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CUSTAS DE PARTE
Sumário
I- O art.º 26º, nº 6 do RCP não abrange as custas de parte, designadamente, os honorários dos peritos e honorários forenses. II- Tal preceito não é inconstitucional.
Texto Integral
ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA No âmbito da ação declarativa com processo ordinário que Ministério Público instaurou contra AA, Lda., a correr termos no Tribunal da Comarca no qual foi proferida decisão definitiva de absolvição da ré de todos os pedidos, veio a ré solicitar que o Instituto de Gestão Financeira proceda ao pagamento das suas custas de parte, no montante global de € 6 893,25 (sendo € 5 376,39 de encargos com perícia e € 414,62 para honorários a mandatário) devido ao facto do autor, que foi condenado nas custas em dívida nos presentes autos, ser o Ministério Público, o que por despacho de 26/02/2016 lhe foi parcialmente deferido, ou seja, apenas relativamente taxas de justiça que ela pagou ao longo do processo, indeferindo-se a pretensão na parte em que as custas de parte, se referiam, designadamente a honorários dos peritos que realizaram perícias nos autos e ainda a honorários do seu mandatário.
Inconformada com tal decisão veio ré interpor recurso terminando as suas alegações pela formulação das seguintes conclusões, que se transcrevem:
1 - Na presente ação cível de processo comum (antes Ordinário) temos como partes o Estado, representado pelo Ministério Público - este apenas goza de personalidade judiciária e não de personalidade jurídica - e uma empresa privada.
2 - Finda a ação, com trânsito em julgado do douto Acórdão desta Relação, que absolveu totalmente a R./recorrente, procedeu esta ao envio da nota Justificativa de custas de parte prevista no artº 25º do RCP, aludindo já a preceitos constitucionais imperativos.
3 - E procedeu à apresentação de requerimento junto do Tribunal para o ressarcimento das mesmas custas de parte, ou seja taxas de justiça, despesas com a perícia ocorrida nos autos e honorários do seu mandatário
4 - Sem qualquer oposição ou reclamação quanto às custas de parte apresentadas, por parte de qualquer uma das entidades notificadas veio o Tribunal "a que" afirmar e determinar o exclusivo reembolso das taxas de justiça pagas, determinar o respetivo pagamento, e negar a restituição e/ou pagamento do reembolso das custas com a perícia e com os honorários do mandatário da R.
5 - Decisão essa da qual resulta a espoliação imediata da R. em 5.376,39€ (cinco mil trezentos e setenta e seis euros e trinta e nove cêntimos) de encargos com a perícia, e de 414,62€ (quatrocentos e catorze euros e sessenta e dois cêntimos) para honorários de mandatário.
6 - No entender do recorrente, foi efetuada uma errada interpretação e aplicação do artº 26 do RCP (normativo indicado no despacho em crise), por força das regras de aplicação no tempo consagradas no artº 27º do Diploma preambular do RCP (Dec Lei 34/2008, de 26 de Fevereiro).
7 - Com efeito, a ação data de 2002, estando pendente em Fevereiro de 2008, época na qual vigorava o CCJ estabelecendo que as isenções de custas não abrangem os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, e se a parte vencida for alguma das referidas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 2.º, os reembolsos serão suportados pelo Cofre Geral dos Tribunais.
8 - Ora, a matéria de encargos e dispêndios não consta dos artºs 446.º, 446.º-A, 447.º- B, 450.º e 455º do (velho) Código de Processo Civil, nem consta dos artigos 9.º, 10.º, 27.º, 28.º e 32.º a 39.º que o RCP de 2008 excecionalmente indicou como de aplicação também aos processos pendentes.
9 - Pelo que a disposição legal afirmada na sentença não tem aplicação aos presentes autos, vigorando, para estes, a antiga regra do CCJ que estabelece que as isenções de custas não abrangem os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte se a parte vencida for o Ministério Público, e que os reembolsos referidos no número anterior são suportados pelo Cofre Geral dos Tribunais, hoje o IGFIJ, por força das sucessivas transferências de atribuições do Cofre dos Tribunais para este Instituto.
10 - Razão pela qual se verifica uma errada aplicação da lei (foi aplicado o artº 26º nº 6 do RCP em vez do artº 4º do CCJ) ao caso dos autos, devendo consequentemente a decisão em crise ser revogada e proferido Acórdão a ordenar ao referido Instituto o pagamento das custas de parte requeridas.
11 - Caso assim não se entenda a interpretação que o Tribunal fez do artº 26º do RCP - negando a restituição de qualquer pagamento feito pela parte vencedora (ainda que totalmente vencedora), e negando o pagamento de honorários de Advogado à contra parte quando a parte vencida (ainda que totalmente vencida) seja o Estado por interposto Ministério Público - é inconstitucional, violadora de princípios do direito processual civil e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
12 - Nomeadamente dos princípios básicos do Direito Constitucional estabelecidos nos artºs 2º , 13º nº 2, 20º nº 4 e 62º da CRP, dos princípios de direito processual civil consagrados nos artº 4º, artºs 527º e sgs do NCPC, e dos princípios estabelecidos pela da Convenção Europeia dos Direitos do Homem nos artºs 6º e 14º da CEDH e artº 1º do protocolo 1º.
13 - Os princípio da segurança e proteção da confiança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático, da igualdade das partes, da proibição de discriminação em razão da pessoa, a proibição do tratamento não equitativo e discriminatório das partes processuais (pessoas em juízo) e o do respeito pela propriedade privada e proibição do confisco, impõem interpretação diferente do artº 26º do RCP, e solução diferente para a questão em análise.
14 - Numa ação de Direito Civil, não é, nem pode ser, a circunstância de ter sido o Ministério Público a litigar, em representação de interesses do Estado, a permitir que se faça tábua rasa desses preceitos nacionais e supranacionais para prejudicar e espoliar patrimonialmente o R./vencedor sem qualquer justificação ou razão válida negando-lhe e confiscando-lhe as restituições e pagamentos que, enquanto litigante totalmente vencedor, obteria em quaisquer outras condições ou contra qualquer outro litigante, valores que constituem sua propriedade privada.
15 - E nenhuma dúvida subsiste quanto a haver discriminação quando, se for o Estado a ganhar … recebe tudo e o particular paga tudo, se for o particular a ganhar …' recebe uma parte e o Estado "faz desaparecer o resto".
16 - Acresce que tal disposição é fruto de uma alteração legislativa, regulamentar à lei processual civil, (a substituição do CCJ pelo RCP) com eficácia retroativa, que sacrifica legítimas expectativas de particulares, juridicamente criadas por leis anteriores, no caso as de que o vencimento na ação não lhe traria prejuízos patrimoniais inerentes ao processo e às despesas que teria com o processo.
17 - Sacrifício que só poderia ser admitido por imposição de valores mais elevados do que os sacrificados, ou seja, teria que haver uma razão de ser para o sacrifício imposto ligado a inevitabilidade de razões da maior importância para a sociedade, justificando-se, então, o sacrifício de alguns em prol do coletivo.
18 - Ora, no caso dos autos apenas se vislumbra um "auto perdão" para o Estado das importâncias pecuniárias que o particular teve que suportar por força de uma ação que o Estado lhe moveu por intermédio do Ministério Público 00. e que veio a perder, sem qualquer outra razão que não seja a da poupança pecuniária para o Estado às custas do custo pecuniário para o privado.
19 - Nada justificando, nomeadamente à luz dos princípios da segurança e proteção da confiança a criação, por alteração legislativa durante a pendência, de um sacrifício patrimonial para o particular e o verdadeiro enriquecimento sem causa para Estado que constitui o não reembolso e o não pagamento das despesas e honorários em causa.
20 - A não restituição dos montantes em causa constitui, para o R./vencedor/particular, um prejuízo injustificado discriminatório e arbitrário, em última análise um confisco, e para o A./Estado/Ministério Público/vencido um benefício económico, um privilégio uma benesse e um enriquecimento injustificado e injustificável.
21 - E um insuportável e injustificado encargo que destrói o justo equilíbrio entre o interesse geral da comunidade e os direitos fundamentais do individuo idêntico ao que o TEHD afirmou no caso Perdigão v. Portugal à luz da CEDH e do protocolo nº 1 aditado a essa convenção.
22 - Acresce que a norma em causa, na interpretação que lhe é dada pela sentença em crise, é geradora de fundado receio, ou mesmo de certeza, de que, tendo o Estado ou o Ministério Público como contra parte, mesmo que se vença na totalidade, se terá um prejuízo patrimonial muito significativo se se recorrer a meios de prova que, pela sua natureza e complexidade sejam caros ... porque o Estado entende que, diferentemente do que impõe aos outros, não os deve pagar, na prática confiscando esses pagamentos e despesas e gerando de imediato um processo não equitativo quando é ele próprio a litigar.
23 - Porque se gera à partida uma desigualdade absoluta e se coloca o particular numa posição de fundado receio, ou mesmo de certeza, de que, tendo o Estado ou o Ministério Público como contraparte, mesmo que se vença na totalidade, se terá um prejuízo patrimonial muito significativo porque o Estado entende que, diferentemente do que impõe aos outros, não deve pagar com esses valores, gerando, sempre, desequilíbrio não equitativo, indefesa ou confisco.
24 - O normativo aplicado no despacho em crise, com a interpretação que lhe foi dada, viola os já supra referidos princípios de Direito Internacional e Direito Constitucional, bem como os princípios de direito civil e processual civil consagrados nos artºs 4º e 527º do NCPC, não podendo o julgador ignorar as consequências de tal interpretação.
Cumpre apreciar e decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso. Tendo por alicerce as conclusões,a questão que importa apreciar é a de saber, se a recorrente tem direito a que lhe sejam pagas pelo IGF, o valor dos honorários dos peritos e ainda o valor dos honorários do seu mandatário.
Conhecendo
O recorrente, foi Réu na ação intentada pelo Ministério Público, em que na decisão proferida na 1ª instância, foi condenado a pagar ao Estado uma indemnização por danos não patrimoniais causados no ambiente, no montante de € 25.000,00.
Não se conformando com tal decisão o réu recorreu para esta Relação, tendo por acórdão proferido em 17/12/2015, transitado em julgado em 08/02/2016, sido absolvido de todos os pedidos formulados.
Notificado do acórdão desta Relação, o réu apresentou no processo a nota de custas de parte, tendo notificado ao autor nas Procuradorias da Instância Central Cível e Procuradoria da Instância Local e ao IEFEJ.
O recorrente, apresentou a nota discriminativa e justificativa de Custas de Parte nos termos dos artºs 25º e 26º do RCP, no total de € 6.893,25.
No despacho recorrido, entendeu-se que ”Nos termos do artº 26, nº 6 do Regulamento das Custas Processuais, e, uma vez que a parte vencida foi o Ministério Público, a taxa de justiça paga pela parte vencedora, ser-lhe-á reembolsada pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça. Quanto às restantes custas de parte, nomeadamente os honorários dos mandatários e dos peritos, aquela norma ou qualquer outra não permite o seu pagamento”.
No entender do recorrente foi efetuada uma errada interpretação e aplicação do artº 26º do RCP, já que tal preceito não tem aplicação aos presentes autos, uma vez que a ação data de 2002, estando pendente em Fevereiro de 2008, vigorando para estes a antiga regra do CCJ, nomeadamente o que consta do artº 4º.
Pensamos não assistir razão ao recorrente.
O recorrente na Nota de Custas de Parte que apresentou fez sempre referência aos artºs 25º e 26º do RCP e só agora em sede de recurso vem sustentar que tais artigos não têm aplicação aos presentes autos.
Conforme, resulta do artº 8º, nº 12 da Lei 7/2012, que procedeu à alteração do RCP e que versa sobre a aplicação da lei no tempo, constata-se que no que diz respeito ao âmbito das custas de parte, a nova Lei é aplicável a todos os processos pendentes, com exceção daqueles em que a nota discriminativa e justificativa tenha sido remetida à parte responsável em data anterior à sua entrada em vigor, o que não é o caso da situação retratada nos autos, pelo que o recorrente não pode fazer-se valer de tal exceção.
Refere o recorrente, que a interpretação que o Tribunal fez do artº 26º do RCP, é inconstitucional, violadora de princípios do direito processual civil e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
O artº 26º, nº 6 do RCP refere que se a parte vencida for o Ministério Público ou gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas de Justiça ,I.P.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade da referida norma (cfr Acórdão nº 2/2015, processo 344/14, de 13/01/2015), onde se fez consignar que o artº 26º, nº 6, do Regulamento de Custas Processuais, na redação conferida pela Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro, quando interpretado no sentido de que apenas é devido à parte vencedora, o reembolso da taxa de justiça paga e não de outras importâncias devidas, a título de custas de parte, não viola o principio da igualdade, consagrado no artº 13º da Constituição, uma vez que “o principio da igualdade enquanto norma vinculativa da atuação do legislador, não lhe veda o estabelecimento de diferenciações de tratamento tout court, mas apenas de diferenciações de tratamento desprovidas de uma fundamentação ou justificação razoável.”
Por isso, “a desigualdade de tratamento será consentida quando depois ou adquirido que os critérios de distinção erigidos pelo legislador se compatibilizam com os objetivos da lei, se concluir no sentido de a Constituição, à luz dos princípios que adota e dos fins que comete ao Estado, autorizar o tratamento diferenciado das situações delimitadas na lei ordinária, isto é, se conclua que a diferenciação está em consonância com o sistema jurídico” (cfr. Ac. do TC n.º 153/2012 de 27/03)
No mesmo sentido conclui o Ac. do TC n.º 27/2015 de 14/01/2015 ao salientar que “não se vê por isso motivo para considerar verificada a violação do princípio da igualdade relativamente à norma do n.º 6 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais, quando interpretada no sentido que à parte vencedora, quando a parte vencida está dispensada do pagamento de taxa de justiça e encargos, apenas são devidos pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas da Justiça, IP, os montantes despendidos a título de taxas de justiça, e não também a compensação legalmente prevista face às despesas com honorários do mandatário judicial.”
A diferenciação que o legislador fez na previsão do n.º 6 do artº 26º do RCP, quer o Ministério Público (no caso em defesa dos direitos difusos), quer os beneficiários de apoio judiciário, não está em dissidência com o sistema jurídico, já que no caso do MP há uma isenção do pagamento de custas (artº 4º n.º 1 al a) do RCP) e no caso dos benificiários do apoio judiciário há uma dispensa do pagamento de custas, pelo que não se devem ter por violados os princípios da igualdade ou do acesso ao direito, na interpretação que foi feita pelo Julgador “a quo”.
Também, não podemos reconhecer existir violação dos artº 6º (Direito a um processo equitativo) e 14º (Proibição da discriminação) da CEDH, bem como do artº 1º do protocolo 1º no qual se dispõe:
«Qualquer pessoa singular ou coletiva tem o direito ao respeito dos seus bens. Ninguém pode ser privado do que é sua propriedade a não ser por utilidade pública e nas condições previstas pela lei e pelos princípios gerais do direito internacional.
As condições precedentes entendem-se sem prejuízo do direito que os Estados possuem de pôr em vigor as leis que julguem necessárias para a regulamentação do uso dos bens, de acordo com o interesse geral, ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuições ou de multas.»
Efetivamente a ré não deixou de ter direito a um processo equitativo e tanto assim é, que foi a parte que até nem teve perda de causa, não se vislumbrando, até por isso, onde possa assentar a discriminação a que se alude no citado artº 14º da CEDH. Também não se está perante uma situação em que a ré se veja privada dos seus bens estando em causa tão só os custos inerentes à administração da justiça decorrentes da regulamentação existente, não se podendo reconhecer a existência tal como é alegado pela recorrente, de uma “autêntica espoliação/confisco” em face da arquitetura do nosso sistema jurídico.
Nestes termos, a decisão recorrida é de manter, improcedendo, assim as conclusões formuladas, não havendo violação dos preceitos invocados.
DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.