DECLARAÇÃO NÃO SÉRIA
RESERVA MENTAL
Sumário

1. Não se enquadra no conceito de “ declaração não séria”, previsto no art. 245º nº1 do Código Civil, a declaração assinada pelo trabalhador no sentido de que a sua entidade patronal não tinha mais créditos a pagar, estando todas as contas liquidadas, apesar de ter afirmado no mesmo ato que não concordava com o teor da declaração.
2. Também não se enquadra no conceito de “reserva mental” esta mera manifestação de discordância, pois é de todo insuficiente para que o declaratário (entidade patronal) se pudesse aperceber que estava a ser enganado, ou seja que o trabalhador só estava a assinar a declaração para receber a quantia que lhe foi proposta, tendo já no momento a intenção de mais tarde reclamar a totalidade dos créditos que em seu entender tinha direito.
(Sumário do relator)

Texto Integral

Processo nº 1671/15.9T8FAR.E1 (Apelação)


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB (A./recorrente), propôs a presente ação declarativa sob a forma comum contra CC, (R./recorrido) pedindo que se declare ilícito o despedimento de que diz ter sido alvo e que o R. seja condenado a pagar-lhe indemnização em substituição da reintegração que à data da petição já se cifrava em € 2 275,50, a retribuição do mês de março de 2015 e as subsequentes até ao trânsito da sentença, € 1 515,00 a título de férias não gozadas, € 3 850, 00 a título de subsídio de Natal e € 2000,00 a título de danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros.
Para o efeito alegou em síntese:
- No dia 02 de julho de 2012, por acordo verbal, foi admitido pelo R, para prestar funções, de repositor, sob a direção e autoridade deste, mediante o pagamento de quantia mensal que, em março de 2015, se cifrava em € 505,00 acrescida de subsídio de alimentação no valor de € 4,00/dia;
- O contrato cessou em 14 de março de 2015, na sequência de comunicação do R. na qual declarava não pretender renovar o contrato de trabalho celebrado em 15 de março de 2014;
- Desde essa data que o R. nunca mais permitiu que desempenhasse quaisquer funções, não lhe tendo pago a retribuição de março de 2015, nem os subsídios de férias e de natal de qualquer ano, nem qualquer compensação pela cessação do contrato;
- Acrescenta que ao longo do contrato nunca gozou férias, e que por força da falta de pagamento da retribuição, e porque o salário era o seu único meio de sobrevivência, e por ter várias obrigações mensais, como empréstimo bancário para aquisição de habitação, sentiu angústia e receio, ficando agastado e triste, danos dos quais pretende ser indemnizado;
- Em 27 de março de 2015, deslocou-se ao estabelecimento do R. para reclamar as quantias a que tinha direito pois estava quase sem dinheiro e, caso não lhe fosse feito qualquer pagamento, entraria em incumprimento no empréstimo à habitação do qual pagava € 373,28/mês;
- Perante o seu desespero, o R., por intermédio de uma empregada, propôs-lhe o pagamento da quantia de € 1 500,00, após assinatura de documento no qual declarava que não tinha mais qualquer quantia a receber;
- Manifestou a sua discordância com tal imposição, mas porque estava desesperado assinou o documento e recebeu o dinheiro.

O R. contestou, alegando que a relação laboral cessou em 14 de março de 2015 por via da comunicação da intenção de não renovar o contrato de trabalho datada de 13 de fevereiro de 2015, tendo-lhe pago a quantia de € 1 500,00, porquanto acordou com ele e reduziram a escrito declaração de liquidação dos créditos, motivo porque entende terem-lhe sido liquidados todos os créditos.
O R. insurgindo-se contra a posição do A. pede que este seja condenado como litigante de má-fé a pagar indemnização e multa.
O A. respondeu reiterando o que alegou em sede de petição inicial e requereu a condenação do R. como litigante de má-fé.

Foi efetuado julgamento e proferida sentença que decidiu:
a) Julgar improcedente a ação e, em consequência, absolveu o R. do pedido;
b) Julgou improcedentes os incidentes de litigância de má-fé.

Inconformada com esta decisão judicial, o A. interpôs recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:
I - O presente recurso de apelação vem interposto da sentença proferida nos presentes autos, doravante designada, apenas, por decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente a ação e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.
II - Todavia, deveriam também ter sido considerados, na decisão recorrida, factos alegados pelo Recorrente na sua petição inicial e que por também não terem sido impugnados pelo Réu no seu articulado, de contestação, foram admitidos por acordo.
III - Nomeadamente, os factos constantes dos arts. 49.º a 59.º, da petição inicial.
IV - Estes factos assumem importância para a boa e sobretudo justa decisão da contenda.
V - Nestes termos, atento o teor dos articulados das partes e também do requerimento junto pelo Recorrente, com a referência Citius n.º2436386, por não terem sido impugnados pelo Réu, requer-se, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que à matéria de facto da decisão recorrida sejam aditados os factos seguintes, correspondentes aos artigos 49.º a 59.º, da Petição Inicial do Recorrente:
“49.º - O Autor, desde o dia 15/03/2015, exige junto do Réu as quantias a que tem direito, supra descritas.
50.º - Fê-lo presencialmente e por escrito ao Réu.
51.º - No dia 27 de Março, o Autor deslocou-se, uma vez mais, ao estabelecimento do Réu.
52.º - O Autor estava desesperado, pois, estava praticamente sem qualquer dinheiro e caso não lhe fosse feito qualquer pagamento teria de entrar em incumprimento do seu empréstimo habitação, com uma prestação mensal de €373,28.
53.º - Uma vez mais, a posição do Réu não se alterou.
54.º - Contudo, verificando o desespero do Autor, foi proposto a entrega imediata da quantia pecuniária de €1.500,00 em numerário.
55.º - A contrapartida seria a assinatura de um documento, no qual o Autor declarava que não havia mais qualquer quantia pecuniária a receber, relativamente ao Réu e do recibo correspondente.
56.º - O intermediário da imposição foi uma funcionária do Réu.
57.º - O Autor declarou que não concordava com aquela imposição.
58.º - No entanto, recebeu o dinheiro, em numerário, e fez um gatafunho nos documentos, que estava a ser obrigado a assinar, atendendo ao seu desespero face às dívidas e obrigações que sobre ele impendiam, efetuando um declaração que face ao seu teor e conversa anterior, nunca poderia ser tida como sendo séria.
59.º - Pelo que, o documento em causa padece de uma total nulidade e não pode produzir efeitos, nos termos da lei civil, uma vez que, é perfeitamente e facilmente aferível, que o rabisco em causa não tem qualquer similitude com a assinatura do Autor aposta em qualquer documento identificativo (Doc. n.º 10).”
VI - De facto, o Doc. n.º 10, junto com a Petição Inicial, que não foi impugnado, atesta que a assinatura que consta do documento de identificação do Recorrente não é reconduzível, nem similar à assinatura que consta do documento junto pelo Réu, através do requerimento com a referência Citius n.º 2371912, e que o mesmo omitiu do Tribunal a quo e dos autos até essa data.
VII - Aliás na motivação, o Tribunal a quo, considerou na sua motivação, pág. 4 e 5 da decisão recorrida, que: “Não obstante, demos como provadas as circunstâncias da assinatura da mesma alegadas pelo A. porquanto o R. não as impugnou expressamente, nem se pode concluir que tais factos estão em oposição com a defesa considerada no seu conjunto já que a invocação pelo A. de falta/vício de vontade da declaração tal pressupõe sempre a existência de uma declaração/acordo e o R. invocou o acordo. Por isso, não tendo o R. impugnado expressamente a alegação das circunstâncias da subscrição não se pode concluir que a elas deduziu oposição.”
VIII - A não impugnação do teor do art. 59.º da petição inicial, conjugado com a análise do Doc. n.º 10, junto no mesmo articulado e com o documento junto pelo Réu, no dia 05/01/2016, atestam que o Tribunal a quo teria de considerar provado o seguinte facto:
- “A assinatura do Autor constante do documento, no qual declarava que não havia mais qualquer quantia pecuniária a receber do Réu não tem qualquer similitude com a assinatura do Autor aposta em qualquer documento identificativo.”
IX - Nestes termos, requer-se, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que à matéria de facto da decisão recorrida seja, pelo menos, aditado os factos expresso no art. 15.º das presentes alegações.
X - O Poder Judicial não pode proteger o Recorrido, que agiu de forma completamente prepotente e aproveitou o desequilíbrio de poder económico e subordinação do Recorrente para tentar impor-lhe um acordo totalmente desvantajoso e que o Recorrente nunca aceitou, basta, atender, aos factos dados por provados, 13. a 16. da decisão recorrida.
XI - Por essa razão assinou aquele documento, de forma totalmente distinta do seu documento de identificação (Doc. n.º 10, junto com a petição inicial, cópia do seu cartão do cidadão) e afirmou, no momento da assinatura, “que não concordava com aquela imposição”, tal como consta dos factos provados e da decisão recorrida, pág. 8, primeira frase.
XI - O Recorrente atuou de forma, clara, na expectativa de que a falta de seriedade não seria desconhecida.
XII - O Recorrente tinha a expectativa e era da opinião que, o Réu iria perceber perfeitamente que a sua assinatura não era similar às constantes de recibos de vencimento e também à do seu documento de identificação e porque disso deu conhecimento direto à funcionária do Réu, que estava a cumprir ordens do seu superior.
XIII - O Réu por saber da falta de seriedade e da falta de conformidade da assinatura do Recorrente, não juntou o documento em causa com a sua contestação, como seria normal, mas apenas, após ter sido a isso instado pelo Tribunal a quo, através do despacho datado de 17/12/2015, com a referência Citius n.º 99420735.
XIV - Pelo que, a declaração constante no documento com o teor “BB (…) vem por este meio declarar que a entidade patronal, CC, não tem mais créditos a pagar, estando todas as contas liquidadas” – carece de qualquer efeito e é por isso inexistente ou pelo menos nula.
XV - Por dever de ofício e caso V. Exas., Ilustres Venerandos Desembargadores, considerem que, perante a factualidade provada, o Recorrente emitiu a declaração com o intuito de enganar o Réu, deve ser ponderado o disposto no art. 244.º do Código Civil.
XVI - Pois, uma vez mais, é de concluir que o elemento interno (vontade) e o elemento externo da declaração negocial (declaração propriamente dita) do Recorrente não coincidem, isso é pacífico, pois foram explicadas e provadas as razões para o desespero do Recorrente e que o levaram a assinar um documento contra a sua vontade e com e em que circunstâncias esse ato ocorreu.
XVII - E, também é pacífico que o Réu percebeu e compreendeu que a aquela declaração não era válida e sentida, assim que a sua funcionária lhe entregou o documento e lhe explicou que o Recorrente afirmou perentoriamente, enquanto assinava, que não concordava com o teor do documento.
XVIII - Daí que, tenha optado por não juntar aos autos o documento em causa, até que, a isso foi obrigado pelo Tribunal a quo.
XIX - Pelo que, caso V. Exas. assim considerem, deve a declaração do Recorrente no documento, supra referenciado, ser declarada nula, nos termos do art. 244.º, n.º 2 do Código Civil.
XX - Posto isto, a decisão recorrida, na parte em que concluiu que a factualidade provada não permite subsumir a assinatura da declaração de remissão a qualquer dos institutos previstos nos art. 240º a 257º do Código civil, violou o disposto nos artigos 245.º ou o 244.º do Código civil, padecendo, assim, de erro de julgamento da matéria de direito que, ora, se invoca.

O R. contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:
I. O Autor, e aqui Recorrente, firmou um escrito com o seguinte teor “BB (…) vem por este meio declarar que a entidade patronal, CC, não tem mais créditos a pagar, estando todas as contas liquidadas.”.
II. A assinatura da declaração foi realizada após a cessação do contrato, pelo que o acordo é lícito.
III. O Autor, invoca porém, a falta de vontade na assinatura invocando, entre o mais, estar-se perante uma declaração não séria, não obstante assinou o referido escrito e recebeu o dinheiro.
IV. Porque a factualidade não permite subsumir a assinatura da declaração de remissão a qualquer dos institutos previstos nos Artigos 240.º a 257.º do Código Civil impõe-se considera-la válida e nessa medida, é de concluir que o Autor, ora Recorrente, renunciou validamente a quaisquer direitos de crédito emergentes da relação laboral.

A Senhora Procuradora-Geral Adjunta, neste tribunal da relação, emitiu parecer no sentido de se considerar a apelação improcedente.
Foi remetido projeto de acórdão aos senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente retira da respetiva motivação, tendo sido suscitadas as seguintes questões:
a) Determinar se deve ser alterada a decisão proferida pela primeira instância sobre a matéria de facto, atentas as razões invocadas pelo recorrente nos pontos 2º a 9º das suas conclusões;
b) A invalidade da declaração do A. no sentido de que não tinha mais qualquer quantia a receber do R.

III. Factos dados como provados pelo tribunal de primeira instância:
1.No dia 02 de julho de 2012 A. e R. acordaram na prestação por este àquele de funções de repositor e de responsável pela encomenda de produtos para comercialização no estabelecimento comercial do R. e comunicação direta com fornecedores e clientes, sob as ordens, direção e fiscalização do R.
2. Autor e Réu não assinaram qualquer documento escrito.
3. As ordens e instruções emanadas pelo Réu eram efetuadas, maioritariamente, via comunicação eletrónica e via telefone.
4. O Autor prestou a sua atividade nas instalações do Réu.
5. O R. começou a emitir recibos em março de 2014, altura em que também começou a efetuar os descontos devidos legalmente, junto da Segurança Social.
6. No mês de março de 2015, o Autor auferia uma remuneração de €505,00 a título de remuneração base, valor a que acrescia o subsídio de alimentação fixado nos €4,00 por dia.
7.A R. entregou ao A. o escrito de fls. 14 declarando “ nos termos e para os efeitos do disposto no art. 344º do Código de trabalho (…) serve a presente para manifestar a nossa intenção de não renovar o contrato de trabalho a termo certo, celebrado com VªEXª em 15-03-2014 e cujo termo ocorrerá em 14-03-2015 (…)”.
8. O último dia de trabalho do Autor ocorreu no dia 14/03/2015.
9.O A. nunca gozou férias.
10.Nunca o R. durante a vigência do contrato pagou ao A. subsidio de natal e de férias.
11. Em data não apurada, após a comunicação referida em 7., o A. assinou o escrito de fls. 62 com o seguinte teor “ BB (…) vem por este meio declarar que a entidade patronal, CC, não tem mais créditos a pagar, estando todas as contas liquidadas.”
12.Na data referido em 11. o R. entregou ao A. a quantia de € 1 500,00.
13.A retribuição auferida pelo A. constituía o seu único meio de subsistência.
14. O A. era responsável pelo pagamento de empréstimo bancário relativo à aquisição de imóvel, no valor de € 373,28/mês.
15. O A. não recebia subsídio de desemprego.
16. Para além do referido em 12. o R. não entregou ao A. qualquer quantia relativa à remuneração de março de 2015, subsídios de férias e de natal e indemnização pela cessação do contrato.
17. No dia referido em 11. e em momento anterior à assinatura do escrito aí referido o A. não tinha dinheiro para pagar a prestação mensal referida em 14., por isso estava desesperado.
18. Verificando o desespero do A., a R. por intermédio de funcionária, propôs-lhe a entrega imediata da quantia de € 1 500,00 desde que o A. assinasse documento no qual declarava que não havia mais qualquer quantia pecuniária a receber do Réu.
19. O A. declarou que não concordava com aquela imposição.
20. Não obstante assinou o escrito referido em 11. e recebeu o dinheiro.
21. A conduta do R. provocou no A. angústia e receio, deixando-o agastado e triste.

IV. Fundamentação
a) Determinar se deve ser alterada a decisão proferida pela primeira instância sobre a matéria de facto, atentas as razões invocadas pelo recorrente nos pontos 2º a 9º das suas conclusões.
O A. defende que os factos constantes dos arts. 49º a 59º da sua petição inicial, por não terem sido impugnados, foram admitidos por acordo, e, por isso, deveriam ter sido considerados provados, uma vez que são relevantes para a decisão da causa, abonando a tese que perfilha da invalidade da sua declaração no sentido de que não tinha mais qualquer quantia a receber do R.
Os referidos factos encontram-se mencionados no ponto V das conclusões acima transcritas.
O art. 662º nº1 do Código de Processo Civil prevê a possibilidade do Tribunal da Relação poder alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
No caso concreto, os factos relevantes que constam nos arts. 49º a 59º da petição inicial foram considerados na decisão proferida sobre a matéria de facto provada, nomeadamente nos pontos 11º a 20º, sendo certo que nessa decisão não devem constar expressões conclusivas ou que versem sobre matéria de direito.
Nesta linha, não se vislumbra que a pretensão do A. tenha qualquer interesse para a decisão da causa, pelo que se mantém na íntegra a decisão proferida pela primeira instância sobre a matéria de facto.

b) A invalidade da declaração do A. no sentido de que não tinha mais qualquer quantia a receber do R.
O A. defende a invalidade da sua declaração no sentido de que não tinha mais qualquer quantia a receber do R., alegando tratar-se de uma declaração não séria, ou, caso assim não se entenda, de uma declaração feita com reserva mental.
Para defender a sua tese de que se trata de uma declaração não séria alegou que quando recebeu a quantia de € 1.500,00, fez um gatafunho nos documentos que estava a ser obrigado a assinar, atendendo ao seu desespero face às dívidas e obrigações que sobre ele impendiam.
Acrescenta que o doc. n.º10, junto com a petição inicial, que não foi impugnado, atesta que a assinatura que consta do seu documento de identificação não é reconduzível, nem similar à assinatura que consta da referida declaração.
Em defesa de que a declaração foi feita com reserva mental alega que a emitiu com o intuito de enganar o R.
Vejamos se esta argumentação que pretende sustentar a invalidade da declaração deve proceder.
Está provado que o A. assinou o escrito de fls. 62 com o seguinte teor “ BB (…) vem por este meio declarar que a entidade patronal, CC, não tem mais créditos a pagar, estando todas as contas liquidadas”, e que nessa data recebeu do R. a quantia de € 1 500,00.
O A. não nega que tenha assinado a referida declaração, sendo certo que escreveu na mesma, de forma bem legível, o seu primeiro e último nome “…”.
Para o caso é irrelevante que a assinatura não coincida com a que consta no cartão de cidadão, pois o A. reconhece que a mesma é da sua autoria.
Da matéria de facto provada resulta que o A. assinou livremente a declaração, embora tenha declarado que não concordava com o teor da mesma.
Esta sua tomada de posição, no sentido de que não concordava com teor da declaração que assinou, não inculca falta de seriedade à sua declaração de que a entidade patronal, não tinha mais créditos a pagar, estando todas as contas liquidadas.
Este comportamento do A. não se pode enquadrar no conceito de “ declarações não sérias”, previsto no art. 245º nº1 do Código Civil, pois não se vislumbra, factualmente, que tenha havido alguma expetativa do A. de que a sua declaração não fosse tomada pelo R. como séria.
As circunstâncias factuais demonstram até o contrário, pois o A. quando assinou o documento e recebeu o dinheiro manifestou-se muito seriamente no sentido de que teria direito a mais, não o tendo feito de forma jocosa.
O A. apesar de entender que tinha direito a mais decidiu, livremente, receber a quantia que lhe foi proposta e assinou a referida declaração.
Esta situação é absolutamente comum em todos os processos negociais, em que as partes, face às circunstâncias, ponderam a sua decisão atendendo ao que, de momento, lhes pode ser mais favorável.
O A. defende ainda que caso não proceda a sua tese da declaração não séria, deve considerar-se que a mesma foi feita com reserva mental para enganar o R.
Esta construção só se pode estribar no pressuposto de que o A. assinou a declaração apenas com o intuito de receber os € 1.500,00, sendo, desde logo, sua intenção, reclamar mais posteriormente.
Assim, a assinatura da declaração visava enganar o R. e tinha apenas como objetivo que este lhe entregasse a referida quantia.
O art. 244º do Código Civil sob a epígrafe de “reserva mental” dispõe o seguinte:
1. Há reserva mental, sempre que é emitida uma declaração contrária à vontade real com o intuito de enganar o declaratário.
2. A reserva não prejudica a validade da declaração, exceto se for conhecida do declaratário; neste caso, a reserva tem os efeitos da simulação.
Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela[1] defendem que a relevância jurídica da reserva mental depende do conhecimento que dela tenha o declaratário. O que se passa apenas no foro íntimo do declarante não prejudica a declaração, embora ela não corresponda àquilo que se quer.
Os mesmos autores acrescentam que se a reserva for, porém, conhecida do declaratário, já a divergência entre a vontade real e a vontade declarada produz a nulidade da declaração, como se essa divergência resultasse de um acordo e se se tratasse de um ato simulado.
No caso concreto, e como já se referiu, o A. na altura em que assinou a declaração limitou-se a afirmar que não concordava com o teor da mesma.
Ora, esta mera manifestação de discordância era de todo insuficiente para que o R. se pudesse aperceber que estava a ser enganado, ou seja que o A. só estava a assinar a declaração para receber o dinheiro, tendo já no momento a intenção de mais tarde reclamar a totalidade dos créditos que em seu entender tinha direito.
A factualidade dada como provada não permite, de forma alguma, que se conclua pela relevância jurídica da alegada reserva mental, se é que ela chegou mesmo a existir no momento em que foi emitida a declaração.
Da matéria de facto dada como provada parece resultar apenas que as partes negociaram uma compensação global pela cessação do contrato de trabalho, tendo o A. recebido a quantia de € 1.500,00 e declarado que a sua entidade patronal não tinha mais créditos a pagar, estando todas as contas liquidadas.
Este tipo de declaração é usual após a cessação do contrato de trabalho, quando é feito o acerto de contas, em que a entidade patronal paga determinada quantia ao trabalhador e exige uma declaração para evitar futuros litígios.
O Supremo Tribunal de Justiça[2] tem vindo a entender que o contrato de “remissão abdicativa” tem plena aplicação no domínio das relações laborais, designadamente quando as partes se dispõem a negociar a cessação do vínculo pois, nessa fase, já não colhe o princípio da indisponibilidade dos créditos laborais, que se circunscreve ao período de vigência do contrato de trabalho, o que não exclui que tal contrato não possa ser tido como inválido, sempre que concorra um vício na declaração da vontade, seja ele intrínseco ao agente ou motivado por terceiros.

V. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente.
Custas a cargo do recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão.

Évora, 20/09/2016
Joaquim António Chambel Mourisco (Relator)
Moisés Pereira da Silva
João Luís Nunes
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[1] Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, Limitada,1967, pág.157.
[2] Ac. STJ de 25/11/2009