel sito na Urbanização nos termos das declarações emitidas aos requerentes;
b) Que a requerida conceda o direito de usar e fruir do imóvel, que impediu em Junho de 2015 ao Requerente BB, em Setembro de 2015;
c) Que a requerida seja condenada em sanção pecuniária compulsória pelo montante de € 500,00 (quinhentos euros) por cada dia que impeça a realização do direito dos requerentes.
Alegaram que são irmãos entre si e filhos da requerida e que, por óbito de DD, seu pai, a requerida assumiu as funções de cabeça-de-casal do acervo patrimonial que compõe a herança daquela e da qual integra a casa da qual pretendem fruir.
Alegaram ainda que no decurso da venda de um imóvel e por exaustão e degradação das relações familiares, propuseram à requerida e esta aceitou que fossem emitidas duas declarações que juntaram, concedendo-lhes direitos sobre a casa de férias da família, mais concretamente ao requerente BB o mês de Junho de 2015, 2016 e 2017 e ao Requerente AA, o mês de Agosto de 2015, 2016 e 2017 e que, devido a tal declaração, criaram expectativas de usar e fruir da casa de férias sem a presença da requerida, tratando-se de um acto ordinário de administração do património.
E que, no ano de 2014, apesar de se ter comprometido verbalmente a ceder a utilização do referido imóvel aos filhos, a requerida acabou por impor a sua presença, que devido à situação familiar existente, redundou em situações desagradáveis com a nora e os netos.
Alegaram, por fim, que no mês de Junho de 2015, data em que a requerida se obrigou a disponibilizar a casa de férias ao requerente BB, instalou-se no imóvel, recusando-se a abandonar aquele, alegando que tinha passado a residir naquele imóvel a título permanente, tendo ainda afirmado que as declarações que assinou não tinham validade e não estava obrigada ao seu conteúdo.
Mais alegaram que a conduta da requerida, para além da denegação de um direito ao descanso e a férias em família, acarreta um prejuízo patrimonial para cada um deles na ordem dos € 6.000,00/ano, valor encontrado para uma eventual solução alternativa de férias com características semelhantes.
Não tendo sido dispensado o contraditório prévio, foi citada a requerida, que se veio opor ao requerido, invocando, em síntese, a conduta dos requerentes na administração e disposição do património desde o decesso do pai, mais alegando que subscreveu as declarações que ora os requerentes invocam sob coacção e debaixo de um clima de violência e intimidação.
Foi realizada a audiência final.
Foi proferida decisão que julgou totalmente improcedente por não provado o procedimento cautelar.
Inconformados com esta decisão, os requerentes recorreram, apresentando as seguintes conclusões:
«Do pedido
1. Vieram em sede cautelar AA e BB requerer o reconhecimento do seu direito a utilizar uma casa de férias de família, pertença do quinhão de uma herança indivisa por óbito do seu pai, nos meses de Agosto e Junho de 2015, 2016 e 2017, respetivamente, direito constituído com a outorga de duas Declarações pela cabeça de casal, CC, Requerida nos mesmos autos – tudo conforme resulta dos Factos provados A) a D) da douta sentença ora recorrida.
2. Pretendem que sejam consideradas válidas e eficazes as declarações e consumado o direito ali reconhecido – v. Factos provados E), H) e I) e, bem assim, Documentos 4 e 5 juntos com o Requerimento Inicial.
3. Neste sentido, requereu-se que a) a Requerida concedesse o acesso para uso e fruição do imóvel sito na Urbanização Soltroia nos termos das Declarações emitidas aos Requerentes; b) a Requerida concedesse em Setembro de 2015o direito de usar e fruir do imóvel, que impediu em Junho de 2015 ao Requerente Marco Alverca; c) a Requerida fosse condenada em sanção pecuniária compulsória pelo montante de €500,00 (quinhentos euros) por cada dia que impedisse a realização do direito dos Requerentes.
4. O pedido foi totalmente indeferido, assentando tal sentença em factos que não foram, salvo o devido respeito, corretamente aquilatados, com uma subsunção à matéria de Direito com a qual não podem os Requerentes concordar, uma vez que a douta sentença ora recorrida se motivou numa presumível coação moral sobre a Requerida para a outorga das Declarações em causa, exceção alegada em sede de Oposição, mas que, considerando toda a prova produzida, nunca foi sequer sumariamente provada, pelo que tal não poderia ser motivo suficiente para deixar de acautelar o direito invocado.
Assim, e sumarizando, quanto aos factos indiciados contraditórios a decisão
5. Foram dados como indiciariamente provados os FACTOS INDICIADOS F), G), I), J) e L). Pelo que o douto tribunal a quo reconheceu que não era possível o convívio entre as partes no referido imóvel pela rutura das relações familiares, o que levou à proposta da assinatura de um compromisso por parte da Requerida para regulamentar a utilização da casa de férias da família nos períodos já referidos. Dá-se ainda por indiciariamente provado que a Requerida se instalou no imóvel de férias de modo permanente pouco tempo antes de o Requerente BB ali iniciar as suas férias, sic. Junho de 2015. Dá-se como indiciariamente provado que a Requerida mantém na sua disposição vários outros imóveis, pertença do quinhão indiviso da herança, nomeadamente a casa de morada da família onde sempre assentou a sua residência.
Por outro lado, quanto aos factos que deveriam ter sido dados como não provados,
6. Foram indevidamente dados como indiciariamente provados os facto Q), R), S), T), U) e V), atendendo à prova produzida. Neste sentido, os factos U) e V) foram contrariados pela testemunha FF no seu depoimento, referindo que os acordos de pagamento com os trabalhadores não foram celebrados pela falta de confiança na Requerida (Minuto 24:18 daquele depoimento); o facto Q) foi contrariado pela testemunha EE que explicou como foi recebida a indemnização (Minuto 9:15 daquele depoimento); o facto R) foi contrariado pela testemunha EE que provou que o dinheiro em causa foi utilizado para liquidar dívidas da herança (Minuto 16:42 daquele depoimento); quanto ao facto S) veio a testemunha EE afirmar que a Requerida sua mãe dispôs de avultadas quantias para adquirir televisores plasmas (minutos 43:58 e 44:26 daquele depoimento), visão corroborada pela testemunha GG, que reiterou ainda que a Requerida havia feito implantes mamários após o óbito do de cujus, seu marido (Minuto 18:20 daquele depoimento).
7. Com maior relevo para a causa e para os fundamentos de uma providência cautelar é o FACTO P), que à luz da prova produzida não deve ser dado como provado, até porque os factos indiciados em F), G), I), L), J), K) e M) são suficientemente esclarecedores da premeditação que esteve a montante da outorga das declarações cuja validade se pretende ver reconhecida, resultando ainda que a Requerida tudo fez para objetiva e fisicamente impedir a concretização das declarações emitidas, i.e., mudou-se para o imóvel de férias, trocou as fechaduras, instalou-se no local precisamente no período de tempo em que o mesmo deveria ter sido cedido aos Requerentes.
Quanto aos factos pessoais não impugnados e que deveriam ter sido dados como provados,
8. Importa ainda alterar o sentido da sentença quanto a factos alegados no Requerimento Inicial, factos pessoais, que nunca foram impugnados, devendo dar-se, por conseguinte, por provados, nomeadamente os vertidos nos artigos 11.º, 12.º, 13.º, 19.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 28.º, 30.º, 31.º, 33.º, 34.º, 37.º, 38.º, 39.º, 42.º, 43.º, 44.º, 52.º, 54.º, 58.º, 59.º, 60.º, 65.º, 66.º e 67.º, onde salientamos o facto de que, após a definitiva cisão familiar que resultou do convívio forçado em Agosto de 2014, a Requerida ter consentido na assinatura das Declarações juntas como Documentos 4 e 5 – facto descrito no artigo 24.º do Requerimento Inicial nunca impugnado. É ainda facto pessoal não impugnado o cenário que se desenrolou com o Requerente Marco Alverca em Junho de 2015, descrito nos artigos 25.º e 26.º, com a imposição da Requerida enquanto meio de “i) impor a sua presença e ii) desrespeitar a declaração emitida.” – v. artigo 28.º do Requerimento Inicial. Ficou assente que o Requerente BB foi impossibilitado de permanecer no local, vendo-se obrigado a abandonar o imóvel e deixar de usufruir das férias que tinha legitimamente planeado – v. artigos 33.º e 34.º do Requerimento Inicial. A reação da Requerida, como facto pessoal, nunca foi impugnada, dando-se como assente a advertência feita no local de que não tinha intenção de cumprir as declarações, nem em 2015, nem em 2016 ou 2017, dando-se ainda como assente o prejuízo emocional e financeiro decorrente de tal incumprimento – v. artigos 37.º, 38.º e 39.º do Requerimento Inicial.
9. Outro conjunto de factos pessoais nunca impugnados são contraditórios com as conclusões que baseiam, a jusante, a douta sentença ora recorrida, mormente as tentativas iniciais de convívio com a Requerida, por iniciativa dos Requerentes, tarefa inglória e que atingiu o ponto de rutura em Agosto de 2014 – v. artigos 42.º, 43.º e 44.º do Requerimento Inicial. Não deveria igualmente ter sido levado à discussão o facto pessoal vertido no artigo 54.º, porque nunca impugnado, dando-se como assente que o Requerente AA, por compromissos profissionais apenas pode gozar o mês de Agosto de férias. Gritante é a discussão da factualidade vertida nos artigos 58.º, 59.º e 60.º do requerimento Inicial, nunca impugnados, onde se descreve a intenção de que nada falte à Requerida, reconhecendo o seu poder de disposição sobre todo o património que constitui a herança indivisa.
10. Por este motivo, a factualidade dada como provada tem, necessariamente de ser ampliada quanto aos factos pessoais não impugnados.
Deve ainda ser alterada a sentença quanto aos factos que deveriam ser dados como provados,
11. Requer-se, outrossim, diferente enquadramento de alguns factos que deveriam ser dados como provados à luz da prova produzida e da factualidade assente, nomeadamente o FACTO 4), uma vez que é contraditório com os factos dados como indiciados em H) e P).
12. Também o FACTO 24) deveria ter sido assente, uma vez que constitui o próprio objeto dos autos.
13. Requer-se, por conseguinte, que se proceda à REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA, uma vez que os depoimentos das testemunhas arroladas sugerem uma factualidade cabalmente distinta da dada como indiciariamente provada na douta sentença, depoimentos essenciais para dirimir o principal objeto em discussão: saber se as declarações que sustentam a pretensão dos Requerentes foram validamente outorgadas pela Requerida que posteriormente impediu a sua concretização.
14. Apenas as testemunhas FF e EE tinham conhecimento direto do momento e circunstâncias da assinatura das declarações, que corroboram e sustentam o direito alegado pelos Requerentes, afirmando perentoriamente que não existiu qualquer tipo de coação ou chantagem sobre a Requerida e que no momento da outorga de uma escritura pública, num Cartório Notarial, na presença de Ilustres Advogados e da Sra. Notária, foi pacificamente negociada a obrigação em causa, na qual a Requerida consentiu.
15. De acordo com a testemunha EE, irmão dos Requerentes e filho da Requerida, quando diretamente questionado sobre este facto, afirmou sem reservas nem hesitações - (Minuto 21:05 daquele depoimento) Dr. II: “porque é que, se eu lhe perguntar, porque isto tem de ser conciso, a sua mãe foi obrigada a assinar a escritura?”/ Testemunha: “Não.”/ Dr. II: “a declaração?” (…) Dr. II: “certo, mas portanto ninguém forçou…?” / Testemunha: “Não não, por amor de Deus.” / Dr. II: “Ou ameaçou a sua mãe?”/ Testemunha: “Não não, nunca na vida. A única coisa que chegámos a acordo foi que os cheques tinham de ser passados diretamente às entidades que se devia.” (sublinhado nosso).
16. Tal deve ser tido em conta na motivação da decisão de que ora se recorre.
17. Com menor relevo para a causa, mas igualmente enquadrado em desconsideração pela prova produzida e aos factos pessoais não impugnados e que, por conseguinte, deveria ter sido dado como provado, devem ser alterados os factos 1 e 2, na medida em que a testemunha FF provou que os terminais do ATM da loja estavam diretamente ligados à conta pessoal da Requerida (Minutos 7:11 e 35:47 daquele depoimento) e a testemunha GG afirmou que os valores recebidos na loja era diretamente auferidos pela Requerida (Minuto 20:30 e 20:46 daquele depoimento).
18. Mais concretamente a testemunha EE deixou bem assente que existiam arrendamentos de bens da herança desconhecidos para os demais herdeiros, por nunca terem sido prestadas contas da herança, sendo a Requerida que recebe diretamente esses valores (Minuto 16:41 daquele depoimento) e que foi feito uso indevido de bens da herança em proveito próprio da Requerida (Minutos 43:58 e 44:26 daquele depoimento).
19. Ainda os factos 5 a 14 deveriam ter ido dados como provados, nomeadamente pelo depoimento da testemunha EE (Minuto 18:58 e especificamente minutos 26:04, 1:11:40, 23:48, 30:21, 31:33, 33:39 e 1:05:40 daquele depoimento).
20. Os factos 15 e 16 deviam igualmente ser dados como provados quando confrontado com o depoimento da testemunha EE (Minuto 34:38 daquele depoimento).
21. Os factos 18 e 19 dizem respeito a factos pessoais alegados pelos Requerentes na P.I. mormente nos artigos 52.º e 54.º, que não foram impugnados e deviam, nesse sentido, ter sido dados como provados para os devidos efeitos.
22. Para além desta incongruência com o que depois veio a resultar da decisão do tribunal a quo, deve ainda ser reapreciada e devidamente interpretada a prova produzida pelo depoimento da testemunha FF, mormente quanto à convicção assumida pelo tribunal acerca do carácter tanto dos Requerentes como da Requerida e dos reais motivos e consequências da degradação da relação familiar entre estes, dando por reproduzido tudo quanto supra se expos a este propósito.
23. Posto isto, deve ser revista a MOTIVAÇÃO da douta sentença, na medida em que não se deve dar como suficientemente provada, por falta de prova, a existência de coação moral sobre a Requerida no momento da assinatura das Declarações, que apenas foi justificado num quadro de relações familiares e falhas de carácter, assumidos, sem base probatória, pelo douto tribunal como justos e verdadeiros, levando a uma dedução sem fundamento bastante de que foi infligido na Requerida um temor tal que não teve outra opção que não agir de acordo com a vontade dos coatores.
24. Tal é o oposto do que resulta dos depoimentos das testemunhas EE, FF e GG cuja prova gravada deve ser reapreciada e, bem assim, da factualidade indiciada arrolada no FACTO H), no FACTO O) e no FACTO P).
Subsumindo a motivação e a factualidade ao direito,
25. Conforme já se referiu, e em sede de conclusões, resta ainda discordar da subsunção feita à matéria de DIREITO.
26. Por um lado, o conceito de coação moral não está positivado de forma conclusiva, devendo ser apreciada a sua existência de forma casuística, até porque decorre maior prejuízo do não decretamento da providência cautelar para os Requerentes do que a solução distinta para a Requerida, que tem aquele imóvel à sua disposição – bem como os demais bens da herança que administra – todo o ano.
27. Na verdade, o único requisito de uma providência cautelar colocado em crise foi o fumus boni iuris, não por via da impugnação dos documentos que sustentam este direito, mas de uma exceção que, como resulta do supra exposto, não se deu como provada, nem cabal nem indiciariamente.
28. Assim, a tónica foi colocada na existência de coação moral que, por definição doutrinária, não existe "se há apenas a ameaça do uso de um direito para conseguir a satisfação ou garantia de um direito existente" – v. artigo 255.º/3 do Código Civil – norma desconsiderada na douta sentença e cuja interpretação foi erradamente aplicada, salvo o devido respeito.
29. O direito existente é, por um lado, a expetativa jurídica de usufruir da casa de férias da família um mês durante o ano – resulta, desde logo provado que, no ano anterior, estas mesmas declarações haviam sido prestadas pela Requerida, mas verbalmente e que, in fine, não cumpriu.
30. Não deveria ter improcedido a providência cautelar atendendo a um enquadramento de direito que, na factualidade que importa para os autos, i.e., saber se existiu ou não coação moral na obtenção das declarações que sustentam a pretensão dos Requerentes é manifestamente injusto e deve, nesta senda, ser alterado, anulando-se a decisão anterior.
31. Muito se estranha ainda, denotando uma parcialidade do juiz a quo, salvo o devido respeito, o extravasar do poder cognitivo atribuído pelo n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, na medida em que formula um conjunto de valorações pessoais fora do objeto da ação e desconsiderando o que se provou ou não nos autos.
32. Mais, existe uma presunção na douta sentença, i.e., “presume que já a escritura se encontrava previamente marcada (…) os Requerentes já teriam prestado o seu assentimento ao negócio”, quando tal não foi, sequer, alegado por qualquer uma das partes ou tão pouco questionado a qualquer uma das testemunhas.
33. Não existe fundamento para estar vertido na sentença que “o teor do inqualificável email que o Requerente AA remeteu à ASAE relativo a um contrato de arrendamento celebrado pela Requerida na sua qualidade de cabeça-de-casal, denotador de um enorme despeito pessoal, alicerçado em desconhecimento jurídico” que, entre outros, “permitem ter uma imagem global do ambiente que os filhos têm gerado, adequado não só a exclui-la de perceber quantias a que tem direito (sendo a situação por morte do marido chocante), mas a dificultar todos os atos de administração que esta tenta realizar (sendo o e-mail à ASAE de uma maldade e simultaneamente ignorância gritante)”? – v. todas as afirmações citadas na douta sentença ora recorrida, a fls…
34. Ora, tendo a assinatura de Declarações ocorrido num Cartório Notarial na sequência de uma negociação perfeitamente legítima e válida, a coação moral aparentemente apurada assenta numa factualidade carreada para a matéria de Direito e que não encontra eco em todo o articulado anterior e demais prova produzida.
35. As conclusões que efetivamente fundamentam a decisão de que ora se recorre têm a montante a conclusão discricionária de que os Requerentes são más pessoas e que certamente coagiram e ameaçaram a sua mãe.
36. Em derrogação do que prevê o artigo 607.º do CPC a douta sentença esqueceu a prova produzida e o que foi reiteradamente afirmado pelas testemunhas e produziu uma sentença que julga e tece valorações muito próprias sobre relações familiares, não relevantes para aferir da concreta validade de um documento.
37. Deveria a douta sentença restringir-se ao pedido e ao tipo de ação cautelar intentada, conforme o regime estatuído no artigo 362.º e, em especial, no artigo 365.º do Código de Processo Civil onde se impõe ao Requerente que ofereça “prova sumária do direito ameaçado”. De atender ainda ao artigo 255.º do C.C., que limita a consideração da existência de coação moral, aplicável pela jurisprudência em casos muito isolados e extremos e, naturalmente, a ser aferida em sede de ação principal, onde pode ser alegado e provado – não criada uma mera probabilidade – o circunstancialismo que fundamenta essa “chantagem”.
38. Neste sentido e atendendo a tudo quanto se expôs, nomeadamente em sede de conclusões, foi desrespeitado, na sua essência, o número 1 do artigo 368.º do CPC e, de forma transversal, o dever de fundamentação da decisão na prova produzida, previsto no artigo 607.º, em especial no número 4, do mesmo CPC.
Nestes termos e nos demais de Direito que Vossa Excelência doutamente suprirá, requer que:
a) O presente recurso seja admitido como procedente por provado, procedendo-se à reapreciação da prova gravada;
b) A sentença recorrida ser reformulada e, consequentemente a Requerida seja condenada no pedido,
i) a conceder o acesso para uso e fruição do imóvel sito na Urbanização Soltroia nos termos das Declarações emitidas aos Requerentes;
ii) a conceder o direito de usar e fruir do imóvel, que impediu em Junho de 2015 ao Requerente Marco Alverca, em Setembro de 2015;
iii) que a Requerida seja condenada em sanção pecuniária compulsória pelo montante de €500,00 (quinhentos euros) por cada dia que impeça a realização do direito dos Requerentes.»
Não houve contra-alegações.
Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Factos indiciariamente provados na 1.ª instância:
A) Os Requerentes são irmãos e filhos da Requerida.
B) Por óbito de DD, pai dos Requerentes e marido da Requerida, a 3 de Novembro de Novembro de 2007, esta assumiu as funções de cabeça-de-casal da herança, tendo ainda sido instituída herdeira da quota disponível por testamento outorgado pelo de cujus a 20 de Abril de 2006.
C) Encontra-se a correr processo de inventário.
D) Cuja relação de bens apresentada pela cabeça de casal é a que consta de fls. 39 e ss., cujo conteúdo aqui de dá por reproduzido.
E) Na sequência da venda de um dos imóveis que integram a herança – nomeadamente o imóvel que integrava a Verba n.º 17 na relação de bens, a Requerida assinou os documentos de fls. 71 e 72 a favor dos Requerentes.
F) Após a morte do pai dos Requerentes tornou-se impossível o convívio durante o período estival com a Requerida na moradia a que corresponde a fracção “A” do prédio urbano – a que corresponde a Verba n.º 20 de indicada na Relação de Bens.
G) Em vida do pai dos Requerentes o referido imóvel sempre foi a casa de férias da família.
H) Nos termos das referidas declarações de fls. 71 e 72, datadas de 12 de Março de 2015, a Requerida declarou que: (…) na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de DD, declara que autoriza o herdeiro BB a usar e fruir, a título individual, sem a presença de CC (…) a moradia “A” do prédio constituído em propriedade horizontal, de 1 a 30 de Junho de 2015, 2016, 2017 e (…) na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de DD, declara que autoriza o herdeiro AA a usar e fruir, a título individual, sem a presença de CC (…) a moradia “A” do prédio constituído em propriedade horizontal, de 1 a 31 de Agosto de 2015, 2016, 2017.
I) Nos Requerentes foi criada a expectativa de que teriam direito a usar e fruir da casa de férias da família, um mês cada, durante os Verões de 2015, 2016 e 2017, sem a presença da Requerida.
J) Chegados ao mês de Junho de 2015, a Requerida instalou-se no imóvel e recusou-se a abandonar o mesmo quando foi instada para tanto.
K) Alegou que estava ali a viver, que habitava aquele imóvel de forma permanente.
L) A casa de morada de família sempre foi a arrolada na Verba n.º 19 da Relação de Bens.
M) O Requerente BB viu-se impossibilitado de utilizar a casa de férias da família nas condições definidas em declaração outorgada pela cabeça-de-casal.
N) Acabou por abandonar o local e deixar de usufruir das férias que havia planeado.
O) A escritura de compra e venda mencionada em E) destinava-se a realizar meios de pagamento de obrigações de herança para com as Finanças, Segurança Social, vencimentos ao TOC, trabalhadores e alguns fornecedores.
P) Os Requerentes colocaram como condição para outorgar a mencionada escritura, a assinatura por parte da Requerida das declarações mencionadas em H).
Q) Os Requerentes usaram a quantia de € 190.000,00 (cento e noventa mil euros) relativo á indemnização por morte do pai, para efectuar pagamentos, tendo ficado cada um deles com a quantia de € 15.000,00 e nada dando à mãe.
R) Do valor do preço da escritura mencionada em E) a Requerida nada viu.
S) A Requerente já se encontrou sem dinheiro para comer.
T) Por referência a arrendamento celebrado pela Requerida relativamente à verba 17 da relação de bens, o Requerente AA remeteu à ASAE o e-mail de fls. 69 que aqui se dá por reproduzido.
U) Três trabalhadoras das empresas da herança intentaram recentemente acções judiciais no Tribunal de Trabalho.
V) Nas audiências partes que foram conjuntas, os requerentes recusaram-se a assinar um acordo aceite pela Requerida.
Não se encontra indiciado:
1) A Requerida tendo vindo a exercer a função de cabeça de casal de forma desorganizada e imprudente.
2) Tem-se recusado a declarar o passivo da herança, arrogando-se como única titular do acervo de bens da herança.
3) Tal pretensão e forma como tem vindo a administrar a herança, a qual considera integralmente sua, tem vindo a causar um conjunto de danos fruto da gestão danosa do acervo patrimonial desconsidera as obrigações e o passivo da mesma, nomeadamente no que concerne ao arrendamento de um imóvel pertença da herança, cujas rendas não estão a ser recebidas em nome da herança nem foi realizada a respectiva declaração junto da autoridade Tributária, nem muito menos o locado sequer se encontra habilitado para o exercício da actividade comercial pretendida pelo arrendatário.
4) Os ora Requerentes, que, por exaustão e degradação das relações familiares, perderam capacidade de dialogar com a Requerida, propuseram, no decurso desse negócio jurídico, que fossem emitidas declarações concedendo-lhes determinados direitos sobre a casa de férias da família.
5) No Verão de 2014, apesar de se ter comprometido verbalmente a ceder a utilização do referido imóvel aos filhos e ora Requerentes, acabou por impor a sua presença.
6) Redundando em situações desagradáveis com a nora e os netos, família nuclear do Requerente AA.
7) Neste sentido, confiando no quanto havia sido acordado a 12 de Março de 2015, o Requerente BB, solicitou a presença da GNR no local, a 4 de Junho de 2015, que elaborou a competente participação, tendo ainda identificado um individuo estranho à família no interior do imóvel, armado com arma de fogo.
8) Um imóvel para férias, em época alta, com idênticas características, custas pr dia cerca de € 200.00, podendo chegar a € 6.000,00 num mês.
9) Para além da frustração de que tal importa para os Requerentes, existe um elevado prejuízo emocional e financeiro decorrente deste incumprimento.
10) A situação familiar entrou em ruptura no Verão de 2014, em Agosto, quando o Requerente AA, acompanhado da sua mulher, JJ e dos dois filhos menores, passaram férias no imóvel.
11) Pela tipologia do local, foram obrigados a dormir separados, um com cada filho, começando por se multiplicar os episódios de tensão provocados pela Requerida.
12) As discussões com a mulher do Requerente AA e os episódios de humilhação, desafio e confronto gerados pela Requerida foram constantes, durante aquele período.
13) A mulher do Requerente AA terminou as férias de 2014 com uma depressão e em estado de profunda ansiedade.
14) Tal reflectiu-se na família, nos menores e no Requerente.
15) A situação que viveram deveu-se exclusivamente à imposição da presença da Requerida que, não só estava previamente alertada para a presença do Requerente AA e sua família, como fez questão de ali se instalar nesse período de tempo.
16) Para além de que o Requerente AA, trabalhador ao serviço da Microsoft, por compromissos profissionais, apenas dispõe do mês de Agosto para gozar férias, coordenando com a interrupção das actividades lectivas dos filhos menores, actualmente com 10 e 5 anos de idade.
17) 51.º Isto há já alguns anos, tendo sempre usufruído da casa de férias da família, durante o mês de Agosto.
18) O que se tornou insustentável foi o convívio com a Requerida, em especial num período que é suposto ser de descanso e recuperação de energias.
19) Especialmente procurando, neste ano de 2015, descansar de um ano de trabalho especialmente penoso, contando, quando regressar dos Estados Unidos da América, a 26 de Julho, gozar o mês de Agosto de férias na casa destinada ao efeito.
20) O mau- estar familiar entre os Requerentes e a Requerida prolonga-se desde 2011, por causa de a Requerida ter deixado de pagar ao Requerente BB a quantia de € 850,00 de uma prestação da casa e gastos.
21) O Requerente AA cortou relações com a mãe, impedindo-a de ver os netos, invocando como razão o facto desta não ter pago uns cheques que lhes oferecera para compensar o bem que havia feito aos outros filhos.
22) Depois da morte do pai, o filho do meio, que não é Requerente, desequilibrou-se e tornou-se um problema em casa e nas lojas, ameaçando que matava familiares e até roubava as caixas das lojas ameaçando funcionárias.
23) Os Requerentes exigiram que a sua mãe saísse de cabeça de casal.
24) Exigiam o direito ao gozo do período de férias, sem a presença da mãe.
25) Exigiam que o valor do preço da venda, no valor de € 30.000,00 fosse passado em nome do Requerente BB.
26) Ante a recusa da Requerida em ceder a tais exigências, os Requerentes passaram a exigir que o cheque ficasse em nome do TOC.
27) Ante a recusa da Requerida, abandonaram o Cartório Notarial dizendo “ela nem sonha o que lhe vai acontecer”.
28) As Advogadas presentes no intuito de salvarem a escritura, uma vez que o seu cliente já havia pago IMT, comentaram com a Requerida que as declarações que os Requerentes pretendiam que esta assinasse de nada valia e que podia assinar para obter a venda.
29) E foi depois necessário ir buscar os Requerentes para assinarem a escritura mediante a entrega das declarações contra a vontade da Requerida.
30) A Requerida já noutra altura havia passado uma procuração ao Requerente Marco para este levantar um cheque de € 190.000,00 da indemnização pela seguradora Fidelidade pelo acidente que vitimou o marido, após ter-lhe dado antes uma declaração em Tribunal para esse efeito.
31) Dos pagamentos efectuados com o valor da escritura mencionada em E) sobraram € 270,00 que o Requerente se opôs que fossem entregues à Requerente.
32) Para pagamento a essas trabalhadoras, nas condições acordadas a Requerida dispunha de uma proposta de venda do bem da herança com cujo encaixe se pagava a totalidade desses créditos e a mediadora declinou a continuação da mediação.
33) A residência em Soltroia é compaginável com arrendamento de veraneio, bem retribuído.


2 – Objecto do recurso.

Questões a decidir, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações, nos termos do artigo 635.º, n.º 4 do CPC, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso:
I - Impugnação da matéria de facto.
II - Análise dos requisitos do procedimento cautelar:
A) Probabilidade séria da existência do direito.
B) Fundado receio de que outrem cause lesão ao seu direito.
C) Carácter grave e dificilmente reparável da lesão.


3 - Análise do recurso.

1.ª questão - Impugnação da matéria de facto.

Os recorrentes impugnam a matéria de facto e, após um convite ao aperfeiçoamento, vieram pôr em causa tal decisão mas fazem-no de forma não muito clara, pois reproduzem os depoimentos das testemunhas e, após, fazem afirmações conclusivas sobre o que deveria ter sido dado como assente, em termos genéricos.
Finalmente, nas conclusões, após aperfeiçoamento, concretizam o seguinte:
Defendem que foram indevidamente dados como indiciariamente provados os factos P) Q), R), S), T), U) e V).
E que devem ser dados como indiciariamente provados os factos vertidos nos artigos 11.º, 12.º, 13.º, 19.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 28.º, 30.º, 31.º, 33.º, 34.º, 37.º, 38.º, 39.º, 42.º, 43.º, 44.º, 52.º, 54.º, 58.º, 59.º, 60.º, 65.º, 66.º e 67.º
Cumpre decidir:
Quanto à al. P):
«Os Requerentes colocaram como condição para outorgar a mencionada escritura, a assinatura por parte da Requerida das declarações mencionadas em H).»
É a seguinte a motivação da decisão a esse respeito:
«resultou a mesma provada não só do depoimento de FF, exfuncionárias dos estabelecimentos comerciais explorados pelo de cujus, mas também de EE.
A testemunha FF explicou a sua presença no Cartório Notarial por ter sido convocada directamente pelo Requerente AA, a fim de com o produto daquela, ser paga directamente de créditos salariais que detinha. Num depoimento parcial, explicou o ambiente vivenciado naquele dia como sendo de tensão. Acabou por dizer que o Requerente AA só assinava a escritura se a mãe assinasse as declarações de fls. 71 e 72 ao que aquela acabou for ceder. Evitou esclarecer o que em concreto sucedeu naquele dia. Se por um lado, revelava tudo saber relativamente a factos estritamente atinentes à família, quanto a factos que eventualmente presenciou mostrou-se evasiva e pouco esclarecedora.
Também EE acabou por confirmar que a assinatura das declarações foi condição para a outorga da escritura».
Pelo contrário, dizem os recorrentes que tal facto foi contrariado pela testemunha EE que explicou como foi recebida a indemnização.
Ouvido o depoimento em causa, verificamos que a testemunha EE, que é irmão dos requerentes e filho da requerida, embora tenha começado por dizer que a mãe não foi obrigada a assinar a declaração em causa (Dr. II: “porque é que, se eu lhe perguntar, porque isto tem de ser conciso, a sua mãe foi obrigada a assinar a escritura?”/ Testemunha: “Não.”/ Dr. II: “a declaração?” (…) Dr. II: “certo, mas portanto ninguém forçou…?” / Testemunha: “Não não, por amor de Deus.” / Dr. II: “Ou ameaçou a sua mãe?”/ Testemunha: “Não não, nunca na vida”, acabou por confirmar que a assinatura das declarações foi condição para a outorga da escritura (Dr. II: Disseram ou não disseram à sua mãe: ou a mãe assina esta declaração para termos férias (…) se não assina nós não assinamos aquela… Testemunha: Foi isso. Dr. II: E o que é que a mãe disse ? Testemunha: Assinou (…)”
Ainda contrapõem os recorrentes que tal facto “à luz da prova produzida não deve ser dado como provado, até porque os factos indiciados em F), G), I), L), J), K) e M) são suficientemente esclarecedores da premeditação que esteve a montante da outorga das declarações cuja validade se pretende ver reconhecida, resultando ainda que a Requerida tudo fez para objetiva e fisicamente impedir a concretização das declarações emitidas, i.e., mudou-se para o imóvel de férias, trocou as fechaduras, instalou-se no local precisamente no período de tempo em que o mesmo deveria ter sido cedido aos Requerentes.»
Com todo o respeito, não se vislumbra o alcance do alegado pelos recorrentes no sentido de impor a alteração da matéria em causa.
Ou seja, a matéria em causa foi efectivamente confirmada pela testemunha e deve manter-se.
Quanto às als. Q) e R):
«Q) Os Requerentes usaram a quantia de € 190.000,00 (cento e noventa mil euros) relativo á indemnização por morte do pai, para efectuar pagamentos, tendo ficado cada um deles com a quantia de € 15.000,00 e nada dando à mãe.»
«R) Do valor do preço da escritura mencionada em E) a Requerida nada viu.»
É a seguinte a motivação da sentença a esse respeito:
“Também EE acabou por confirmar que a assinatura das declarações foi condição para a outorga da escritura, tendo ainda esclarecido a factualidade vertida em Q) e R), T) e U), igualmente conformada pelo depoimento de FF.»
Contrapõem os recorrentes que os factos Q) e R) foram contrariados pela testemunha EE que provou que o dinheiro em causa foi utilizado para liquidar dívidas da herança e cada irmão recebeu € 15.000,00.
Ouvido o depoimento de EE em causa verificamos que a testemunha confirma este facto (Os irmãos receberam na qualidade de herdeiros € 15.000,00 (…) a minha mãe pelo que sei não recebeu nada)
Improcede pois as alterações pretendidas.
Quanto à al. S):
«S) A Requerente já se encontrou sem dinheiro para comer.»
É a seguinte a motivação da sentença a esse respeito:
«O vertido em S) resultou do depoimento da testemunha GG e LL.»
Dizem os recorrentes para justificar que tal facto seja dado como não provado que «quanto ao facto S) veio a testemunha EE afirmar que a Requerida sua mãe dispôs de avultadas quantias para adquirir televisores plasmas (minutos 43:58 e 44:26 daquele depoimento), visão corroborada pela testemunha GG, que reiterou ainda que a Requerida havia feito implantes mamários após o óbito do de cujus, seu marido (minuto 18:20 daquele depoimento).»
Ora, em primeiro lugar importa referir que o facto da requerida ter efectuado as despesas referidas não obsta a que seja verdade o facto em causa.
Em segundo lugar, ouvida a prova, constata-se que efectivamente a testemunha GG confirma a ocorrência do facto referido pelo menos uma vez (“cheguei a ir à loja buscar…para fazer uma sopa e não haver dinheiro e tive que pagar do meu.)
Quanto às als. T) e U):
«T) Por referência a arrendamento celebrado pela Requerida relativamente à verba 17 da relação de bens, o Requerente AA remeteu à ASAE o e-mail de fls. 69 que aqui se dá por reproduzido.»
«U) Três trabalhadoras das empresas da herança intentaram recentemente acções judiciais no Tribunal de Trabalho.»
É a seguinte a motivação da sentença a esse respeito:
“Também EE acabou por confirmar que a assinatura das declarações foi condição para a outorga da escritura, tendo ainda esclarecido a factualidade vertida em Q) e R), T) e U), igualmente conformada pelo depoimento de FF.»
Quanto ao facto T) os recorrentes não justificam a sua discordância e quanto ao facto U) contrapõem que foi contrariado pela testemunha FF no seu depoimento, referindo que os acordos de pagamento com os trabalhadores não foram celebrados pela falta de confiança na Requerida.
Ora, para além da falta de justificação quanto à matéria da al. T), o teor do depoimento da testemunha FF indicado pelos recorrentes nada tem a ver com o teor da al. U) pelo que também nesta parte improcede a impugnação.
E quanto à al. V):
«V) Nas audiências partes que foram conjuntas, os requerentes recusaram-se a assinar um acordo aceite pela Requerida.»
É a seguinte a motivação da sentença a esse respeito:
“Também EE acabou por confirmar que a assinatura das declarações foi condição para a outorga da escritura, tendo ainda esclarecido a factualidade vertida em Q) e R), T) e U), igualmente conformada pelo depoimento de FF.»
Dizem os recorrentes que “o factos V) foi contrariado pela testemunha FF no seu depoimento, referindo que os acordos de pagamento com os trabalhadores não foram celebrados pela falta de confiança na Requerida (Minuto 24:18 daquele depoimento)”
Ora, os recorrentes, no fundo, não impugnam a matéria em causa, pois só se referem à motivação da recusa de assinatura dos recorrentes, matéria que não está em causa nestas alíneas, pelo que da mesma forma improcede esta parte da impugnação.
Por outro lado, vem os recorrentes pedir uma ampliação da matéria de facto, defendendo que os factos vertidos nos artigos 11.º, 12.º, 13.º, 18º, 19.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 28.º, 30.º, 31.º, 33.º, 34.º, 37.º, 38.º, 39.º, 42.º, 43.º, 44.º, 52.º, 54.º, 58.º, 59.º, 60.º, 65.º, 66.º e 67.º do requerimento inicial devem ser dados como indiciariamente provados, por terem relevo para a decisão e serem factos pessoais, que nunca foram impugnados.
No entanto, os recorrentes não explicam a razão de ser desse relevo nem a mesma se vislumbra, pelo que também aqui improcede o requerido.
Quanto aos factos não provados é a seguinte a motivação da sentença:
«A factualidade não provada resultou da ausência de prova sobre a mesma.»
Os recorrentes também pretendem que seja dado como provado o facto 4) dos factos não provados:
«4) Os ora Requerentes, que, por exaustão e degradação das relações familiares, perderam capacidade de dialogar com a Requerida, propuseram, no decurso desse negócio jurídico, que fossem emitidas declarações concedendo-lhes determinados direitos sobre a casa de férias da família.»
Justificam tal pretensão por ser contraditório com os factos dados como indiciados em H) e P).
Mais uma vez, sem razão.
Não se vislumbra qualquer contradição, nem qualquer razão para a alteração pretendida.
Também pretendem que seja dado como indiciariamente provado o facto 24):
«24) Exigiam o direito ao gozo do período de férias, sem a presença da mãe.»
Justificam tal pretensão alegando que constitui o próprio objecto dos autos.
A este propósito, entendemos que não faz qualquer sentido consagrar tal matéria, exactamente pelo facto de traduzir a razão de ser desta acção.
Também pretendem que seja dado como provado o facto 1 e 2:
«1) A Requerida tendo vindo a exercer a função de cabeça de casal de forma desorganizada e imprudente.
2) Tem-se recusado a declarar o passivo da herança, arrogando-se como única titular do acervo de bens da herança.»
Justificam tal pretensão alegando que a testemunha FF provou que os terminais do ATM da loja estavam directamente ligados à conta pessoal da requerida (minutos 7:11 e 35:47 daquele depoimento) e a testemunha GG afirmou que os valores recebidos na loja eram directamente auferidos pela requerida (minuto 20:30 e 20:46 daquele depoimento).
E que mais concretamente a testemunha EE deixou bem assente que existiam arrendamentos de bens da herança desconhecidos para os demais herdeiros, por nunca terem sido prestadas contas da herança, sendo a requerida que recebe directamente esses valores (minuto 16:41 daquele depoimento) e que foi feito uso indevido de bens da herança em proveito próprio da requerida (minutos 43:58 e 44:26 daquele depoimento).
Cabe referir que a matéria em causa é basicamente conclusiva e, quanto ao facto da requerente se arrogar única titular do acervo hereditário, é tal matéria, desde logo contrariada pelos actos “conjuntos” relativos às escrituras.
Também pretendem que sejam dados como indiciariamente provados o facto 5 a 16, (correspondentes a episódios do relacionamento entre as partes):
«5) No Verão de 2014, apesar de se ter comprometido verbalmente a ceder a utilização do referido imóvel aos filhos e ora Requerentes, acabou por impor a sua presença.
6) Redundando em situações desagradáveis com a nora e os netos, família nuclear do Requerente Luís Alverca.
7) Neste sentido, confiando no quanto havia sido acordado a 12 de Março de 2015, o Requerente BB, solicitou a presença da GNR no local, a 4 de Junho de 2015, que elaborou a competente participação, tendo ainda identificado um individuo estranho à família no interior do imóvel, armado com arma de fogo.
8) Um imóvel para férias, em época alta, com idênticas características, custas por dia cerca de € 200.00, podendo chegar a € 6.000,00 num mês.
9) Para além da frustração de que tal importa para os Requerentes, existe um elevado prejuízo emocional e financeiro decorrente deste incumprimento.
10) A situação familiar entrou em ruptura no Verão de 2014, em Agosto, quando o Requerente AA, acompanhado da sua mulher, JJ e dos dois filhos menores, passaram férias no imóvel.
11) Pela tipologia do local, foram obrigados a dormir separados, um com cada filho, começando por se multiplicar os episódios de tensão provocados pela Requerida.
12) As discussões com a mulher do Requerente AA e os episódios de humilhação, desafio e confronto gerados pela Requerida foram constantes, durante aquele período.
13) A mulher do Requerente AA terminou as férias de 2014 com uma depressão e em estado de profunda ansiedade.
14) Tal reflectiu-se na família, nos menores e no Requerente.
15) A situação que viveram deveu-se exclusivamente à imposição da presença da Requerida que, não só estava previamente alertada para a presença do Requerente AA e sua família, como fez questão de ali se instalar nesse período de tempo.
16) Para além de que o Requerente AA, trabalhador ao serviço da Microsoft, por compromissos profissionais, apenas dispõe do mês de Agosto para gozar férias, coordenando com a interrupção das actividades lectivas dos filhos menores, actualmente com 10 e 5 anos de idade.»
Justificam tal pretensão alegando que os mesmos foram confirmados pelo depoimento da testemunha EE.
Cumpre desde logo referir que, não perdendo de vista aquilo que importa averiguar - fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao alegado direito de utilização da habitação de férias da casa que faz parte da herança pelos requerentes – a matéria em causa é totalmente irrelevante para a decisão da causa.
Não há, assim, razão para alterar a matéria de facto fixada (indiciariamente).
Improcede, por isso, na totalidade, o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, mantendo-se os factos fixados na 1ª instância.


2.ª questão – Os requisitos do procedimento cautelar comum:

Estamos perante um procedimento cautelar comum.
Estabelece o art.º 362.º do CPC: “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.”
Trata-se de impedir que, durante a pendência de uma acção, a situação de facto se altere, de modo a que a sentença que vier a ser proferida, se favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se combater o periculum in mora a fim de que a sentença não se torne uma decisão platónica. (vide Antunes Varela in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, página 23).
Nos termos do artigo 365.º do Código de Processo Civil impõe-se aos requerentes a “prova sumária do direito ameaçado”.
Mas, tal como foi vertido na decisão recorrida, também pensamos que não foram demonstrados factos que permitam concluir que está indiciariamente demonstrado o direito dos requerentes.
Trata-se da integração do direito a usar a casa, que integra o acervo patrimonial por óbito do pai, em exclusivo e nas condições a que a requerida se obrigou mediante a subscrição das declarações de fls. 71 e 72.
Como se diz na decisão recorrida, só pela circunstância de serem herdeiros e, por isso, titulares de um quinhão indiviso da herança, nenhum direito lhes assiste, uma vez que o mesmo não passa de uma expectativa jurídica que não é tutelada pelo direito, pois os sucessores não têm direitos próprios sobre qualquer dos bens que integram a herança indivisa, sendo apenas titulares em comunhão de todo o património hereditário (neste sentido Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. I, pág. 113 e 114), pelo que, o fundamento desse direito só pode emergir das declarações assinadas pela requerida.
Acontece que a requerida defende-se, invocando que subscreveu tais declarações sob coacção.
Vejamos se assim foi:
De acordo com o artigo 255.º do Código Civil, no seu n.º 1, “diz-se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi licitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração” e no n.º 2, que “a ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro”, para concluir o correspondente n.º 3 que “não constitui coacção a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial”.
Trata-se, portanto, de uma perturbação da vontade, traduzida no medo resultante de ameaça ilícita de um dano (de um mal), cominada com o intuito de extorquir a declaração negocial.
Só há vício da vontade quando a liberdade do coacto não foi totalmente excluída, quando lhe foram deixadas possibilidade de escolha, embora a submissão à ameaça fosse a única escolha normal.
São necessários três elementos, cumulativamente, para que exista coacção moral:
1. Ameaça de um mal, todo o comando do coactor que consta em desencadear o mal ou consiste no mal já iniciado. Este mal pode respeitar à pessoa do coagido (à sua honra) e ao seu património, pode ainda haver ameaça relevante se respeitar à pessoa, património deste ou de terceiro.
2. Ilicitude da ameaça, a existência deste requisito vem duplamente estabelecida na lei (art.º 255.º, n.º 1 e 255.º, n.º 3 do Código Civil), se a ameaça se traduz na prática de um acto ilícito, está-se perante coacção, constitui coacção, o exercício normal do direito (n.º 3).
3. Intencionalidade da ameaça, consiste em o coactor com a ameaça tem em vista obter do coagido a declaração negocial (art.º 255.º, n.º 1 do Código Civil), esta ameaça deve ser cominatória, este requisito da intencionalidade falta de o coagido emitir outra declaração que não aquela que a ameaça se dirigia.
O caso dos autos traduz uma situação de medo de que os recorrentes não assinassem uma escritura, impedindo o cumprimento de obrigações que a requerida pretendia ver cumpridas.
Há, pois, uma intervenção no processo de formação da vontade de um factor que faz com que a declarante queira algo que de outro modo não quereria.
Não há uma exclusão da vontade, mas há uma vontade formada de modo viciado. Em sentido jurídico do termo, pode-se dizer que quem age condicionado por medo, quer ter aquela conduta que adoptou, mas que essa pessoa não queria esse tipo de conduta se não fosse o receio de que contra o declarante viesse a surgir um mal se ele não agisse daquela maneira.
A requerida finge querer o que consta da declaração para fazer cessar a ameaça de algo que ela realmente não quer, ou seja, que os requerentes deixem de assinar a escritura que permitirá o cumprimento de obrigações.
É evidente que, se se impõe uma condição para contratar, não há necessariamente e sempre coacção, pois é necessário que a cominação seja ilícita e isso acontece quando o acto não tem relação com o direito do coactor, quando a exorbitância da vantagem obtida, por força de chantagem que se traduz na ameaça de exercer um direito que causaria um dano de avultadas consequências patrimoniais, consubstancia já um caso de flagrante coacção injusta.
Ora, no caso dos autos, atendendo ao contexto de acentuado conflito familiar entre mãe e filhos, o facto da motivação da requerida ser o receio que os filhos deixassem de fazer uma escritura necessária ao cumprimento do dever de pagamento de dívidas da herança, que se traduzia num incumprimento familiar, estamos perante uma pressão psicológica, que consubstancia uma coacção determinante da declaração negocial que não pode considerar-se, objectiva e socialmente, insignificante.
Não pode deixar de consubstanciar uma cominação ilícita a ameaça de um dano, por uma das partes, com o intuito de extorquir uma declaração, actuando sobre a vontade negocial desta e determinando-a num sentido em que, de outra forma, se não determinaria.
Como se pode ler no Acórdão do STJ de 11.04.2013, proferido no processo 774/09.3TBVCD.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “a coacção moral é a perturbação da vontade, traduzida no medo resultante de ameaça ilícita de um dano (de um mal), cominada com intuito de extorquir a declaração negocial, actuando sobre a vontade negocial e determinando-a num sentido em que, de outra forma, se não determinaria. (…) A ilicitude da ameaça pode resultar do fim prosseguido (v. g., actos ilegais) ou do meio empregue (v. g., chantagem), da ilegitimidade da prossecução de um determinado fim com um determinado meio, da falta de adequação entre o fim e o meio, em que a ilicitude deriva da inadequação da relação meio-fim, aquando de ameaça de exercício abusivo extrajudicial de um direito, consubstanciando uma situação de coacção o caso de uma doação consentida por um velho paralítico aos seus meeiros que ameaçavam abandoná-lo. Com efeito, só há coacção se a ameaça for feita com a cominação de um mal ilícito, isto é, de um mal que a parte ameaçada não esteja, juridicamente, vinculada a suportar.”
Ora, no caso dos autos, a ilicitude está, pois, na ilegitimidade do fim, ou seja, na ilegitimidade da prossecução de determinado fim com determinado meio, dado que os recorrentes recorreram à ameaça de incumprimento obrigacional, sem qualquer causa justificativa.
A ameaça resultante do clima intimidatório criado e a respectiva intencionalidade conduziram a que a recorrida ficasse efectivamente intimidada, receando pelo não pagamento das dívidas e que, por essa razão, anuísse em efectuar as declarações.
Estão pois, preenchidos todos os requisitos de que dependem a verificação e a relevância da coacção moral, com a consequente anulação das declarações em causa.
Sempre se dirá, no entanto, que, ainda que assim não se entendesse e se considerasse demonstrado o direito dos requerentes, nunca se verificariam os demais requisitos necessários ao deferimento da providência.
As providências cautelares exigem requisitos próprios que têm a ver com a necessidade de medida urgente.
Note-se que não se verifica a impossibilidade dos requerentes recorrerem ao direito à indemnização pelos danos causados e, logo, nunca se poderia concluir pela existência de lesão grave e dificilmente reparável do direito.
(Com efeito, assistimos cada vez mais à tentativa de utilização dos procedimentos cautelares como forma de conseguir de forma imediata resultados próprios das acções definitivas, alcançando com isso vantagens na sua posição contratual).
A coacção moral origina a anulabilidade do negócio (art.º 256.º do Código Civil) e, por isso, deve considerar-se não indiciado o direito dos requerentes.
Improcede pois o recurso.
4 - Dispositivo.
Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.


Custas pelos recorrentes.

Évora, 04.02.2016

Elisabete Valente
Acácio Luís Jesus das Neves

Bernardo Domingos