RECURSO PENAL
MINISTÉRIO PÚBLICO
FALTA DE INTERESSE EM AGIR
Sumário


Em face das disposições conjugadas dos artigos 48.º a 53.º e 401.º do Código de Processo Penal, o Ministério Público não tem interesse em agir para recorrer de decisões concordantes com a sua posição anteriormente assumida no processo (AUJ nº 2/2011 de 12 .04)

Texto Integral


Proc. Nº 168/13.6PFSTB.E1
Reclamação – Art.º 405 do CPP.

Reclamante:
Ministério Público

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Relatório

O Tribunal “a quo”, decidiu, acolhendo a posição proposta pelo MP, que entendendo …«não se mostrarem preenchidos os pressupostos para a aplicação ao arguido de uma medida de segurança….» afirma …« existir uma questão prévia que obstará à designação de data para audiência, devendo ser proferido douto despacho absolvendo o arguido da instância» “assistir inteira razão ao Ministério Publico e concluir, absolvendo o arguido da instância penal, dar sem efeito o julgamento designado e determinar a extração de certidão integral dos autos e sua remessa ao Ministério Publico, para os fins tidos por convenientes”.
O Ministério Público, por ordem hierárquica, não se conformando com o teor do despacho de 12.05.2016 que não admitiu o recurso interposto, vem, ao abrigo do disposto no artigo 405.º do C.P.P., veio apresentar a sua reclamação, alegando o seguinte:
« Por despacho para avaliação complementar da perigosidade do arguido foi determinada a realização de perícia sobre a personalidade, nos termos do artigo 160.º do C.P.P.
A fls. 239, promove o Ministério Público o seguinte:
“Vi o relatório que antecede.
Na sequência da posição já assumida a fls. 204-205, entendemos não se mostrarem preenchidos os pressupostos para a aplicação ao arguido de uma medida de segurança, o que o relatório que antecede parece confirmar.
Termos em que se nos afigura existir uma questão prévia que obstará à designação de data para audiência, devendo ser proferido douto despacho absolvendo o arguido da instância.
Set., d.s”.
Por despacho de 7.03.2016, decide a Mm. Juiz Presidente que, no que releva, como se transcreve, sublinhado nosso:
“Como assim é, e ainda que se descrevam os factos que indiciariamente na sua génese se descrevem como típicos, ilícitos, dos elementos que posteriormente vieram aos autos pressupõe-se a sua imputabilidade penal, ainda com capacidade de controlo diminuída e sem perigosidade, pelo que, ao arguido, em caso de demonstração desses factos, não seria imposta a pretendida medida de segurança, pelo Ministério Publico, à luz da qual – e da situação de falta de imputabilidade do arguido - descreveu a acusação.
Ocorrendo, nesta medida, o conhecimento superveniente de uma questão, que sempre será previa ao julgamento – que por isso configura um ato inútil – e que se representa pela impossibilidade de aplicação ao arguido de uma medida de segurança – não se encontrando descritos os factos para aplicação de uma pena fundada na culpa – impõe-se decidir, concluindo pela:
a) Absolvição do arguido AA da instância penal;
b) Determinar a extração integral de certidão dos autos e a sua consequente remessa aos Serviços do Ministério Publico, para os fins tidos por convenientes;
c) Mais determino se dê pagamento à factura de fls. 231;
d) Notifique.
e) Transitado em julgado, arquivem-se.
Set,ds”

Com efeito, o Ministério Público promoveu pela inexistência de perigosidade do arguido, mas não necessariamente pelo seu contrário, ou seja pela verificação dos elementos do tipo e pela existência de culpa do arguido, devendo o mesmo ser submetido a julgamento como imputável.
Contudo, a Mm.º Juiz Presidente, sem intervenção do Tribunal Coletivo, decidiu determinar a absolvição do arguido AA da instância penal, determinar a extracção integral de certidão dos autos e a sua consequente remessa aos Serviços do Ministério Público, para os fins tidos por convenientes e o subsequente arquivamento dos autos.
Assim sendo, determinou a Mm,º Juiz Presidente a absolvição do arguido sem a realização prévia de julgamento com intervenção do Tribunal Coletivo e sem qualquer base legal que sustentasse a referida absolvição.
É, deste modo, na verificação ulterior da imputabilidade do arguido e na ausência de base legal para o decidido que assentam os fundamentos do recurso interposto e, ora, não admitido.

Conforme jurisprudência fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º2/2011, em face das disposições conjugadas dos artigos 48° a 53º, e 401, do Código de Processo Penal o Ministério Público não tem interesse em agir para recorrer de decisões concordantes com a sua posição anteriormente assumida no processo.
A admissão do presente recurso, salvo o devido respeito, não colide com o decidido no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nem com o disposto no artigo 401.º do C.P.P.
O artigo 401.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, atribui ao Ministério Público legitimidade para recorrer de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido.
A legitimidade e o interesse em agir verificam-se nos termos do preceito citado, porquanto nos termos do artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa e do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro compete ao Ministério Público “representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar”, sendo uma das suas competências.
A falta de interesse público em agir não decorre da obtenção de determinada decisão que materialmente resulte num desfecho processual conforme o promovido.
O interesse em agir verifica-se sempre que a decisão proferida viole determinado procedimento legal pela não aplicação das normas legais impostas.
Nesta sede, mesmo que a decisão seja conforme com o resultado pretendido, esta deve, ainda, respeitar as normas legais que alicerçam a promoção do Ministério Publico, pois caso contrário, existirá sempre interesse em agir.
Com efeito, é sempre recorrível uma decisão proferida com diferente fundamento legal e contrária a lei mesmo que o resultado seja parcialmente conforme com efeitos pretendidos pela promoção do Ministério Público.
O presente recurso não viola o princípio da lealdade processual, uma vez que da promoção de fls. 239, se extraíram conclusões diversas e que foram além do promovido.
Conforme decorre da promoção do Ministério Público, não se questionou a inimputabilidade do arguido, mas apenas o grau de perigosidade do mesmo.
Por outro lado, a extração de certidão dos autos não foi promovida pelo Ministério Público.
Por outro lado ainda, em lado algum da promoção se requereu que a decisão fosse tomada pela Mm.º Presidente sem intervenção do Tribunal Coletivo.
Por último – e agora no interesse do arguido – mais se diz que a extracção de certidão integral nos autos violou o principio da lealdade processual, porquanto o arguido, quando notificado para se pronunciar quanto à concordância com a absolvição da instância não conhecia, nem podia prever, que além do mais se extrairia certidão integral dos autos para o Ministério Público.
O Ministério Público ao recorrer não esta a violar qualquer princípio de lealdade processual ou a venire contra factum proprium, visto que o fundamento que invocara para pedir a absolvição assentava na perigosidade do arguido, no risco de cometimento de novos factos ilícitos típicos.
Ao invés se decidiu absolver o arguido verificando a sua imputabilidade e a necessidade de aplicação de uma pena fundada na sua culpa.
Deste modo, prevalece a necessidade de fazer valer o direito, na defesa da legalidade democrática e dos interesses que a lei determina.
Face a todo o exposto é o despacho proferido nos autos recorrível, tendo o Ministério Público legitimidade para interpor recurso, como fez, devendo o mesmo ser admitido».
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Cumpre apreciar e decidir.
Apreciando, diremos que apesar dos doutos argumentos do MP, este preocupa-se mais com a forma do que com a substância…! Na verdade o Exmº Magistrado do MP, que subscreve a reclamação por imposição hierárquica, não podendo atacar a decisão de absolvição da instância que é coincidente com o que peticionara, vem pretender discutir os fundamentos da decisão e a forma que revestiu. Quanto a esta diremos que não lhe assiste qualquer razão porquanto foi o próprio MP que pediu que fosse «proferido douto despacho absolvendo o arguido da instância». Ora um despacho é sempre uma decisão singular e não do colectivo! Por outro lado o colectivo só intervém na fase de julgamento e nunca antes dessa fase. Até lá todas as decisões relativas à tramitação dos autos são da responsabilidade e da competência do juiz titular do processo, pelo que a despacho recorrido nunca poderia ser da competência do colectivo.
Quanto ao facto de os fundamentos invocados na decisão não coincidirem integralmente com os que determinaram ou sustentaram a promoção do MP isso é absolutamente irrelevante, porquanto a pretensão foi deferida. Mas no caso nem sequer existe verdadeira divergência na fundamentação. Na verdade o MP na acusação já se tinha concluído pela inimputabilidade do arguido, sendo que o processo apenas seguiu para a fase de julgamento para eventual aplicação de medida de segurança por alegada perigosidade do arguido. Posteriormente veio a concluir-se não existir perigosidade e consequentemente não se justificar a aplicação de qualquer medida de segurança e daí o pedido de absolvição da instância. Ora o despacho recorrido não fez mais do que somar os dois argumentos, o da acusação que concluiu pela inimputabilidade e consequente ausência de culpa e o da promoção, que concluiu pela inexistência de perigosidade e consequente desnecessidade de aplicação de qualquer medida de segurança. No fundo os argumentos invocados no despacho coincidem com a posição do MP ao longo do processo.
A atitude do MP ao interpor recurso daquela decisão, que ele próprio peticionara é que é de todo inadmissível e surpreendente, afrontando os princípios da boa-fé e da lealdade processual, que é suposto serem respeitados por todos os sujeitos processuais, máxime por que tem o especial dever de respeitar e defender o ESTADO de DIREITO e os Princípios de um processo penal justo e equitativo.
Como bem se salienta no Acórdão uniformizador de Jurisprudência nº 2/2011 de 16/12/2010, publicado no DR I Série de 27 de Janeiro de 2011, «que a lealdade não é uma noção jurídica autónoma mas é sobretudo de natureza essencialmente moral e ética, e traduz uma forma de estar em conformidade com o respeito dos direitos do cidadão e a dignidade da pessoa e da justiça. A lealdade, a boa fé, a confiança, o equilíbrio entre o rigor das decisões do processo e as expectativas que delas decorram são elementos fundamentais a ter em conta quando seja necessário interpretar alguma sequência que, nas aparências, possa exteriormente apresentar-se com algum carácter de disfunção intraprocessual.
A procura do processo justo e leal e a confiança como elemento do princípio do processo equitativo derrubam qualquer obstáculo formal e não nos permitem tomar outra decisão que não seja garantir aquela finalidade.
Na verdade, ousamos afirmar que o cumprimento do princípio da lealdade processual revela até que ponto se reflecte no processo a credibilidade de um regime democrático. O mesmo princípio, particularmente em processo penal, é revelador da forma, e condições, sobre as quais se concebem as relações do Estado e o cidadão. A natureza democrática, ou não, de um Estado depende também do estatuto do cidadão face ao poder público, especificamente face à instância de controlo reforçado, que é característica do processo penal, e da forma leal, ou desleal, como é tratado no seu catálogo de direitos e deveres.
O princípio da lealdade no comportamento processual, nomeadamente na recolha de prova, representa uma imposição de princípios gerais inscritos na própria dignidade humana, e da ética, que deve presidir a todos os actos do cidadão. O mesmo liga-se, de forma inexorável, ao direito a um processo justo e ao princípio da igualdade de armas.
Em termos gerais e, em qualquer litígio, a existência de um princípio geral da lealdade é essencial para a afirmação da existência do Estado de direito[1].
Adquirido como elemento fundamental a incidência do princípio da lealdade em sede de processo penal, a questão que, então, se coloca é a de saber se é admissível, e conforme ao mesmo princípio, que a posição substancial do Ministério Público, e a sua pretensão de uma tutela judicial, sofra oscilações de sinal contrário ao longo do processo, ou seja, que, em momentos distintos se requeiram decisões opostas.
Porém, importa desde já salientar que a resposta a tal questão e os pressupostos em que deve ser encontrada a solução ultrapassam em muito a questão parcial, e redutora, da posição do Ministério Público e das suas contingências. Na verdade, o que verdadeiramente interessa, o que está verdadeiramente em causa, é saber se o princípio da lealdade representa, ou não, um princípio fundamental do processo penal válido convocado para todos os intervenientes».
Respondendo a esta questão o STJ, no referido AUJ nº2/2011, repudiando a tese que fizera vencimento no Ac. do pleno do STJ nº 5/94, veio afirmar peremptoriamente a prevalência do princípio da lealdade, como princípio fundamental do processo penal e do Estado de Direito. Citando Figueiredo Dias, em recensão crítica ao referido acórdão de fixação de jurisprudência nº 5/94, diz-se que a solução defendida neste último acórdão «coloca abertamente o Ministério Público contra a proibição de venire contra factum proprium. Um instituto, este, que, na esclarecedora, e penetrante, lição de Baptista Machado, releva como «concretização do princípio ético-jurídico da boa fé» e se orienta para a «tutela da confiança engendrada na interacção comunicativa». Para além da falta de legitimidade objectiva - por evidente e insanável carência de interesse em agir -, o recurso do Ministério Público fundado numa alteração da concepção jurídica avançada num processo penal surge assim também a descoberto de legitimidade ética. Legitimidade sem a qual a acção de uma magistratura como a do Ministério Público perde toda a legitimação material e toda a justificação e acaba, nesta medida, por revelar-se sistemicamente disfuncional». E prossegue «surgem, assim, particularmente apropriadas as palavras de Eberhardt Schmidt, segundo as quais: «Representado pelos órgãos da perseguição penal, o Estado tem de demonstrar face ao arguido a correcção humana e, por isso, aquela superioridade ética por que Radbruch sempre se bateu.»
De outra maneira, refere Figueiredo Dias - pudesse o Ministério Público livremente venire contra factum proprium - e ter-se-ia inclusivamente de suportar consequências que a prazo minariam a seriedade da instituição pelo absurdo. Teria de admitir-se, por exemplo, que o Ministério Público pudesse recorrer de decisões que houvessem sido tomadas a seu pedido ou sob seu requerimento (destaque e sublinhado nosso).
Em todas estas hipóteses, e naquelas que assumem o mesmo perfil normativo, não tem qualquer sentido esgrimir com princípio da objectividade para legitimar o recurso do Ministério Público quando, em qualquer plano ético-jurídico e funcional, está em crise o interesse processual em agir.
Conclui que «numa outra dimensão se considera inaceitável a concessão ao Ministério Público de uma legitimidade que se recusa aos restantes sujeitos processuais, quer seja o arguido quer seja o assistente».
Defende o reclamante que o MP, na prossecução dos interesses que a constituição lhe impõe, no artigo 219º, nº 1, da CRP, de representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, de participar na política criminal definida pelos órgãos de soberania, de exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática, não pode estar limitado por aqueles princípios. Respondendo a esta objecção o STJ no AUJ nº 2 /2011, observa que «no domínio do processo penal, a intervenção do Ministério Público é multifacetada, em função das diferentes fases do processo penal. Na fase do inquérito, de que é o dominus (artigo 263º do CPP), actua como autoridade judiciária; exerce poderes de decisão e de conformação processual, vinculado, como sempre, aliás, a critérios de legalidade e objectividade (artigo 2º do EMP), dos quais decorre, naturalmente, o dever de imparcialidade e de objectividade. Nas fases posteriores, da competência do juiz, não tem poderes decisórios; tem, como é costume dizer-se, a posição de parte, enquanto se tomar o conceito num sentido puramente formal, já que o Ministério Público nunca prossegue, no processo penal, interesses particulares[2]. Como órgão de justiça dotado de autonomia nos termos referidos, o CPP, no seu artigo 53º, reafirma o princípio da objectividade por que deve pautar a sua intervenção: compete-lhe colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito.
Represtinando Figueiredo Dias, o Ministério Público configura uma instituição jurídico-constitucionalmente autónoma, monocrática, una e indivisível, hierarquicamente estruturada, a quem compete, para além de zelar pela observância da legalidade democrática, a titularidade da promoção penal e a realização da pretensão punitiva do Estado, ou seja, a prossecução da satisfação das expectativas comunitárias na validade e vigência efectivas das normas penais. Exactamente por tal motivo, aliado ao dever de legalidade e de objectividade que o Ministério Público assume no processo penal, resulta para ele um estrito dever de lealdade, de fair play do seu comportamento processual, que, refere o mesmo mestre, não se analisa numa qualquer atitude moral geral evanescente, mas se concretiza em exigências muito concretas de forma de actuação .
O Ministério Público, que assume, expressamente, em qualquer momento processual, uma posição de direito donde deriva; a inculpabilidade do arguido ou a sua menor culpabilidade, não pode, em momento posterior, modificar essa sua posição, alegando melhor juízo, em desfavor, ainda que só eventual, da posição do arguido.
Poderá argumentar-se que aquele melhor juízo será o que ajuda à descoberta da verdade material e da realização da justiça. Mas, em rigor, consubstancia uma negação dos princípios e valores que devem presidir ao processo penal próprio de um Estado de direito democrático.
Por outro lado, importa considerar que o vínculo existente entre exigência de legalidade, e objectividade, da actuação do Ministério Público e a natureza monocrática, una e indivisível desta magistratura, obriga a considerar a posição de cada representante do Ministério Público em processo penal - feita na sede e nos termos legais e no exercício de competência própria - como a posição definitiva (e, enquanto tal, sem alternativa) do Ministério Público. Efectivamente, numa magistratura hierárquica, dotada daquelas características, impõe-se que a divergência de posições seja resolvida no interior da organização com recurso aos mecanismos próprios, entre os quais a disciplina hierárquica, e não numa inadmissível, e equívoca, dissonância de opiniões voltada para o exterior que, traduzindo a falta de coerência, contribuem para minar a credibilidade institucional.
As dissonâncias e conflitos eventualmente subsistentes no interior da magistratura só devem ser ultrapassadas através dos meios que a organização hierárquica propicia e entre os quais se inscrevem possibilidades legais expressas como as contidas nos artigos 276º, nº 4, e 278º do Código de Processo Penal. Porém, como refere o mestre citado, nunca no sentido de apagar, neutralizar ou modificar o que a seu tempo foi sustentado como a posição do Ministério Público. E a que a lei atribui o significado unívoco da denegação do interesse em agir[3] .
Aliás, adquirida a natureza monocrática da magistratura do Ministério Público, é imperativa a consideração de que as finalidades a que a mesma se propõe só têm razão de ser se pautadas pela rigorosa observância de critérios de legalidade e objectividade. A sua posição no processo penal como um órgão de administração da justiça tem presentes directivas que derivam de forma linear das razões de matriz jurídico-constitucional, como das de índole ordinária, máxime as pertinentes à Lei Orgânica do Ministério Público e as constantes do Código de Processo Penal.
Desta objectividade decorre, de forma inexorável, a inadmissibilidade de pretensões processuais contraditórias que não são uma exigência da procura da verdade material e da justiça mas derivam unicamente da necessidade de afirmação de perspectivas subjectivas».
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Concluindo

Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, decide-se desatender a reclamação e confirmar o despacho reclamado, que fez uma aplicação do direito, em perfeita consonância com a mais recente Jurisprudência Uniformizada do STJ sobre a matéria.
Sem custas por delas estar isento o reclamante.
Notifique.
Évora, em 6 de Julho de 2016.
O Vice-presidente da Relação

(J.M. Bernardo Domingos)


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[1] Também o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem implica o reconhecimento, a título de garantias não explicitas, de um princípio geral de lealdade processual que constitui fundamento de um processo justo. A lealdade impõe-se porque é a garantia de aplicação das regras do processo justo como conditio sine qua non da igualdade de armas, noção autónoma em relação às disposições textuais da Convenção, mas considerada como essencial à realização do modelo processual equitativo. A integração da lealdade na noção de equidade e, em particular, da igualdade de armas transforma o princípio geral da lealdade inscrito no artigo 6º da Convenção num valor supralegislativo com sujeição à jurisdição do TEDHC.
[2] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 14.ª ed., p. 249.
[3] Ainda de acordo com Figueiredo Dias (loc. cit.): Aliás, sempre que o ministério público tenha tomado em um processo penal uma posição jurídica que determina, directa ou indirectamente, a inculpabilidade do arguido e essa sua posição venha a merecer a concordância plena do tribunal, o caso configura em toda a linha, para efeito de recurso, uma constelação paradigmática e particularmente impressiva da falta de interesse em agir. Dir-se-ia mesmo que se o legislador teve no seu horizonte - como não poderia deixar de ter - uma hipótese de falta de interesse em agir do lado do Ministério Público, essa só poderia seguramente ser uma hipótese como a que se descreveu. Com efeito, a conclusão de que, neste caso, não assiste ao Ministério Público o interesse em agir, exigido pelo nº 2 do artigo 401º do Código de Processo Penal, decorre linearmente da concorrência de duas ordens de considerações: relativas, em primeiro lugar, ao estatuto do Ministério Público como sujeito do processo penal, e, em segundo lugar, ao sentido material-teleológico e ao alcance normativo da figura do interesse em agir no processo penal.