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CONTRA-ORDENAÇÃO
AUTO DE NOTÍCIA
VALOR PROBATÓRIO
Sumário
I. Face ao disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 13.º do Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14-09, os factos constantes do auto de notícia consideram-se provados desde que a autenticidade do auto ou a veracidade do nele relatado não for fundadamente posto em causa; II. No referido processo de contra-ordenação, em caso de impugnação judicial, se não for necessária a produção complementar de meios de prova, o tribunal decide o recurso com base na prova recolhida pela autoridade administrativa que se encontra documentada no processo, sem necessidade de a sujeitar a debate contraditório na audiência; III. Mas ainda que na referida fase haja lugar a produção complementar de prova requerida pela arguida/recorrente, deve também o tribunal atender, em termos de valoração de prova, ao valor probatório constante do auto de notícia e, assim, aos factos nele constantes, bem como aos documentos juntos na fase administrativa do processo. (Sumário do relator)
Texto Integral
Proc. n.º 501/15.6T8BJA.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I. Relatório B…, S.A. (…) impugnou judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho (Unidade Local do Litoral e Baixo Alentejo) que lhe aplicou a coima de € 25.000,00, e a sanção acessória de publicitação na página electrónica da AT, pela prática de uma contraordenação muito grave, por infracção ao disposto nos artigos 66.º, 67.º, 68.º, 155.º e 156.º do Decreto n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958, conjugados com o artigo 25.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro, com os artigos 15.º, n.º 1 e 2, alíneas g), h) e i) e artigo 16.º, n.º 2, alínea a), estes da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, e ainda com os artigos 554.º, n.º 4, 556.º, n.º 1, e 562.º, n.ºs 1 e 4, estes do Código do Trabalho.
A infracção consistiu, em síntese, na circunstância de no dia 18-01-2011, numa obra localizada no concelho de Ferreira do Alentejo decorrerem trabalhos relacionados com lingagem de uma conduta subterrânea de água, com 800mm de diâmetro, para reparação da junta da extremidade e betonagem de um maciço em betão de apoio da conduta, obra essa onde se encontravam vários trabalhadores da arguida/recorrente e se constatar na mesma a ausência de condições de segurança, nomeadamente de uma prévia entivação do solo nas frentes de escavação, com prioridade para a protecção colectiva.
Por sentença de 22 de Outubro de 2015, da Comarca de Beja – Beja – Instância Central – Secção do Trabalho – Juiz 1 – foi julgada parcialmente procedente a impugnação, sendo a parte decisória do seguinte teor: «Em face de tudo o exposto, decido julgar parcialmente procedente o presente recurso de impugnação judicial e, em consequência, revogo parcialmente a decisão administrativa, proferida em 28 de Janeiro de 2015, nos autos de Contra-Ordenação n.º 041100170 pelo ACT - Unidade Local do Litoral e Baixo Alentejo, em Beja e, em consequência, pela prática de uma contra-ordenação muito grave, a título de negligência, prevista e punida, pelos arts.º 66.°, 67.°, 68.°, 69°, 155.° e 156.° do Decreto n° 41821, de 11 de Agosto de 1958; artigos 15°, nºs 1 e 2, alíneas g), h), e i), e 16.°, n° 2, alínea a), do Decreto-Lei n° 102/2009, de 10 de Setembro; art.° 25°, n° 4 do Decreto-lei n° 273/2003 de 29 de Outubro e pelos arts.º 554, n° 4, conjugado com o art.° 556, n° 1 ambos do Código de Trabalho condeno a arguida/recorrente B…, S.A., no pagamento de uma coima que fixo em 100 UC's, ou seja, em € 10 200,00 (dez mil e duzentos euros), absolvendo-a da sanção acessória de publicitação na página electrónica da ACT.».
De novo inconformada, a recorrente interpôs recurso para este Tribunal da Relação, tendo na respectiva motivação formulado as seguintes conclusões: «I. A arguida/recorrente foi condenada pela ACT numa coima no valor de €25.000,00, bem como a uma condenação na sanção acessória de publicidade, em virtude de, alegadamente, não ter cumprido as normas de segurança numa obra. II. O Tribunal a quo decidiu absolver a arguida da sanção acessória e reduziu consideravelmente a coima de que a arguida/recorrente vinha condenada, porquanto, considerou-a desproporcional, mantendo, ainda assim, a condenação agora no pagamento de uma coima de €10.200,00. III. Para tal, tomou, tão-somente, em consideração o auto-de-notícia e a decisão administrativa. IV. A única prova testemunhal requerida, apresentada e reproduzida na audiência de julgamento (C… e D…) foi a dos depoimentos testemunhais da arguida/recorrente, que vieram precisamente refutar e contradizer a versão plasmada na decisão administrativa. V. O Ministério Público não requereu a produção de qualquer meio de prova, havendo apenas nos autos o processo administrativo. VI. Com o devido respeito por opinião em sentido diverso, a condenação da ora arguida só se pode admitir se invertermos toda a lógica garantística presente em todo e qualquer processo criminal ou sancionatório. VII. O processo sub judice é pautado pela estrutura acusatória, não fosse este um processo de cariz penal, atento ao objecto do mesmo, que versa precisamente sobre a impugnação de uma decisão de condenação no âmbito do direito contra-ordenacional. VIII. Nessa medida, e no âmbito da estrutura acusatória, não é à arguida que impende a prova dos factos (absolutórios) que invoca e alega, cabendo, isso sim, ao Ministério Publico invocar, requerer e provar toda a matéria constante da acusação. IX. Se compete ao Ministério Público a função de requerer qualquer meio de prova que considere pertinente, atendendo à acusação que formule ou sustente, e, outrossim, promover a prova desses factos, tal como postula o artigo 37.º e o número 1 do artigo 47.º, ambos do Regime Processual Aplicável às Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social (doravante, brevitatis causa, RPCOLSS), então, compete ao Meritíssimo Juiz “determinar o âmbito da prova a produzir”, conforme dispõe o número 2 do artigo 47.º RPCOLSS, e julgar a arguida com base na prova apresentada e reproduzida em sede de audiência. X. Certo é que “Não compete ao tribunal sanar deficiências da acusação, atento o princípio do acusatório vigente” (Sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 233/03.8PDFUN.L1-5 de 06/11/2010, disponível in www.dgsi.pt). XI. Pelo que, se nenhuma prova foi requerida pelo Ministério Público, baseamos a condenação da arguida/recorrente em quê? Na decisão administrativa/acusação? No auto-de-notícia? XII. De acordo com o artigo 37.º do RPCOLSS a decisão administrativa da ACT vale, tão-somente, como acusação, e, como tal, a versão fáctica lá constante não pode ser apreciada como uma prova documental. XIII. Quando muito, poderá servir de guião para os factos que carecem de prova, prova esta que deve ser reproduzida na audiência de julgamento. XIV. Já quanto ao auto-de-notícia, consideramos que este pode consubstanciar um documento com alguma força probatória, mas sempre limitado e dependendo de certos requisitos. XV. Desde logo, referem os números 3 e 4 do artigo 13.º do RPCOLSS que, “Consideram-se provados os factos materiais constantes do auto de notícia levantado (…) enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa.”; com o devido respeito, outra coisa não fez a aqui arguida senão colocar em causa o conteúdo daquele auto! XVI. Auto esse que, para além dos factos e do Direito – requisitos essenciais formais ao mesmo – também se encontra impregnado de matéria conclusiva e até de conteúdo pejorativo. XVII. Por outro lado, “Relativamente às infracções de natureza contra-ordenacional cuja verificação não tenha sido comprovada pessoalmente pelo inspector do trabalho ou da segurança social, há lugar à elaboração de participação instruída com os elementos de prova disponíveis e a indicação de, pelo menos, duas testemunhas e o máximo de cinco, independentemente do número de contra-ordenações em causa.”, XVIII. Algo que também não aconteceu! XIX. De facto, o auto de notícia refere o testemunho de terceiros, mas sem estar sequer assinado por qualquer testemunha. XX. Concluímos, portanto, que o auto de notícia presente nos autos também não tem qualquer conteúdo probatório. XXI. Esta conclusão é inclusivamente suportada, de modo amplo, pela jurisprudência dos vários Tribunais da Relação do país que sumariamente se reproduzem: Sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Évora, 467/13.7TBLGS.E1, datado de 28/01/2014, disponível in www.dgsi.pt: “I - O artigo 169.º Código de Processo Penal actual que define o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados não engloba o auto de notícia.” Sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Évora, 721/07.7PBEVR.E1, datado de 20/12/2012, disponível in www.dgsi.pt: “1. Goza de força probatória o auto elaborado por um agente de autoridade que presenciou a infracção e a descreveu no auto, posto que o referido agente em julgamento tenha declarado não se recordar dos concretos factos ali relatados.” Sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 0311921, datado de 17/09/2003, disponível in www.dgsi.pt: “I - Em processo contraordenacional, o auto de notícia não faz fé em juízo. II - Por isso, o juiz não pode conhecer da impugnação judicial por mero despacho, com fundamento na fé em juízo do auto de notícia.” Sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo 2319/11.6TBFAF.G1, datado de 25/05/2013, disponível in www.dgsi.pt: “Um auto de notícia pode ser valorado como meio de prova, mas as comprovações nele feitas valem exclusivamente em relação aos puros factos presenciados pela entidade que o elaborou.” Sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 597/11, datado de 11/09/2013, disponível in www.dgsi.pt: “A especial força probatória que a lei processual penal confere aos documentos autênticos circunscreve-se unicamente aos documentos extra-processuais. Ora, um auto de notícia é um documento intra-processual sujeito à livre apreciação do julgador, sob pena de colidir com a livre valoração dos depoimentos testemunhais dos próprios agentes autuantes. Com efeito, tanto o auto de notícia como o depoimento da pessoa que o lavrou devem ser livremente valorados pelo julgador, sendo que o auto de notícia não permite o aprofundamento e o esclarecimento probatório do depoimento testemunhal. E nessa medida, pode, por exemplo, servir como auxiliar de memória para o autuante mas não sobrepor-se ao seu depoimento. Assim, olhado o auto de notícia constante nos autos e valorado com as restrições referidas, é forçoso concluir que, por si mesmo e desacompanhado de outras provas, não indicia a prática do crime pela arguida. Apesar dos inspetores da ASAE noticiarem que as roupas contrafeitas se encontravam encobertos por outros artigos, o que evidenciava o cuidado em escondê-los, a verdade é que o auto de notícia não expressa quem lá os colocou ou os escondeu.” XXII. Uma vez mais, e sempre com o devido respeito, como é que é possível sustentar uma condenação sem prova da prática de qualquer infracção?! XXIII. Sustentando a condenação da arguida com base em prova documental, desvalorizando, em absoluto, os testemunhos apresentados, e não permitindo o direito do contraditório, já que aquele pseudo auto de notícia, pejado de pseudo factos e de pseudo testemunhos, não permite, em toda a sua extensão, o direito de contradizer aquelas versões. XXIV. Neste sentido, e de forma sintética e concisa, já se pronunciou o Tribunal da Relação de Évora, no processo 1084/14.0GDSTB.E1, datado de 05/05/2015, cujo sumário se transcreve: 1. A “substituição” da prova testemunhal, em julgamento, por prova documental, que consubstancia assim uma espécie de declaração documentada, contraria princípios como os da imediação e da oralidade e restringe intoleravelmente o contraditório. 2. A possibilidade dos sujeitos processuais se poderem pronunciar sobre uma declaração documentada não satisfaz o contraditório, pois este exige, não apenas a possibilidade dos sujeitos processuais se pronunciarem sobre um documento junto ao processo, mas a possibilidade de poderem instar e contra-instar uma testemunha sobre a matéria probanda. Trata-se da salvaguarda da observância de “um contraditório pela prova” e não apenas de “um contraditório sobre a prova” XXV. Ora, se a decisão administrativa se transforma numa acusação e se o auto de notícia não constitui meio de prova idóneo, não pode o princípio da livre valoração da prova servir para justificar uma condenação destituída de prova e de comprovação. XXVI. Uma condenação assente em dois documentos, destituídos de qualquer comprovação, sendo um dos quais a própria acusação, denega o direito à justiça por parte da arguida, aqui recorrente. XXVII. Assistimos, pois, a uma inversão manifesta do princípio do acusatório (n.º 5 do artigo 32.º da CRP), na medida em que, tanto quanto é possível constatar, é a arguida que tem o ónus de provar que não é culpada, sendo esta a única conclusão possível de ser retirada de uma condenação destituída de provas por parte do Ministério Público, e, mais grave, desvalorizando a prova testemunhal apresentada pela arguida. XXVIII. Violando assim, também, o princípio da presunção de inocência da arguida/recorrente. Mais palavras para quê? XXIX. Talvez, tão-somente, para, numa única frase, requerer a V. Exas. que revoguem, na íntegra, a decisão judicial condenatória ora posta em crise, concedendo-se provimento ao presente recurso, e, em consequência, absolvendo-se a arguida/recorrente B…, S.A., única forma que se vislumbra de se cumprir o imperativo de JUSTIÇA».
O recurso foi admitido na 1.ª instância, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, atenta a caução prestada pela recorrente.
Entretanto, ainda na 1.ª instância, o Ministério Público respondeu ao recurso, a concluir pela sua improcedência.
Para tanto, na motivação de recurso que apresentou formulou as seguintes conclusões: «1. Como da própria fundamentação resulta, na sentença recorrida foi ponderada e valorada toda a prova documental junta aos autos, nomeadamente, a constante de fls. 4 a 13 (auto de notícia) e documentos que o acompanham (fls. 14 a 36 dos autos), os documentos de fls. 158 a 230; o teor da decisão administrativa, bem como os depoimentos que em julgamento foram prestados pelas testemunhas C… e D…. 2. A falta de prova testemunhal da acusação não significa ausência de qualquer meio de prova. Existindo prova documental nos autos e tendo a recorrente indicado prova testemunhal, cabia ao Mmº Juiz a apreciação e valoração do acervo probatório recolhido. 3. Não ocorre denegação do direito à justiça, violação do princípio do acusatório ou violação do princípio da presunção de inocência, uma vez que a condenação decorre de prova validamente produzida, não tendo sido atribuído à arguida o ónus de provar que não é culpada. 4. No caso, a prova produzida pela arguida não permitiu por em causa o auto de notícia, uma vez que as testemunhas inquiridas não lograram sustentar a tese da arguida, não tendo conseguido por em causa a factualidade descrita no auto, plasmada na decisão administrativa e sustentada na documentação junta. 5. Deste modo, deve ser mantida a decisão recorrida, devendo o presente recurso ser julgado improcedente. Assim se fazendo JUSTIÇA».
Tendo os autos subido a este Tribunal da Relação, aqui a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, no sentido da improcedência do recurso.
Ao referido parecer respondeu a recorrente, a manifestar a sua discordância, e a reiterar o constante da motivação de recurso anteriormente apresentada.
Preparando a deliberação, foi remetido projecto de acórdão ao Exmo. juiz desembargador adjunto, bem como ao Exmo. juiz desembargador presidente da secção.
Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que a recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, que aqui não se detectam – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas) e do artigo 50.º, n.º 4, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, sendo que este último diploma estabelece o regime jurídico processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social.
Assim, tendo em conta as conclusões de recurso, a questão essencial decidenda centra-se em saber se podia o tribunal a quo dar como provados os factos, mormente os referentes à acusação, sem que o Ministério Público tivesse requerido expressamente a produção de qualquer meio de prova.
III. Factos
A) Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
1. No dia 18 de Janeiro de 2011, no local de trabalho (obra), sito em Ferreira do Alentejo, Comarca de Beja, decorriam trabalhos relacionados com operações de lingagem de uma conduta subterrânea de água, com 800 mm de diâmetro, para reparação da junta da extremidade e betonagem de um maciço em betão de apoio da conduta, com o intuito de evitar a continuação das fugas de água.
2. Tal obra pública desenvolvida pela arguida/ recorrente, B…, S.A., a que a mesma tinha sido adjudicada pela E…, S.A. desenvolvia-se ao longo de vários quilómetros.
3. Após a construção desta rede de condutas, foram efectuados testes de pressão na rede, tendo sido identificadas várias fugas, com especial incidência nas zonas de intersecção das condutas, local onde os tubos eram mais largos do que nos restantes locais.
4. Identificadas estas fugas na rede, foram iniciados trabalhos de reparação e contenção das fugas, priorizando-se as secções onde as fugas de água eram mais significativas.
5. Pelas 10h15m, do referido dia 18/01/2011, no Nó 6 da conduta CPA (Conduta Principal de Alta Pressão), Estrada Nacional n° 387, Peroguarda, Comarca de Beja, F… (pedreiro de 1.ª) trabalhador temporário cedido à arguida/recorrente pela empresa G…, Lda. encontrava-se na aludida obra, no seu horário de trabalho e efectuando os trabalhos que lhe haviam sido determinados.
6. A determinada altura, F… entrou numa vala e usou de uma cinta/linga para amarrar a conduta para, posteriormente, a mesma ser ligeiramente içada com o auxílio de uma máquina giratória - que se encontrava no local - a fim de serem desaparafusados os parafusos e arrear a conduta para o solo, até se construir o maciço de betão.
7. Durante a permanência do referido trabalhador nessa vala, quando se encontrava de pé, um dos taludes cedeu parcialmente, entalando-o contra a tubagem e soterrando-o parcialmente (até à zona da cintura).
8. Na sequência de tal, o sinistrado sofreu apenas escoriações e hematomas ligeiros, tendo sido conduzido ao Hospital de Beja, onde entrou na manhã desse mesmo dia (18/01/2011) e recebeu alta no próprio dia.
9. O local mencionado nos pontos 5 a 7 supra estava delimitado com rede laranja num raio médio de cerca de 4 metros da escavação/vala (l,5m da bordadura do talude) e encontravam-se dois trabalhadores (um deles o sinistrado) no interior deste perímetro e um outro na máquina giratória, sem que estivesse delimitada a zona próxima e envolvente da escavação, com guarda-corpos, onde existia a possibilidade real de queda em altura para dentro da vala.
Não existiam sinais de "Perigo de queda em altura" e/ou de "Perigo de soterramento", na proximidade do acesso à zona dos trabalhos e junto do perímetro delimitado a uma distância de 1,5m da escavação.
No interior da vala, o pedreiro de 1.ª, F… não estava acompanhado pela Técnica de Segurança.
Para além de tal trabalhador, estavam presentes no local, o condutor manobrador aos comandos da máquina giratória e H… (servente), fora da vala no outro lado da conduta. Foi este servente que com o auxílio de uma enxada retirou a terra que soterrava os membros inferiores do trabalhador sinistrado.
No local do acidente (fora da vala) o pavimento é de terra argilosa (barro) e tinha humidade (lama).
Quando ocorreu o acidente (queda do talude do lado Norte), naquele local (vala aberta), o trabalhador em causa encontrava-se a meio da manhã de trabalho (com cerca de 2hlSm desde as 8 horas) e situava-se o mesmo no seu posto de trabalho.
Tal trabalhador assinou uma Declaração em como tinha sido informado sobre a Identificação e Avaliação dos Riscos, sobre as medidas a adoptar em caso de perigo grave e eminente e sobre as medidas de primeiros socorros, combate a incêndios e evacuação de trabalhadores.
O referido pedreiro de 1.ª, F… foi admitido apenas em 15/11/2010 e normalmente conduzia as suas tarefas de acordo com as instruções que recebia, permanecendo no local de trabalho a maior parte do tempo (numa média de 9 horas por dia) e desempenhando as tarefas que lhe determinavam.
10. No momento do acidente os taludes não se encontravam entivados, num grande comprimento (cerca de 8,40m), nem reperfilados em toda a sua profundidade (cerca de 2,0m).
11. Existia um plano de segurança aprovado e implementado; havia, inclusivamente, um procedimento de abertura de valas, com a enumeração dos riscos e dos procedimentos a adoptar em caso de trabalhos dentro de valas.
12. Ao não proceder à prévia entivação da escavação (vala) e/ou reperfilamento dos taludes, assim como, ao não adoptar medidas e protecção colectiva adequadas, a fim de evitar que o trabalhador sinistrado entrasse na referida vala, agiu a arguida/recorrente sem o cuidado e diligência, a que segundo as circunstâncias estava obrigada e de que era capaz tendo representado como possível o aumento do risco a que estavam sujeitos os trabalhadores, nomeadamente, o sinistrado e, consequentemente, a realização do referido ilícito contra-ordenacional, mas actuou sem se conformar com esse resultado.
13. O volume de negócios da arguida/ recorrente, B…, S.A., foi no ano de 2010 de € 104.489.706,00.
De todas as notificações (e não de condenações), a arguida apenas foi condenada em 2000, tendo, desde essa data, evoluído muito no que concerne à adopção e à implementação de meios e de procedimentos de segurança nas suas obras.
A arguida é uma empresa de construção civil com alguma dimensão a nível nacional, tendo centenas de obras adjudicadas por todo o país, pelo que as poucas chamadas de atenção que foram nos últimos 15 anos efectuadas pela ACT evidenciam o cumprimento, em regra, das normas de segurança.
A arguida/recorrente evidencia preocupação com o zelo, bem-estar e protecção dos seus trabalhadores e familiares, nomeadamente, através dos inúmeros benefícios e protocolos celebrados em prol dos seus trabalhadores/colaboradores.
B) A 1.ª instância consignou o seguinte quanto aos factos não provados: «Para além dos que atrás se deixaram enunciados, não se provaram quaisquer factos com relevo para a boa decisão da causa, nomeadamente, não se provou que: 1. Àquele trabalhador (F…) não foi dada nenhuma ordem no sentido de proceder a qualquer tarefa no interior daquela vala, e que, se este o fez, foi à revelia das instruções dos seus superiores hierárquicos. 2. Na obra em apreço, tivessem sido cumpridos todos os procedimentos de segurança.».
C) A 1.ª instância motivou a resposta à matéria de facto nos seguintes termos: «A decisão do Tribunal, no que tange à matéria de facto, fundou-se na valoração crítica e conjugada de toda a prova documental junta aos autos, nomeadamente, a constante de fls. 4 a 13 (auto de notícia) e documentos que acompanham o mesmo (conf. fls. 14 a 36 dos autos), e, bem assim, nos documentos de fls. 158 a 230 dos autos; no teor da decisão administrativa junta aos autos a fls. 99 a 107, cotejada que foi com os depoimentos que em julgamento foram prestados pelas testemunhas C…(engenheiro civil; foi funcionário da arguida/recorrente entre Abril de 2009 a Janeiro de 2013, como Director do Departamento Hidráulico e exerceu as funções de responsável pela obra/director técnico na qual ocorreu o acidente em causa nestes autos) e D… (funcionário da arguida/recorrente há cerca de 14 anos e encarregado geral da obra na qual ocorreu o acidente em causa nestes autos), sendo que, nenhum deles presenciou o referido acidente e afirmaram ambos que os taludes da vala/escavação não se encontravam entivados, nem reperfilados já que não estava prevista a realização de quaisquer trabalhos na dita vala/escavação no dia em causa. Mais disseram, em síntese, que a arguida/recorrente, na obra em apreço, cumpriu todos os procedimentos de segurança. Questionados, por que razão o sinistrado se encontrava na aludida vala/escavação que se deu desabamento de um dos taludes, soterrando-o até à zona da cintura afirmaram que tal deveu-se à iniciativa do mesmo, ou seja, aquele agiu de motu proprio e à revelia dos seus superiores hierárquicos. Ora, como se evidencia dos factos que foram dados como provados na alínea A) supra e dos factos considerados não provados sob a alínea B) supra o Tribunal não acolheu esta versão dos factos que pelas referidas testemunhas foi afirmada, por contrária, às regras da experiência comum e da lógica. Vejamos: Em primeiro lugar, o trabalhador/sinistrado entrou na vala/escavação para realizar uma tarefa que se mostrava conforme com os procedimentos que eram adequados e indicados para tal, isto é, aquele usou de uma cinta/linga para amarrar a conduta para, posteriormente, a mesma ser ligeiramente içada com o auxílio de uma máquina giratória - que se encontrava no local - a fim de serem desaparafusados os parafusos e arrear a conduta para o solo, até se construir o maciço de betão. Em segundo lugar, o aludido trabalhador estava no seu local de trabalho e dentro do seu horário de trabalho, sendo que, já tinham decorrido - até à altura em que se deu a derrocada - cerca de 02h15m, ou seja, não estamos perante uma presença ocasional ou fugaz do referido trabalhador na dita vala/escavação. Finalmente, atente-se na circunstância - não despicienda - de que o trabalhador em causa (sinistrado) não se encontrar sozinho no referido local. Com efeito, se é verdade que o mesmo era o único que se encontrava na vala quando houve o desabamento de um dos taludes, também é verdade que estavam presentes no local, o condutor manobrador aos comandos da máquina giratória e o trabalhador H…, pelo que, sabendo-se da preocupação da generalidade das empresas com os custos de produção, mormente os relativos à mão de obra, não se nos afigura lógico ou sequer plausível que três trabalhadores e uma máquina giratória estivessem afectos à realização de uma tarefa à revelia das instruções dos seus superiores hierárquicos, até porque a cerca de 100 metros de tal local encontrava-se o encarregado geral da obra, a aqui testemunha D…. Relativamente aos factos considerados como não provados resultaram os mesmos de não ter sido produzida qualquer prova (pericial, documental ou testemunhal) que permitisse concluir em sentido diverso; evitando-se aqui repetir o que atrás se deixou dito na parte em que se analisou os depoimentos das testemunhas supra identificadas.»
IV. Fundamentação
Nas conclusões da motivação de recurso, a recorrente sustenta, em síntese, o seguinte:
- a decisão condenatória do tribunal a quo teve apenas em consideração o auto de notícia e a decisão administrativa;
- o Ministério Público não requereu a produção de qualquer meio de prova, havendo apenas nos autos o processo administrativo;
- compete ao Ministério Público requerer qualquer meio de prova que considere pertinente, atendendo à acusação que formula ou sustenta, e promover a prova desses factos;
-não tendo sido requerida pelo ministério Público nenhuma prova não poderia o tribunal dar como provados os factos acusatórios.
Por sua vez, em resposta ao recurso, o Ministério Público afirma, em síntese, o seguinte:
- embora não tenha requerido prova testemunhal, ao remeterem-se os autos ao juiz, os mesmos vieram acompanhados de bastante prova documental;
- a falta de prova testemunhal da acusação não significa ausência de qualquer meio de prova;
- existindo prova documental nos autos e tendo a recorrente indicado prova testemunhal, cabia ao juiz a apreciação e valoração do acervo probatório recolhido, como fez;
- assim, a condenação da arguida, aqui recorrente, decorre de prova validamente produzida, não tendo sido atribuída àquela o ónus de provar que não é culpada.
Apreciando.
A fls. 4 a 13 dos autos encontra-se o auto de notícia lavrado por um senhor inspector da Autoridade para as Condições do Trabalho (doravante ACT), e por ele assinado.
A acompanhar o auto encontram-se diversos documentos, designadamente inquérito sobre o acidente de trabalho e sete fotografias.
E em relação aos factos constantes do auto de notícia aí se refere expressamente “conforme verifiquei pessoal, directa e imediatamente, durante e após a visita inspectiva de 18/01/2011, ao local de trabalho (obra) supra referido…” (fls. 5).
Ou seja, consta do auto que os factos nele referidos foram presenciados pelo autuante.
Estipula o n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro (diploma que, como se disse, aprovou o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social), que o auto de notícia e a participação são elaborados pelos inspectores do trabalho ou da segurança social, consoante a natureza das contra-ordenações em causa; há lugar a auto de notícia quando, no exercício das suas funções o inspector do trabalho ou da segurança social, verificar ou comprovar, pessoal e directamente, ainda que por forma não imediata, qualquer infracção a normas sujeitas à fiscalização da respectiva autoridade sancionadas com coima (n.º 2 do mesmo artigo).
E de acordo com o n.º 3 do artigo em causa, na situação descrita, os factos materiais constantes do auto de notícia consideram-se provados “enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postos em causa”.
Como observa João Soares Ribeiro (Contra-Ordenações Laborais, 2011, 3.ª Edição, Almedina, págs. 35-36), a propósito do valor probatório do auto de notícia, «[o] n.º 3 representa uma importante inovação deste regime. Pela primeira vez a lei laboral vem dizer qual é o valor probatório do auto de notícia por contra-ordenação laboral. Até agora, e desde a introdução do direito de mera-ordenação social [], por falta de norma específica, havia necessidade de recorrer aos princípios gerais de direito contidos no CC, designadamente ao art. 369.º/1, que define documento autêntico – que o auto também é – e ao art. 371.º/1, que determina o valor probatório que estes documentos contêm.
(…) O valor que a lei ora atribui ao auto de notícia por contra-ordenação é exactamente aquele que a doutrina [] e a jurisprudência lhe vinham consagrando []. Mas não deixa de ser importante, e significativo, este reconhecimento legislativo. Nos termos do n.º 3 consiste em terem-se por provados os factos materiais enquanto a autenticidade do auto, ou a veracidade do que nele está relatado, não forem fundadamente postos em causa. Só pois os factos materiais, e não também os juízos de valor, as proposições conclusivas, a invocação das normas jurídicas ou a subsunção dos factos ao direito. Não há, por isso, no auto de notícia qualquer presunção de culpabilidade, como erradamente na década de oitenta do século passado chegou ser defendido por uma corrente jurisprudencial []».
Assim, importa mais uma vez deixar sublinhado, de acordo com o disposto nos n.ºs 1 a 3 do referido artigo 13.º, os factos constantes do auto de notícia consideram-se provados, desde que a autenticidade do auto ou a veracidade do nele relatado não for fundadamente posto em causa.
Ora, no caso, é certo, a recorrente arrolou prova testemunhal.
Todavia, nada resulta dos autos, maxime da resposta à motivação da matéria de facto, que essa prova testemunhal tenha posto em causa a veracidade do relatado no auto de notícia.
Aliás, embora este Tribunal da Relação apenas conheça da matéria de direito (artigo 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009), importa referir que o que se extrai da motivação da resposta à matéria de facto é que as testemunhas confirmaram que os taludes da vala/escavação não se encontravam entivados: o que afirmaram foi que o sinistrado se encontrava na vala/escavação, por sua própria iniciativa, o que, como se assinala na referida motivação, se não apresenta conforme às regras da experiência comum e da lógica.
Porém, não é a apreciação do acidente de trabalho que está em causa nos autos, mas tão só a não observância de determinadas regras de segurança por parte da recorrente.
E, se o senhor inspector, ainda que de forma não imediata, verificou pessoal e directamente os factos inerentes à não observância das regras de segurança, e se os mesmos factos não foram, fundadamente, postos em causa, ao tribunal impunha-se, em conformidade com o disposto no referido artigo 13.º, dar os mesmos como provados.
Além disso, foi tendo presente não só o auto de notícia, como a diversa prova documental junta aos autos (e, atente-se, de acordo com o artigo 37.º do compêndio legal em referência, em caso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, o Ministério Público torna presentes os autos ao juiz, com indicação dos respectivos elementos de prova, valendo este acto como acusação) que o tribunal deu como provados os factos.
Por isso, ao contrário do sustentado pela recorrente, não se pode afirmar que o Ministério Público não tenha apresentado qualquer prova: o que não apresentou foi prova testemunhal.
Note-se, de resto, que nos processos em causa o juiz até pode decidir por simples despacho, portanto sem necessidade de audição de testemunhas, verificados determinados condicionalismos (cfr. artigo 39.º da referida Lei n.º 107/2009), o que significa que em tais situações poderá atender apenas a meios de prova já constantes do processo e ao auto de notícia, sem que daí resulte qualquer inversão do princípio do acusatório, ou se se quiser, qualquer afronta à presunção de inocência e, até, ao princípio in dubio pro reo.
Isto é: como escreve António Leones Dantas (Regime Geral das Contra-Ordenações, E-BOOK do Centro de Estudos Judiciários, Setembro de 2015, pág. 18), «(…) no processo das contra-ordenações, se não for necessária a produção complementar de meios de prova, o tribunal decide o recurso com base na prova recolhida pela autoridade administrativa que se mostre documentada no processo, fora do espaço judiciário e sem necessidade de a sujeitar a debate contraditório em audiência. Contudo, o tribunal quando decide, mesmo que tenha havido audiência, não poderá deixar de ponderar a prova produzida na fase administrativa e discutir as razões pelas quais se afasta do juízo de prova feito pela autoridade administrativa».
E um pouco adiante (pág. 20), afirma do modo assertivo o mesmo autor: «Ao contrário do processo penal, onde a audiência visa a prova de um conjunto de factos imputados ao arguido, em ordem a saber se os mesmos integram a prática de um crime e a determinar a sanção correspondente e uma decisão em primeira instância do processo, no recurso de impugnação do processo das contra-ordenações já houve um procedimento perante a autoridade administrativa que culminou na aplicação de uma sanção e o processo só chega ao Tribunal porque o condenado pretende pôr em causa a condenação de que foi objeto. Aquela condenação, se não for impugnada, torna-se definitiva e exequível, com todas as consequências que daí advém em termos de intervenção dos poderes públicos sobre o património do condenado. Enquanto no processo penal incumbe ao Ministério Público a demonstração perante o Tribunal dos factos imputados ao arguido, no caso do recurso de impugnação é sobre o recorrente que recai o interesse processual em pôr em causa a decisão da autoridade administrativa, pelo que lhe incumbe demonstrar a falta de fundamento da mesma, podendo, nomeadamente, pôr termo ao recurso por si interposto, através da desistência do recurso, nos termos do artigo 71.º, do Regime Geral, com a consequente exequibilidade daquela decisão. A decisão administrativa objeto do recurso de impugnação é proferida no termo de um processo onde já foram assegurados ao condenado os direitos de audição e de defesa, a um contraditório muito vasto, como forma de intervenção deste na formação da decisão. Daí que a interposição de recurso exija a demonstração de um fundamento objetivo para o mesmo sobre pena de se transformar numa mera forma de bloqueamento da execução da decisão condenatória e da realização do interesse público subjacente ao processo.».
Na mesma linha interpretativa se move João Soares Ribeiro (obra citada, págs. 79-80), quando escreve que nos casos em que o juiz decide mediante audiência, isso significa que não fica vinculado à prova produzida na instrução que decorreu na fase administrativa: «[s]implesmente, em termos de prova, há aqui normalmente que ter em conta um documento importantíssimo que tem tanto valor na fase administrativa quanto na fase judicial: o auto de notícia. No respeitante à matéria de facto, quer na que fundamenta o elemento objectivo quer daquela de que se pode extrair o próprio elemento subjectivo da infracção, o especial valor probatório do “flagrante delito” presenciado por um agente dotado de especial fé pública, quando a tem [], não pode deixar de ser tida em devida conta pelos tribunais. Perante a prova oferecida pela defesa o juiz, enquanto deve obediência à lei, nunca pode deixar de considerar provados os factos materiais constantes do auto de notícia enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postos em causa.
(…) O especial valor probatório do auto, que não é absoluto nem definitivo, uma vez que o juiz pode sempre proceder ou ordenar outras diligências probatórias, respeita unicamente a factos materiais e não também à culpa ou à ilicitude. Todavia, se esta se extrai dos preceitos e princípios contidos no regime substantivo das CO, aquela, entendida como mera censura social ao agente por ter actuado em violação do direito de mera ordenação, não coenvolve uma demonstração tão rigorosa quanto a culpa do direito criminal, podendo extrair-se das regras da experiência comum ou ser provada em prova prima facie ou de interim.».
Das citadas transcrições resulta, pois, por um lado, que o juiz não poderá deixar de atender ao valor do auto de notícia bem como aos documentos juntos aos autos; por outro, poderá sempre proceder a outras diligências probatórias quanto aos factos materiais.
Já quanto à ilicitude e à culpa, poderá aquela extrair-se do próprio regime substantivo da contra-ordenação, enquanto esta decorre das regras da experiência comum: tudo isto sem afrontar a presunção de inocência e, até, o princípio in dubio pro reo.
Nesta sequência, forçoso é concluir que em termos de valoração da prova podia o tribunal a quo atender, como atendeu, ao valor probatório constante do auto de notícia e, assim, aos factos dele constantes, bem como aos documentos juntos na fase administrativa do processo.
Uma última nota apenas para deixar assinalado que alguma da jurisprudência invocada pela recorrente não pode ser transposta, tout court, para os presentes autos, uma vez que se insere no âmbito de diferente legislação, designadamente do Código de Processo Penal (que se aplica apenas subsidiariamente aos processos de contra-ordenação), ou de anterior regime jurídico das contra-ordenações: em relação a outra jurisprudência, como por exemplo do acórdão da Relação de Guimarães de 25-05-2013, mostra-se conforme ao entendimento que se deixou vertido, maxime quanto ao valor probatório do auto de notícia, não podendo olvidar-se que, no caso, ainda que por forma não imediata, os factos foram presenciados/comprovados pelo inspector/autuante.
Assim, sem qualquer desdouro pelo esforço argumentativo da recorrente, o recurso não pode obter provimento.
Aqui chegados, só nos resta, pois, concluir pela improcedência das conclusões da motivação de recurso e, por consequência, pela improcedência deste.
Vencida no recurso, a recorrente deverá suportar o pagamento das custas respectivas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC (artigo 59.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, e artigo 8.º, n.ºs 7 e 9, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e respectiva tabela III anexa).
V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évoraem negar provimento ao recurso interposto por B…, S.A., e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
(Documento elaborado pelo relator e integralmente revisto por quem o subscreve).
Évora, 30 de Março de 2016 João Luís Nunes (Relator) José António Santos Feteira(adjunto)