PLANO DE INSOLVÊNCIA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS EM INSOLVÊNCIA
Sumário

I - A alínea b) do n.º 2 do citado art.º 233.º consagra como excepção à regra da extinção da instância do processo de verificação de créditos o facto de o “encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência”.
II - A homologação do plano de insolvência não torna inútil a sentença de verificação e graduação de créditos.

Texto Integral








Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:


1 – Relatório.

Na secção da Instância Central de Comércio, J1, , «AA, CRL», foi declarada insolvente por sentença proferida em 08.04.2015, transitada em julgado.
O processo de insolvência foi declarado encerrado por decisão proferida em 18.12.2015, transitada em julgado, após trânsito em julgado da decisão de homologação de plano de insolvência aprovado pelos credores, proferida em 17.11.2015.
No apenso de Reclamação de Créditos foi junta em 25.08.2015 a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos.
A referida lista veio a ser objecto de impugnação por vários credores, entre os quais a BB, ora recorrente.
No seguimento das impugnações apresentadas, designadamente pela aqui recorrente, o Senhor Administrador introduziu algumas correcções na lista de créditos reconhecidos.
No que concerne à BB, aqui recorrente, as referidas correcções não contemplaram a impugnação apresentada relativamente ao crédito de juros de € 165.396,20, que o Sr. Administrador da Insolvência não reconheceu, e, ainda, a impugnação da qualificação como comum do crédito emergente do desconto de várias letras comerciais, no total de € 546.422,41, (qualificação com a qual a recorrente discorda, alegando que que o referido crédito também está abrangido por hipotecas genéricas).
Realizada a Assembleia de credores para discussão e aprovação do plano de insolvência, o mesmo foi aprovado.
O plano de insolvência foi homologado por sentença proferida em 17 de Novembro de 2015 nos autos da insolvência e prevê o reembolso de 100% dos créditos garantidos e privilegiados, no prazo total de 5 anos, e o reembolso de 50% dos créditos comuns, no prazo total de 17 anos.
Por requerimento apresentado em 26.11.2015, o credor CC, requereu que se ordenassem os ulteriores termos do apenso de Reclamação de Créditos, com vista ao reconhecimento dos créditos da credora, nos termos reclamados.
Notificados, a insolvente nada disse e o Administrador Judicial manteve a posição assumida.
Foi proferido o seguinte despacho:
«Decide-se assim, nos termos e pelos fundamentos expostos:
1. Nos termos do art.º 233.º, n.º 2, al. b), do CIRE, por força do encerramento do processo de insolvência, declarar extintas as instâncias de verificação de créditos relativamente a todos os credores excepto a CC, na parte em que impugnou o não reconhecimento de crédito por si reclamado no valor de € 47.485,47 e da não qualificação como garantidos de créditos no montante global de € 383.760,00.
2. Julgar improcedente a impugnação deduzida pelo credor CC na parte em que pugna pelo reconhecimento dos créditos não reconhecidos, no montante de € 47.485,47, atinentes a letras.
3. Julgar parcialmente procedente a impugnação deduzida pelo credor CC relativamente à qualificação dos créditos correspondentemente reconhecidos, em consequência qualificando como garantidos créditos de capital até ao montante de € 288.000,00 (duzentos e oitenta e oito mil euros), bem como os juros contratuais ou legais e/ou de mora, e despesas extrajudiciais correspondentes, com os limites estabelecidos no título constitutivo da hipoteca, até ao montante global de capital e acessórios de € 383.760,00.
4. Com a rectificação introduzida em 3 relativamente à qualificação, julgar verificados os créditos reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência relativamente ao credor CC, a págs. 50/51 da relação de créditos reconhecidos (fls. 463v e 464).
Custas da impugnação objecto de apreciação a suportar pelo credor na proporção de ½, fixando-se o valor da mesma em € 678.828,86 (cfr. art.ºs 303.º, do CIRE e 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Notifique e registe.»
De tal despacho, veio a BB interpor recurso de apelação, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões:
«a) Vem o presente recurso interposto da sentença [refª 80349113 do citius] que, aplicando ao presente apenso de reclamação dos créditos o disposto no art.º 233.º, n.º 2, al. b) do CIRE, julgou extinta a instância, sem julgamento das impugnações aqui apresentadas à lista de créditos, no seguimento da aprovação de um plano e em consequência do encerramento do processo de insolvência. Assim, b) Na origem do presente apenso está a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, prevista no art.º 129.º do CIRE, entregue em juízo em 25 de Agosto de 2015.
c) A referida lista veio a ser objecto de impugnação por vários credores, entre os quais a ora recorrente, nos termos constantes dos articulados com as ref.ª 1169555 e 1242538 do citius, cujas cópias se juntam e aqui se dão por reproduzidas (docs. 1 e 2)
d) O interesse, da aqui recorrente, nas impugnações que apresentou, mantém-se, uma vez que, apesar de ter procedido a algumas correcções, o Sr. Administrador da Insolvência manteve o não reconhecimento de €165.396,20 que a aqui recorrente reclamou, assim como a qualificação como comum de um crédito emergente do desconto de várias letras comerciais, no total de € 546.422,41, que devia ter sido classificado como garantido. Na verdade,
e) O plano de insolvência prevê o reembolso de 100% dos créditos garantidos e privilegiados, no prazo total de 5 anos, e o reembolso de 50% dos créditos comuns, no prazo total de 17 anos – cfr. fls. 53 do plano junto aos autos da insolvência em 30 de Setembro de 2015 com a ref.ª 1255129 do citius.
f) Nos termos da “aclaração” do plano, junta aos autos pela insolvente, em 7 de Outubro de 2015 (ref.ª 1277981 do citius), “os créditos referentes a financiamento bancário e letras, serão pagos nos termos e condições previstas para os demais créditos de idêntica categoria, caso os mesmos venham a ser reconhecidos judicialmente como garantidos”. Ora, g) Conforme já foi decidido no aresto acima citado do Tribunal da Relação de Lisboa, «a alínea b) do n.º 2 do citado art.º 233.º [do CIRE] consagra como excepção à regra da extinção da instância do processo de verificação de créditos o facto de o “encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência”.» «A homologação do plano de insolvência não pode ter como efeito tornar inútil a sentença de verificação e graduação de créditos.» Assim, h) As consequências da aprovação do plano de insolvência decorrem, antes de mais, das regras aplicáveis à aprovação do mesmo, ou seja, as que constam dos art.ºs 209.º a 229.º do CIRE.
i) Quando o CIRE entrou em vigor, a assembleia de credores convocada para discutir e votar uma proposta de plano de insolvência não podia reunir “antes de (...) proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, de esgotado o prazo para a interposição de recursos desta sentença e da realização da assembleia de apreciação de relatório”. Daí que “O plano de insolvência aprovado antes do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação dos créditos acautela os efeitos da eventual procedência dos recursos interpostos dessa sentença, de forma a assegurar que, nessa hipótese, seja concedido aos créditos controvertidos o tratamento devido.” (cfr. art.º 209.º, n.ºs 2 e 3 do CIRE, na redacção aprovada pelo Dec. Lei n.º 53/2004, de 18.3).
j) O Dec. Lei n.º 200/2004, publicado em 18 de Agosto veio permitir “que a assembleia de credores reúna para aprovação de plano de insolvência logo após o termo do prazo para impugnação da lista de credores reconhecidos, o que claramente favorece as perspectivas de recuperação das empresas”.
k) Na alteração pesou, certamente, a constatação de que a dilação introduzida no processo pela necessidade de prolação da sentença de graduação dos créditos inviabilizava, normalmente, o efeito útil de um qualquer plano.
l) Em qualquer caso, antecipar o momento da aprovação do plano, relativamente à graduação dos créditos, não equivale a dispensar a graduação, e nada indica que o legislador tivesse querido fazê-lo, bem pelo contrário.
m) Em primeiro lugar, e logo no art.º 209.º, n.º 3, o legislador esclarece que “o plano de insolvência aprovado antes do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação dos créditos acautela os efeitos da eventual procedência das impugnações da lista de credores reconhecidos ou dos recursos interpostos dessa sentença, de forma a assegurar que, nessa hipótese, seja concedido aos créditos controvertidos o tratamento devido”.
n) O legislador reconheceu, desta forma, que a aprovação do plano não faz desaparecer os sujeitos ou o objecto da reclamação dos créditos, nem, pela sua própria natureza, o plano tem a virtualidade de poder satisfazer a pretensão do credor que não viu o seu crédito reconhecido ou que o viu reconhecido em moldes diferentes do que entende serem devidos e, atempadamente, impugnou a lista de créditos.
o) Por outro lado, também a alínea b) do n.º 2 do art.º 233.º do CIRE não pode ser interpretada com um sentido e alcance contrário àquele que o legislador pretendeu, ao aditar à redacção original a expressão “ou se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência”.
p) Na verdade, a lógica subjacente à redacção desta alínea b) sempre foi a de que a aprovação do plano de insolvência exige a verificação e graduação dos créditos.
q) Tão pouco faz o menor sentido exigir, aos credores impugnantes, que requeiram, após a homologação do plano, o prosseguimento da instância do apenso, caso não exista, ainda, sentença de verificação e graduação dos créditos e, simultâneamente, dispensar tal requerimento, nas situações em que o plano é aprovado na pendência de recurso interposto dessa mesma sentença.
r) Ou, por outras palavras, há que aplicar ao apenso da reclamação de créditos o que se encontra estatuído para o recurso da sentença aí proferida e não – como parece óbvio – o que se encontra previsto para as acções ulteriores de verificação de créditos, as únicas em que, por não ter reclamado atempadamente o crédito, o credor é autor e, nessa qualidade, tem a responsabilidade de dar impulso à instância.
s) Acresce que, no caso em análise, o próprio plano aponta no sentido de ser necessário o prosseguimento do apenso da reclamação de créditos, com vista à obtenção de uma decisão que fixe a situação dos créditos objecto das impugnações, o que foi expressamente assumido e declarado na “aclaração” junta aos autos principais pela insolvente em 7 de Outubro de 2015 (ref.ª 1277981 do citius)
Termos em que, com o douto suprimento de V.Exas, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, por conseguinte, a sentença recorrida ser revogada e susbstituída por outra, que determine o prosseguimento dos autos do presente apenso de reclamação de créditos, assim se fazendo a costumada
J U S T I Ç A !»
Não há contra-alegações.
Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Os factos relevantes para a decisão são os que constam do relatório supra.


2 – Objecto do recurso.

Face ao disposto nos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que a questão a decidir (por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do mesmo diploma) é a seguinte:
Saber qual a repercussão que tem nos autos de Reclamação de créditos a decisão de aprovação do Plano do processo de insolvência, nomeadamente se o encerramento do processo de insolvência decorrente da aprovação do plano de insolvência implica a extinção da instância do apenso de verificação e graduação de créditos ou se, quando há créditos impugnados se justifica o prosseguimento da verificação de créditos.


3 - Análise do recurso.

A recorrente põe em causa que a aprovação do plano no processo de insolvência acarrete a extinção dos autos de Reclamação de Créditos, como se entendeu na decisão recorrida.
Como sabemos, nos termos do artigo 277º al. e) do NCPC a instância extingue-se com “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
Ou seja, implica que a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio (cfr. Alberto Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, págs. 367-373).
Segundo a decisão recorrida:
“O requerimento da CC foi tempestivamente apresentado, pelo que, nos termos da disposição legal citada, a instância de reclamação de créditos deverá prosseguir, restrita porém ao reconhecimento dos créditos a que respeita a impugnação da requerente.
Relativamente aos demais credores, constantes das relações de créditos reconhecidos e não reconhecidos, elaboradas nos termos do art.º 129.º, do CIRE, bem assim como aos credores cujos créditos foram impugnados pelo requerente CC, que nesta parte não requereu o prosseguimento, nos termos da citada disposição legal, haverá que declarar extintas as respectivas instâncias”.
A decisão recorrida remete para o art. 233º nº 2 al. b) do CIRE que dispõe o seguinte:
“o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina a extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, excepto se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º, ou se o encerramento decorrer da aprovação de plano de insolvência, caso em que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença e as acções cujos autores assim o requeiram, no prazo de 30 dias”.
Este preceito tem originado posições divergentes na jurisprudência.
A alínea b) do nº 2 do art. 233º do CIRE tem a redacção dada pelo DL n.º 200/2004, de 18/8, que lhe aditou outra excepção à extinção da instância contemplando a hipótese em que o encerramento do processo decorra da “aprovação do plano de insolvência” (tal aditamento decorreu da conjugação com a alteração efectuada pelo mesmo Decreto-Lei ao n.º 2 do art.º 209.º do CIRE, tornando possível a aprovação de um plano de insolvência sem estar previamente proferida sentença de verificação, embora já com o prazo de reclamação esgotado e as impugnações deduzidas).
Por um lado, há quem entenda que o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final, importa sempre a extinção da instância nos processos de verificação e graduação de créditos em que não tenha sido proferida sentença - vide neste sentido, Ac. RG de 19-02-2013, proc. nº 1808/12.0TBBRG-D.G1 (onde se defende que não faz sentido a possibilidade de uma sentença de verificação e graduação de créditos após a aprovação e homologação do plano de insolvência. Primeiro, porque os credores, através da sua maioria qualificada, já transigiram sobre o objecto da insolvência, inclusive com possibilidade de o fazerem sobre o pagamento dos créditos (192.º, n.º 1), pelo que seria de todo destituído de sentido que, posteriormente, viesse o tribunal a verificar e graduar créditos. E, depois, porque os credores que impugnaram o não reconhecimento do seu crédito ou de parte dele, não saem prejudicados. Quer porque, se não houver resposta, a impugnação é logo julgada procedente (131.º, n.º 3), e, sobretudo, porque o plano de insolvência deve acautelar os efeitos da eventual procedência das impugnações, de forma a assegurar que, nessa hipótese, seja concedido aos créditos controvertidos o tratamento devido (art.º 209.º, n.º 3), que, como vimos, é fiscalizado pelo juiz e interessados (215.º e 216.º). Por conseguinte, os credores que não viram ainda ser reconhecidos os seus créditos, não são prejudicados pela aprovação e homologação do plano de insolvência sem sentença de verificação e graduação de créditos).
Há quem entenda que o encerramento do processo por aprovação do plano de insolvência, não acarreta a extinção do apenso da verificação e graduação de créditos, que deverá continuar até decisão final- vide neste sentido, Acs. RP de 29-11-2011, proc. nº 241/09.5TYVNG-A.P1 e de 17.12.2014, proc. nº 2272/13.1TBVFR-B.P1 e Ac. RL de 31-10-2013 – proc. 1144/08.6TYLSB.L1-6.
E finalmente, há quem entenda que, o prosseguimento das acções de verificação só terá lugar mediante requerimento dos respectivos autores no prazo de 30 dias - vide neste sentido, Ac. RC de 16-04-2013, proc. nº 125/11.7TBAVZ-G.C1 seguindo a posição defendida por Carvalho Fernandes e João Labareda, no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão de 2009, págs. 772 a 773, (onde se pode ler o seguinte : “no caso de o processo judicial ter terminado na decorrência de um plano de insolvência, não estando, como é pressuposto, proferida sentença de verificação de créditos, apenas se salvaguarda a continuação das acções pendentes de restituição e separação de bens já liquidados cujos autores assim requeiram, no prazo de trinta dias”).
Seguimos a interpretação de que, o encerramento do processo por aprovação do plano de insolvência, não acarreta a extinção do apenso da verificação e graduação de créditos, que deverá continuar até decisão final da lei.
A continuação do apenso de verificação de créditos até à decisão final faz todo o sentido nos casos de impugnação à lista de créditos elaborada pelo administrador da insolvência.
É sabido que na interpretação da norma legal deve o intérprete procurar “reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (cfr. art.º 9.º, n.º 1 do Código Civil).
Com o Dec. Lei n.º 200/2004, publicado em 18 de Agosto, em vez de se exigir a prévia graduação dos créditos, relativamente à aprovação do plano, a redacção introduzida no n.º 2 do art.º 209.º do CIRE passa a exigir, apenas, que o prazo para a impugnação da lista de créditos reconhecidos, prevista no art.º 129.º do CIRE, se mostre esgotado.
Em qualquer caso, antecipar o momento da aprovação do plano, relativamente à graduação dos créditos, não equivale a dispensar a graduação, e nada indica que o legislador tivesse querido fazê-lo, bem pelo contrário.
O art.º 209.º, n.º 3, o legislador esclarece que “o plano de insolvência aprovado antes do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação dos créditos acautela os efeitos da eventual procedência das impugnações da lista de credores reconhecidos ou dos recursos interpostos dessa sentença, de forma a assegurar que, nessa hipótese, seja concedido aos créditos controvertidos o tratamento devido”.
Logo, a aprovação do Plano antes da prolação da sentença de verificação e graduação dos créditos em nada interfere com a natureza controvertida dos que tenham sido objecto de impugnação.
Essa questão só pode ser decidida no apenso da reclamação de créditos.
Na situação dos autos, a aprovação do plano não faz desaparecer os sujeitos ou o objecto da reclamação dos créditos, nem, pela sua própria natureza, o plano tem a virtualidade de poder satisfazer a pretensão do credor que não viu o seu crédito reconhecido ou que o viu reconhecido em moldes diferentes do que entende serem devidos e, atempadamente, impugnou a lista de créditos.
Não há razão para a Reclamação não prosseguir.
Como se pode ler Ac. RP de 17.12.2014, proc. nº 2272/13.1TBVFR-B.P1, que seguimos de perto:
“Não sendo muito nítida a redacção desta alínea, decorrente do aditamento daquela excepção e da manutenção da parte restante, não há dúvida que o legislador quis consagrar e consagrou a referida excepção. E, tendo consagrado tal excepção, alguma utilidade deve ter, tanto mais que temos de presumir que consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. art.º 9.º, n.º 3 do Código Civil). Não será pela manutenção da anterior redacção relativa à outra excepção que quis inviabilizar a aplicação da segunda excepção que acabara de consagrar. E não alterou a estatuição, certamente por a julgar desnecessária por partir do pressuposto de que a regra normal de extinção da instância é o julgamento. Deste modo, temos de concluir que, ao consagrar a referida excepção, quis-se a continuação do apenso de verificação de créditos até à decisão final. Tal continuação impõe-se sobretudo nos casos de impugnação à lista de créditos elaborada pelo administrador da insolvência, havendo uma certa analogia com a situação ali prevista de interposição de recurso da sentença de verificação.
Não há, pois, razão para se considerar verificada qualquer causa de extinção da instância, seja por impossibilidade seja por inutilidade superveniente da lide”.
Também no Ac. RP de 28.04.2014, proc. nº 2609/11.8TBPDL-K.P1, com o mesmo entendimento se explicam as razões da não extinção:
“(…) mantém-se a incerteza não só quanto à existência e montantes dos créditos reclamados, mas igualmente quanto à questão de saber se se encontram abrangidos pelo plano e em que termos (como créditos comuns, privilegiados?), sendo que, as condições de pagamentos aí previstas, como é natural, variam em função da classe de créditos em que se inserem.
Ou seja, a prolação da sentença nesta fase, continuaria a manter interesse como meio de estabilização do passivo do devedor, relevantes para efeitos do plano de insolvência.
Todavia, o interesse no prosseguimento não se esgota na função de definição do passivo, uma vez que, para efeitos de cobrança dos créditos após o encerramento do processo de insolvência, a al. c) do nº 1 do artigo 233.º do CIRE atribui expressamente a natureza de título executivo à sentença de verificação de créditos ou decisão proferida em acção ulterior de créditos em conjugação com a sentença homologatória do plano de insolvência.
Acresce que, embora a sentença de homologação tenha o efeito de produzir as alterações dos créditos da insolvência introduzidas pelo plano, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados (nº 1 do art. 217.º do CIRE), isto é, se a modificação se dá mesmo relativamente aos créditos não verificados ou não reclamados, haverá que atentar-se em que a lei atribui direitos fundamentais aos credores que vejam os seus créditos reconhecidos através de uma sentença de verificação de créditos.
De facto, o legislador veio a restringir os efeitos do incumprimento do plano previstos na al. a) do nº 1 do artigo 218.º do CIRE, “aos créditos reconhecidos por sentença de verificação de créditos ou por outra decisão judicial, ainda que não transitadas em julgado”.
Dispõe, então, o citado artigo 218.º:
1 – Salvo disposição expressa do plano de insolvência em sentido diverso, a moratória ou perdão ficam sem efeito:
a) Quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de 15 dias após interpelação escrita pelo credor.
b) Quanto a todos os créditos se, antes de finda a execução do plano, o devedor for declarado em situação de insolvência em novo processo.
2 – A mora do devedor apenas tem os efeitos previstos na al. a) do número anterior se disser respeito a créditos reconhecidos pela sentença de verificação de créditos ou por outra decisão judicial, ainda que não transitadas em julgado.
3 – (…).”
A produção dos efeitos definidos na al. a) do nº 1, decorrentes da mora do devedor por incumprimento do plano–perda da moratória ou do perdão concedidos pelo plano, se a prestação acrescida dos juros moratórios não for satisfeita no prazo de 15 dias a contar da interpelação–encontra-se expressamente limitada em relação aos créditos reconhecidos pela sentença de verificação e graduação ou outra decisão judicial, apesar de se exigir que ela haja transitado em julgado.
Como assim, com a aprovação do plano, não só o credor/reclamante poderá manter o interesse em ver reconhecido o seu crédito, sobretudo se o mesmo for litigioso–quer quanto ao respectivo montante quer quanto à sua categoria em que se insere (comum, privilegiado ou garantido), para cabal esclarecimento do modo como irá ser pago em conformidade com os demais termos estabelecidos no plano–, como, mesmo não se tratando de crédito litigioso (por ter sido reconhecido pelo administrador e não ter sido objecto de impugnação), só se o seu crédito for reconhecido por sentença de verificação se poderá valer dos efeitos previstos na al. a) do nº1 do artigo 218.º para o caso de mora do devedor.
Isto é, não só se manterá para o credor reclamante a utilidade geral de reconhecimento judicial do seu crédito (utilidade que poderia, eventualmente, lograr com a propositura de uma nova acção declarativa comum), como a sentença de verificação lhe permitirá o reconhecimento ou exercício de um direito só por essa via alcançável.
Mas, para além do reconhecido interesse para os credores na continuação do processo de verificação, entende-se que o legislador previu e quis o respectivo prosseguimento no caso de no mesmo não ter sido proferida sentença de verificação à data da homologação do plano.
Na verdade, nos termos já referidos, a redacção dada pelo legislador ao nº 3 do artigo 209.º, conclui-se que o mesmo não só admite como pressupõe o prosseguimento do apenso da verificação de créditos após a aprovação do plano até decisão final, independentemente de, à data da sua aprovação, ter sido ou não proferida sentença de verificação e graduação de créditos (pelo menos no caso de existência de impugnações à lista de credores reconhecidos).
Aliás, se assim não for não vemos, em que situações terá aplicação o estatuído nesse normativo e qual o seu conteúdo prático.
Portanto, o citado normativo só tem aquele conteúdo se, apesar da aprovação do plano, o processo de verificação de créditos puder prosseguir e por isso, manda o legislador que naquela plano se observem cautelas para o caso da eventual procedência das impugnações da lista de credores reconhecidos ou dos recursos interpostos dessa sentença, ou seja, a referência àquelas cautelas só fazem sentido se a aprovação do plano possa ainda vir a sofrer alterações decorrentes da decisão que venha a ser proferida no âmbito daquele processo.
(…) sendo o propósito do legislador, com a nova redacção, excepcionar o encerramento decorrente da aprovação do plano, submetendo-o a um regime distinto do previsto em geral para os demais casos de encerramento do processo após o rateio final, ao entrelinhar tal excepção “encerramento por aprovação do plano de insolvência” no meio da primeira excepção aí anteriormente consagrada, entre “ter já sido proferida a sentença de verificação de créditos prevista no art. 140º” e “caso em que os recursos prosseguem até final”, tornou, como muito bem se diz no citado acórdão e que aqui seguimos de perto, tal norma ininteligível e sujeita às mais diversas interpretações.
Se já tiver sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos, dúvidas não se levantam de que, quer o encerramento decorra de outras causas, quer decorra da aprovação de um plano de insolvência, a solução manter-se-á mesma: os recursos dessa sentença prosseguirão até final.
As dúvidas suscitam-se, tão só, no caso de encerramento do processo de insolvência antes do rateio final sem que tenha sido proferida sentença de verificação de créditos.
Todavia, não poderá de deixar se atribuir algum sentido útil à entrelinhada excepção respeitante ao “encerramento decorrente da aprovação do plano”. E, uma vez que na hipótese de ter sido proferida sentença de verificação de créditos o respectivo prosseguimento já se encontrava assegurado pela primeira excepção constante de tal alínea, o aditamento introduzido só pode ter o significado de, com o mesmo, se pretender a continuação do processo de verificação (ou de acção ulterior de créditos) até à decisão final. Interpretação que melhor se compagina com os efeitos que à sentença de verificação são atribuídos no caso de aprovação de um plano de insolvência.
Concluindo, o encerramento do processo de insolvência na decorrência da aprovação do plano de insolvência, não tem como consequência obrigatória a extinção da instância no apenso de reclamação de créditos, quando ainda não foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, devendo a al. b) do n.º2 do art. 233º do CIRE ser interpretada de forma a que, quando a sentença a proferir tenha interesse para a estabilização do passivo do devedor e/ou seja relevante para a execução do plano de insolvência, o apenso de verificação de crédito tem de prosseguir os seus termos até à decisão final”.
Em suma: Procede o recurso, impondo-se a revogação da decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento destes autos de verificação de créditos, com a subsequente tramitação legal.


Sumário:
I - A alínea b) do n.º 2 do citado art.º 233.º consagra como excepção à regra da extinção da instância do processo de verificação de créditos o facto de o “encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência”.
II - A homologação do plano de insolvência não torna inútil a sentença de verificação e graduação de créditos.


4 – Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos de Reclamação e Verificação de créditos, com a subsequente tramitação legal.


Custas a cargo da massa insolvente. (artigos 303.º e 304.º do CIRE)
Registe e notifique.

Évora, 05.05.2016

Elisabete Valente

Bernardo Domingos


Silva Rato