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OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
Sumário
1. O conceito de contracrédito judicialmente exigível, a que alude a primeira parte da alínea a), do n.º1, do art.º 847º do Cód. Civ., basta-se com a possibilidade do crédito do executado sobre o exequente, estar vencido e não pago, facultando-lhe o recurso imediato à tutela judicial, tanto por via da instauração de acção declarativa condenatória no cumprimento do contracrédito, como de acção executiva, havendo para o efeito o suficiente título executivo. 2. Tese que se nos afigura consentânea com a redacção da alínea h), do n.º1, do art.º 729º do NCPC, que veio permitir que o contracrédito a compensar, seja provado por qualquer meio, mesmo sendo deduzido no âmbito de uma oposição à execução baseada em sentença. 3. Demonstrada a interpretação harmónica do disposto na primeira parte da alínea a), do n.º1, do art.º 847º do Cód. Civ., com o disposto na h), do n.º1, do art.º 729º do NCP, torna-se evidente que no âmbito da oposição à execução baseada noutro título, regulada pelo art.º 731º do NCPC, o credor pode deduzir Oposição à Execução por Embargos, alegando contracrédito vencido e não pago, a compensar com o crédito exequendo, que poderá provar por qualquer meio admissível em processo declarativo. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
Proc. N.º 119/14.0TBABT-A Apelação Comarca de Santarém (Entroncamento–IC–SExec-J2) Recorrente: AA e Outra Recorrida: CC R75.2016
I. Os Executados AA e BB vieram deduzir Embargos de Oposição à Execução e à Penhora, por apenso aos Autos de Execução para Pagamento de Quantia Certa que lhe é movida pela CC, S.A.,invocando, em síntese, como fundamento, a existência de um contracrédito dos Embargantes sobre o Exequente (não sobre o Executado como, certamente por lapso de escrita, referiram na petição de embargos), no valor de €50.355,85 a titulo de indemnização, acrescido de €30.025,19, a título de juros de mora e de €10.000,00 a titulo de danos não patrimoniais, tudo no total de €100.381,04, fundando a sua pretensão em responsabilidade civil da Exequente, a qual, segundo alegam, se apropriou, de forma ilícita e culposa de €50.355,85, do património dos Embargantes, apropriação essa causadora de prejuízo na esfera patrimonial destes.
A Exequente deduziu Contestação, em que pugnou pela improcedência dos Embargos.
Proferido Saneador-Sentença, foi decidido o seguinte:
“Termos em que, atentos os fundamentos acima explanados, este Tribunal decide: Julgar totalmente improcedentes os presentes embargos de oposição à execução e à penhora; e consequentemente, Determinar, o prosseguimento dos regulares termos dos autos principais de execução comum contra os Embargantes. …”
Inconformados com tal decisão, vieram os Executados interpor recurso de apelação, cujas alegações terminaram com a formulação das seguintes conclusões:
A) A Sentença, no Relatório refere que, a "questão a decidir é a de saber se o reconhecimento do contra crédito invocado pode ter lugar em sede de embargos de executado".
B) O Meretíssimo Juíz de Primeira Instância julgou improcedentes os embargos com o fundamento de o contra-crédito invocado para obtenção da compensação não estar judicialmente reconhecido.
C) Os Recorrentes deduziram embargos de executado com fundamento na existência de um contra-crédito a seu favor com vista à obtenção da compensação de créditos.
D) O contra-crédito reclamado nos embargos de executado deduzidos pelos embargantes não se encontra ainda judicialmente reconhecido. Mas é judicialmente exigível pelos fundamentos constantes da Oposição e resposta à contestação. Mas foi-lhes vedado nesta sede comprovar o mesmo contra- crédito.
E) O artigo 7290 alínea h) do NCPC dispõe que um dos fundamentos de oposição à execução é a existência de um Contra-crédito sobre o exequente, com vista a obtenção de compensação de créditos.
F) Contra-crédito que pode ser comprovado judicialmente na oposição por embargos, que se traduz numa autentica acção declarativa, contestável, como aliás aconteceu nos presentes autos.
G) Nos termos do disposto no artigo 847º nº 1 alínea a) do Código Civil o crédito dos Embargantes é judicialmente exigível. E nem a iliquidez da dívida impede a compensação. Artigo 8470 n? 3 do código Civil.
H) Como refere o mais recente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no Processo n.º 877/11.4TBSCD-A.C1 de 22/09/2015, citado na Sentença sob o presente recurso, a Oposição por embargos assume o carácter de uma petição de uma acção declarativa tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo. Podendo a compensação ser invocada como fundamento da oposição à execução não fundada em Sentença, como é o caso presente.
I) O Meretíssimo Juíz ao decidir que a apreciação da matéria de reconhecimento do contra-crédito dos Embargantes deve ter lugar em acção declarativa e não em sede de acção executiva violou as disposições legais invocadas (artigo 7290 alínea h) do NCPC, e 8470 nO 1 alínea a) do Código Civil) e retirou aos Embargantes a possibilidade de compensação do crédito, ainda que ilíquido, mas devido pelo abuso de confiança da Exequente que se apoderou de uma quantia mutuada entre as partes, dando-lhe destino não autorizado pelos embargantes e contra a vontade destes.
Nestes termos, e nos mais de direito, cujo douto suprimento se requer a v. Exas., deve conceder-se provimento ao presente Recurso, revogando-se a Sentença proferida pelo Meretíssimo Juiz do Tribunal de Primeira Instância, pelos fundamentos apresentados nas conclusões precedentes, com as legais consequências. “
Cumpre decidir.
II.Nos termos do disposto nos art.ºs 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, ambos do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 608º do mesmo Código.
A questão a decidir resume-se a saber, em que termos é admissível, no âmbito do processo de Oposição por Embargos à Execução, a dedução, a título de excepção, da compensação de um crédito do executado, com o crédito vertido no título dado à execução.
Enquadrando a questão, em face do disposto no art.º 847º do Cód. Civ., são requisitos da admissibilidade da compensação, enquanto causa extintiva (parcial ou total) das obrigações, entre duas pessoas reciprocamente credor e devedor, os seguintes:
a)Ser o crédito exigível judicialmente;
b)Não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;
c)Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
Em face destes requisitos, tem-se posto a questão da delimitação do conceito de crédito (contra-crédito) judicialmente exigível, o que tem dividido a doutrina e a jurisprudência, como abaixo explanaremos.
Sobre este tema, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02/06/2015, proferido no Proc. n.º 4852/08.8YYLSB-A.L1.S2 _ o mais recente do STJ que conhecemos sobre essa matéria_ , invocando ainda o CPC anterior à Reforma de 2013, fazendo uma súmula dos Acórdãos do STJ preferidos sobre a questão, veio a pronunciar-se nos seguintes termos: “4 - I - Nos termos conjugados dos arts. 814º, nº1, al. g) e 816º, ambos do CPC na redacção anterior à introduzida pelo DL nº 226/2008, de 20.11 (Cfr. arts. 22º, nº1 e 23º deste DL), a oposição à execução baseada em título extrajudicial pode basear-se em qualquer facto extintivo da obrigação exequenda, nos termos que poderiam ser invocados no processo de declaração.
Sucede que a lei admite, nos arts. 847º e segs. do CC, como uma forma de extinção das obrigações, a compensação, segundo a qual, quando duas pessoas estejam reciprocamente obrigadas a entregar coisas fungíveis da mesma natureza, é admissível que as respectivas obrigações sejam extintas, total ou parcialmente, pela dispensa de ambas de realizar as suas prestações ou pela dedução a uma delas da prestação devida pela outra parte.
Na terminologia do Prof. Antunes Varela[2], a compensação traduz o “meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor”. A mesma assegura duas importantes vantagens, na lição do Prof. Menezes Leitão[3]: a primeira é a de que se produz a extinção das obrigações dispensando a realização efectiva da prestação devida, funcionando assim a compensação como forma de facilitação dos pagamentos; a segunda é a de que a compensação permite ao seu declarante extinguir a sua obrigação, mesmo que não tenha qualquer possibilidade de receber o seu próprio crédito por insolvência do seu devedor, funcionando assim a compensação como garantia dos créditos.
Nos termos do disposto no citado art. 847º, para se poder operar a compensação é necessário que ocorram os seguintes pressupostos: 1 - Existência de créditos recíprocos; 2 - Fungibilidade das coisas objecto das prestações e identidade do seu género; e (o que, como se deixou dito, mais releva, no caso dos autos) 3 - Exigibilidade do crédito que se pretende compensar. II - Na presente revista, apenas temos de abordar e cingir-nos à configuração e enquadramento legal deste último pressuposto, mostrando-se, pois, ocioso e dispensável proceder a uma exaustiva abordagem e caracterização do instituto jurídico da compensação, para além do que já ficou referenciado.
Ora bem, em recente acórdão deste Supremo (Ac. de 14.03.13, relatado pelo Ex. mo Cons. Granja da Fonseca e em que a, ora, 1ª Adjunta interveio como 2ª Adjunta), exarou-se que constitui orientação jurisprudencial do STJ que, para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente, admitindo-se que este reconhecimento possa ocorrer em simultâneo, mas apenas na fase declarativa do litígio, contrapondo o R. o seu crédito, como forma de operar a compensação” (Assim, Ac. de 18.01.07, relatado pelo Ex. mo Cons. Oliveira Rocha).
Tendo-se, igualmente, já decidido que:
“(N)a fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva (…) Donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa” (Ac. de 22.06.06, relatado pelo Ex. mo Cons. Bettencourt de Faria);
“A compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra-crédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível” (Ac. de 14.12.06, relatado pelo Ex. mo Cons. João Moreira Camilo);
“Só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação”, pelo que, “estando o crédito que a R. apresentou na contestação como sendo compensante a ser discutido numa acção declarativa pendente, deve o mesmo ser tido como incerto, hipotético, não dando direito ainda a acção de cumprimento ou à execução do património do devedor (…) Tal crédito não é, pois, exigível judicialmente, pelo que não pode ser apresentado a compensação” (Ac. de 29.03.07, relatado pelo Ex. mo Cons. Oliveira Vasconcelos); e
“Para além dos requisitos substantivos que o instituto da compensação comporta e que vêm definidos no art. 847º do CC, é indispensável também que o crédito esgrimido pelo devedor contra o seu credor esteja já reconhecido, pois o processo executivo não comporta a definição do contra-direito, conforme resulta do disposto nos arts. 814º, 816º e 817º, nº1, al. b) do CPC” (Ac. de 28.06.07, relatado pelo Ex. mo Cons. Pires da Rosa).
Esta orientação jurisprudencial foi ressaltada e perfilhada no recentíssimo acórdão de 01.07.14, deste Supremo, relatado pelo Ex. mo Cons. Paulo Sá, onde se dá conta de que decidiram em idêntico sentido os Acs. deste Supremo, de 21.11.02, 09.10.03, 27.11.03, 21.02.06, 11.07.06, 14.12.06 e 12.09.13 (acessíveis, como os demais citados, em www.dgsi.pt), acentuando-se, igualmente, em reforço do que vem sendo considerado e após se ponderar que a exigibilidade do crédito não se confunde com o seu reconhecimento, que “não se conhecem decisões do STJ no sentido da necessidade de reconhecimento do contra-crédito, fora do âmbito do processo executivo” (negrito de nossa autoria). III - A recorrente invoca, em apoio da sua pretensão, a lição dos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela[4], nos termos da qual o art. 817º do CC “confere ao credor, não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, duas acções - a de cumprimento e a de execução - das quais a segunda pode depender da primeira, isto é, da condenação do devedor à realização da prestação”.
Crê-se, no entanto, que a transcrita lição, por expendida em tese geral, não pode pôr em crise a posição que, no âmbito do processo executivo, vem sendo perfilhada por este Supremo, atenta a respectiva natureza e especificidade, em confronto com a fase declarativa do processo, podendo, mesmo, traduzir-se em concessão de privilégio ao executado (e inerente violação do princípio da igualdade das partes), estimulando-o ao uso de meros expedientes dilatórios, em cotejo com o exequente a quem é exigido o “salvo-conduto” dum título executivo corporizador e meio de prova da existência, titularidade e objecto da obrigação para poder ingressar nas portas da acção executiva, na sugestiva imagem usada pelo Prof. Antunes Varela (Cfr. RLJ 121º/148).
Aliás, em publicação mais recente (2001), o Prof. Antunes Varela proclama, textualmente, que “Para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação, é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coactiva do crédito (contra-crédito) que se arroga contra este”[5].
Encontrando-se em total sintonia o Prof. Menezes Leitão, quando, a propósito, sustenta que “Só podem ser assim compensados os créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação”[6].
Não se legitimando, pois, quaisquer dúvidas de que, para estes dois insignes civilistas e pressuposta a não aceitação da existência do crédito compensante pelo credor principal, a admissibilidade da compensação visada pelo titular do crédito compensante encontra-se condicionada, no processo executivo, ao prévio reconhecimento judicial da existência deste último crédito.”
Divergindo dessa posição, veio o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22/09/2015, proferido no Proc. n.º 877/11.4TBSCD-A.C1, a discorrer sobre o tema, nos seguintes termos: B. Se não pode operar a compensação de créditos, em virtude de não se verificarem os respectivos requisitos. No que a esta questão concerne, alega o recorrente que não se verificam os pressupostos para que possa operar a compensação, designadamente porque “a compensação apenas pode abranger a dívida do declarante (e não a de terceiro) e apenas pode operar mediante a utilização de créditos que sejam do próprio declarante (e não créditos alheios” e ainda porque se “pretende operar a compensação de créditos com base numa obrigação indemnizatória”. Ao invés, na sentença recorrida, considerou-se estarem verificados todos os requisitos exigidos para a compensação.
Nos termos do disposto no artigo 847.º, n.º 1, do CC: “Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos: a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória de direito material; b)Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.”. Acrescenta-se no artigo 848.º, n.º 1, que a compensação se torna efectiva mediante declaração de uma das partes à outra.
Por outro lado e porque estamos em presença de uma execução que não se fundamenta em sentença judicial, nos termos do artigo 816.º do CPC (actual artigo 731.º do NCPC), além dos fundamentos especificados no artigo 814.º do CPC (actual 729.º do NCPC), na parte em que sejam, aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração.
Ora, constituindo, como constitui, a compensação um facto extintivo (total ou parcial) da obrigação, pode, pois, a mesma, ser invocada como fundamento de oposição a execução que não se fundamente (como acontece no caso sub judice) em sentença.
Posto isto, vejamos, então, se se verificam ou não, os indicados pressupostos para que possa operar a compensação.
Quanto a nós, a resposta a esta questão terá de ser positiva.
No que toca ao primeiro de tais requisitos invocados pelo recorrente: que se trata de dívida de terceiro, não se vislumbra a razão de tal alegação.
Efectivamente, nos termos do artigo 851,º do CPC, exige-se a reciprocidade de créditos, ao referir-se que a compensação apenas pode abranger a dívida do declarante, e não a de terceiro e que o declarante só pode utilizar para a compensação créditos que sejam seus, e não créditos alheios.
Do disposto neste artigo tão só resulta a exigência de que a compensação apenas pode operar entre pessoas que sejam reciprocamente credor e devedor, que o devedor de determinada obrigação seja, por força da mesma ou de outra relação jurídica, credor do seu credor.
Ora, de acordo com a factualidade provada, existe reciprocidade de créditos, uma vez que a executada demonstrou a existência de um crédito sobre o exequente, que extingue a sua obrigação.
Como refere Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, Vol. II, 4.ª Edição, Almedina, 1990, a pág. 186, com a compensação opera-se a “extinção de créditos recíprocos por encontro de contas, para evitar às partes um duplo acto de cumprimento perfeitamente dispensável.”. Acrescentando, a pág. 187, que verificados determinados requisitos, a lei prescinde do acordo de ambos os interessados, para admitir a extinção das dívidas compensáveis, por simples oposição de um deles ao outro.
No que concerne à reciprocidade dos créditos (pág. 190), é essencial que o devedor seja credor do seu credor.
Como já referido e pelas razões já explicitadas na sentença recorrida, para que se remete, a executada, nos termos do artigo 19.º n.º 4 do Código do IVA, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 47.º, n.º 2, da Lei 55-B/2004, de 30/12, viu-se impedida de deduzir o IVA que havia deduzido relativamente à facturação emitida pelo exequente, em virtude de este se encontrar, ao tempo, com a actividade cessada, para efeitos de IVA, o que, nos termos dados como provados obrigou a executada a regularizar perante a administração fiscal a quantia assim deduzida, pelo que ficou credora do exequente na quantia correspondente, o que basta para que se tenha por verificado o requisito da reciprocidade dos créditos, consagrado na 1.ª parte do artigo 847.º e 851.º do CC.
Como refere António Menezes Cordeiro, in Da Compensação No Direito Civil E No Direito Bancário, Almedina, 2003, a pág.s 109 e 110, a reciprocidade surge como o primeiro requisito da compensação e implica que alguém tenha um crédito contra o seu credor, de tal modo que, frente a frente, fiquem créditos de sentido contrário, sendo o devedor compensante o titular do crédito activo, estando o credor compensado adstrito ao débito correspondente a esse crédito, sendo o credor compensado titular do crédito passivo e o devedor compensante está adstrito ao débito correspondente a esse crédito.
Como vimos, assim sucede no caso em apreço, pelo que, fora de dúvidas, se tem de ter este requisito por verificado.
O 2.º requisito: o da exigibilidade judicial, previsto na al. a), do n.º 1, do artigo 847.º do CC, levanta mais dificuldades e divisões jurisprudenciais.
Neste preceito exige-se, para que possa operar a compensação, que o crédito seja exigível judicialmente e não proceda contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material.
Como ensina Menezes Cordeiro, ob. cit., pág.s 113 a 115, a exigibilidade judicial afasta a compensação quando o crédito activo integre uma obrigação natural e implica que o crédito activo esteja vencido e quanto ao passivo, que o mesmo possa ser cumprido e que as obrigações em presença sejam válidas e eficazes, devendo o crédito activo ser válido e eficaz; que não seja produto de obrigação natural; que não esteja pendente de prazo ou de condição; que não seja detido por nenhuma excepção; que possa ser judicialmente actuado e que se possa extinguir por vontade do próprio.
Em idênticos termos se pronuncia Antunes Varela, in ob. cit., a pág.s 194 e 195, onde refere que “Para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação, é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coactiva do crédito (contra crédito) que se arroga contra este.”. Acrescentando que, se diz “judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento e à execução do património do devedor (art. 817.º) – requisito que não se verifica nas obrigações naturais (art. 402.º), por uma razão, nem nas obrigações sob condição ou a termo, quando a condição ainda não se tenha verificado ou o prazo ainda se não tenha vencido, por outra.”.
As divergências na interpretação deste requisito surgem no que toca à questão de saber o que deve considerar-se/entender-se por crédito judicialmente exigível.
Efectivamente, como consta dos Acórdãos referidos quer na sentença recorrida quer nas alegações de recurso, há quem entenda que o crédito é apenas judicialmente exigível quando já está reconhecido e quando o credor está em condições de obter a sua realização coactiva, instaurando a respectiva execução e quem entenda que por força da possibilidade conferida no artigo 816.º do CPC (actual artigo 731.º do NCPC), de invocar a compensação como meio de defesa contra execução não baseada em sentença, nos mesmos termos que podiam ser invocados no processo de declaração, que a obrigação é judicialmente exigível quando o credor puder exigir o seu cumprimento imediato, através de uma acção executiva (se já estiver munido de título executivo) ou (não estando dele munido) através de uma acção declarativa tendente a obter uma sentença que, reconhecendo a existência da obrigação e a sua exigibilidade judicial, condene o devedor ao seu imediato cumprimento, como se defende, entre outros, no Acórdão da Relação do Porto, de 03/11/2010, Processo 8607/08.1YYPRT-A.P1, disponível no respectivo sítio da dgsi, em que figura como Relatora a ora 2.ª Adjunta.
Ali se acrescenta que a exigibilidade judicial da obrigação nada tem que ver com a existência de título executivo, sendo “a obrigação judicialmente exigível se, em determinado momento, o credor tem o direito de exigir em tribunal o seu cumprimento imediato, através de acção executiva (se estiver munido de título executivo) ou através de acção declarativa (se não tiver título) onde possa obter decisão que, reconhecendo a existência e a exigibilidade da obrigação, condene o devedor ao seu cumprimento imediato … é na acção onde é deduzida a compensação que deve ser apreciada e constatada a existência e exigibilidade do crédito, por forma a concluir se tal crédito existe e se pode ou não ser invocado para efeitos de compensação.”.
Foi o que aconteceu no caso sub judice, tendo-se apreciado e reconhecido a existência, validade e exigibilidade do crédito que se pretende compensar – sendo de salientar que, contrariamente ao invocado pelo recorrente não estamos em face de um crédito resultante de “obrigação indemnizatória” proveniente de responsabilidade civil, que exigisse o prévio reconhecimento do direito – pelo que, também, este segundo requisito se tem de ter por verificado.
Não se desconhece, como acima já se aludiu, jurisprudência que, no caso de execução, exige para a exigibilidade do crédito que o crédito já esteja reconhecido, por o processo executivo não comportar a definição do contra-direito e atenta a natureza e especificidade do processo executivo, em confronto com a fase declarativa do processo, sob pena de se conceder o privilégio ao executado de maior facilidade de se opor a um título executivo, exigindo-se, por isso, no processo executivo que, para efeitos de compensação, o prévio reconhecimento judicial do crédito que se pretende compensar – neste sentido o Acórdão do STJ, de 02/06/2015, Processo 4852/08.8YYLSB-A.L1.S2, disponível no respectivo sítio da dgsi e onde se citam outros Acórdãos no mesmo sentido.
Com todo o respeito que nos merece tal Alto Tribunal, não se pode deixar de referir que a oposição/embargos à execução, assume o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia e constitui a petição de uma acção declarativa – cf. Lebre de Freitas, in A Acção Executiva Depois da Reforma, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2004, pág.s 188 a 190, pelo que, pensamos, mesmo no âmbito do processo executivo ser admissível a compensação nos termos que acolhemos.
O que mais se reforça, estamos em crer, face ao disposto no artigo 816.º do CPC (actual artigo 731.º do NCPC) em que o legislador optou pela admissibilidade, no caso de se tratar de execução não baseada em sentença, como é o caso, de serem alegados quaisquer outros fundamentos, para além dos previstos para o caso de se tratar de execução baseada em sentença, que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.”
Embora referido, por transcrições parciais, nos Acórdãos acima transcritos, importa trazer à colação o entendimento do Prof. Antunes Varela sobre conceito de contra-créditojudicialmente exigível, que a págs. 204, do Vol. II, da 7ª Ed., das Obrigações em Geral, nos dá a seguinte explicitação: “Para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação, é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coactiva do crédito (contra crédito) que se arroga contra este. A alínea a) do nº 1 do artigo 847º concretiza esta ideia, explicitando os corolários que dela decorrem: o crédito do compensante tem de ser exigível judicialmente e não estar sujeito a nenhuma excepção, peremptória ou dilatória, de direito material. Diz-se judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento e à execução do património do devedor (art. 817º) – requisito que não se verifica nas obrigações naturais (art. 402º), por uma razão, nem nas obrigações sob condição ou a termo, quando a condição ainda se não tenha verificado ou o prazo ainda se não tenha vencido, por outra.
Esta a razão legal por que o declarante não pode livrar-se duma obrigação civil, invocando como compensação um crédito natural sobre o credor ou um crédito (civil) ainda não vencido. Tão pouco procederá para o efeito um crédito contra o qual o notificado possa e queira fundadamente invocar qualquer facto que, com base no direito substantivo, conduza à improcedência definitiva da pretensão do compensante (prescrição, nulidade ou anulabilidade, por ex.) ou impeça o tribunal de julgar logo a pretensão como procedente (v. g. excepção de não cumprimento do contrato, benefício de excussão, se o notificado for um simples fiador, etc.)”.
Do que se retira, em síntese, que, para o Prof. Antunes Varela, contra-créditojudicialmente exigível, é toda a obrigação que, uma vez vencida e não paga, faculta ao credor a possibilidade de deduzir acção judicial para o seu cumprimento, se não for titular de título executivo que, desde logo, lhe permita instaurar acção executiva.
O mesmo entendimento parece ter o Prof. Lebre de Freitas, no seu CPC Anotado, 2003, Vol. III, a págs. 317, em face do disposto na alínea g), do art.º 814º do CPC (na versão anterior ao CPC de 2013), que a dado passo refere o seguinte: “Foi já entendido que a compensação só pode ser alegada se a existência do contracrédito e os requisitos substantivos da compensação se provarem por documento com força executiva (Lopes Cardoso, Manual cit., o. 289), mas nada autoriza esta restrição: ao alegar a compensação o executado pretende fazer valer um facto extintivo do direito exequendo; não pretende reconvir, o que seria inadmissível em processo executivo (ver n.º2 da anotação ao art. 274 e n.º2 da anotação ao art. 816), pelo que, se o seu crédito for superior ao do exequente, não poderá invocar a sentença que a seu favor obtenha na oposição à execução no pagamento da diferença entre os dois créditos, nem sequer como sentença de mero reconhecimento da existência da dívida pelo excesso, nem (muito menos) obter o pagamento forçado dessa diferença no processo executivo a que opôs; mas, quer o seu crédito seja igual ou inferior, quer seja superior ao do exequente, é-lhe permitido deduzir excepção de compensação, seja como objecção (no caso de já extrajudicialmente querer compensar), seja como excepção propriamente dita (no caso de essa declaração ser feita no requerimento de oposição).Basta portanto, que se provem por documento do facto constitutivo do contracrédito e as suas características relavantes para o efeito do art.º 847º CC, bem como a declaração de querer compensar (art. 848 CC), no caso de esta ter sido feita fora do processo, sem necessidade de observar os requisitos legais da exequibilidade dos documentos.”Do que podemos retirar, em nosso entender, sem efectuar qualquer interpretação abusiva do pensamento do Prof. Lebre de Freitas que, no que respeita à oposição à execução baseada em título executivo diverso da sentença, em face dos fundamentos vertidos no art.º 816º do CPC (versão anterior a 2013), que permitiam ao executado poder deduzir quaisquer factos que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração, o executado poderia deduzir, por via da atinente oposição à execução, a excepção de compensação, podendo provar o seu crédito por qualquer meio legal, não sendo necessário que esse crédito estivesse provado documentalmente.
Alterado o CPC em 2013, vieram a ser introduzidas algumas alterações no regime dos fundamentos da oposição à execução baseada em sentença, que foram vertidas no art.º 729º do NCPC, dedicando uma alínea em exclusivo à compensação de contracrédito, com o seguinte teor: “h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;.
Mantendo no entanto, uma alínea, de âmbito geral quanto aos factos extintivos e modificativos da obrigação, com redacção igual à vertida na alínea g), do art.º 814º do CPC, do seguinte teor: “g)Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão do processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;”.
Comentando a alteração em análise, veio o Prof. Lebre de Freitas, a fls. 201 e sgs. da sua A Acção Executiva à luz do CPC de 2013, a tecer os seguintes comentários, a propósito da alínea h) do art.º 729º: “Compensação. A nova qualificação processual que se pretendeu dar à compensação no art. 266-2-c levou à sua autonomização como fundamento de embargos de executado. É que, excedendo a reconvenção a função defensiva dos embargos (infra, n.º 1.2.2.2), a caracterização adjectiva da compensação como reconvenção levaria a negar a sua invocabilidade na dependência da acção executiva, o que seria contrário ao seu regime substantivo. Em minha opinião, a compensação continua a constituir uma exceção peremptória e o que a nova lei estabelece é, quanto muito, um ónus de reconvir na acção declarativa (pedindo a mera apreciação da existência do contracrédito) cuja observância é suporte necessário da invocação da exceção. A nova norma tem a utilidade de deixar claro que, seja como for, a compensação (até ao montante da obrigação exequenda), pode constitui fundamento de embargos de executado. Fora de questão está, agora como dantes, que o executado cujo contracrédito seja superior ao do exequente possa invocar a sentença que a seu favor venha a ser proferida como uma sentença de condenação do exequente no pagamento da diferença entre os dois créditos, nem sequer como sentença de mero reconhecimento da existência da dívida pelo excesso, nem (muito menos) obter o pagamento forçado dessa diferença no processo executivo a que opôs; mas, quer o seu crédito seja igual ou inferior, quer seja superior ao do exequente, é-lhe permitido deduzir a exceção de compensação, seja como objeção (no caso de já extrajudicialmente querer compensar), seja como excepção propriamente dita (no caso de essa declaração ser feita no requerimento de oposição). A consideração do fundamento da compensação em alínea separada da dos restantes factos extintivos da obrigação exequenda liberta o executado do ónus de provar através de documento, quer o facto constitutivo do contracrédito e as suas características relevantes para o efeito do art. 847 do CC, quer a declaração de querer compensar (art. 848 CC), no caso de esta ter sido feita fora do processo.” (sublinhado nosso)
Tese que transposta para os fundamentos da oposição à execução baseada noutro título, regulada pelo art.º 731º do NCPC, permite-nos concluir que, neste tipo de oposição à execução, é permitido alegar quaisquer matérias de impugnação e de excepção que seria legítimo deduzir em defesa na acção declarativa, podendo o contracrédito a compensar ser provado por qualquer meio legalmente admissível na acção declarativa.
Aqui chegados, o que dizer?
Acolhendo as lições do Prof. Antunes Varela e do Prof. Lebre de Freitas, a que acima aludimos, somos levados a considerar que o conceito de contracréditojudicialmente exigível, a que alude a primeira parte da alínea a), do n.º1, do art.º 847º do Cód. Civ., se basta com a possibilidade do crédito do executado sobre o exequente, estar vencido e não pago, facultando-lhe o recurso imediato à tutela judicial, tanto por via da instauração de acção declarativa condenatória no cumprimento do contracrédito, como de acção executiva, havendo para o efeito o suficiente título executivo.
Tese que se nos afigura consentânea com a redacção da alínea h), do n.º1, do art.º 729º do NCPC, que veio permitir que o contracrédito a compensar, seja provado por qualquer meio, mesmo sendo deduzido no âmbito de uma oposição à execução baseada em sentença. Faculdade que, no âmbito da oposição à execução baseada noutro título, regulada pelo disposto no art.º 731º do NCPC, se mostra por isso evidente, dado que para além dos fundamentos da oposição à execução baseada em sentença, podem ser deduzidos todos os outros legalmente admissíveis por via de impugnação ou de excepção em processo declarativo.
Demonstrada a interpretação harmónica do disposto na primeira parte da alínea a), do n.º1, do art.º 847º do Cód. Civ., com o disposto na h), do n.º1, do art.º 729º do NCP, torna-se evidente que no âmbito da presente oposição à execução baseada noutro título, regulada pelo art.º 731º do NCPC, o credor pode deduzir Oposição à Execução por Embargos, alegando contracrédito vencido e não pago, a compensar com o crédito exequendo, que poderá provar por qualquer meio admissível em processo declarativo.
Feito este enquadramento, e tendo em conta a delimitação acima dada quanto aos contracréditos cuja compensação é admissível, que terão de ser créditos vencidos e não pagos, condição para a sua exigibilidade judicial, terá a presente Oposição à Execução por Embargos de improceder, no que respeita aos invocados danos não patrimoniais, devendo o processo continuar para apreciação da bondade do invocado contracrédito, a compensar, relativo a capital e dos respectivos juros.
Face ao exposto, pela procedência parcial do presente recurso, revoga-se parcialmente o despacho recorrido e, consequentemente determina-se a continuação do presente processo para apreciação do invocado contracrédito de capital (€50.355,85) e respectivos juros de mora (€30.025,19), a compensar com o crédito exequendo.
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III. Decisão Pelo acima exposto, pela procedência parcial do presente recurso, decide-se revogar parcialmente a Decisão recorrida e, consequentemente determina-se a continuação do presente processo para apreciação do invocado contracrédito de capital (€50.355,85) e respectivos juros de mora (€30.025,19), a compensar com o crédito exequendo, tudo nos termos acima definidos. Custas por Exequente e Executado, na proporção do decaimento. Registe e notifique.