ALIMENTOS A FILHOS MAIORES
Sumário


1) Os pais não são obrigados à prestação alimentar se, por culpa grave dos filhos maiores, estes não terminarem a sua formação técnico-profissional no tempo de duração normal;
2) Compete ao devedor de alimentos o ónus da prova de que a falta de aproveitamento escolar de um filho maior se deveu a um comportamento censurável deste em termos de cumprimento das obrigações escolares universitárias.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) A autora B......, veio intentar contra C...... e D......, acção declarativa de condenação, com processo especial de jurisdição voluntária, onde conclui pedindo que estes sejam condenados a pagar-lhe uma pensão de alimentos no valor de € 500,90 (quinhentos euros e noventa cêntimos), uma vez que apesar de já ser maior ainda não completou a sua formação profissional, encontrando-se matriculada no 1.º ano do curso de Direito da Universidade do Minho, sendo que só com tal valor conseguirá suportar as despesas inerentes à sua condição de estudante e do seu normal dia-a-dia.

Apenas o réu C...... apresentou contestação onde conclui entendendo dever declarar-se a suspensão da instância até que se decida, com trânsito em julgado, a acção de simples apreciação negativa n.º 507/05.3TCGMR da 1.ª Vara do Tribunal de Guimarães, devendo, em todo o caso, julgar-se improcedente a acção, com as legais consequências devendo, em último termo, declarar-se que os eventuais alimentos, a que eventualmente tenha direito a autora, sejam prestados pelo direito da autora a viver em casa do réu, que sempre foi a casa de morada de família e na companhia do réu.

Foi apresentada réplica pela autora onde conclui como na petição inicial, pugnando pela improcedência das excepções.

Foi proferida sentença onde foi decidido julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar os réus a pagar à autora, a título de alimentos, o valor mensal de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), até completar a sua formação profissional, nomeadamente o curso superior que frequenta, na seguinte proporção:

- € 125,00 (cento e vinte e cinco euros) a pagar pela ré, mãe da autora;

- € 225,00 (duzentos e vinte e cinco euros) a pagar pelo réu, pai da autora.

B) Inconformado com a decisão, veio o réu C...... interpor o presente recurso onde apresenta as seguintes conclusões:

1) De acordo com o Art.º1880º do C.C., a obrigação de alimentos não cessa com a maioridade, mantendo-se enquanto o filho não houver completado a sua formação profissional e na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.

2) Desde o ano lectivo de 2002/2003 que a Autora se encontra matriculada na Universidade, mudando de curso e de Universidade a seu bel-prazer, não tendo obtido o aproveitamento escolar necessário para que completasse a licenciatura.

3) Ora, já não é razoável, face à falta de aproveitamento escolar da Autora manter a obrigação alimentar como se a Autora fosse menor já que esta está inscrita no ensino superior desde 2002. A Autora já ultrapassou largamente o tempo normalmente requerido (cinco anos) para que aquela formação se complete.

4) Ainda que se concluísse, como na douta sentença recorrida, que o deficiente percurso universitário da Autora se deveu “ao mau ambiente familiar vivenciado pela Autora, e após, pela situação de ruptura com o pai e a alteração de residência para junto da mãe e da irmã”, sempre se dirá que tal não decorre dos factos provados, mas apenas de uma ilação subjectiva efectuada.

5) Ainda assim, se tal situação familiar tivesse efectivamente condicionado a Autora, uns cinco ou seis anos de matrícula (com perda de um ou dois anos de estudos por mau aproveitamento escolar) seriam suficientes para o alcance da licenciatura, o que não aconteceu!

6) A obrigação de alimentos na maioridade prevista pelo Art.º1880º do C.C. é uma obrigação excepcional, com carácter temporário, balizada pelo “tempo normalmente necessário” ao completamento da formação profissional do alimentando.

7) Não é razoável que se “obrigue” o Recorrente a prestar alimentos à Autora, sua filha de maioridade, quando esta tem um injustificado mau aproveitamento escolar, e para o qual nada se provou que o Recorrente tivesse contribuído!

8) Não basta ser aluno para se ser titular de um tal direito a alimentos, é preciso, obviamente, ser-se simultaneamente estudante, o que não tem sido a Autora.

9) A Autora, apesar de ser maior, sempre teria, enquanto alimentanda, um estatuto equivalente ao de um filho menor, e os menores não podem abandonar a casa paterna (Art.º1887º do C.C.), sendo certo que a Autora a abandonou, como ficou provado.

10) A verdade é que o Recorrente foi deixado completamente ao abandono e só, passando a ser desprezado pela Autora, que não mantém com ele, desde então, qualquer contacto, não o cumprimentando sequer, quando com ele se cruza na rua.

11) Não colhe a argumentação de que quem necessita de auxílio e assistência é a Autora e não o Recorrente pois que também este como qualquer pessoa humana, necessita de auxílio e assistência. Aliás, esses deveres são “mútuos” e não apenas de pais para filhos.

12) Assim, tem a Autora violado, permanentemente e com culpa grave, os deveres de respeito, auxílio e cooperação, que deve ter para com o seu pai, aqui Recorrente. E violou, também grave e culposamente, o dever de não abandonar o lar da família, previsto no Art.º1887º do C.C., a si aplicável, se alimentanda fosse considerada.

13) Pelo que, mesmo que direito a alimentos tivesse – e não tem – e, portanto, mesmo que o Recorrente estivesse obrigado a prestá-los - e não está – sempre a eventual obrigação alimentar do Recorrente tinha cessado (Art.º2013º, nº1, alínea c) do C.C.).


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C) A autora apresentou contra-alegações, onde conclui entendendo dever o recurso ser julgado improcedente e, em consequência, a decisão recorrida confirmada.

D) O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo (cfr. fls. 341).

E) Foram colhidos os vistos legais.

F) A questão a decidir neste recurso é a de saber se se deverá manter a obrigação de prestar alimentos por parte dos réus à autora.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:

1. A ora autora, B......, nascida a 18 de Outubro de 1984, é filha de C...... e de D......;

2. A autora concluiu o ensino secundário, no ano lectivo de 2001/2002, com uma classificação de 13 valores;

3. Ingressou no ensino superior, na Faculdade de Direito, da Universidade de Coimbra, onde se matriculou no 1.º ano, no ano lectivo de 2002/2003;

4. A autora frequentou o curso de Direito durante o 1.º semestre, sendo o 1.º ano composto por quatro cadeiras anuais que não concluiu com aproveitamento;

5. No ano lectivo de 2003/2004 a autora matriculou-se na Faculdade de Direito, da Universidade do Minho, em Braga, a fim de frequentar o 1.º ano daquele curso;

6. No decurso desse ano lectivo completou com aproveitamento as cadeiras de Direito Constitucional (anual) e de Filosofia Política (semestral - 1.º semestre);

7. Por não ter obtido aproveitamento no número de cadeiras necessário a autora matriculou-se no 1.º ano, do mesmo curso e universidade, no ano lectivo de 2004/2005;

8. No 1.º semestre só tinha uma cadeira (semestral) que já havia completado, com aproveitamento, no decurso do ano lectivo anterior, só completou as demais cadeiras no final do ano;

9. No ano lectivo de 2005/2006 a autora matriculou-se no 2.º ano do curso de Direito, da Universidade do Minho, tendo completado com aproveitamento a cadeira anual de Introdução ao Estudo do Direito;

10. Seguidamente, por se encontrar descontente com a frequência do curso, a autora matriculou-se no 1.º ano do Curso de Educação e Infância, da mesma universidade, o qual tem a duração de quatro anos, no ano lectivo de 2006/2007;

11. No decurso deste ano lectivo completou, com aproveitamento, as cadeiras de Ciências Sociais – Problemas e Métodos (semestral - 1.º semestre), com 13 valores, Educação Física I (semestral – 1.º semestre), com 15 valores, e Educação Visual e Plástica I (semestral – 1.º semestre), com 17 valores;

12. Em finais de 2002, a autora vivia, em comunhão de mesa e habitação com os seus pais, os ora réus, na Rua ....., Guimarães;

13. O relacionamento entre os réus deteriorou-se com constantes discussões, as quais eram mantidas, muitas vezes, na presença da autora;

14. Na sequência desses conflitos a 19 de Abril de 2004 a ré, D...... deixou a casa de morada de família, levando consigo a B......;

15. Passando as duas a residir na casa de E......, filha dos réus, sita na Rua ......, na freguesia de Joane, concelho de Vila Nova de Famalicão;

16. Tal morada constituiu a sua residência entre 19 de Abril de 2004 e 1 de Agosto de 2005;

17. O réu continuou e continua até hoje a residir sozinho na morada referida em 12.;

18. Desde a data referida em 14.º a autora não mantém contactos com o pai;

19. Nem mais fez qualquer visita ao mesmo na referida casa;

20. A B...... não dispõe de quaisquer recursos que permitam prover ao seu sustento, um vez que não trabalha, não dispondo de rendimentos que garantam as despesas com a sua educação, sustento, vestuário e habitação;

21. Sofre de doença óssea que a impede de realizar esforços prolongados, transporte de pesos ou fazer maiores esforços;

22. Por esse motivo tomou de arrendamento, conjuntamente com quatro colegas, um apartamento sito em Gualtar, em Braga, próximo das instalações da Faculdade de Direito, da Universidade do Minho, onde viveu durante os dias úteis da semana;

23. Além de outros suporta, mensalmente (em média), com alimentação, material escolar, vestuário e calçado, saúde (natação e medicamentos), renda e condomínio, gás, electricidade e água, transportes e propina, € 380,00 (trezentos e oitenta euros) por mês;

24. A B...... é beneficiária de uma bolsa da qual aufere o rendimento mensal de € 159,20 (cento e cinquenta e nove euros e vinte cêntimos);

25. No período referido em 16. a autora tomava as refeições com a mãe e a irmã, em Joane, sempre que aqui se encontrava, e quando em Braga, tomava as mesmas refeições na cantina universitária;

26. Com o valor da bolsa referida em 24. a autora suportava alguns dos seus gastos;

27. A autora reside agora com a mãe, ora ré, numa casa arrendada, sita na Av. ........, na freguesia de Santa Maria de Oliveira, no concelho de Vila Nova de Famalicão;

28. A renda é de € 175,00 (cento e setenta e cinco euros) e as despesas de condomínio de € 18,94 (dezoito euros e noventa e quatro cêntimos);

29. A autora desloca-se diariamente da freguesia de Santa Maria de Oliveira, do concelho de Vila Nova de Famalicão, para a cidade de Braga, a fim de assistir às aulas;

30. Além das outras despesas referidas em 20. suporta agora, mensalmente (em média), com transportes e propina, € 192,00 (cento e noventa e dois euros);

31. Beneficia de uma bolsa da qual aufere o rendimento mensal de € 125,40 (cento e vinte e cinco euros e quarenta cêntimos);

32. O réu aufere um rendimento líquido da ordem dos € 648,00 (seiscentos e quarenta e oito euros) por mês, como pintor, tendo em conta o subsídio de alimentação, prémios de produção e função, na empresa denominada “F......, Lda.”, do grupo “S...”, em Ronfe, Guimarães;

33. O réu paga a sua própria alimentação, a água, a electricidade, o gás, o telefone, a contribuição autárquica, as suas despesas médicas, medicamentosas e seguros, o seu vestuário e calçado, a limpeza da casa;

34. A ré auferiu o vencimento de € 380,70 (trezentos e oitenta euros) por mês, como operária têxtil, revistadeira, na “G......”, em Pevidém, Guimarães;

35. Actualmente está desempregada e recebe € 419,00 (quatrocentos e dezanove euros) por mês de subsídio de desemprego;

36. A E...... é professora do ensino secundário;

37. Foi com parte dos seus rendimentos que ajudou a autora no período referido a 16.;

38. O réu recusa-se, desde Fevereiro de 2004, a dar à B...... o que quer que seja para a sua vida diária;

39. É a ré quem, de acordo com as suas possibilidades e a ajuda da E......, esta no período referido em 16., quem vem sustentando a B......;

40. Como dependência e preliminar desta acção a B...... instaurou contra os seus pais um procedimento cautelar especificado de alimentos provisórios, o qual foi distribuído com o n.º 5218/04.4TBGMR, no 2.º juízo cível de Guimarães;

41. Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães a 16 de Março de 2005 foi fixado em € 525,00 (quinhentos e vinte e cinco euros), o valor da pensão de alimentos a pagar à ora autora, na proporção de € 337,50 (trezentos e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos) para o ora réu e de € 187,50 (cento e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos) para a ora ré.


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B) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigos 660.º n.º 2, 684.º n.º 2 e 3 e 690.º n.º 1 e 2, todos do Código de Processo Civil).

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C) Apreciando.

Pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência, compreendendo este a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar (artigo 1874.º do Código Civil, diploma a que nos passaremos a referir na omissão de origem diversa).

Os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação (artigo 1877.º), competindo aos pais, nomeadamente prover ao sustento dos seus filhos.

Por outro lado, os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos (artigo 1879.º).

Importa ainda – e sobretudo – ter em conta o disposto no artigo 1880.º onde se diz que “se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”

A razão de ser deste normativo tem a ver com a insuficiência económica do filho que tenha atingido a maioridade ou se tenha emancipado, para assegurar o seu sustento e educação e a manutenção de tal obrigação aos pais, como vinham fazendo até aí, tendo em conta a natureza dos fins implícitos na mesma, com vista a permitir aos filhos prosseguir a sua formação profissional, sendo caso disso.

Conforme se refere no Acórdão do STJ de 08/04/2008, disponível na Base de Dados do Ministério da Justiça, no endereço www.dgsi.pt “a obrigação excepcional prevista neste normativo tem um carácter temporário, balizado pelo “tempo necessário” ao completar da formação profissional do filho, e obedece a um critério de razoabilidade – é necessário que, nas concretas circunstâncias do caso, seja justo e sensato, exigir dos pais a continuação da contribuição a favor do filho agora de maioridade.

Daí que, para aferir dessa razoabilidade, importa saber se o filho carece, com justificação séria, do auxílio paternal, em função do seu comportamento, “in casu”, como estudante; não seria razoável exigir dos pais o contributo para completar a formação profissional se, por exemplo, num curso que durasse cinco anos, o filho cursasse há oito, sem qualquer êxito, por circunstâncias só a si imputáveis.

Por isso, a lei impõe o dever de contribuição “pelo tempo normalmente requerido para que a formação se complete”.

“O poder paternal traduz-se num poder-dever em relação à educação e manutenção dos filhos.

No caso de os filhos terem atingido a maioridade e de continuarem a sua formação técnico-profissional, não estando em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos, recairá sobre os pais a obrigação de alimentos (...)” – Acórdão do STJ, de 23.9.97, in BMJ 469-563.

No mesmo sentido Acórdão da Relação do Porto, de 19.12.1996, in CJ, Tomo V, 220.

O Acórdão do Supremo Tribunal, de 23.9.1997, in BMJ 469-563, sentenciou:

“…Os pais não são obrigados à prestação alimentar se, por culpa grave dos filhos, eles não terminarem a sua formação técnico-profissional no tempo de duração normal; por outro lado, a prestação alimentar tem de ser razoavelmente proporcionada aos meios económicos do prestador e criteriosamente proporcional às necessidades do alimentado, de modo a obter-se uma justa composição entre as possibilidades de quem presta e as necessidades de quem recebe…”.

O Conselheiro Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código Civil” – edição de 2002 – em comentário ao referido art. 1880º do Código Civil, observa:

“…Não se trata de um caso de direito a alimentos, mas de uma extensão da obrigação dos pais para além da menoridade dos filhos, de modo a que a estes seja, na prática, possível alcançar o termo da sua formação profissional.

O auxílio assumirá a forma que melhor permita alcançar esse desígnio”.

E acrescenta, “a lei estabelece como requisitos a necessidade do filho maior, por não ter meios económicos para sustentar as despesas com o custeio da sua formação profissional após a maioridade, e a razoabilidade de exigir aos pais esse dever de contribuição.

Neste requisito da razoabilidade, obviamente, que deve entrar como factor de apreciação a conduta do filho e a consideração da sua peculiar situação, sob pena de podermos até transigir com situações de abuso do direito.

Ora, a autora não teve um percurso escolar, na sua maioridade, linear, uma vez que esteve matriculada no curso de direito da faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, sem aproveitamento, no ano lectivo de 2003/2004 matriculou-se na Faculdade de Direito, da Universidade do Minho, em Braga, no 1.º ano daquele curso e, por não ter obtido aproveitamento no número de cadeiras necessário a autora matriculou-se no 1.º ano, do mesmo curso e universidade, no ano lectivo de 2004/2005 e no ano lectivo de 2005/2006 a autora matriculou-se no 2.º ano do curso de Direito, da Universidade do Minho, tendo completado com aproveitamento a cadeira anual de Introdução ao Estudo do Direito.

Por se encontrar descontente com a frequência do curso, a autora matriculou-se no 1.º ano do Curso de Educação e Infância, da mesma universidade, o qual tem a duração de quatro anos, no ano lectivo de 2006/2007 e no decurso do ano lectivo completou, com aproveitamento, as cadeiras de Ciências Sociais – Problemas e Métodos (semestral - 1.º semestre), com 13 valores, Educação Física I (semestral – 1.º semestre), com 15 valores, e Educação Visual e Plástica I (semestral – 1.º semestre), com 17 valores.

No relatório social de fls. 261 e seg., cujo conteúdo não se mostra impugnado, afirma-se que a autora actualmente frequenta o 3.º ano do Curso Superior de Educação de Infância, na Universidade do Minho, em Braga, importando notar que estamos perante um processo de jurisdição voluntária (cfr. artigo 1412.º do Código de Processo Civil), não estando o tribunal sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, por força do disposto no artigo 1410.º do Código de Processo Civil.

De qualquer forma a não linearidade a que acima nos referimos quanto ao percurso escolar da autora, ocorreu no início do período referido com o insucesso inicial da sua inscrição na Faculdade de Direito, em Coimbra e em Braga, sendo certo que se desconhecem os motivos de tal insucesso, naquela licenciatura, que não é a que a autora actualmente frequenta.

Conforme tivemos oportunidade de referir, na sequência do exarado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/09/1997, “…os pais não são obrigados à prestação alimentar se, por culpa grave dos filhos, eles não terminarem a sua formação técnico-profissional no tempo de duração normal…”

No entanto da matéria de facto apurada, não resulta a explanação dos motivos daquele insucesso inicial dos estudos superiores da autora e a questão que se coloca é a de saber se tal ónus demonstrativo competia à autora alegando e provando não lhe ser imputável a responsabilidade desse fracasso inicial ou, antes, se o ónus da prova da culpa dessa situação competia ao réu.

Conforme se refere no Acórdão do STJ de 08/04/2008, acima citado, “a eventual culpa grave do filho deve ser apreciada dentro duma perspectiva de razoabilidade da exigência de alimentos, atendendo à sua situação e à dos pais.

E acompanhando muito de perto a doutrina do referido aresto dir-se-á que, apesar da opinião de Remédio Marques, entendemos que cabia ao devedor de alimentos, fazer a prova de que a falta de aproveitamento escolar da sua filha se tinha devido a seu comportamento censurável em termos de cumprimento das obrigações escolares universitárias; porque, a entender-se a sentença como estabelecendo peremptoriamente que a perda de aproveitamento implicaria a cessação da prestação de alimentos, isso seria um facto extintivo da obrigação do devedor e, por tal, do seu ónus de prova – artigo 342.º n.º 2 do Código Civil.

Não se sabendo o que esteve na base da perda de um ano escolar, não se pode considerar que houve culpa grave e, como tal, não deve ser com base nesse facto – não de todo inusual na carreira académica – que se deva considerar cessada a obrigação imposta ao embargante.

O facto de a autora ter demorado mais tempo a atingir o estádio académico em que se contra actualmente, ante a total ausência de provas sobre o que determinou essa perda escolar, não exprime culpa grave, censurabilidade, que está ínsita na exigência de “razoabilidade” como critério base, relacionado com a actuação o filho, para impor aos pais e manter a obrigação de educação do filho maior – art. 1880º, nº1, do Código Civil.

Haveria culpa grave se se provasse, por exemplo, que a autora, sem qualquer causa justificativa tivesse perdido aquele ano escolar. Mas, repetimos, competiria ao recorrente fazer a prova de tal facto.

Como muito bem referem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela no seu Código Civil anotado, volume I, 3.ª Edição, a páginas 304, “...o significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto como em determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de se não fazer a prova do facto.”
Por outro lado, como ensina o Prof. Manuel de Andrade, “Noções Elementares do Processo Civil”, 1976, págs. 195 e 196, “O onus probandi respeita aos factos da causa, distribui-se entre as partes segundo certos critérios.
Traduz-se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte).”

Ora, assim sendo, face à não prova de factos que permitissem concluir pela responsabilidade culposa da autora do não aproveitamento escolar dos inícios do seu percurso escolar universitário, o que já não sucederá actualmente, é razoável manter-se a obrigação dos pais continuarem a contribuir para o sustento da autora, assumindo as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação, pelo tempo normalmente requerido para que a formação da autora se complete (artigos 1880.º e 1879.º).

Justifica-se, assim a manutenção da obrigação imposta na 1.ª Instância quanto à prestação de alimentos pelos réus à autora, nos termos aí estabelecidos.

O apelante refere que a autora enquanto alimentanda sempre teria um estatuto equivalente ao de um filho menor, pelo que não podia abandonar a casa paterna, sendo certo que o fez.

Não se pode afirmar que assim seja porque, por um lado, a posição jurídica de um filho maior ou de um filho menor são diferentes, na medida em que, nomeadamente, aquele detém um estatuto jurídico que inibe, desde logo, que os pais o representem e, por outro, da matéria de facto dada como provada resulta que, em finais de 2002, a autora vivia, em comunhão de mesa e habitação com os seus pais, os ora réus, o relacionamento entre os réus deteriorou-se com constantes discussões, as quais eram mantidas, muitas vezes, na presença da autora e, na sequência desses conflitos a 19 de Abril de 2004 a ré, D...... deixou a casa de morada de família, levando consigo a B......, o que poderá, de alguma forma, explicar ou justificar a saída da autora da casa paterna.

Quanto ao alegado - mas não provado - desprezo a que a autora vota o réu, cumpre dizer que o facto de a autora não manter contactos com o pai desde a separação dos pais e não ter feito mais qualquer visita, não é demonstrativo de qualquer atitude de menos respeito ou consideração da autora para como o réu uma vez que, pura e simplesmente se desconhecem os motivos de tal conduta ou a causa da mesma, pelo que não se pode afirmar que a autora tenha violado qualquer dever ou obrigação que lhe seja imposta perante o seu pai.

Improcedem assim, na totalidade, as conclusões da apelação.


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D) Em conclusão:

1) Os pais não são obrigados à prestação alimentar se, por culpa grave dos filhos maiores, estes não terminarem a sua formação técnico-profissional no tempo de duração normal;

2) Compete ao devedor de alimentos o ónus da prova de que a falta de aproveitamento escolar de um filho maior se deveu a um comportamento censurável deste em termos de cumprimento das obrigações escolares universitárias.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, improcede a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do apelante.

Notifique.


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Guimarães, 23/03/2010