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PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
NÃO SUSPENSÃO
Sumário
I. A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, apresenta-se como uma censura adicional ao crime cometido e destina-se a prevenir a perigosidade do agente que praticou a infracção; II. Enquanto pena acessória é-lhe inaplicável o instituto da suspensão da pena
Texto Integral
Proc. 101/15.0GTBJA.E1
Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
1. No Tribunal da Comarca de Beja (Beja, Instância Local, Secção Criminal, J1) correu termos o Proc. Sumário n.º 101/15.0GTBJA, no qual foi julgado o arguido BB - aí melhor identificado - pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.ºs 292 n.º 1 e 69 n.º 1 al.ª a) do Cód. Penal, tendo, a final, sido condenado, pela prática do mencionado crime, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de 5,00 (cinco) euros, no montante global de 450,00 (quatrocentos e cinquenta) euros - ao que há a descontar 1 (um) dia, nos termos do art.º 80 n.º 2 do Cód. Proc. Penal, correspondente ao tempo de privação de liberdade que sofreu quando foi intercetado pela autoridade policial a conduzir e submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue - restando a pena de 89 (oitenta e nove) dias de multa, à razão diária de euros 5,00 (cinco) euros, no montante global de euros 445,00 (quatrocentos e quarenta e cinco) euros, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer tipo, em vias públicas ou equiparadas, pelo período de 6 (seis) meses.
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2. Recorreu o arguido de tal decisão, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
1 - O tribunal a quo determinou a medida da pena acessória que aplicou ao arguido (de 6 meses) sem a fundamentar, pelo que violou o disposto nos artigos 71 e 72 do Código Penal.
2 - A medida da pena acessória deve ser reduzida ou suspensa na sua execução.
3 - Pelo exposto, violou o disposto no artigo 69 do Código Penal, pelo que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, o arguido ser absolvido da pena acessória aplicada ou, subsidiariamente, ser a mesma reduzida ou suspensa na sua execução.
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3. Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, concluindo a sua resposta nos seguintes termos:
1 - O arguido BB interpôs recurso da sentença que o condenou, pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.ºs 292 n.º 1 e 69 n.º 1 al.ª a) do Cód. Penal, na pena de 89 (oitenta e nove) dias de multa, à razão diária de euros 5,00 (cinco) euros, no montante global de 445,00 (quatrocentos e quarenta e cinco) euros, e na pena acessória de proibição de conduzir por um período de 6 (seis) meses.
2 - A questão que se coloca à cognição do tribunal superior resume-se à medida da pena acessória em que o arguido foi condenado, bem como à possibilidade do mesmo ser dela absolvido ou, caso assim não se entenda, ser reduzida a sua duração ou ser suspensa a sua execução.
3 - Ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez corresponde também a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor entre três meses e três anos (art.º 69 n.º 1 al.ª a) do Cód. Penal), que se determina, à semelhança do que sucede com a pena principal, de acordo com a culpa e as exigências de prevenção (geral e especial), tendo por base todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente (n.º 2 do art.º 71 do Cód. Penal).
4 - Atento o disposto no art.º 69 n.º 1 al.ª a) do Cód. Penal, está liminarmente afastada a possibilidade de se isentar um arguido que conduza sob a influência de uma taxa de álcool igual ou superior a 1,2 g/l da respetiva pena acessória de proibição de conduzir.
5 - Também não vislumbramos fundamentos que in casu imponham a redução da duração da pena acessória, sobretudo porque a taxa de álcool no sangue que o arguido apresentava não era assim tão insignificante, para além de que o mesmo já havia sofrido uma condenação exatamente pela prática do mesmo crime.
6 - A pena acessória de proibição de conduzir (art.º 69 do Cód. Penal) é uma sanção de natureza penal, sujeita ao regime decorrente do Código Penal, não existindo neste qualquer norma que expressa ou implicitamente preveja a sua substituição por caução de boa conduta, ou mesmo a possibilidade da suspensão da sua execução, estando esta prevista, apenas, para as penas de prisão (art.º 50 do Cód. Penal).
7 - Nestes termos, deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, com a consequente manutenção da sentença recorrida.
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4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer (fol.ªs 77 a 80) no sentido da improcedência do recurso.
5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do CPP).
6. Na sentença recorrida consideraram-se como provados os seguintes factos:
1. No dia 4 de outubro de 2015, pelas 2h51m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula … na rua …, em Vila…, área de Beja, sob a influência de uma taxa de álcool no sangue de 1,51 g/l, equivalente a, pelo menos, 1,43 g/l, deduzido o erro máximo admissível.
2. O arguido sabia que conduzia um automóvel na via pública sob a influência de uma taxa de álcool igual ou superior a 1,20 g/l, o que considerou possível e aceitou.
3. Agiu deliberada, livre e conscientemente, sabendo a sua conduta proibida e punível por lei
4. O arguido foi anteriormente condenado:
- pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292 do CP, por sentença de 11.11.2005, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 8,00 euros (Proc. 71/04.0PTBJA, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Beja);
- pela prática de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo art.º 348 do CP, por sentença de 23.03.2007, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 2,00 euros (Proc. 155/05.8GAORQ, do Tribunal Judicial de Ourique);
- pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art.º 108 do DL 422/89, de 2.12, na redação dada pelo DL 10/95, de 19.01, por sentença de 28.04.2008, em cúmulo jurídico, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 3,00 euros (Proc. 8/05.0GBBJA, do 2.º juízo do Tribunal Judicial de Beja).
5. O arguido está desempregado, vive com os pais, em casa destes, que o ajudam, sendo que o pai já está reformado e a mãe trabalha como empregada doméstica.
6. Tem uma filha de 12 anos de idade, a quem paga, com a ajuda dos pais, 75,00 euros de alimentos.
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7. A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido (art.º 412 do Código de Processo Penal).
Tais conclusões devem ser claras e precisas, pois que se destinam a habilitar o tribunal superior a conhecer – sem margem para dúvidas - as razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no plano de facto, seja no plano de direito, e são as questões nelas sintetizadas que delimitam o objeto do recurso (ver art.º 412 n.ºs 1 e 2 e 410 n.ºs 1 a 3, ambos do Código de Processo Penal, e, entre outros, o acórdão do STJ de 19.06.96, in BMJ, 458, 98).
Atentas estas considerações, e tendo em atenção as conclusões da motivação do recurso apresentado pelo arguido, uma única questão vem colocada pelo mesmo à apreciação deste tribunal: é a de saber se a sentença fundamentou a escolha e determinação da pena acessória aplicada ao arguido (de proibição de conduzir pelo período de seis meses)/se a pena acessória aplicada deve ser reduzida ou suspensa na sua execução.
Esta é pois, a questão a decidir.
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O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punível, em abstrato, com pena de prisão até um ano ou pena de multa de 10 a 120 dias e proibição de conduzir entre três meses e três anos (art.ºs 292 n.º 1 e 69 n.º 1 al.ª a) do Código Penal).
O arguido foi condenado - para além da pena principal, que não questiona e, por isso, não faz parte do objeto do recurso - na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de seis meses.
Pretende o arguido que a sentença não fundamentou a escolha e fixação desta pena, violando o disposto nos art.ºs 71 e 72 do CP.
Sem razão.
De facto, da audição da sentença (cuja gravação, deve dizer-se, não está nas melhores condições) resultam bem claras as razões pelas quais o tribunal condenou o arguido na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de seis meses.
Em suma, porque a pena acessória é determinada de acordo com os critérios utilizados para a determinação da pena principal e definidos no art.º 71 do CP (Germano Marques da Silva, in Crimes Rodoviários/Pena Acessória e Medidas de Segurança, ed. Universidade Católica Editora, 28, e Maia Gonçalves, in Código Penal Anotado e Comentado, 14.ª edição, 221), para os quais a sentença remeteu expressamente, ao fazer referência “aos fatores já considerados” para a determinação da pena principal, quais sejam:
- as exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir (atenta a natureza deste crime e o perigo que ele representa para a segurança rodoviária), e especial, face ao passado criminal do arguido, que já foi condenado pela prática de crime idêntico e, não obstante, não se inibiu de voltar a praticar este;
- a ilicitude do facto, atenta a taxa de álcool com que conduziu, e o grau elevado da culpa, já que atuou com dolo direto, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, tanto mais que já havia sido anteriormente condenado pela prática de idêntico crime.
- a sua inserção familiar e social e a confissão dos factos.
Não se pode dizer, pois, que o tribunal não fundamentou a pena acessória aplicada.
Por outro lado, e no que respeita à pena concretamente aplicada - dentro da moldura penal de três meses a três anos, ex vi art.º 69 n.º 1 al.ª a) do CPP, redação dada pela Lei 77/2001, de 13.07, que elevou para o triplo o prazo mínimo e máximo até então aplicável, reconhecendo a necessidade de reforçar a repressão da condução sob o efeito do álcool - atentas as razões supra enunciadas - e que da sentença recorrida constam - a mesma mostra-se criteriosamente ponderada, quer em face das exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, quer em face do elevado grau da culpa do arguido, a justificar uma pena que, de acordo com os critérios da razoabilidade, seja adequada a prevenir a perigosidade do agente, enquanto condutor (deve dizer-se que esta pena – acessória - embora se lhe assinale um efeito de prevenção geral de intimidação, visa, essencialmente, prevenir a perigosidade do agente, levando-o a interiorizar a gravidade da sua conduta e, consequentemente, a emendar a sua conduta enquanto condutor).
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Esta pena, acessória, enquanto decorrência da prática do crime de condução em estado de embriaguez (art.º 69 n.º 1 al.ª a) do CP), não se confunde com a inibição de conduzir, enquanto decorrência da prática de uma contraordenação (grave ou muito grave) prevista no Código da Estrada; trata-se de realidades diferentes, que assentam em pressupostos diferentes.
Já antes do assento n.º 5/99, DR, I Série – A, de 20.07.99 – que fixou jurisprudência no sentido de que “o agente do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292 do Código Penal, deve ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no art.º 69 n.º 1 al.ª a) do Código Penal” – era jurisprudência dominante que, em caso de condenação pelo crime p. e p. pelo art.º 292 do CP, deveria aplicar-se ao agente a pena acessória prevista no art.º 69 n.º 1 al.ª a) do CP e não a sanção de inibição de conduzir prevista no Código da Estrada (por todos podem ver-se o acórdão desta Relação de 19.09.00, Col. Jur., Ano XXV, t. IV, 282, os acórdãos da RC de 14.06.00, Col. Jur., Ano XXV, t. III, 53, e de 29.11.00, Col. Jur., Ano XXV, t. V, 49 e 50, e da RP de 29.11.00, Col. Jur., Ano XXV, t. V, 229).
A Lei 77/2001, de 13.07, com a alteração introduzida ao art.º 69 do CP, veio afastar qualquer dúvida quanto à natureza da sanção acessória prevista naquele preceito como verdadeira pena acessória, distinta da pena principal, ou seja, como uma censura adicional pelo crime cometido e destinada a prevenir a perigosidade do agente que praticou tal crime (veja-se a Ata n.º 8 relativa à Reunião da Comissão Revisora do Código Penal ocorrida em 29.05.89).
E enquanto pena acessória – natureza que atualmente parece indiscutível (o que decorre do art.º 69 do CP e da sua inserção sistemática no Capítulo III do Título III, este sob a epígrafe “Das Consequências Jurídicas do Facto” e aquele sob a epígrafe de “Penas Acessórias e Efeitos das Penas”) – é-lhe inaplicável o instituto da suspensão da pena (que apenas está previsto para a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, como se vê do art.º 50 do CP), pois a suspensão da execução da mesma é contrária aos fins que com a mesma se visam atingir (esta é a orientação que temos seguido e que vem sendo seguida pela jurisprudência desta Relação, que temos como pacífica, podendo ver-se ainda neste sentido os acórdãos da RG de 10.01.2005, Proc. 1943/04.1, e da RC de 16.11.2011, Proc. 87/11.0GTCTB.C1, ambos inwww.dgsi.pt, e Germano Marques da Silva, in Crimes Rodoviários, 1996, 62).
Carece, assim, de fundamento legal a suspensão da pena acessória de proibição de conduzir em que o arguido foi condenado, seja em face do regime de suspensão previsto no Código Penal (art.º 50), privativo da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, seja em face do regime da suspensão da inibição de conduzir previsto no Código da Estrada, privativo das contraordenações (graves) aí previstas.
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8. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, em manter integralmente a sentença recorrida.
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Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três UC (art.ºs 513 e 514 do CPP e 8 n.º 9 e tabela III anexa do RCP).
(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado)
Évora, 21/06/2016
Alberto João Borges (relator)
Maria Fernanda Pereira Palma