ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário


1. Não há cabimento processual para o indeferimento liminar da alteração do pedido relativo ao exercício das responsabilidades parentais previsto no art.42º da RPTC.
2. A referida lei especial (RPTC) não prevê para a situação em apreço a existência de despacho liminar prévio à citação da parte requerida, sendo que por aplicação subsidiária da lei geral (CPC) também não pode, hoje, haver lugar a despacho de tal natureza.
3. Assim sendo, mesmo para o caso de o julgador “a quo” considerar infundado o pedido ou desnecessária a alteração, não poderá decidir liminarmente, tendo pelo menos de ouvir, previamente, a parte requerida, a qual será devidamente citada para esse efeito (nomeadamente para, querendo, vir alegar o que tiver por conveniente).

Texto Integral


AA veio requerer a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, contra BB, relativamente ao filho de ambos, CC, alegando factos que, no seu entendimento, sustentam a redução da pensão de alimentos que se encontra a pagar ao referido menor.
Foi aberta vista ao Ministério Público, o qual requereu que fosse dado cumprimento ao disposto no art.42º nº3 do RPTC.
No entanto, pela M.ma Juiz “a quo” foi, de imediato, proferida decisão a indeferir liminarmente a petição do requerente.
Inconformado com tal decisão dela apelou o requerente tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
I - Em 14 de Janeiro de 2016 o ora Recorrente instaurou processo tutelar cível de alteração da regulação das responsabilidades parentais. Através de tal requerimento requereu o aqui Recorrente a alteração do acordo de regulação das responsabilidades parentais referente ao menor, seu filho, CC na parte concernente ao montante a pagar a título de pensão de alimentos.
II - O acordo de regulação das responsabilidades parentais (então denominado acordo de regulação do poder paternal) foi junto ao processo de divórcio por mútuo consentimento que correu trâmites sob o n.º 457/2001 do 2.º Juízo do ora extinto Tribunal Judicial de Portalegre.
III - Em 28 de Outubro de 2002 foi decretado o divórcio por mútuo consentimento e homologados os acordos que foram juntos ao requerimento de divórcio por mútuo consentimento, dentre os quais o (então denominado) acordo de regulação do poder paternal.
IV - Em 15 de Fevereiro de 2016 foi o Requerente notificado, via Citius, de despacho proferido pelo Tribunal A Quo do qual resultou o indeferimento do requerido pelo aqui Recorrente.
V - Ao compulsar os autos ora sub júdice verificou o ora Recorrente que os únicos actos processuais que foram praticados no âmbito dos mesmos foram os seguintes:
- Apresentação de Petição Inicial
- Abertura de Vista ao M.P.
- Promoção do M.P. no sentido de ser dado cumprimento ao art. 42.º n.º 3 do RPTC.
- Abertura de Conclusão ao Mmo. Juiz do Tribunal A Quo
- Prolação pelo Tribunal A Quo do Despacho ora sob recurso
- Notificação ao aqui Recorrente do despacho proferido pelo Tribunal A Quo (efectuada a 15 de Fevereiro de 2016)
VI - O despacho ora sob recurso viola o estatuído nos n.ºs 3 e 4 do artigo 42.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, na exacta medida em que o Tribunal A Quo proferiu despacho a considerar o pedido formulado pelo Requerente antes de ter sido citada a Requerida para alegar o que tivesse por conveniente e, consequentemente, antes de ter findo o prazo legalmente fixado para a Requerida alegar o que tivesse por conveniente.
VII - O Tribunal A Quo violou, outrossim, o estatuído no artigo 2004.º n.º 1 do C. Civil: “Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los”. Com efeito, resultando do despacho ora sob recurso que o Tribunal A Quo considerou que uma das razões pelas quais era de indeferir a alteração da regulação das responsabilidades parentais requerida pelo aqui Recorrente é de não se encontrar a ser coercivamente cobradas quaisquer prestações de alimentos supervenientes ao incumprimento verificado, forçoso é concluir que o Tribunal A Quo violou flagrantemente o comando legal contido no n.º 1 do artigo 2004.º do Código Civil. Na verdade, ao invés de atender à situação económico-financeira do ora Recorrente, mais concretamente ao que a esse respeito se deixou vertido na P.I., para aquilatar se o pedido formulado pelo aqui Recorrente seria infundado ou se seria desnecessário a alteração – ponderação que, reitera-se, só poderia ter lugar, no pleno respeito pelo n.º 4 do art. 42.º do Regime Geral dos Processos Tutelares Cíveis, depois de ser junta a alegação da requerida ou de se encontrar excutido o prazo para esta apresentar alegações. – considerou o Tribunal A Quo que seria desnecessária a requerida alteração pela simples circunstância de não se encontrarem a ser coercivamente cobradas quaisquer prestações de alimentos posteriormente vencidas. Certo, porém, é que é irrelevante que estejam ou não a ser coercivamente cobradas pensões de alimentos vencidas. O que importa apurar e verificar é se a pessoa obrigada a prestar alimentos tem condições efectivas de os prestar. E, salvo o devido respeito, na Petição Inicial que está na origem dos presentes autos, o ora Recorrente alegou um conjunto de factos que atestam que o mesmo não tem, de todo em todo, condições para proceder ao pagamento de pensão de alimentos a seu filho CC, pois que a sua situação financeira é de quase indigência.
VIII - Foi ainda violado pelo Tribunal A Quo o n.º 1 do artigo 42.º do Regime Geral dos Processos Tutelares Cíveis, na exacta medida em que deriva deste dispositivo legal que a alteração do regime da regulação das responsabilidades parentais é possível sempre que circunstâncias supervenientes à data em que foi alcançado acordo de regulação das responsabilidades parentais (ou proferida decisão final de regulação das responsabilidades parentais) tornem necessário alterar o que estiver estabelecido e o Tribunal A Quo, ignorando o estatuído no supra citado dispositivo legal, considerou não existir superveniência de factos por entender que a superveniência deveria ser aferida em relação ao momento em que foi proferida decisão no âmbito de incidente de incumprimento.
IX - O despacho ora sob recurso deve ser revogado e substituído por um outro que ordene a citação da requerida e o prosseguimento dos ulteriores trâmites processuais.
X - Termos em que, nos melhores de Direito, que V.Ex.cias Venerandos Desembargadores doutamente suprirão, deverá, o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado o Despacho proferido pelo Tribunal A Quo, ordenando-se a citação da Requerida nos autos sub Júdice e bem assim o prosseguimento dos autos. Assim se fazendo a já costumada Justiça.
Pelo Ministério Público foram apresentadas contra alegações, nas quais sustenta que o recurso merece provimento, devendo ser dado cumprimento ao estipulado no art.42º nº3 do RPTC, ou seja, citando-se a requerida para, querendo, alegar o que tiver por conveniente.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir o relator irá fazer uso da faculdade que lhe é conferida pelas disposições conjugadas dos arts.652º nº1 alínea c) e 656º, ambos do C.P.C., e apreciar essa questão jurídica mediante decisão singular apenas por si proferida.
Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º nº 1 do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão desfavorável ao recorrente (art. 635º nº3 do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelo requerente, ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se a petição inicial, não podia, sem mais, ter sido indeferida liminarmente, antes havendo que, previamente, citar-se a requerida para, querendo, alegar o que tivesse por conveniente, de acordo, aliás, com o que dispõe o art.42º nº3 do RPTC.
Apreciando, de imediato, a questão suscitada pelo recorrente importa ter presente o que, a tal respeito, estipula o nº1 do citado art.42º que, desde já, passamos a transcrever:
- Quando o acordo ou a decisão não sejam cumpridos por ambos os pais, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer dos progenitores ou curador podem requerer ao tribunal que no momento for territorialmente competente nova regulação do poder paternal.
Daqui decorre que é necessário que a alteração do regime é possível em duas situações, uma de natureza específica, outra correspondente ao que se estabelece em geral para os processos de jurisdição voluntária e que são:
a) quando o acordo ou a decisão final não seja cumpridos por ambos os pais;
b) ou quando ocorram circunstâncias supervenientes que, em seu entender, justificam essa alteração.
O caso estabelecido na alínea a) é específico da regulação do poder paternal compreendendo-se a possibilidade de face ao incumprimento das pessoas (por regra dos pais) obrigadas no regime, com a mais que provável consequente neutralização substancial do mesmo, se regular de novo a questão.
O caso indicado em b) é geral, isto é, atendível normalmente em qualquer processo de jurisdição voluntária. Deve ter-se em atenção que são supervenientes as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão ou as anteriores mas que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso nos termos previstos no art.988º nº1 do C.P.C.
No entanto, esta ponderação (como foi feita pela Julgadora “a quo” em sede de despacho liminar) só pode e deve ser feita após ser dado cumprimento ao disposto no nº3 do art.42º RPTC, uma vez que aí é afirmado que, depois de ser autuada a acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais, o requerido é citado para, no prazo de 10 dias, alegar o que tiver por conveniente.
Acresce que, só depois de junta a alegação ou findo o prazo para a sua apresentação, o juiz, se considerar o pedido infundado ou desnecessária a alteração manda arquivar o processo, condenando em custas o requerente – cfr. nº4 do citado art.42º.
Por outro lado, o nº 6 do mesmo dispositivo legal dispõe que:
- Antes de mandar arquivar os autos ou de ordenar o seu prosseguimento, pode o juiz determinar a realização das diligências que considere necessárias.
Logo, forçoso é concluir que a prolação da decisão recorrida, em sede liminar, foi prematuramente proferida, como decorre, aliás, da simples leitura da lei especial aqui aplicável (RPTC).
Além disso, podemos ainda acrescentar que também a lei geral não permite tal decisão liminar. Com efeito, ao abrigo da lei supletivamente aplicável – o C.P.C. – por via do disposto no art.33º do RPTC, não se vislumbra fundamento legal para o indeferimento liminar decidido pela Julgadora “a quo”.
Na verdade, o art. 226º do C.P.C. - aplicável “ex vi” do art.33º do RPTC - dispõe que:
1 - Incumbe à secretaria promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à efectivação da regular citação pessoal do réu e à rápida remoção das dificuldades que obstem à realização do ato, sem prejuízo do disposto no n.º 4 e da citação por agente de execução ou promovida por mandatário judicial.
(…)
4 - A citação depende, porém, de prévio despacho judicial:
a. Nos casos especialmente previstos na lei;
b. Nos procedimentos cautelares e em todos os casos em que incumba ao juiz decidir da prévia audiência do requerido;
c. Nos casos em que a propositura da acção deva ser anunciada, nos termos da lei;
d. Quando se trate de citar terceiros chamados a intervir em causa pendente;
e. No processo executivo, nos termos dos n.os 6 e 7 do artigo 726.º;
f. Quando se trate de citação urgente.
Logo, não se vislumbra - também por esta via - que os presentes autos devessem ter sido conclusos à Julgadora “a quo” e que esta pudesse, como efectivamente o veio a fazer, indeferir liminarmente o peticionado pelo requerente, sem que, previamente, fosse a requerida citada oficiosamente para, querendo, alegar o que tivesse por conveniente (v.g. nomeadamente que o requerente tem condições efectivas para prestar uma pensão de alimentos ao filho de ambos).
Neste sentido - que sustentamos no presente aresto - podem ver-se, entre outros, os Acs. da R.L de 17/5/2007 e da R.C. de 2/2/2010, ambos disponíveis in www.dgsi.pt e proferidos quando ainda estava em vigor o art.182º da OTM, mas cuja redacção, no essencial, veio a ser transposta para o já citado art.42º do RPTC.
Pelo exposto, e sem necessidade de mais delongas, resulta claro que a decisão sob censura não se poderá manter, de todo, revogando-se a mesma em conformidade e, em consequência, determina-se que o processo prossiga os seus ulteriores termos na 1ª instância, nomeadamente com a citação da requerida, a realizar ao abrigo do estipulado no art.42º nº3 do RPTC.

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Por fim, atento o estipulado no art.663º nº7 do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- Não há cabimento processual para o indeferimento liminar da alteração do pedido relativo ao exercício das responsabilidades parentais previsto no art.42º da RPTC.
- A referida lei especial (RPTC) não prevê para a situação em apreço a existência de despacho liminar prévio à citação da parte requerida, sendo que por aplicação subsidiária da lei geral (CPC) também não pode, hoje, haver lugar a despacho de tal natureza.
- Assim sendo, mesmo para o caso de o julgador “a quo” considerar infundado o pedido ou desnecessária a alteração, não poderá decidir liminarmente, tendo pelo menos de ouvir, previamente, a parte requerida, a qual será devidamente citada para esse efeito (nomeadamente para, querendo, vir alegar o que tiver por conveniente).

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Decisão:

Pelo exposto, decide-se julgar procedente o presente recurso de apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida nos exactos e precisos termos acima explanados.
Sem custas.

Évora, 20.10.2016
Rui Machado e Moura

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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).