Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário
I - Embora dos depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas de defesa possa resultar que o patrão do arguido terá sido proprietário de algumas das armas e munições em causa, tal não obsta a que o arguido as tivesse adquirido entretanto e, ainda menos, que mesmo, não sendo seu proprietário, as detenha a outro título, de forma congruente com os vestígios de utilização de uma das armas, o municiamento de outra e a forma como as armas se encontravam pela casa.
Texto Integral
Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.
I. Relatório
1. Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos na secção de competência genérica (J1) da Instância Local do Entroncamento da Comarca de Santarém, após acusação contra si deduzida, foi pronunciado E, solteiro, nascido em 17/05/1971 no Brasil, titular de cartão de cidadão português, residente na Chamusca, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.°, n.º 1, alíneas c) e d), do Regime Jurídico das Armas e Munições (Lei n° 5/2006, de 23/02, alterada pela Lei n° 171/2009, de 06/05), com referência ao artigo 3°, n° 5, alíneas a), c) e e), e ao artigo 3°, n° 2, alíneas h) e s), do mesmo diploma legal.
2. Realizada Audiência de Julgamento, o tribunal singular decidiu:
- Condenar o arguido E pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.º 1, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e Munições (Lei n° 5/2006, de 23/02, na redação dada pela Lei n° 12/2011, de 27 de abril), com referência ao artigo 3°, n° 5, alíneas a), c) e e), e ao artigo 3°, n° 2, alíneas h) e s), do mesmo diploma legal, na pena de 420 (quatrocentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), no montante global de € 2.940,00 (dois mil novecentos e quarenta euros);
- Absolver o arguido E. pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico das Armas e Munições (Lei n° 5/2006, de 23/02, na redação dada pela Lei n° 12/2011, de 27 de abril).
3. Inconformado, o arguido vem recorrer da condenação proferida contra si, apresentando motivação manuscrita de que extrai as conclusões que podem ler-se de fls 407 a 413 dos autos, pedindo que seja revogada a sentença por erro de julgamento de facto relativamente à detenção de armas por parte do recorrente, com a consequente absolvição.
4. Na sua resposta, o MP pronunciou-se pela total improcedência do recurso.
5. Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso por manifesta improcedência, pelas razões que detalhadamente indica, ou, a não se entender assim, que seja o mesmo julgado totalmente improcedente.
6. Cumprido o disposto no art. 417º nº1 do CPP, o recorrente nada acrescentou, suscitando antes incidente de justo impedimento quanto àquela notificação, o qual foi indeferido.
7. A sentença recorrida (transcrição parcial)
«II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A. FACTOS PROVADOS:
Discutida a causa, com relevância para decisão da mesma, provou-se que:
1. No dia 05 de março de 2013, cerca das 07h00m, o arguido, no interior do quarto em que dormia na casa onde trabalhava como caseiro e tratador de cavalos, sita rua…, Chamusca, detinha os seguintes objetos:
I. Uma carabina de repetição manual, de percussão anelar, da marca CZ, com o número de série rasurado mecanicamente, calibre.22 Long Rifle (equivalente a 5,6x15R mm no sistema métrico), com o comprimento total de 98,5 cm, com cano estriado medindo cerca de 57 cm de comprimento, apresentando uma rosca na sua extremidade, com coronha e fuste em madeira; o sistema de municiamento faz-se por meio de um carregador com capacidade para alojar oito munições mais uma na câmara da arma; tinha nela montada uma mira telescópica da marca Northwest de cor preta, com zoom 4x32, apresentando também uma alça e ponto de mira;
II. Um silenciador de fabrico industrial, de marca desconhecida, com 17,5 cm de comprimento e cerca de 2,3 cm de diâmetro externo, com capacidade de reduzir o ruído do disparo de munições subsónicas, compatível para ser acoplado na rosca existente na extremidade da carabina descrita em i.;
III. Um carregador em metal preto, com capacidade para oito munições de calibre.22IR (equivalente a 5,6x 15R no sistema métrico), com os dizeres 22LR;
IV. Uma espingarda caçadeira de cano de alma lisa, de repetição manual, da marca Fabarm, modelo Brescia, com o número de série rasurado mecanicamente, com o comprimento total de cerca de 10S cm, com um só cano de alma lisa com 55,5 cm de comprimento, de calibre 12/76, com sistema de percussão central, com coronha e fuste em madeira, sistema de municiamento por depósito tubular sob o cano, apresentando capacidade para alojar sete cartuchos no depósito mais um cartucho na câmara da arma;
V. Uma carabina de repetição manual, de percussão central, da marca Winchester, modelo 94, com o número de série rasurado mecanicamente, calibre.30-30WIN, com o comprimento total de cerca de 96 cm, com cano estriado medindo cerca de 51 cm de comprimento, com coronha e fuste em madeira, sistema de municiamento por depósito tubular sob o cano, apresentando capacidade para alojar pelo menos cinco munições no depósito mais uma munição na câmara da arma, apresentando uma alça e ponto de mira; o sistema de disparo por repetição manual é denominado Lever-action (vulgo sistema Palanca);
VI. Uma caixa contendo dezoito munições calibre.22;
VII. Vinte e um cartuchos de calibre.12 de diversos tipos;
VIII. Cinco munições de calibre.30/30;
2. Nas circunstâncias temporais descritas em 1., no interior da sua viatura de marca Renault, modelo Clio, de matrícula ---SH, que se encontrava estacionada num dos telheiros existentes na propriedade indicada em 1., o arguido detinha:
1. Uma munição de calibre.22;
II. Um cartucho de calibre.12;
III. Uma embalagem de aerossol de defesa, da marca KO SPRA Y 007, de fabrico alemão, com capacidade para 40 ml, indicando conter solução com 80 mg de produto ativo, sendo este CS (0 - clorobensalmalononitrilo), aparentando estar totalmente cheia;
3. O arguido não é titular de licença de uso e porte de arma, ou outra, para qualquer tipo de arma de fogo;
4. O arguido conhecia a natureza e características daquelas armas e munições, bem sabendo que não possuía a necessária licença de uso e porte de arma e, consequentemente, não se encontrava autorizado a deter e guardar tais objetos;
5. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Provou-se ainda que:
6. O arguido é tratador de cavalos e trabalha na morada indicada em 1., bem como noutras propriedades em Espanha, auferindo o rendimento mensal de cerca de € 700,00, ao que acrescem despesas de subsistência;
7. O arguido contribui para a formação da sua filha, que reside no Brasil, enviando-lhe mensalmente a quantia de € 200,00;
8. O arguido vive só e goza de imagem de pessoa honesta junto das pessoas com quem trabalha;
9. Tem o 11º ano de escolaridade como habilitações literárias;
10. Não tem antecedentes criminais.
B. FACTOS NÃO PROVADOS:
Da discussão da causa não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente, não se provou que:
a) Todos os objetos referidos em 1. e 2. são propriedade do arguido;
b) As armas e munições apreendidas nos autos integram o acervo patrimonial de bens da herança aberta por óbito de JP, proprietário da casa indicada em 1.
III. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
O tribunal fundou a sua convicção na apreciação e análise crítica de toda a prova produzida e examinada em audiência de julgamento, segundo juízos de experiência comum e o princípio da livre apreciação (artigo 127°, do Código de Processo Penal - doravante C.P.P.). Concretizando,
Quanto aos factos 1. e 2., circunstâncias de modo, tempo e lugar aí descritas, a convicção do tribunal fundou-se, em primeira linha, na análise dos seguintes documentos:
- autos de busca e apreensão de fls. 7 a 9 e 10 e 11, cujo teor e autenticidade não foram postos em causa, fazendo fé em juízo nos termos do artigo 99°, do C.P.P., tendo o seu teor, no essencial, sido confirmado pelos depoimentos dos Inspetores da Polícia Judiciária que participaram nas referidas buscas: LC, RR e JG. Tais depoimentos revelaram-se coerentes entre si, esclarecendo os moldes em que foi organizada e em que decorreu a operação de busca, bem como os procedimentos normais/habituais respetivos, sendo certo que nada nos autos há que nos leve a crer que não tenham sido observados tais procedimentos na busca em causa nos autos.
Ademais, tais autos foram ainda corroborados pelas fotografias que os acompanham, cujo suporte a cores se encontra a fls. 299 a 302 dos autos, das mesmas se aferindo a localização e posição das armas encontradas no quarto onde o arguido dormia. A este respeito refira-se que a testemunha JG, que afirmou ser responsável pela realização de tais fotos, confirmou o momento em que as mesmas foram tiradas - aquando da realização da busca.
Quanto à natureza, características e descrição das armas e munições encontradas teve o tribunal em especial consideração o auto de exame direto e avaliação de fls. 20 a 23 e, bem assim, o relatório de exame pericial de fls. 323 a 334, documentos esses cujo teor e autenticidade não foram postos em causa. Saliente-se que, no que toca ao referido relatório de exame pericial, presume-se o seu teor subtraído à livre apreciação do julgador nos termos do artigo 163°, n° 1, do C.P.P., uma vez que revela um juízo técnico inerente a uma perícia, sendo certo que inexistem motivos para pôr em causa tal juízo.
No que releva ainda quanto ao facto 2., quanto à propriedade do veículo descrito, o tribunal valorou a informação relativa ao registo automóvel de fls. 84, bem como as próprias declarações do arguido que, nesta parte, referiu ser seu o dito automóvel.
Quanto à prova dos factos 1. e 2., cumpre ainda especificar o seguinte.
Em declarações finais, o arguido quis simplesmente afirmar, de forma desgarrada a qualquer explicação lógica que se dispusesse a dar (sendo certo que não tem que o fazer, atenta a sua qualidade de arguido), que nada tinha a ver com as armas em causa nos autos.
Em sede de contestação, afirmou-se o descrito no facto não provado b), sendo certo que tal, apenas na parte que se refere às caçadeiras, resultou do depoimento das testemunhas de defesa MA e AS, aquele também trabalhador na propriedade referida em 1., esta aí empregada de limpeza diária. Com efeito, tais testemunhas referiram que o "Dr. NP" tinha as caçadeiras, usando-as esporadicamente para ir à caça, para ir dar uns tiros.
Resultou ainda especificado no depoimento de AS que as caçadeiras estavam no sítio indicado nas fotos há anos, ninguém mexendo nelas senão a própria para limpar. Ambas as testemunhas referiram desconhecer em absoluto a existência de mais armas.
Ora, considerando tais depoimentos e valorando-os conjugadamente com os demais meios de prova, designadamente os autos de busca e apreensão aludidos e, especialmente, os auto de exame e relatório pericial já mencionados, perpassando todos os elementos probatórios pelas regras da experiência comum, o tribunal concluiu, sem qualquer dúvida que possa reputar-se como razoável, que aquelas armas e munições estavam na livre disponibilidade do arguido, detendo-as ele próprio, podendo usá-las a seu bel-prazer, quando assim bem entendesse. Com efeito, há que considerar, em primeiro lugar, que as armas e munições foram encontradas no quarto onde dormia o arguido e no seu carro - espaços próprios e reservados à vida íntima das pessoas -, não fazendo qualquer sentido, à luz das regras do normal acontecer que tais armas lá estivessem por estar, por nunca terem sido arrumadas desde o falecimento do seu alegado proprietário. É que, note-se, as armas são objetos perigosos, sendo a este nível esclarecedor o depoimento da testemunha AS quando refere que teve receio ao ver as armas. Na verdade, não é normal que alguém que é completamente alheio à detenção e propriedade das armas, não se incomode em dormir num espaço em que as mesmas estão expostas. Ademais, sempre se tem de considerar que, conforme resulta do auto de busca e do relatório pericial, uma das armas estava municiada e foi encontrada, no quarto do arguido, uma munição deflagrada - cápsula de calibre.22 Long ou .22 Long Rifle - que foi disparada pela carabina descrita no facto provado 1. i .. Ainda, conclui-se no referido relatório pericial que todas as armas estavam em boas condições de funcionamento e utilização. Ora, considerando todas estas circunstâncias, cai por terra, por perfeitamente ilógica, insustentada e insustentável, a tese da defesa de que o arguido nada tinha a ver com as armas que eram da herança do "Dr. NP". Se assim fosse, por que motivo o arguido tinha munições no seu carro? Se assim fosse, por que motivo estava uma cápsula deflagrada no quarto do arguido pela carabina que também aí estava e que, no dizer das aludidas testemunhas de defesa, não eram usadas por ninguém desde o falecimento do "Dr. NP" (que ocorreu há três anos)? E se o quarto era limpo diariamente pela testemunha AS, como não viu ela tal cápsula e como não viu ela as demais munições e armas que estavam no quarto? Todas estas questões revelam a incoerência dos depoimentos das ditas testemunhas de defesa, e a total falta de convergência com os elementos documentais e periciais constante dos autos (consistentes entre si), e, sobretudo, com as regras da experiência comum e do normal acontecer. E, dadas tais incoerências e inconsistências, não teve o tribunal qualquer dúvida em afirmar que era o próprio arguido que detinha tais armas, tinha-as na sua disponibilidade e para seu uso, assim resultando como provados os factos 1. e 2 ..
Para prova do facto 3., o tribunal valorou positivamente a informação da PSP constante de fls. 69, da qual resulta, cristalinamente, o vertido no dito facto.
Quanto à factualidade contida nos factos 4. e 5., de índole subjetiva, resultou a prova da mesma da factualidade objetiva apurada conjugada com as regras da experiência e do senso comum.
Refira-se, de resto e quanto à intencionalidade referida, que, pertencendo o dolo à "vida interior de cada um", sendo portanto de natureza subjetiva, insuscetível de direta apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes das infrações.
No que concerne às condições pessoais, económicas e sociais do arguido - factos 6. a 2", o tribunal teve em consideração as declarações por si prestadas a este respeito, que, nesta parte, mereceram a credibilidade do tribunal, conjugadas ainda com o depoimento das testemunhas apresentadas pela defesa nesta parte e, bem assim, da análise do contrato de trabalho junto pelo arguido a fls. 195 e 196, do qual resultou o descrito nos factos em referência.
Quanto aos antecedentes criminais do arguido - facto 10., o tribunal teve em conta o certificado de registo criminal de fls. 219.
*
Quanto aos factos não provados, assim o foram julgados por - para além do já expendido aquando da apreciação das declarações e depoimentos ouvidos em sede de fundamentação dos factos provados - não ter sido produzida qualquer prova dos mesmos, designadamente por não terem resultado, nem direta nem reflexamente e de forma credível, do depoimento de qualquer das testemunhas ouvidas, por não se encontrarem sustentados em qualquer documento junto aos autos, enfim, por inexistir nos autos qualquer elemento concreto suscetível de os comprovar.
No que concerne especificamente ao facto a), não foi produzida qualquer prova do mesmo - não existe nos autos qualquer elemento documental que o suporte, sendo certo que nenhum outro elemento probatório foi produzido quanto a tal. Assim sendo, vedado está ao tribunal concluir pela prova de mais do que a mera detenção das armas e munições pelo arguido, designadamente que o mesmo era o respetivo proprietário.
*
Refira-se, finalmente, que o depoimento da testemunha PE acabou por se revelar imprestável para a formação da convicção deste tribunal, porquanto a mesma, relativamente aos factos com interesse para a decisão da causa, não demonstrou ter qualquer conhecimento ou intervenção direta nos mesmos.
*
IV. ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FACTOS
(…) »
Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Delimitação do objeto do recurso.
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
O arguido apenas vem recorrer em matéria de facto, considerando, como diz, que deve o julgamento de facto ser revogado, para que sejam dadas as respostas negativas aos quesitos da detenção e posse das armas pelo recorrente, [que] assim, deve ser absolvido. Especifica os depoimentos testemunhais que, no seu ver, impõem decisão diversa da recorrida, indicando sinteticamente trechos daqueles depoimentos em que funda a sua impugnação.
Deste modo, apesar de não especificar expressamente os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, o arguido e recorrente não deixa de identificar com precisão suficiente o objeto concreto da sua impugnação no texto da motivação e respetivas conclusões. Na verdade, face à pequena extensão e relativa simplicidade da factualidade provada, a mera leitura desta permite identificar sem dúvidas - a partir da referência feita pelo arguido nas suas conclusões, aos quesitos da detenção e posse das armas pelo recorrente -, os pontos 1, 2 e 4, da factualidade provada, na parte em que se afirma que o arguido as detinha e tinha à sua guarda, como os pontos que considera incorretamente julgados, mostrando-se, assim, materialmente satisfeito o ónus imposto pela alínea a) do nº3 do art. 412º do CPP, sendo ainda desnecessário dirigir convite ao recorrente para completar as suas conclusões, nos termos do art. 417º nº3 do CPP.
Nada obsta, pois, a que se conheça de mérito da presente impugnação.
2. Decidindo.
2.1.Conforme entendimento que se crê pacífico e que tem sido reafirmado pela jurisprudência dos tribunais superiores, com destaque para o STJ, “… o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se de um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento (…)”, nomeadamente por ser julgado provado facto sem prova que o fundamente ou que o não fundamente de modo a permitir decidir além de toda a dúvida razoável (designadamente por desconsiderar prova essencial à decisão), violação de regra científica ou técnica, regra da experiência comum ou da lógica, ou com violação de norma específica de direito probatório, como é o caso do disposto nos arts 151º e 163º, do CPP, relativamente à prova pericial.
2.2. No caso concreto, ao condenar o arguido por um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.º 1, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e Munições, o tribunal a quo não julgou provado que as armas e munições enumeradas sob os pontos 1) e 2) da factualidade provada são propriedade do arguido (cfr. al. a) dos “Factos não provados”), contrariamente ao que constava da acusação e pronúncia, mas não teve dúvidas em julgar provado que as armas e munições ali descritas eram detidas e guardadas pelo arguido no interior do quarto onde dormia, encontrando-se ainda munições no interior do seu veículo automóvel, estacionado num dos telheiros da propriedade onde vivia, conforme pontos 1), 2) e 4) da factualidade provada, com base nas provas que discrimina e nas regras da experiência comum.
Por sua vez, o recorrente, depois de identificar certeiramente como ponto crítico da presente decisão em matéria de facto a questão de saber se o arguido tinha qualquer poder de facto ou de direito, ou de facto e de direito, sobre as armas, e aceitar que aquelas armasseencontravam na casa onde reside, nomeadamente no quarto onde dorme, juntamente com algumas munições, igualmente encontradas no seu veículo automóvel, considera que dos depoimentos das testemunhas de defesa que indica, ou seja, PE, MA e AS, e das regras da experiência aplicáveis ao meio rural em que ocorrem os factos, não resulta que o arguido tivesse “algum grão de poder sobre as armas”, resultando antes que as mesmas pertençam ou estejam no domínio e posse do patrão.
Tal não é o que resulta, porém, quer do depoimento daquelas testemunhas, quer das regras da experiência válidas no caso concreto, independentemente de ser de tomar em conta a incoerência da testemunha AS e da falta de convergência das testemunhas de defesa, assinaladas na apreciação crítica da prova, que não são sequer objeto de apreciação pelo recorrente.
Na verdade, embora dos depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas de defesa possa resultar que o patrão do arguido terá sido proprietário de algumas das armas e munições em causa, tal não obsta a que o arguido as tivesse adquirido entretanto e, ainda menos, que mesmo não sendo seu proprietário o arguido as detenha a outro título, de forma congruente com os vestígios de utilização de uma das armas, o municiamento de outra, a forma como as armas se encontravam pela casa, como pode ver-sedas fotografias de fls. 259, 264 e sobretudo 262 e 263, elementos estes que se mostram devidamente enfatizados e concatenados na sentença recorrida.
No mesmo sentido apontam as regras da experiência, nomeadamente em meio rural, pois não é comum acontecer que objetos tão valiosos (mesmo sem chegar a constituir coleção de luxo, pois nada se diz na factualidade provada a esse respeito), perigosos e regulamentados, como é o caso das armas, sejam deixados por proprietário ou detentor ausente, em risco de poderem ser usadas inadvertidamente por quem habite a casa ou nela possa entrar a qualquer momento.
Pelo contrário, é das regras da experiência, nomeadamente em meio rural, que a forma como se encontram as armas e as suas caraterísticas são antes consentâneas com a propriedade sobre elas, ou, em alternativa, com a livre disponibilidade e guarda das mesmas, por quem habite a casa, independentemente do título pelo qual as detenha.
Não tem correspondência na realidade a afirmação de que qualquer “senhor do campo”, “senhor da terra” ou “terra-tenente – qualquer que seja o significado atribuível a estas locuções hodiernamente - “é caçador e colecionador de armas de caça”, ou que “nenhum permite a um caseiro que tenha armas dele”, pois as situações variam quase tanto quantas as pessoas concretamente envolvidas, sendo certo que é frequente encontrar-se entre os caçadores, sejam ou não proprietários de terras, grandes apreciadores e colecionadores de armas de caça, mesmo entre pessoas apenas economicamente remediadas e outras que sem chegar a sê-lo gastam naquela atividade o que não lhes sobra para outras necessidades, dada a dedicação que lhe têm.
Tudo conforme, afinal, com a afirmação constante dos pontos 1) e 4) da factualidade provada de que o arguido detinha e guardava as armas em causa, pelo que ao julgar provados aqueles mesmos factos a bem estruturada e fundamentada sentença não padece dos erros de julgamento em matéria de facto apontados pelo arguido e recorrente, improcedendo, assim, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
III. DISPOSITIVO
Nesta conformidade, acordam os juízes da secção criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, E, mantendo-se integralmente a sentença condenatória recorrida.
Custas pelo arguido, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida – cfr arts. 513º nº1 do CPP e art 8º nº5 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) aprovado pelo Dec-lei 34/2008, conjugado com a tabela III a que se refere este último preceito.