TRABALHO SUPLEMENTAR
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
REGIME CONCRETAMENTE MAIS FAVORÁVEL
Sumário

i) a imperatividade da lei, quanto ao limite máximo de oito horas por dia e de quarenta horas por semana, previsto nos art.ºs 203.º n.º 1 do CT atual e 163.º n.º 1 do CT anterior, impede apenas a estipulação de um horário de trabalho superior, mas não a de um horário inferior, como decorre claramente do art.º 203.º n.º 4 do CT atual e 168.º do CT anterior.
ii) o registo do trabalho suplementar resulta de obrigação legal que impende sobre o empregador – art.ºs 231.º do CT atual e 204.º do CT anterior. Se o empregador não cumprir esta prescrição legal, não pode prevalecer-se desse seu incumprimento para não pagar o trabalho suplementar.
iii) O registo tem em vista controlar os tempos de trabalho e de repouso do trabalhador. Tem ainda como finalidade servir como prova da sua prestação, mas não para não o pagar.
(Sumário do relator)

Texto Integral

Processo n.º 384/13.0TTPTM.E1

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: C…, Lda (ré).
Apelada: B… (autora).

Tribunal Judicial da comarca de Faro, Portimão, Secção de Trabalho.

1. A A. intentou ação declarativa, emergente do contrato de trabalho individual de trabalho, sob forma de processo comum, contra a ré, e peticiona a condenação da desta no pagamento da quantia de € 24.883,26, correspondente a créditos vencidos e não pagos em virtude da cessação do contrato de trabalho; trabalho suplementar prestado e diuturnidades, acrescida dos respetivos juros legais.
Alega, em síntese, que foi admitida ao serviço da R. em 30 de janeiro de 1996 para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de assistente, mediante um vencimento mensal que, ultimamente, era de € 1.111,98 e, que à data da cessação da relação laboral - que ocorreu por força da denúncia apresentada pela autora, com efeitos a partir do dia 03 de setembro de 2012 - ficaram por lhe pagar os seguintes créditos laborais:
- 7 dias de férias não gozadas, referentes ao trabalho prestado em 2011, no valor de € 424,48;
- Proporcionais de férias, no valor de € 1.030,88;
- Proporcionais dos subsídios de férias e de Natal, no valor de € 1.030,88, cada;
- Retribuição referente ao mês de setembro de 2012, no valor de € 181,92;
- Horas de formação profissional, no valor de € 269,50.
Invoca, ainda, que lhe são devidas diuturnidades, correspondentes a 120 meses, no montante total de € 5.399,04.
Mais alega que, no decurso da sua relação laboral com a R. sempre trabalhou oito horas diárias, quando a CCT aplicável às relações entre as partes (CCT celebrada entre a APAVT – Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo e o SIMAMEVIP – Sindicato dos Trabalhadores da Marinha Mercante, Agências de Viagens, Transitários e Pesca) estabelece, na sua cláusula 17.ª, que o período normal de trabalho é de trinta e sete horas e meia semanais e sete horas e meia diárias.
Invoca que, em consequência, realizou 4.048 horas de trabalho extraordinário, desde o dia 01 de fevereiro de 1996 até ao dia 03 de setembro de 2012, peticionando, a este título, a condenação da R. no pagamento da quantia de € 15.584,80.
Regularmente citada a R. realizou-se a audiência de partes, mas sem que acordo, pelo que esta última foi notificada para contestar, o que fez, impugnando parcialmente os factos invocados pela autora e alegou, em síntese, que apesar de a tanto não ser obrigada, desde 2007 que a R. permitia que os seus trabalhadores cumprissem um horário de sete horas e trinta minutos diários durante cinco dias por semana e que se a autora fazia um horário diferente deste, fazia-o por sua livre iniciativa, não sendo exigível à R. o montante peticionado a título de trabalho suplementar prestado.
Mais impugna a factualidade alegada pela autora quanto aos créditos laborais peticionados, alegando que a autora gozou em 2012 os 16 dias de férias a que tinha direito e que recebeu a título de proporcionais do subsídio de férias, o valor de € 878,66.
Aceita ser devida à autora a quantia de € 741,32, referente aos proporcionais do subsídio de Natal e, bem assim, o montante por esta peticionado a título de horas de formação profissional.
Por fim, alega que não são devidas diuturnidades à autora, já que esta não é sindicalizada e a CCT que prevê a obrigação do pagamento das referidas diuturnidades só passou a aplicar-se às relações entre as partes com a Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 29, de 8/08/2007, sendo que, na referida data, já o texto da CCT em vigor não previa o pagamento de diuturnidades.
Invoca ainda que, apesar de não serem devidas, pagou diuturnidades à autora entre julho de 2006 e fevereiro de 2010.
Conclui peticionando a sua absolvição parcial do pedido.
A autora apresentou réplica na qual, para além de ter admitido o pagamento da retribuição do mês de setembro de 2012 e a quantia de € 7.917,93, a título de diuturnidades, requereu a redução do pedido a este título formulado para o valor de € 3.032,87.
Mais requereu o aumento do peticionado a título de trabalho suplementar prestado, com fundamento no facto de, por lapso, ter contabilizado o valor do trabalho suplementar a 50% do valor do trabalho normal, quando tal trabalho deve ser pago pelo valor de 100%.
Foi admitida a ampliação do pedido e proferido despacho saneador, tendo-se dispensado a fixação da matéria assente e da base instrutória.
Teve lugar a realização da audiência de julgamento com observância das regras legais.
O tribunal fixou a matéria de facto nos termos constantes da respetiva ata, sem que hajam sido apresentadas reclamações.
Após, foi proferida sentença, com a seguinte decisão:
“Termos em que, e nos melhores de direito, decide-se julgar a ação parcialmente procedente, em consequência, absolvendo-se do mais peticionado, condena-se a ré:
A) No pagamento à autora, a título de trabalho suplementar prestado, do valor correspondente a 30 minutos, com um acréscimo de 75% (cfr. cláusula 29.ª, alínea a), da CCT), por cada dia em que a autora prestou trabalho efetivo, entre 13 de agosto de 2007 e 3 de setembro de 2012, a apurar em sede de liquidação de sentença para a qual se relega.
B) No pagamento à autora, a título de horas de formação profissional devida, da quantia de € 269,50 (duzentos e sessenta e nove euros e cinquenta cêntimos);
C) No pagamento à autora, a título de férias vencidas e não gozadas, retribuição por proporcionais de férias vencidas no ano da cessação do contrato e proporcionais dos subsídios de férias e de Natal, o valor global de € 2 594,62 (dois mil e quinhentos e noventa e quatro euros e sessenta e dois cêntimos).

2. Inconformada, veio a ré interpor recurso de apelação que motivou e com as conclusões, após convite ao aperfeiçoamento que, em síntese, se seguem:
1.ª A sentença é nula – art.ºs 615.º n.º 1 alínea b) e 607.º n.º 4 do CPC - por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e não conter a fundamentação e análise crítica dos fundamentos de facto que motivaram a matéria de facto dada como provada e só elencou os provados e descurou os não provados.
2.ª A A. violou o ónus de alegar e provar os elementos factuais constitutivos do direito peticionado, nos termos do art.º 342.º n.º 2 do CC, pois só alegou o constante nos artigos 28.º a 36.º da petição inicial, impugnados pela R., para fundar o seu pedido de pagamento de trabalho suplementar.
3.ª A sentença violou, assim, o art.º 342.º n.º 2 do CC, 364.º n.º 1 do CPC revogado, art.º 5.º do novo CPC e 27.º alínea b) e 72.º n.º 1 do CPT, pois nenhuma das partes alegou o ponto 4 dos factos dados como provados, constantes da fundamentação da sentença.
4.ª A aplicação do CCT celebrado entre a APAVT e o STMMAVTP, tem as limitações do art.º 1.º n.º 2 da Portaria de Extensão publicada em 08.08.2007, no BTE n.º 29, pelo que o tribunal recorrido não devia ter aplicado o art.º 17.º n.º 1 do CCT em referência.
5.ª O art.º 203.º n.º 1 do CT tem natureza imperativa, pelo que deviam ser aplicados à autora os limites de horário de trabalho referidos nesta norma e não os do CCT.
6.ª A imperatividade da norma decorre do art.º 59.º n.º 2 alínea b) da Constituição.
7.ª A A. não logrou provar que prestou trabalho suplementar determinado expressamente pela empregadora, como era seu ónus, pelo que o tribunal recorrido violou a cláusula 22.ª n.º 6 do CCT sobredito ao condenar a ré a pagá-lo, e constitui ainda uma violação do art.º 607.º n.º 5 do CPC.
8.ª A decisão recorrida é materialmente inconstitucional, nos termos dos art.ºs 202.º n.º 2 e 203.º da CRP, pois aplicou o direito de acordo com a posição formulada pela autora e não teve em consideração as matérias de exceção apresentadas pela recorrente, nem o direito do nosso ordenamento jurídico.

3. Foi apresentada resposta pela autora, a qual concluiu que a sentença deve ser confirmada, de facto e de direito e não devem ser conhecidas as nulidades invocadas pela apelante, porquanto não foram deduzidas separada e expressamente como manda o art.º 77.º n.º 1 do CPT.

4. O Ministério Público junto desta relação deu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, pelo que deve ser mantida a sentença recorrida e não conhecidas as nulidades por violação do art.º 77.º n.º 1 do CPT.
O parecer foi notificado às partes, que nada disseram.

5. Após os vistos, em conferência, cumpre decidir.

6. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são as seguintes:
1.ª – As nulidades da sentença.
2.ª – A alegação de que a matéria de facto do ponto 4 dos factos provados da sentença não foi alegada.
3.ª – Aplicação do CCT invocado pela autora.
4.ª – O trabalho suplementar.
5.ª – A inconstitucionalidade material da sentença.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida considerou provada a seguinte a matéria de facto, que se transcreve:
Da decisão da matéria de facto controvertida, do acordo das partes e dos documentos juntos aos autos, resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. Entre a autora e a ré foi celebrado um contrato de trabalho em 30 de janeiro de 1996, mediante o qual a autora foi contratada para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de assistente, sob as ordens e direção da ré;
2. A A. foi admitida para prestar o seu trabalho na sede da R, (…), local onde sempre desempenhou as suas funções;
3. O horário de trabalho contratualmente acordado era das 09h00 às 12h30 e das 14h00 às 18h30, sendo que, apesar de não ter sido sempre este o horário que vigorou ao longo da relação laboral, o horário de trabalho da autora contemplou sempre oito horas de trabalho diárias e cinco dias de trabalho por semana;
4. Apesar de o horário afixado no estabelecimento comercial da ré, colocado na porta e à vista de todos e do conhecimento dos trabalhadores, ser das 9h00 até às 12h30 e das 14h00 até às 18h00, o legal representante da ré disse aos trabalhadores que o horário afixado na porta estava errado e não se aplicava à ré, onde os trabalhadores continuavam obrigados a trabalhar 40 horas por semana;
5. Autora denunciou o contrato de trabalho celebrado, produzindo a denúncia efeitos em 03 de setembro de 2012;
6. À data da cessação do contrato de trabalho a autora auferia a remuneração ilíquida de € 1.111,98;
7. À data da denúncia a autora exercia as funções inerentes à categoria profissional de secretária;
8. No ano de 2012, a autora gozou os seguintes dias de férias:
- ½ dia em 24/02/2012
- ½ dia em 15/06/2012
- 1 dia em10/02/2012;
- Entre os dias 13/08/2012 e 03/09/2012;
9. A autora esteve de baixa médica entre os dias 11/07/2012 e 19/08/2012;
10. No dia 09/07/2012, a ré transferiu para a conta bancária da autora, com a referência “sub. férias” a quantia de € 878,66;
11. Entre julho de 2006 e fevereiro de 2010, a ré pagou à autora, a título de diuturnidades os valores assim referenciados, constantes dos recibos de fls. 59 a 108, no valor total de € 8.247,06;
12. A Ré é associada da APAVT.

B) APRECIAÇÃO

As questões a decidir neste recurso são as que já elencamos acima:
(...)
3.ª – Aplicação do CCT invocado pela autora.
4.ª – O trabalho suplementar.
5.ª – A inconstitucionalidade material da sentença.
(...)

B3) Aplicação do CCT invocado pela autora
Sobre esta matéria está provado que a ré é associada da APAVT.
O art.º 1.º n.º 1 da Portaria de Extensão, publicada no B.T.E. n.º 29 de 2007, 1.ª série, prescreve que: “as condições de trabalho constantes do CCT entre a APAVT - Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo e o SIMAMEVIP - Sindicato dos Trabalhadores da Marinha Mercante, Agências de Viagens, Transitários e Pesca, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 3, de 22 de janeiro de 2007, com retificação publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 12, de 29 de março de 2007, são estendidas no território do continente:
a) Às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que prossigam a atividade de agências de viagens e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nele previstas;
b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a atividade económica referida na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço das mesmas profissões e categorias profissionais não filiados na associação sindical outorgante”.
“Não são objeto de extensão as cláusulas contrárias a normas legais imperativas” (n.º 2).
A ré é associada da APAVT e a autora não demonstra estar filiada num sindicato. A ré prossegue a atividade de agências de viagens, está filiada na associação de empregadores outorgante e tem trabalhadores ao seu serviço que exercem funções profissionais previstas no CCT, como é o caso da autora, pelo que é aplicável à relação laboral entre a trabalhadora e a empregadora este CCT, por força do n.º 1 alínea b) da Portaria de Extensão publicada no B.T.E. n.º 29 de 2007, 1.ª série, mas unicamente a partir da data da entrada em vigor desta Portaria de Extensão, ou seja, 13 de agosto de 2007, como decidiu a sentença recorrida.
Não existe qualquer norma legal imperativa que o CCT afronte, como veremos nos pontos seguintes, pelo que o CCT invocado pela autora vincula esta e a ré empregadora, a partir da data da entrada em vigor a Portaria de Extensão.

B4) O trabalho suplementar
A apelante conclui que a trabalhadora não alegou nem provou factos de onde resulte que prestou trabalho suplementar e que este foi determinado pela empregadora.
Sobre esta matéria está provado que: “3. O horário de trabalho contratualmente acordado era das 09h00 às 12h30 e das 14h00 às 18h30, sendo que, apesar de não ter sido sempre este o horário que vigorou ao longo da relação laboral, o horário de trabalho da autora contemplou sempre oito horas de trabalho diárias e cinco dias de trabalho por semana;
4. Apesar de o horário afixado no estabelecimento comercial da ré, colocado na porta e à vista de todos e do conhecimento dos trabalhadores, ser das 9h00 até às 12h30 e das 14h00 até às 18h00, o legal representante da ré disse aos trabalhadores que o horário afixado na porta estava errado e não se aplicava à ré, onde os trabalhadores continuavam obrigados a trabalhar 40 horas por semana”.
Está assente que a autora prestou sempre oito horas de trabalho diário. Resulta do contrato individual inicial de trabalho que celebrou com a ré, que este era o horário de trabalho acordado.
O CCT aplicável e acima referido, prescreve na cláusula 17.ª n.º 1, que o período normal de trabalho é de sete horas e meia por dia e de 37h30 por semana.
No caso de o período normal de trabalho semanal, no período de referência de quatro meses, exceder as trinta e sete horas e meia semanais, o empregador deverá pagar as horas excedentes como trabalho suplementar (n.º 6).
A autora prestou sempre mais meia hora de trabalho por dia.
Face ao prescrito no n.º 6 da cláusula 17.ª do CCT aplicável, é evidente que, independentemente do horário diário e semanal efetivamente prestado, ao fim de quatro meses, terá que ser efetuada a conta das horas prestadas, para serem pagas como trabalho suplementar as que excederem trinta e sete horas e meia por semana.
Ao tempo em que foi celebrado o contrato de trabalho entre a autora e a ré, estava em vigor o Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de novembro de 1969.
No art.º 10.º este diploma legal prescrevia que se mantém os contratos em vigor à data da publicação deste diploma em tudo o que implique regime mais favorável para o trabalhador.
Esta norma jurídica materializa o princípio da vigência do regime mais favorável ao trabalhador.
Em 1996, data da celebração do contrato de trabalho entre as partes, não era ainda aplicável à autora o CCT invocado, o qual, como já referimos, só é aplicável a partir do dia 13 de agosto de 2007, nos termos do artigo 2.º n.º 1 da Portaria de Extensão publicada no B.T.E. 1.ª série, n.º 29 de 2007, em 8/8/2007, que estabelece a entrada em vigor no 5.º dia após a sua publicação.
A partir de 13 de agosto de 2007, a autora passou a beneficiar do regime mais favorável previsto no CCT, aplicável por força da Portaria de Extensão, pelo que ao continuar a prestar a sua atividade à ré com o mesmo horário de trabalho, oito horas dia e 40h00 por semana, excedia diariamente meia hora o seu horário normal de trabalho e duas horas e trinta minutos por semana.
Este tempo de trabalho excedentário constitui tempo de trabalho. A apelante conclui que não determinou a prestação de tal trabalho, pelo que não deve pagá-lo.
Todavia, está provado que os trabalhadores continuavam obrigados pela ré a trabalhar 40 horas por semana, apesar do horário afixado no estabelecimento comercial desta, colocado na porta e à vista de todos e do conhecimento dos trabalhadores, ser das 9h00 até às 12h30 e das 14h00 até às 18h00, donde resultava um horário de trabalho de 07h30 por dia e que de segunda a sexta somava as 37h30 semanais, o qual estava de acordo com o CCT, mas que não era cumprido por decisão da empregadora.
Daqui resulta que o trabalho prestado pela trabalhadora, excedente a 37h30 por semana, foi determinado pela empregadora.
A empregadora está obrigada a pagar à trabalhadora o trabalho suplementar, como bem decidiu a sentença recorrida, nos termos dos art.ºs 226.º n.º 1 e regime de prestação previsto nos art.ºs 227.º a 231.º e 268.º do CT atual e art.ºs 197.º a 200.º e 258.º do CT de 2003, com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 09/20006, de 20.03; 59/2007, de 04.09; 12-A/2008, de 27.02 e 59/08, de 11.09.
A imperatividade da lei, quanto ao limite máximo de oito horas por dia e de quarenta horas por semana, previsto nos art.ºs 203.º n.º 1 do CT atual e 163.º n.º 1 do CT anterior, impede apenas a estipulação de um horário de trabalho superior, mas não a de um horário inferior, como decorre claramente do art.º 203.º n.º 4 do CT atual e 168.º do CT anterior.
O regime de trabalho mais favorável previsto no CCT fica abaixo do máximo legal de 40 horas semanais e de oito horas por dia, pelo que não ocorre a violação de qualquer norma imperativa quanto a esta matéria.

O registo do trabalho suplementar resulta de obrigação legal que impende sobre o empregador – art.ºs 231.º do CT atual e 204.º do CT anterior. Se o empregador não cumprir esta prescrição legal, não pode prevalecer-se desse seu incumprimento para não pagar o trabalho suplementar. O registo tem em vista controlar os tempos de trabalho e de repouso do trabalhador. Tem ainda como finalidade servir como prova da sua prestação, mas não para não o pagar.

B5) A inconstitucionalidade material da sentença
A apelante conclui que a sentença recorrida é materialmente inconstitucional, nos termos dos art.ºs 202.º n.º 2 e 203.º da CRP, pois aplicou o direito de acordo com a posição formulada pela autora e não teve em consideração as matérias de exceção apresentadas pela recorrente, nem o direito do nosso ordenamento jurídico.
A inconstitucionalidade pode ser dirigida a determinada norma jurídica, mas não à decisão que aplicou a norma em causa.
A sentença não é inconstitucional, o que a apelante quereria dizer, pensamos nós, é que a aquela decisão errou ao aplicar o direito aos factos provados e, em seu entender, por o julgador ser parcial, pois invoca o art.º 203.º da CRP.
Todavia, a apelante não indica a norma jurídica violada. O objeto do recurso, no que à sentença diz respeito, já foi apreciado nos pontos anteriores.
Analisada a sentença, a resposta à matéria da facto e demais atos processuais praticados ao longo do processo, não vislumbramos qualquer indício de que o tribunal de primeira instância violou o dever de independência em relação a qualquer uma das partes ou terceiros (art.ºs 202.º e 203.º da CRP), donde decorrem os princípios da impartibilidade e da imparcialidade.
Os pedidos formulados pela autora não procederam na sua totalidade, o que demonstra que o tribunal não seguiu apenas a posição daquela, mas fundamentou-se no direito aplicável a cada caso concreto.
Nada existe na sentença ou no processo que indicie, ainda que minimamente, que o tribunal não foi isento.
A parte tem o direito de discordar das decisões proferidas, mas tem também o dever de o fazer do modo previsto na CRP e na lei. Com urbanidade, sem invetivas infundadas como a dos autos, no que diz respeito à isenção do tribunal. A certeza e a segurança do Direito exigem que todos os que prestam a sua atividade em prol da descoberta da verdade material, histórica e processual, o façam de modo a respeitar a dignidade de todos e das instituições, sem insinuações vagas, as quais perturbam escusadamente a paz jurídica e social que a aplicação do Direito visa obter na comunidade, em nome da qual é administrada a justiça.
Nesta conformidade, julgamos totalmente improcedente a apelação e decidimos confirmar a sentença recorrida.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 23 de fevereiro de 2016.
Moisés Silva (relator)
João Luís Nunes (adjunto)
Alexandre Ferreira Baptista Coelho (adjunto)