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CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
PRAZO
MULTA
Sumário
I. O artigo 145.º, n.ºs 5 e 6 do anterior CPC é aplicável, ex vi do art. 4.º do CPP, ao prazo para a constituição de assistente; II. Por isso, tendo o ofendido sido notificado a 1 de Fevereiro de 2013 para a constituição como assistente, é tempestivo o requerimento de admissão como assistente, acompanhado do pagamento da respectiva multa, em 14 de Fevereiro de 2013.
Texto Integral
Proc. N.º 27/13.2 GBRDD.E1
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Subsecção criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - Relatório 1 - No processo comum, com intervenção do tribunal singular n.º 27/13.2 GBRDD, do Tribunal da Comarca de Beja - Cuba - Inst. Local – Sec. Comp. Gen.- J1, foi julgada a arguida:
B…, divorciada, filha de (…), nascida no dia 30 de Novembro de 1971, natural da Roménia, com residência na Rua (…),
tendo sido proferida decisão, nos termos seguintes:
“Absolvo a arguida, da imputada prática de um crime de ameaça, previsto e punido pelo art. 153º, n.º1 e 155.º, n.º 1 al. a), do Código Penal.
Condeno a arguida pela prática de três crimes de injúria, previsto e punido pelo art. 181º, n.º1, do Código Penal, na pena de 25 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), para cada um dos crimes.
Condeno a arguida, em concurso de crimes, na pena única de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros);
Julgo improcedente por não provado o pedido de indemnização civil deduzido e em consequência, absolvo a demandada B…, do pedido.
(…)”.
2 - A arguida interpôs recurso dessa decisão, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“1ª - O presente recurso vem interposto da sentença da Instância Local de Cuba da Comarca de Beja, de 26/06/2015, proferida no processo acima indicado, que julgou improcedentes a extemporaneidade da constituição de assistente e da acusação particular e que condenou a arguida pela prática de 3 crimes de injúrias previstos e punidos pelo artigo 181.º n.º 1 do Código Penal na pena de 25 dias de multa à taxa diária de 6,00 € por cada um dos crimes.
2.ª - Na contestação, a arguida B… arguiu a extemporaneidade do requerimento de constituição de assistente e da acusação particular e extinção dos respectivos direitos, por preclusão, e a nulidade insanável do processo, nos termos dos artigos 48.º, 50.º e 119.º b) do Código de Processo Penal.
3.ª - O denunciante C… apresentou a denúncia em 01/02/2013 (fls. 3).
4.ª - Em 01/02/2013, o denunciante foi notificado para, no prazo de 10 dias, se constituir assistente (fls.8).
5.ª - O prazo de 10 dias, para o denunciante se constituir assistente, terminou em 11/02/2013.
6.ª - Em 14/02/2013 (3 dias fora do prazo) o denunciante, pelo seu ilustre mandatário, enviou o requerimento de folhas 11, ao Tribunal Judicial do Redondo (fls. 14).
7.ª - O requerimento de constituição de assistente deve ser apresentado, dentro do prazo de 10 dias, sob pena de preclusão do direito.
8.ª - Ao requerimento de constituição de assistente, não é aplicável o artigo 145.º do Código de Processo Civil (v. acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 1/2011).
9.ª - Quando o requerimento entrou, no Tribunal Judicial de Cuba, em 12/03/2013, sobre o termo do prazo – 11/02/2013 – já passavam em excesso 29 dias.
10.ª - Além da intempestividade do requerimento, o denunciante só juntou procuração, aos autos, em 10/10/2013 (fls. 24), ou seja, mais de 1 ano depois das datas dos factos.
11.ª - A procuração só foi outorgada, em 19/09/2013, sem que tivesse havido ratificação dos actos praticados anteriormente (fls. 25).
12.ª - A procuração foi passada quase 1 ano depois da prática dos factos denunciados; pois, estes, segundo a denúncia, ocorreram em 19/10/2012, 09/09/2012 e 09/09/2012 (fls. 5).
13.ª - E foi passada (19/09/2013) mais de 7 meses depois do termo do prazo de 10 dias – 11/02/2013 – ou seja, da preclusão do direito.
14.ª - O direito do denunciante se constituir assistente precludiu em 11/02/2013.
15.ª - O despacho que admitiu o denunciante a intervir, como assistente, não forma caso julgado formal e muito menos material.
16.ª - Até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, pode ser arguida a intempestividade/ preclusão do direito do denunciante se constituir assistente.
17.ª - O direito do denunciante se constituir assistente deve ser julgado extinto, por preclusão em 11/02/2013, arquivando-se o processo quanto a todos os crimes de natureza particular.
18.ª - O artigo 266.º do Código de Processo Penal, invocado na sentença, não se aplica ao requerimento de constituição de assistente, porque só respeita ao processo.
19.ª - O artigo 34.º do Código do Procedimento Administrativo, invocado na sentença, não se aplica ao processo penal, conforme decorre do artigo 2.º deste Código e do artigo 4.º do Código de Processo Penal.
20.ª - A sentença errou na interpretação e aplicação do acórdão do STJ n.º 1/2011 - de fixação de jurisprudência -, na medida em que este afastou a aplicação dos artigos 107.º- A do Código de Processo Penal e 145.º do anterior Código de Processo Civil ao requerimento de constituição de assistente.
21.ª - A promoção do processo penal, por crime particular, quando estava extinto o direito de constituição como assistente, como foi o caso, é sancionado com nulidade insanável, de acordo com o disposto nos artigos 48.º, 50.º e 119.º b) do Código de Processo Penal.
22.ª - Em 16/10/2014, foi proferido o despacho a ordenar a notificação do denunciante para deduzir acusação particular (fls. 85).
23.ª - Em 17/10/2014, foi expedida carta registada ao ilustre mandatário do denunciante; notificação que se presume efectuada no dia 20/10/2014 (fls. 87).
24.ª - O ilustre mandatário do denunciante teve acesso ao processo em 28/10/2014 (fls. 89 e 91).
25.ª - O ilustre mandatário do denunciante não arguiu nenhuma irregularidade.
26.ª - O prazo de 10 dias, a contar de 20/10/2014, terminou em 30/10/2014.
27.ª - A acusação particular e o pedido de indemnização foram apresentados em 31/10/2014, fora do prazo.
28.ª - A acusação e o pedido de indemnização civil são extemporâneos.
29.ª - O despacho de fls. 95, o despacho de fls. 101, as notificações de fls. 102 e 103 e o requerimento de fls. 105 são irrelevantes para o caso, porquanto não têm o poder de fazer renascer um direito do denunciante, que já estava extinto.
30.ª - O inquérito, quanto aos crimes particulares, foi concluído e encerrado pelo despacho de fls. 85, pelo que não pode ser reaberto, nos termos do artigo 285.º do Código de Processo Penal.
31.ª - A acusação e o pedido de indemnização civil, porque extemporâneos, foram apresentados quando o direito já havia precludido, devem ser indeferidos e mandados desentranhar e devolvidos ao denunciante.
32.ª - A acusação e o pedido de indemnização devem ser apresentados, no prazo de 10 dias, a contar da notificação do advogado, nos termos do disposto no artigo 113.º n.º 10 - 1.º segmento - do Código de Processo Penal.
33.ª - Não deve haver notificação pessoal do denunciante, porque é excluída pelo artigo 113.º n.º 10 - 2.º segmento - do Código de Processo Penal, porque como se vê se trata de situação que está excluída.
34.ª - A notificação do denunciante C…, feita a folhas 88, é um acto ilegal, inútil e irrelevante, nos termos do artigo 113.º n.º 10 do Código de Processo Penal.
35.ª - O prazo conta-se, pois, a partir da notificação feita ao advogado.
36.ª - O advogado foi notificado, por carta registada, expedida em 17/10/2014 (folhas 87).
37.ª - Presume-se notificado em 20/10/2014.
38.ª - O prazo de 10 dias terminou em 30/10/2014.
39.ª - Em 31/10/2014, data da apresentação da acusação, já o direito estava extinto, por preclusão.
40.ª - A extinção do direito de constituição de assistente e de deduzir acusação particular, por preclusão, geram a nulidade insanável do processo, nos termos dos artigos 48.º, 50.º e 119.º b) do Código de Processo Penal.
41.ª - A sentença violou:
Os artigos 246.º n.º 4 e 68.º n.º 2 do Código de Processo Penal e o acórdão do STJ n.º 1/2011, porque o requerimento de constituição de assistente foi apresentado fora do prazo;
Os artigos 285.º n.º 1 e 113.º n.º 10 do Código de Processo Penal, porque a acusação particular e o pedido de indemnização foram apresentados fora do prazo;
Os artigos 48.º, 50.º e 119.º b) do Código de Processo Penal, porque o direito de constituição de assistente e de acusação particular estavam extintos, por preclusão, o que gera a nulidade insanável do processo;
O artigo 266.º do Código de Processo Penal, porque não se aplica ao requerimento de constituição de assistente;
O artigo 34.º do Código do Procedimento Administrativo, porque não se aplica ao processo penal;
O artigo 181.º n.º 1 do Código Penal, porque o processo é nulo, está ferido de nulidade insanável.
42.ª - A arguida deve ser absolvida e o processo arquivado.
Assim, será feita JUSTIÇA!”
3 - Admitido o recurso e cumprido o art. 411º n.º 6, do C.P.P., foi apresentada resposta, pelo M.º P.º, concluindo:
“1.ª O artigo 145.º do anterior Código de Processo Civil é aplicável ao prazo para a constituição como assistente, nos termos do disposto no artigo 4.º do Código do Processo Penal.
2.ª Os artigos 107.º n.º 5 e 107.º - A do Código de Processo Penal não admitem qualquer excepção à aplicação das consequências em processo civil da prática de actos fora do prazo.
3.ª O assistente entregou o requerimento para a sua constituição no terceiro dia útil após o prazo legal, tendo pago a respectiva multa nos termos do artigo 145.º n.º 6 do Código de Processo Civil, pelo que a sua constituição como assistente é legal, tempestiva e encontrava-se representado por Advogado.
4.ª Num primeiro momento, o assistente foi notificado para deduzir acusação particular e pedido de indemnização cível após ter sido notificado para tanto, porém tal notificação foi dada sem efeito por se ter considerado que existia prova testemunhal a produzir.
5.ª Após, o assistente foi notificado nos termos do artigo 285.º do Código de Processo Penal, o que fez, deduzindo acusação particular e deduzindo pedido de indemnização cível de forma tempestiva.
6.ª A douta sentença recorrida fez uma correcta e ponderada apreciação da prova produzida.
Pelo que, deve ser mantida a sentença proferida nos presentes autos e negado provimento ao douto recurso, para que se faça JUSTIÇA.”
4 - Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador Geral-Adjunto emitiu parecer, concluindo:
“Através da compulsa dos autos, manifestamos a nossa adesão aos fundamentos de facto e de direito, enunciados e constantes da douta decisão recorrida, sendo que não se vislumbra nada de relevante e de decisivo que a consinta colocar em crise.
Adere-se à argumentação expendida na Resposta ao recurso dada pelo Sr. Procurador - Adjunto no tribunal de primeira instância, onde, de forma clara na sua fundamentação, rebate de forma convincente os argumentos apresentados pelo recorrente que integralmente se sufraga, nada mais, com relevo para a decisão a proferir, se nos oferece aduzir em abono do que em tal peça processual vem sustentado.
Nesta conformidade, entendemos que a decisão recorrida não merece as censuras que lhe são apontadas, pelo que somos de parecer de que ao recurso deverá ser negado provimento.”
5 - Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º n.º 2, do C.P.P. A recorrente respondeu, mantendo a sua posição inicial.
6 - Foram colhidos os vistos legais.
7 - Cumpre decidir
II - Fundamentação 2.1 - O teor da decisão, na parte que importa, é o seguinte:
“Preceitua o artigo 246.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, no caso de crimes de natureza particular, a autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente deve advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição do assistente e dos procedimentos a observar. O artigo 68.º, n.º 2, do CPP dispõe que o requerimento (de constituição de assistente) tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4 do artigo 246.º.
No caso dos autos, em 1 de Fevereiro de 2013, no posto territorial do Redondo, do Comando Territorial de Évora, o C… apresentou queixa contra a ora arguida, e foi advertido da necessidade de se constituir assistente no prazo de 10 dias (fls. 8).
O auto de denúncia foi remetido aos Serviços do Ministério Público do extinto Tribunal de Cuba.
A fls. 11 e a 15 de Fevereiro de 2013, perante o Tribunal Judicial do Redondo, o ofendido requereu a sua constituição como assistente. O requerimento foi remetido ao extinto Tribunal de Cuba em 12 de Março de 2013.
Decorre do artigo 266.º, n.º 1, “Se, no decurso do inquérito, se apurar que a competência pertence a diferente magistrado ou agente do Ministério Público, os autos são transmitidos ao magistrado ou agente do Ministério Público competente.”.
No n.º 2 do citado normativo, “Os actos de inquérito realizados antes da transmissão só são repetidos se não puderem ser aproveitados”.
Adicionalmente, vigente á altura, dispunha o artigo 34.º do Código de Procedimento Administrativo, entretanto revogado pelo Decreto-lei 4/2015 de 7 de Janeiro, “1 - Quando o particular, por erro desculpável e dentro do prazo fixado, dirigir requerimento, petição, reclamação ou recurso a órgão incompetente, proceder-se-á da seguinte forma: a) Se o órgão competente pertencer ao mesmo ministério ou à mesma pessoa colectiva, o requerimento, petição, reclamação ou recurso ser-lhe-á oficiosamente remetido, de tal se notificando o particular; b) Se o órgão competente pertencer a outro ministério ou a outra pessoa colectiva, o requerimento, petição, reclamação ou recurso será devolvido ao seu autor, acompanhado da indicação do ministério ou da pessoa colectiva a quem se deverá dirigir. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, começa a correr novo prazo, idêntico ao fixado, a partir da notificação da devolução ali referida. 3 - Em caso de erro indesculpável, o requerimento, petição, reclamação ou recurso não será apreciado, de tal se notificando o particular em prazo não superior a quarenta e oito horas. ”
A remessa do requerimento de constituição de assistente aos serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial do Redondo pelo ofendido produz efeitos com a apresentação naquele tribunal. Não obstante, o Tribunal de Cuba ser o competente em função do lugar da prática dos factos, o ofendido não foi notificado que a denúncia havia sido transmitida ao tribunal do lugar da prática dos factos. Verifica-se, assim, uma situação de erro desculpável, porquanto não foi notificado do ulterior desenvolvimento processual por força da situação de incompetência. Saliente-se que foi o próprio ofendido que apresentou a denúncia junto do Órgão Policial.
O requerimento foi remetido por correio registado em 14 de Fevereiro de 2013 (fls. 14). Sustenta a defesa que o prazo previsto no artigo 68.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, é peremptório e não se pode aplicar o disposto no artigo 107.º-A do Código de Processo Penal. O ACSTJ n.º 1/2011, processo 966/08.2GBMFR.L1-A.S1, fixou a seguinte jurisprudência: «Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal.». No acórdão uniformizador de jurisprudência conclui pela existência de um prazo peremptório ao dizer-se “A admissão de que esse prazo não é um prazo peremptório não tem, assim, qualquer apoio ou ressonância nas palavras da lei” e “10.2 — O resultado interpretativo a que se chega é o de se ter o prazo processual fixado no n.º 2 do artigo 68.º como um prazo peremptório, sujeito à regra geral do n.º 2 do artigo 107.º, e, assim, é no prazo de 10 dias, a contar da advertência e esclarecimento referidos no n.º 4 do artigo 246.º, que o denunciante, por crime dependente de acusação particular, tem de requerer a sua constituição como assistente, sob pena de se extinguir o direito de requerer a sua constituição como assistente. A inobservância do prazo torna inadmissível que, posteriormente, o denunciante por crime particular venha a requerer a sua constituição como assistente. Uma vez que é afectado de caducidade o direito de o denunciante se constituir assistente. «Extinguiu -se, caducando, o poder de causar quaisquer efeitos jurídicos através do acto que só era possível dentro do prazo.»”.
Porém, sustenta-se que “Só, portanto, o justo impedimento é capaz de validar o acto levado a efeito após o decurso do prazo extintivo”. Se para o acórdão uniformizador de jurisprudência não existe razão para afastar o instituto do justo impedimento, menos existirá para dizer que o disposto no artigo 107.º-A não é aplicável ao requerimento de constituição de assistente. O requerimento pode ser submetido dentro dos três dias subsequentes ao termo do prazo estando a sua validade dependente do pagamento imediato da multa.
Nos termos do artigo 70.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, “Os assistentes são sempre representados por advogado.” Tanto o requerimento de constituição de assistente como à data da apreciação dos respectivos pressupostos, o ofendido encontrava-se representado por advogado. Diferente entendimento seria o ofendido requerente da sua constituição como assistente nunca estivesse sido representado por advogado. Não assiste provimento à arguida quanto invoca a falta de representação por mandatário.
O art. 118.º do Código de Processo Penal, consagra o carácter residual das irregularidades processuais em processo penal ao estabelecer no n.º 1 “A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.” e n.º 2 “Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.”
Nos termos dos arts. 50.º do Código de Processo Penal, bem como dos arts. 113.º e 117.º do Código Penal, 219.º da Constituição da República Portuguesa, nos crimes de natureza particular o Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal (e o poder-dever de o fazer), desde que tenha sido apresentada a competente queixa, o ofendido se constitua assistente e deduza acusação particular.
Desta forma, ainda que se entendesse por extinto o direito a constituir assistente e consequentemente o direito a deduzir acusação particular – que não se verifica - despacho admitiu a constituição de assistente incorreu num vício que o feriu de nulidade sanável, por exclusão das situações previstas no art. 119.º, do Código de Processo Penal, e por força do estatuído no artigo 120.º, n.º1 al. d) do Código de Processo Penal, ao não ser praticado um acto obrigatório.
Ora, uma vez que a referida nulidade ocorreu – alegadamente - ainda na fase de inquérito e que determinados actos de inquérito são praticados, autorizados ou ordenados pelo Juiz de Instrução, e não pelo Ministério Público, como é o caso dos actos enumerados nos arts. 268.º e 269.º do Código de Processo Penal, de acordo com o disposto no artigo 120.º, n.º 3, a nulidade deveria ter sido arguida cinco dias após a notificação do despacho que declarou encerrado o inquérito. Ao não fazê-lo, a nulidade sanou-se e não pode ser arguida na contestação pela arguida.
Por fim, quanto à extemporaneidade da acusação particular e respectivo pedido de indemnização civil, à luz do disposto nos artigos 145.º, n.º 5 e 113.º, n.º 1 al. c) e 3 do Código de Processo Penal, “Para os efeitos de serem notificados por via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o denunciante com a faculdade de se constituir assistente, o assistente e as partes civis indicam a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.”
E de acordo com o disposto no artigo 113.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, “Quando efectuadas por via postal simples, (…), considerando-se a notificação efectuada no 5º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação”.
A notificação por via postal simples foi depositada em 21/10/2014 (fls. 88). Assim, no presente caso, considera-se notificado em 26/10/2014 o ofendido para dedução da acusação particular, no prazo de 10 dias após a notificação do arguido da acusação.
A apresentação da acusação particular em 31 de Outubro de 2014 é tempestiva e, consequentemente, improcede a extemporaneidade da acusação particular e do pedido de indemnização civil.
Termos em que, em conformidade com o disposto no art. 118 e 120.º, do Código de Processo Penal, julgo improcedentes as nulidades invocadas pela arguida na sua contestação e não se reconhece a extemporaneidade do requerimento do denunciante a pedir a constituição como assistente e da acusação particular e o pedido de indemnização civil.
Não existem nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa..”.
2.2 - O registo magnetofónico da prova permite, normalmente, que o tribunal de recurso, além de sindicar a matéria de facto (desde que o recorrente o pretenda e dê cumprimento ao disposto no art. 412º ns. 3 e 4, do C.P.P., o que não ocorre no caso “sub judice”), aprecie as questões de direito avançadas pelo recorrente (Cfr. art. 428º, do mencionado compêndio adjectivo) e faça a apreciação de eventuais vícios do art. 410°, n.º 2 CPP ou de nulidades que não devam considerar-se sanadas. E, dentro destes parâmetros, são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso (art. 412°, n.º 1 CPP), uma vez que as questões submetidas à apreciação da instância de recurso são as definidas pelo recorrente.
São as conclusões que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos que levam o recorrente a discordar da decisão recorrida, quer no campo dos factos quer no plano do direito.
Ora, as conclusões destinam-se a resumir essas razões que servem de fundamento ao pedido, não podendo confundir-se com o próprio pedido pois destinam-se a permitir que o tribunal conhecer, de forma imediata e resumida, qual o âmbito do recurso e os seus fundamentos.
Como se viu, a lei exige conclusões em que o recorrente sintetize os fundamentos e diga o que pretenda que o juiz decida, certamente porque são elas que delimitam o objecto do recurso.
Não pode o tribunal seleccionar as questões segundo o seu livre arbítrio nem procurar encontrar no meio das alegações, por vezes extensas e pouco inteligíveis, o que lhe pareça ser uma conclusão.
As conclusões constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão.
2.3 - Feita esta introdução de âmbito geral e analisadas as conclusões de recurso, a recorrente alega, no caso em análise, de novo, como fundamento do recurso, apenas questões processuais ocorridas na fase de inquérito, respeitantes:
- À extemporaneidade da constituição como assistente;
- À extemporaneidade da acusação Particular e do pedido de indemnização civil;
- A nulidade insanável do processo, nos termos dos artigos 48.º, 50.º e 119.º b) do Código de Processo Penal.
2.4 - Análise das questões objecto do recurso- 2.4.1 - Da constituição como assistente
No que respeita à alegada extemporaneidade da constituição como assistente, de C…, dir-se-á que, da análise dos autos, resulta que, no decurso do inquérito:
O ofendido foi notificado, em 1 de Fevereiro de 2013, para a necessidade da sua constituição como assistente, conforme consta de fls. 7 e 8;
Em 14 de Fevereiro de 2013, ofendido requereu a sua constituição como assistente, nos termos constantes do requerimento subscrito por advogado, junto a fls. 11 a 14;
Em 20 de Março de 2013, foi proferido o seguinte despacho: “O ofendido C… foi advertido para os efeitos do artigo 68.º n.º 2 do Código do Processo Penal em 1 de Fevereiro, pelo que o prazo dos 10 dias, para requerer a sua constituição como assistente terminava em 11 de Fevereiro. Porém, o acto pode, ainda, ser praticado dentro dos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, nos termos do art.º 145º nº 5 do Código de Processo Civil aqui aplicável ex vi do art.º 4º do Código de Processo Penal. Assim, tendo o requerimento sido remetido no dia 14 de Fevereiro, ou seja, no 3º dia útil subsequente ao termo do prazo dos 10 dias, impõe-se dar cumprimento ao disposto no art.º 145º nº 6 do Código de Processo Civil, o que se determina.”, nos termos constantes de fls. 17.
Em 29 de Abril de 2013, foi expedida, por via postal registada, notificação ao ofendido para proceder ao pagamento da multa, nos termos do artigo 145.º n.º 6, do Código do Processo Civil, na redacção anterior às das Leis n.ºs. 41/2013, de 26 de Junho e Lei n.º 122/2015, de 01/09.
O ofendido efectuou tal pagamento, conforme consta de fls. 20 a 22;
O ofendido, a fls. 24, veio juntar a procuração forense que, por lapso, não acompanhou o requerimento de constituição como assistente;
A admissão da constituição como assistente de C…, foi proferida por despacho proferido a 9 de Dezembro de 2013, junto a fls. 28.
É conveniente, desde logo, esclarecer que a aludida queixa apresentada, pelo C…, contra a ora arguida, o foi no posto territorial do Redondo, do Comando Territorial de Évora. O auto de denúncia foi remetido aos Serviços do Ministério Público ao, então Tribunal Judicial de Cuba. O ofendido requereu a sua constituição como assistente, perante o Tribunal Judicial do Redondo. O requerimento foi remetido ao Tribunal de Cuba.
Sobre a questão da transmissão dos autos, o artigo 266.º, n.º 1, do CPP, preceitua: “Se, no decurso do inquérito, se apurar que a competência pertence a diferente magistrado ou agente do Ministério Público, os autos são transmitidos ao magistrado ou agente do Ministério Público competente. No n.º 2 do citado normativo, “Os actos de inquérito realizados antes da transmissão só são repetidos se não puderem ser aproveitados”.
Assim sendo, é acertado e legítimo afirmar-se que “A remessa do requerimento de constituição de assistente aos serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial do Redondo pelo ofendido produz efeitos com a apresentação naquele tribunal. Não obstante, o Tribunal de Cuba ser o competente em função do lugar da prática dos factos, o ofendido não foi notificado que a denúncia havia sido transmitida ao tribunal do lugar da prática dos factos. Verifica-se, assim, uma situação de erro desculpável, porquanto não foi notificado do ulterior desenvolvimento processual por força da situação de incompetência. Saliente-se que foi o próprio ofendido que apresentou a denúncia junto do Órgão Policial.”
Na sequência da análise dos demais pontos equacionados, nesta questão da extemporaneidade da constituição como assistente, teremos de atender à previsão do art.º 145.º n.º 5 e 6, do Código do Processo Civil, então em vigor, que dispunham:
“5 - Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos:
a) Se o ato for praticado no 1.º dia, a multa é fixada em 10 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 1/2 UC;
b) Se o ato for praticado no 2.º dia, a multa é fixada em 25 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 3 UC;
c) Se o ato for praticado no 3.º dia, a multa é fixada em 40 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 7 UC.
6 - Praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa, desde que se trate de ato praticado por mandatário”
Entendemos que o citado art.º 145.º n.º 5 e 6 do Código do Processo Civil é aplicável “ex vi” pelo artigo 4.º do Código do Processo Penal, ao prazo para constituição de assistente, não existindo qualquer fundamento para afastar a aplicação da referida normal do processo civil a tal prazo.
Esse raciocínio baseia-se na redacção do artigo 107.º n.º 5, do Código de Processo Penal, que não admite qualquer excepção à aplicação das consequências em processo civil para a prática de actos fora do prazo.
Tal acepção é reforçada pela previsão do art.º 107.º - A, do Código do Processo Penal, sendo que “uma interpretação contrária iria criar uma excepção não prevista na lei para o prazo de constituição de assistente.”
Acresce que, o argumento seguido pela recorrente de que o prazo, de dez dias, previsto no n.º 2, do ar. 68º, do CPP, é peremptório e não se pode aplicar o disposto no artigo 107.º-A do Código de Processo Penal, por imposição do ACSTJ n.º 1/2011, proferido no processo 966/08.2GBMFR.L1-A.S1, que fixou a seguinte jurisprudência: «Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal.», não é, totalmente, exacto.
É indiscutível que esse prazo é peremptório. Todavia, entendemos que se lhe aplica, como já afirmado, a previsão do ar. 107º-A, do CPP.
Pois que, o citado acórdão uniformizador de jurisprudência refere, no seu ponto “10.2 - O resultado interpretativo a que se chega é o de se ter o prazo processual fixado no n.º 2 do artigo 68.º como um prazo peremptório, sujeito à regra geral do n.º 2 do artigo 107.º…”
Admite-se que “Só, portanto, o justo impedimento é capaz de validar o acto levado a efeito após o decurso do prazo extintivo”.
E, como, bem, se refere na sentença recorrida: “se para o acórdão uniformizador de jurisprudência não existe razão para afastar o instituto do justo impedimento, menos existirá para dizer que o disposto no artigo 107.º-A não é aplicável ao requerimento de constituição de assistente. O requerimento pode ser submetido dentro dos três dias subsequentes ao termo do prazo estando a sua validade dependente do pagamento imediato da multa.”
A análise do processo demonstra que, na fase de inquérito, o assistente, sempre, esteve representado por advogado, pelo que não se verifica a falta de representação por mandatário, como impõe o artigo 70.º do Código de Processo Penal.
Os arts. 50.º, do Código de Processo Penal, 113.º e 117.º do Código Penal, e 219.º da Constituição da República Portuguesa, preceituam que, relativamente aos crimes de natureza particular, o Ministério Público tem legitimidade para promover a acção penal, desde que tenha sido apresentada a competente queixa-crime, o ofendido se tenha constituído assistente e tenha deduzido acusação particular.
Não devemos olvidar que a existência de alguma irregularidade ou uma nulidade sanável do despacho que admitiu a constituição como assistente ficou sanada com a prolação do despacho que declarou encerrado o inquérito, nos termos preceituados nos arts. 118º n.ºs. 1 e 2, 120º n.ºs. 1, al. d) e 3, al. c), todos do CPP.
Concluindo, em face dos motivos exposto, tendo o ofendido sido notificado a 1 de Fevereiro de 2013, para a constituição como assistente, tendo-o feito, no terceiro dia útil seguinte, isto é, em 14 de Fevereiro de 2013, e pago a respectiva multa processual, o requerimento de admissão de assistente não é extemporâneo.
2.4.2 - Da dedução de acusação particular e do pedido de indemnização cível.
Em 21 de Outubro de 2014, o assistente foi notificado para deduzir acusação particular, nos termos do artigo 285.º n.º 1 do Código de Processo Penal, conforme consta de fls. 85 e 88.
O assistente considera-se notificado em 26/10/2014, para deduzir acusação particular, no prazo de 10 dias após a notificação do arguido da acusação.
A apresentação da acusação particular e do pedido de indemnização civil ocorreu em 31 de Outubro de 2014, portanto, dentro do prazo, pelo que não são extemporâneos, ou intempestivos.
Na sua resposta o MºPº, chama a atenção para o processado seguinte, que em nada afecta a tempestividade da acusação particular e do pedido de indemnização civil.
Vejamos!
O Ministério Público a fls. 95 proferiu o seguinte despacho: “ Visto. Apesar de já ter sido deduzida acusação particular, após melhor análise do teor dos autos, consideramos existir ainda interesse para a presente investigação a realização de nova diligência de inquirição da testemunha António Faleiro Pepe, uma vez que o mesmo refere, apesar de não forma não totalmente clara, que a arguida terá proferido aquelas expressões mais do que uma vez.
Assim, dou sem efeito o prazo previsto no artigo 285º nº4 do Código de Processo Penal, realizando-se a diligência referida, sendo o assistente novamente notificado para os termos do 284º após o exaurimento probatório da presente investigação.
Face ao exposto, em data livre em agenda, notifique a testemunha supra para inquirição na minha presença.
Após realização da diligência, conclua com o processo 183/12.7TACUB.”
A fls. 99 foi produzida prova testemunhal e o assistente foi notificado para deduzir acusação particular e pedido de indemnização cível a 16 de Janeiro de 2015 (fls. 101 a 104), o que fez a fls. 105 remetendo para a anteriormente junta aos autos.
Deste modo, tendo sido dada sem efeito a primeira notificação para deduzir acusação particular, atenta a necessidade de proceder à realização de prova testemunhal e tendo sido feita nova notificação para dedução de acusação particular, o que ocorreu (fls. 101 a 104), não se configura como extemporânea a acusação particular e pedido de indemnização cível apresentados.”
Por último, apenas, mencionar que a arguida e o seu mandatário foram notificados, quer do despacho de arquivamento, quer da acusação, quer da acusação particular (onde estava inserido o pedido de indemnização civil), acompanhada pelo MºPº, em 19/10/2015 (Vide fls. 111 a 112 e 119), a primeira, e o segundo, através de via postal registada expedida em 18/10/2015, o segundo (vide fls. 113), nada requerendo.
Apenas, em 21/05/2015, com a apresentação da contestação, alegaram as questões ora suscitadas em sede de recurso.
De novo, remetemos para a previsão dos arts. 118º a 123º e 287º, n.ºs 1, al. a) e 2, do CPP.
Em face do exposto, o recorrente carece de razão.
Não se vislumbrando, pelos motivos expostos, que tenha ocorrido a nulidade insanável do processo, nos termos dos artigos 48.º, 50.º e 119.º b), do Código de Processo Penal, nem a violação dos arts. 48.º, 50.º, 68.º n.º 2, 113.º n.º 10, 119.º b), 246.º n.º 4, 266.º, 285.º n.º 1, do Código de Processo Penal, 181.º n.º 1 do Código Penal, 34.º do Código do Procedimento Administrativo, e do acórdão do STJ n.º 1/2011.
III - Decisão
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo o decidido na sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs, e demais acréscimos legais, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
(Processado por computador e integralmente revisto pela relatora que rubrica as restantes folhas).
Évora, 29/03/2016
Maria Isabel Duarte (relatora)
José Maria Martins Simão (adjunto)em 14 de Fevereiro de 2013.