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CONTRA-ORDENAÇÃO MUITO GRAVE
SANÇÃO ACESSÓRIA DE INIBIÇÃO DE CONDUZIR
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Sumário
I - Estando em causa o cometimento de contraordenação rodoviária muito grave, o regime ínsito no Código da Estrada, não permite o uso do instituto da suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir, ainda que sujeita a condições.
Texto Integral
Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção)
I – Relatório 1. No âmbito do processo de contraordenação n.º 270599444, que correu os seus termos na Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (doravante ANRS), foi aplicada ao arguido A., melhor identificado nos autos, a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 90 (noventa) dias, pela prática de uma contraordenação muito grave p. e p. pelos artigos 69.º, nº1 e 76.º alínea a) do Regulamento de Sinalização de Trânsito e 138.ºe 146.º, alínea l) do CEstrada.
2. O arguido impugnou judicialmente essa decisão, tendo o tribunal de 1ª instância, por despacho proferido a 26 de fevereiro de 2015, julgado improcedente a impugnação, mantendo integralmente a decisão da ANRS.
3. O arguido foi notificado dessa decisão em 23.03.2015 e interpôs o presente recurso pedindo a revogação da decisão recorrida, substituindo-a por outra que determine a suspensão da pena acessória da inibição de conduzir, aplicando-se uma caução de boa conduta, para o que apresentou as seguintes conclusões que extrai da sua motivação: (transcrição)
a) A contra-ordenação rodoviária a que se reportam os autos é classificada como muito grave;
b) O arguido tem averbado no seu RIC a prática de uma contra-ordenação grave, praticada em 10.02.2008, logo há mais de 5 anos, relativamente à práctica da infracção em apreço, razão pela qual tal situação nem deveria ter sido considerada /relevada, porquanto já nem poderia constar do RIC do arguido.
c) O arguido foi condenado na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 90 dias;
d) O arguido recorrente é empresário e director de várias empresas, e declarou nos autos que para o exercício das suas funções é imprescindível que seja portador de carta de condução.
e) A decisão recorrida é ilegal;
f) O Tribunal recorrido fez um errada interpretação do disposto no art.º 141.º n.º 3, pois nem sequer levou tal normativo em consideração ao se decidir pela improcedência da impugnação judicial que lhe foi apresentada;
g) A interpretação correcta a dar ao referido art.º 141.º n.º 3 é que, em caso de prática de contra-ordenação rodoviária grave ou muito grave, nas situações em que o infractor já tiver averbado no seu RIC a prática de uma contra-ordenação grave, a suspensão da execução da sanção acessória poderá ser decretada, ficando condicionada singular ou cumulativamente a qualquer das condições definidas nas alíneas a) a c) do n.º 3 art.º 141.º.
h) A decisão recorrida violou o disposto nos art.ºs 141.ºs n.º 3 do C.E. e 69.º, 70.º, 71.º e 73.º do C.P, já que:
i) 23.º - No que se reporta à sanção acessória de inibição de conduzir aplicada ao arguido o mesmo reunia todas as condições e pressupostos para que tivesse ficado suspensa na sua execução, ainda que condicionada à prestação de caução de boa conduta, uma vez que a carta de condução constitui um elemento imprescindível para a actividade profissional do arguido, e do seu sustento.
4. O M.º Público respondeu ao recurso, defendendo a manutenção do despacho recorrido, tendo concluído assim a sua resposta: (transcrição)
O presente recurso deve improceder, pois que não é legalmente possível, in casu, a ponderação da aplicação do disposto no artigo 141.º do Código da Estrada – suspensão da execução da sanção acessória de inibição de condução -, já que o arguido cometeu contra-ordenação classificada como muito grave.
5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que se passa a designar de CPPenal), emitiu competente parecer, pronunciando-se no sentido da manutenção da decisão recorrida, acompanhando o posicionamento assumido pelo Digno Magistrado do M.º P.º em primeira instância.
O arguido/recorrente apresentou resposta pugnando no sentido vertido no recurso interposto (cf. fls.97).
6. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.
II – Fundamentação 1.Questões a decidir
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o âmbito do recurso é dado, nos termos do art.º 412º, nº1 do CPPenal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido.
Em matéria contraordenacional o Tribunal da Relação, enquanto tribunal de revista, só conhece de questões de direito (artigo 75º, nº1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, que adiante se designa por RGCO), estando-lhe vedada a apreciação quanto à matéria de facto, o que não afasta a possibilidade de, oficiosamente, ou a requerimento, se conhecer de vícios decisórios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPPenal.
Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo arguido e os poderes de cognição deste tribunal, importa apreciar e decidir a questão relativa à aplicação do instituto da suspensão da execução da medida acessória de inibição de conduzir, prevista no artigo 141.º do CEstrada.
2. Apreciação 2.1. O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: (transcrição)
-No dia 27/08/2013, pelas 07:45h, na EN 114, KM140.200, em Lavre, o arguido conduzia o veículo NS e desrespeitou a obrigação de paragem imposta pela luz vermelha de regulação do trânsito.
-Ao circular nos termos em que o fez, revelou desatenção e irrefletida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando com falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e no momento se lhe impunham, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a conduta descrita é proibida e sancionada pela lei contra-ordenacional.
-O recorrente procedeu, voluntariamente, ao pagamento da coima de € 74,82.
-O recorrente tem averbado no seu registo individual de condutor a prática de uma contraordenação grave, praticada em 10/02/2008, por condução em excesso de velocidade, fora da localidade.
-O arguido recorrente é empresário e director de várias empresas, e declarou nos autos que para o exercício das suas funções é imprescindível que seja portador de carta de condução.
2.2.Fundamentação da matéria de facto:
-Teor do auto de contra-ordenação de fls. 4, que faz fé em juízo, em conjugação com os termos da decisão proferida pela ANSR e que, no tocante à matéria em sujeito, não foi objecto de impugnação por parte do recorrente.
-Teor do documento constante de fls. 28.
-Teor do RIC do recorrente de fls. 30.
-Teor do recurso que foi considerado por ser a favor do arguido e resultante da sua defesa.
2.3. Do Thema Decidendum
Consagra-se no artigo 131.º, do Código da Estrada:
«Constitui contraordenação rodoviária todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de norma do Código da Estrada ou de legislação complementar e legislação especial cuja aplicação esteja cometida à ANSR, e para o qual se comine uma coima.»
Não se questiona nos presentes autos que o arguido/recorrente cometeu, efetivamente, uma contraordenação rodoviária muito grave – desrespeito da obrigação de parar imposta por luz vermelha de regulação do trânsito – p.e p. pelos artigos 69.º, nº1 e 76.º alínea a) do Regulamento de Sinalização de Trânsito e 138.ºe 146.º, alínea l) do CEstrada.
De harmonia com o disposto no artigo 136.º do Código da Estrada, as contra- ordenações rodoviárias classificam-se em leves, graves e muito graves, sendo que as contraordenações graves ou muito graves são sancionáveis com coima e com sanção acessória, como cristalinamente decorre do estatuído no artigo 138.º, nº 1 do mesmo complexo normativo.
Por seu turno, o artigo 141.º do mesmo complexo normativo, regulando a possibilidade de suspensão da execução da pena acessória de inibição de conduzir, apenas a refere para as situações relativas a contraordenações graves.
Pretende o arguido/recorrente questionar a bondade da decisão proferida pelo tribunal a quo, apontando que o Tribunal recorrido errou na interpretação jurídica dada aos artigos 141.º, nº3 do CEstrada e 69.º, 70.º, 71.º e 73.º do CPenal.
Diga-se, desde já, que a invocação dos incisos respeitantes ao CPenal, tendo em atenção os aspetos em causa e a circunstância de haver legislação especial que regula esta matéria (CEstrada e RGCO), carece de qualquer fundamento.
Na verdade não se descortina como se faz apelo ao regime da proibição de conduzir do artigo 69.º do CPenal, existindo o especial previsto para o caso – artigo 138.º do CEstrada, à regra do artigo 70.º do CPenal, estando em causa uma contraordenação em que a pena principal é apenas e tão-só a coima, à disciplina do artigo 71.º do CPenal, havendo a norma do artigo 18.º do RGCO relativa à determinação da medida da coima, ao comando do artigo 73.º do CPenal respeitante à atenuação especial da pena, perante o disposto no artigo 140.º do CEstrada.
Assim sendo, surge sem suporte legal esta argumentação.
Consigna-se ainda que se entende que o CEstrada no seu artigo 138.º faz determinar tal consequência em situações como a dos autos[1].
Com efeito, atentando no todo diploma que constitui o CEstrada, mormente em matéria sancionatória, resulta ter sido claro o intuito do legislador, em situações de maior relevância em termos de perigosidade rodoviária, optar por soluções de maior exigência e rigor.
Importa neste sentido fazer apelo ao Acórdão da Relação de Guimarães de 12/09/2016, proferido no processo 51/16.3 T8MAC.G1 – Relatora Alcina Costa Ribeiro, onde se segue a mesma orientação – “ Como expressamente foi consignado pelo legislador no preâmbulo do (…) DL n.º 44/2005 – no uso da autorização legislativa conferida pela Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro [concedida com o sentido privilegiado de“… proporcionar elevados índices de segurança rodoviária para os utentes”] –, a segurança rodoviária e a prevenção dos acidentes constituem, na actualidade, prioridades essenciais, no contexto nacional e europeu –, mobilizadoras de toda a sociedade (como aí também se diz) –, para cuja realização foi considerada necessária – a par de várias outras em diversos planos (como a educação do utente e a criação de um ambiente rodoviário seguro) – a adopção e consagração de um mais rigoroso e eficaz quadro legal, com aptidão sensibilizadora dos utentes viários à responsável modificação comportamental, designadamente pelo cumprimento da legislação adequada.
A coberto destes princípios orientadores, (…) apresenta-se como axiomática a vontade e opção legislativa de geral agravamento sancionatório dos comportamentos contra-ordenacionais rodoviários de risco, particularmente os qualificados de graves e muito graves (normativamente tipificados sob os arts. 145.º e 146.º, do Código da Estrada”[2].
Como questão central a decidir em sede recursiva, surge o entendimento seguido pelo tribunal a quo de que estando em causa o cometimento de contraordenação muito grave, o regime ínsito no CEstrada, não permite o uso do instituto da suspensão da execução da medida acessória de inibição de conduzir, ainda que sujeita a condições.
No sentido de que não é admissível a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir aplicada a contraordenação muito grave, parece estar pacificada a jurisprudência, sendo incontornável tal conclusão[3].
Estando em causa contraordenação muito grave, como o classifica o artigo 146.º, alínea l), do Código da Estrada - desrespeito da obrigação de parar imposta por sinal regulamentar dos agentes fiscalizadores ou reguladores do trânsito ou pela luz vermelha de regulação do trânsito - a conduta do arguido não é suscetível de beneficiar do regime de suspensão da execução da sanção acessória, que era a pretensão daquele na impugnação judicial da decisão administrativa.
Sobre a conformidade constitucional das normas relativas à sanção acessória de inibição de conduzir previstas no Código da Estrada trata-se de outro segmento há muito pacificado na jurisprudência - veja-se neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional de 24 de julho de 2007, Processo 443/2007 -, não se vislumbrando, também aqui, qualquer linha de pensamento que permita beliscar o decidido.
Face a todo o expendido, também se não vislumbra em que medida opera interpretação e aplicação erradas do artigo 141.º do CEstrada.
A sanção imposta cabe nas previsões em referência, encontra-se dentro dos parâmetros legalmente fixados, sustenta-se em factualidade bastante e ilustrativa da gravidade, culpa e antecedentes do aqui infrator, mostrando-se equilibrada face ao retrato existente e aos limites abstratamente fixados.
III - Dispositivo
Nestes termos, acordam os Juízes Secção Criminal – 2ªSubsecção - desta Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A. e manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
Évora, 15 de Novembro de 2016
(o presente acórdão, integrado por sete páginas com os versos em branco, foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)
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(Carlos de Campos Lobo)
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[1] Contrariamente ao vigente no domínio do direito penal, pela própria literalidade do artigo 65º, nº 2 do Código Penal, em que a pena acessória sendo uma consequência jurídica do crime perpetrado, assume uma autonomia em relação a este pois a sua aplicação depende da alegação e prova de pressupostos autónomos relacionados com a prática do crime, com a valoração dos critérios gerais de determinação das penas, incluindo a culpa. Neste mesmo sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto – Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem – Universidade Católica Editora, pg. 219 e segs.
[2] Acórdão disponível para consulta in dgsi.pt, Relação de Guimarães.
[3] Neste sentido os Acórdãos da Relação de Coimbra, de 13/06/2007, proferido no processo n.º 346/06.4TBGVA.C1 e de 21/11/2007, proferido no processo n.º 3974/06.4TBVIS.C1, da Relação de Lisboa de 17/01/2013 proferido no processo n.º 593/12.0PEAMD.L1-9 e de 21/05/2015 proferido no processo n.º 82/14.8T8TVD.L1-9 e da Relação de Évora, de 8/9/2008 proferido no processo n.º 1713/08-1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.