RECONHECIMENTO DE SENTENÇA PENAL ESTRANGEIRA
Sumário


I – Parece ter sido propósito inequívoco do legislador da Lei n.º 158/15 de 17/9, bem como da Decisão-Quadro comunitária que esteve na origem desta, eximir certas decisões em matéria penal, proferidas por Tribunais de Estados-membros da União Europeia, ao crivo da revisão e confirmação, que, como regra geral, é pressuposto da vigência na ordem interna das sentenças emanadas de Tribunais de Estados estrangeiros.

II - Sendo o requerido cidadão português e residente em Portugal, o reconhecimento e execução pelas autoridades do Estado Português da pena privativa de liberdade em que foi condenado pelas Justiças de Espanha não depende do seu consentimento.

Texto Integral


ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I - Relatório

O Ministério Público junto desta Relação veio, nos termos do disposto nos arts. 1° n° 1, 3° nº 1 al. f), 13°, 14º, 16° nº 1, 20°, 25° da Lei nº 158/2015, de 17 de Setembro, requerer o reconhecimento da sentença penal com vista à execução, em Portugal, da pena de prisão imposta no REINO DE ESPANHA ao cidadão de Nacionalidade portuguesa

A., nascido no dia 18 de Agosto de 1979, em Moçambique, actualmente detido em Estabelecimento Prisional do Reino de Espanha, com última residência em Portugal na Avenida …, Quarteira, com os seguintes fundamentos:

1º Nos termos do art° 5° da decisão-quadro 2008/909/JAI DO CONSELHO de 27 de Novembro de 2008, relativa a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, o Reino de Espanha, Audiencia Provincial de Madrid, Seccion 5ª, solicitou ao Estado Português o Reconhecimento e execução da sua decisão condenatória nº ---/2013, do Processo de Tribunal Colectivo PA ---/2013 ejecutoria 137/2013 ML.

2º Por Acórdão proferido em 11 de Dezembro de 2013, transitado em julgado no dia 26 de Dezembro de 2016, pela Audiencia Provincial de Madrid Seccion 5ª, no âmbito do supra identificado Processo, foi o identificado cidadão português condenado pela prática, como autor, dos seguintes factos:

a)No dia 16 de Maio de 2013, o identificado A. desembarcou no aeroporto de Madrid-Barajas, procedente de São Paulo (Brasil), no voo da companhia aérea Ibéria número IB-6824;

b) Consigo transportava como bagagem de mão uma mala em pele, de cor preta, e da marca primicia, que apresentava dois fundos falsos, nos quais ocultava um total de quatro invólucros de plástico transparente;

c) Após análise, verificou-se que os invólucros continham cocaína em cada um dos mesmos, com os respectivos pesos de 364 gr., 372 gr.. 372 gr. e 392 gr , ou seja um total de 1 500 gr., com uma riqueza correspondente de 77.3%. de 68.7%. de 76.5% e de 71.1 %;

d) Esta substância destinava-se a ser comercializada, sendo apreendida:

e) A venda a retalho da cocaína apreendida teria atingido no mercado ilícito o montante de 156.492.81 euros no retalho e de 59.769.91 na venda por grosso.

3º Por estes factos foi condenado pela prática, como autor, de um crime contra saúde pública de substância gravemente prejudicial, previsto e punido nos art°s 368° e 369º/5 do Código Penal Espanhol, na pena de seis anos e um dia de prisão, na pena de multa no montante de 59.796,91 euros e na pena acessória de inabilitação especial do direito de votar pelo mesmo período.

4º O total da pena de prisão em que foi condenado ascende a 2 191 dias.

5º O crime pelo qual A. foi condenado, é punido na lei do Reino de Espanha com pena de prisão superior a três (3) anos, não obstante a desnecessidade de dupla incriminação – al. e) do nº 1 do art. 3º da Lei nº 158/2015, de 17 de Setembro – os factos imputados integram na lei penal portuguesa um crime de tráfico de estupefacientes pp. pelo art. 21º, nº 1, do decreto-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

6º A pena não se encontra extinta, nem os factos foram objecto de procedimento criminal em Portugal.

7º O identificado cidadão encontra-se privado de liberdade desde 17 de Maio de 2013 em Estabelecimento Prisional do Reino de Espanha, tendo já cumprido, até ao dia 23 de Setembro de 2016 um total de 1.227 dias.

8º O termo da pena encontra-se previsto para o dia 15 de Maio de 2019.

9º O cumprimento em Portugal, da pena de prisão imposta no REINO DE ESPANHA, permitir-lhe-á uma melhor reinserção social.

10° Ao caso presente aplica-se a Lei n° 158/2015, de 17/09, uma vez que a decisão foi recebida depois de 16 de Dezembro de 2015 – cfr. arts. 46° e 47°.

11º Este Tribunal da Relação de Évora é o competente, de harmonia com o estatuído no art.º 13°, n.º 1, da já citada Lei n° 158/2015, cm face da última residência do identificado cidadão nacional em Portugal na Avenida…, Quarteira.

11º Inexistem causas de recusa de reconhecimento – art.° 17° da Lei nº 158/2015.

Nos termos expostos, atento o art. 4° da decisão-quadro 2008/909/.JAI do CONSELHO de 27 de Novembro de 2008 e o disposto nos art°s 13° da Lei n° 158/2015, de 17/09, requer-se que seja reconhecida a sentença condenatória da Audiencia Provincial de Madrid Seccion 5ª, nº ---/2013, do Processo de Tribunal Colectivo PA ---/2013 ejecutoria 137/2013 ML.

Juntou:

- Certidão do acórdão proferido no Processo da Audiencia Provincial de Madrid Seccion 5ª, nº ---/2013, do Processo de Tribunal Colectivo PA ---/2013 ejecutoria 137/2013 ML, a sua tradução e pedido.

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II-Matéria de Facto
Mostram-se provados os seguintes factos:

1 – Por Acórdão proferido em 11 de Dezembro de 2013, transitado em julgado no dia 26 de Dezembro de 2016, pela Audiencia Provincial de Madrid Seccion 53, no âmbito do supra identificado Processo, foi o identificado cidadão português condenado pela prática, como autor, dos seguintes factos:

a)No dia 16 de Maio de 2013, o identificado A. desembarcou no aeroporto de Madrid-Barajas, procedente de São Paulo (Brasil), no voo da companhia aérea Ibéria número IB-6824;

b) Consigo transportava como bagagem de mão uma mala em pele, de cor preta, e da marca primicia, que apresentava dois fundos falsos, nos quais ocultava um total de quatro invólucros de plástico transparente;

c) Após análise, verificou-se que os invólucros continham cocaína em cada um dos mesmos, com os respectivos pesos de 364 gr., 372 gr.. 372 gr. e 392 gr , ou seja um total de 1 500 gr., com uma riqueza correspondente de 77.3%. de 68.7%. de 76.5% e de 71.1 %;

d) Esta substância destinava-se a ser comercializada, sendo apreendida:

e) A venda a retalho da cocaína apreendida teria atingido no mercado ilícito o montante de 156.492.81 euros no retalho e de 59.769.91 na venda por grosso.

2º Por estes factos foi condenado pela prática, como autor, de um crime contra saúde pública de substância gravemente prejudicial, previsto e punido nos art°s 368° e 369º/5 do Código Penal Espanhol, na pena de seis anos e um dia de prisão, na pena de multa no montante de 59.796,91 euros e na pena acessória de inabilitação especial do direito de sufrágio passivo pelo mesmo período.

3º O total da pena de prisão em que foi condenado ascende a 2 191 dias.

4º O crime pelo qual A. foi condenado, é punido na lei do Reino de Espanha com pena de prisão superior a três (3) anos.

5º A pena não se encontra extinta, nem os factos foram objecto de procedimento criminal em Portugal.

6º O identificado cidadão encontra-se privado de liberdade desde 17 de Maio de 2013 em Estabelecimento Prisional do Reino de Espanha, tendo já cumprido, até ao dia 23 de Setembro de 2016 um total de 1.227 dias.

7º O termo da pena encontra-se previsto para o dia 15 de Maio de 2019.

8º O requerido tem nacionalidade portuguesa e residia, antes de preso, em Portugal, na morada sita na Avenida ….- Quarteira.

9º A certidão da decisão condenatória, a que os autos respeitam, foi recebida na Procuradoria-Geral Distrital junto deste Tribunal da Relação, em 11/10/2016

A convicção do Tribunal baseia-se no teor da certidão junta pelo MP, com requerimento inicial.

Relativamente à caracterização da pena acessória em que o requerido foi condenado pelo acórdão a reconhecer, optámos por reproduzir a formulação, que consta da respectiva tradução.

III - Fundamentação Jurídica
A pretensão formulada nos autos pelo MP visa o reconhecimento e execução em Portugal de uma sentença penal condenatória proferida por um Tribunal do Reino de Espanha e fundamenta-se numa certidão emitida pelo Tribunal que a proferiu (Audiencia Provincial de Huelva Sección. 2ª), junta a fls. 7 a 54.

A Lei nº 158/15 de 17/9, que, por força do disposto no seu art. 47º, entrou em vigor 90 dias após a sua publicação, veio introduzir no ordenamento jurídico nacional a figura do «reconhecimento» de decisões judiciais em matéria penal, entre Tribunais de Estados Membros da União Europeia (UE), a qual obedece a um procedimento mais simplificado e depende da verificação de pressupostos menos exigentes que os da tradicional revisão de sentença estrangeira

O objecto deste novo regime jurídico vem definido no art. 1º da Lei nº 158/15 de 17/9, nos termos seguintes:

1 — A presente lei estabelece o regime jurídico da transmissão, pelas autoridades judiciárias portuguesas, das sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas da liberdade, tendo em vista seu reconhecimento e a sua execução em outro Estado membro da União Europeia, bem como do reconhecimento e da execução, em Portugal, das sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas da liberdade tomadas pelas autoridades competentes dos outros Estados membros da União Europeia, com o objetivo de facilitar a reinserção social da pessoa condenada, transpondo a Decisão -Quadro 2008/909/JAI,do Conselho, de 27 de novembro de 2008, alterada pela Decisão -Quadro 2009/299/JAI, do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009.

2 — A presente lei estabelece também o regime jurídico da transmissão, pelas autoridades judiciárias portuguesas, de sentenças ou de decisões que apliquem sanções alternativas à pena de prisão e de sentenças e de decisões relativas à liberdade condicional, para efeitos da fiscalização das sanções alternativas e das medidas de vigilância, tendo em vista o seu reconhecimento e a sua execução noutro Estado membro da União Europeia, bem como o regime jurídico do reconhecimento e da execução em Portugal dessas mesmas sentenças e decisões, com o objetivo de facilitar a reinserção social da pessoa condenada, transpondo a Decisão-Quadro 2008/947/JAI, do Conselho, de 27 de novembro de 2008, alterada pela Decisão–Quadro 2009/299/JAI, do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009.

3 — Não constitui impedimento de transmissão da sentença o facto de, para além da condenação, também ter sido imposta uma multa que ainda não tenha sido paga, e ou uma decisão de perda, estando a execução de tais multas e decisões de perda abrangidas pelo âmbito de aplicação das Leis n.os 93/2009, de 1 de setembro, e 88/2009, de 31 de agosto.

Uma vez remetida pelo Estado da emissão ao Estado da execução a certidão acompanhada da sentença, o reconhecimento e ulterior execução só podem ser recusados, perante a verificação de alguma das causas elencadas no nº 1 art. 17º da Lei em referência:

a)A certidão a que se refere o artigo 8.º for incompleta ou não corresponder manifestamente à sentença e não tiver sido completada ou corrigida dentro de um prazo razoável, entre 30 a 60 dias, a fixar pela autoridade portuguesa competente para o reconhecimento;

b) Não estiverem preenchidos os critérios definidos no n.º 1 do artigo 8.º;

c) A execução da sentença for contrária ao princípio ne bis in idem;

d) Num caso do n.º 2 do artigo 3.º, a sentença disser respeito a factos que não constituam uma infração, nos termos da lei portuguesa;

e) A pena a executar tiver prescrito, nos termos da lei portuguesa;
f) Existir uma imunidade que, segundo a lei portuguesa, impeça a execução da condenação;

g) A condenação tiver sido proferida contra pessoa inimputável em razão da idade, nos termos da lei portuguesa, em relação aos factos pelos quais foi proferida a sentença;

h) No momento em que a sentença tiver sido recebida, estiverem por cumprir menos de seis meses de pena;

i) De acordo com a certidão, a pessoa em causa não esteve presente no julgamento, a menos que a certidão ateste que a pessoa, em conformidade com outros requisitos processuais definidos na lei do Estado de emissão:

i) Foi atempada e pessoalmente notificada da data e do local previstos para o julgamento que conduziu à decisão, ou recebeu efetivamente por outros meios uma informação oficial da data e do local previstos para o julgamento, de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que tinha conhecimento do julgamento previsto e que foi atempadamente informada de que podia ser proferida uma decisão mesmo não estando presente no julgamento;

ii) Tendo conhecimento do julgamento previsto, conferiu mandato a um defensor por si designado ou beneficiou da nomeação de um defensor pelo Estado, para sua defesa, e foi efetivamente representada por esse defensor; ou

iii) Depois de ter sido notificada da decisão e expressamente informada do direito a novo julgamento ou a recurso que permita a reapreciação do mérito da causa, incluindo a apresentação de novas provas, que pode conduzir a uma decisão distinta da inicial, declarou expressamente que não contestava a decisão ou não requereu novo julgamento ou recurso dentro do prazo aplicável;

j) Antes de ser tomada qualquer decisão sobre o reconhecimento e execução da sentença, Portugal apresentar um pedido nos termos do n.º 4 do artigo 25.º, e o Estado de emissão não der o seu consentimento, nos termos da alínea g) do n.º 2 do mesmo artigo, à instauração de um processo, à execução de uma condenação ou à privação de liberdade da pessoa em causa devido a uma infracção praticada antes da sua transferência mas diferente daquela por que foi transferida;

k) A condenação imposta implicar uma medida do foro médico ou psiquiátrico ou outra medida de segurança privativa de liberdade que, não obstante o disposto no n.º 4 do artigo anterior, não possa ser executada em Portugal, em conformidade com o seu sistema jurídico ou de saúde;

l) A sentença disser respeito a infrações penais que, segundo a lei interna, se considere terem sido praticadas na totalidade ou em grande parte ou no essencial no território nacional, ou em local considerado como tal.

O nº 1 do art. 8º, a que se refere o normativo agora transcrito, estabelece:

1 — Desde que a pessoa condenada se encontre em Portugal ou no Estado de execução e tenha dado o seu consentimento, nos termos da legislação nacional, a sentença, ou uma cópia autenticada da mesma, acompanhada da certidão cujo modelo consta do anexo I à presente lei e da qual faz parte integrante, pode ser transmitida, através de qualquer meio que proporcione um registo escrito, por forma a permitir o estabelecimento da sua autenticidade, a um dos seguintes Estados membros:

a)O Estado membro de que a pessoa condenada é nacional e no qual tem residência legal e habitual;

b) O Estado membro do qual a pessoa condenada é nacional e para o qual, não sendo embora o Estado membro onde ela tem residência legal e habitual, será reconduzida uma vez cumprida a pena, na sequência de uma medida de expulsão ou de recondução à fronteira, incluída numa sentença ou decisão judicial ou administrativa, ou de qualquer outra medida decorrente da sentença; ou

c) Qualquer Estado membro, que não os Estados referidos nas alíneas a) ou b), cuja autoridade competente consinta na transmissão da sentença e da certidão.

Ainda com eventual relevo para a questão em apreço, temos a disposição do nº 5 do art. 10º do diploma legal a que nos vimos reportando:

5 — Não é necessário o consentimento da pessoa condenada se a sentença, acompanhada da certidão, for enviada:

a)Ao Estado membro de que a pessoa condenada é nacional e no qual vive.

O nº 1 do art. 3º da Lei nº 158/15 de 17/9 elenca as condutas relativamente às quais não é exigido, para o efeito de se reconhecer a sentença, o controlo da dupla incriminação, desde que puníveis pela lei do Estado de emissão com pena de prisão até um limite máximo superior a 3 anos, sendo a sua al. e) do seguinte teor:

e) Tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.

Por fim, a aplicação no tempo do diploma legal a que nos referimos rege-se pelo seu art. 46º, o qual o torna aplicável às decisões enviadas ou recebidas depois da sua entrada em vigor, mesmo que reportadas a factos anteriores a esta.

Antes de entrarmos na apreciação da pretensão que constitui o objecto do processo, cumpre-nos referir que, se bem interpretamos o normativo em presença, o procedimento de reconhecimento e execução de sentença penal europeia, que imponha pena de prisão ou medida privativa de liberdade, previsto na Lei nº 158/15 de 17/9, não comporta o exercício do direito ao contraditório, mormente, por parte do condenado.

O normativo específico do procedimento em causa (arts. 13º a 21º da Lei nº 158/15 de 17/9) não prevê qualquer acto relativo ao contraditório, sequer na forma mitigada estatuída no nº 7 do art. 10º do mesmo diploma legal, que se aplica aos processos de transmissão, por parte das autoridades portuguesas às de outros Estados-membros, de sentenças penais, que apliquem pena ou medida de conteúdo detentivo.

Não descortinamos norma que seja idónea a operar a extensão do disposto no nº 7 do art. 10º aos processos de reconhecimento e execução de sentença proferida por outro Estado.

No articulado da Lei nº 158/15 de 17/9, inexiste disposição equivalente à do nº 1 do art. 100º da Lei nº 144/99 de 31/8, o qual manda aplicar aos processos de execução de sentença penal estrangeira o procedimento de revisão e confirmação previsto no CPP, o qual se encontra regulado pelos arts. 234º a 240º do mesmo Código.

Ora, afigura-se-nos ter sido propósito inequívoco do legislador da Lei nº 158/15 de 17/9, bem como da Decisão-Quadro comunitária que esteve na origem desta, eximir certas decisões em matéria penal, proferidas por Tribunais de Estados-membros da União Europeia, ao crivo da revisão e confirmação, que, como regra geral, é pressuposto da vigência na ordem interna das sentenças emanadas de Tribunais de Estados estrangeiros.

Não vislumbramos que possa ser oposta ao reconhecimento da decisão condenatória de que o requerido foi alvo, alguma das causas de recusa previstas na lei aplicável.

Em particular, sendo o requerido cidadão português e residente em Portugal, o reconhecimento e execução pelas autoridades do Estado Português da pena privativa de liberdade em que foi condenado pelas Justiças de Espanha não depende do seu consentimento, ainda que da certidão conste a menção de que o requerido solicitou e consentiu no seu envio àquelas autoridades.

Da certidão não resulta que o julgamento, em que foi proferido o acórdão cujo reconhecimento é pedido, tenha decorrido na ausência do requerido.

Uma vez assente que inexistem razões para recusar o reconhecimento do acórdão, importa que tenhamos presentes os poderes, que, ainda assim, assistem ao Tribunal do Estado da execução, quanto ao conteúdo da decisão exequenda e que vêm previstos nos nºs 3 e 4 do art. 16º da Lei nº 158/15 de 17/9:

3 — Caso a duração da condenação seja incompatível com a lei interna, a autoridade judiciária competente para o reconhecimento da sentença só pode adaptá-la se essa condenação exceder a pena máxima prevista para infracções semelhantes, não podendo a condenação adaptada ser inferior à pena máxima prevista na lei interna para infrações semelhantes.

4 — Caso a natureza da condenação seja incompatível com a lei interna, a autoridade judiciária competente para o reconhecimento da sentença pode adaptá-la à pena ou medida prevista na lei interna para infrações semelhantes, devendo essa pena ou medida corresponder tão exactamente quanto possível à condenação imposta no Estado de emissão, e não podendo ser convertida em sanção pecuniária.

Sem embargo de não estar em causa o controlo da dupla incriminação, os factos, por cuja prática o requerido foi condenado, no acórdão a reconhecer, são idóneos a preencher, à face da lei interna, um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º nº 1 do DL nº 15/93 de 22/1, a que é cominada pena de prisão de 4 a 12 anos, pelo que a medida da pena de prisão aplicada ao requerido pelo Tribunal Espanhol não excede o limite máximo das moldura penal enunciada.

Quanto a uma eventual incompatibilidade da pena acessória cominada ao requerido pelo mesmo acórdão com as normas e princípios da lei penal nacional, sempre se dirá que se nos suscitam fortes dúvidas que os procedimentos de reconhecimento e execução de sentenças, entre Estados-membros da UE, para cumprimento de penas de prisão ou outras medidas privativas de liberdade abranjam também as penas acessórias, pois nenhuma referência é feita a estas no articulado da Lei nº 158/15 de 17/9, ao contrário do que sucede no art. 98.º n.º 4 da Lei n.º 144/99 de 31/8, no âmbito da revisão de sentenças estrangeiras.

De todo o modo e abreviando razões, diremos que a pena acessória aplicada, pelo seu conteúdo, recai na previsão do nº 4 do art. 16º da Lei nº 158/15 de 17/9.

Neste ponto, importa ter presente o n.º 4 do art. 30º da CRP, que estatui:

Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.

Tratando-se de preceito respeitante a Direitos, Liberdades e Garantias dos cidadãos, é directamente aplicável e vincula as entidades públicas e privadas (art. 18º n.º 1 da CRP).

Contudo, pode a lei fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos ou profissões (n.º 2 do art. 65.º do CP), como sucede v.g. com os titulares de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, que, no exercício da actividade para que foi eleito ou nomeado, cometer crime que preencha os requisitos exigidos pelo art. 66.º n.º 1 do CP, que pode ser proibido (ou suspenso) do exercício daquelas funções, ou relativamente aos agentes de crimes eleitorais que podem ser inibidos da sua capacidade eleitoral (art. 346.º do CP), ou quanto aos condenados pelos crimes previstos nos arts. 163.º a 176.º do CP, que podem ser inibidos temporariamente do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela (art. 179.º do CP).

Disposição semelhante inexiste quanto aos agentes da prática de crimes como aquele que o requerido cometeu, relativamente ao qual a lei penal portuguesa não prevê a aplicação da pena acessória de inabilitação especial para o sufrágio passivo.

Donde, teremos de concluir que as penas acessórias aplicadas pela sentença a reconhecer e executar não estão previstas e, logo, estão proibidas pelo ordenamento jurídico-constitucional português, razão pela qual não pode ser reconhecida e executada a mesma sentença, na parte em que condena o requerido em quatro penas acessórias de inabilitação especial para o direito de sufrágio passivo durante o tempo da condenação.

A decisão de reconhecimento terá de ser notificada ao MP, entidade requerente, e ao requerido.

Dado que este último se encontra preso em estabelecimento prisional do Reino de Espanha a sua notificação deverá efectuar-se mediante o envio de carta rogatória às Justiças do referido Estado-membro.

IV- Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em deferir o requerido, e, consequentemente, conceder o reconhecimento e execução do acórdão nº ---/2013, do Processo de Tribunal Colectivo PA ---/2013 ejecutoria 137/2013 ML da Audiencia Provincial de Madrid Sección 5ª, contra o requerido A., com excepção da condenação em pena acessória de inabilitação especial para o direito de sufrágio passivo durante o período da condenação.

Para o cálculo do termo da pena de prisão, do seu meio, do terço e dos cinco sextos, será levado em conta todo o tempo de privação de liberdade sofrido pelo requerido, nos termos julgados provados pelo presente acórdão.

Sem custas.

Notifique ao MP e ao requerido, este mediante o envio de carta rogatória às Justiças de Espanha.

Após trânsito, comunique ao Estado da emissão e remeta os autos ao Tribunal competente para a execução - art. 14º nº 1 e 21º al. c) da Lei n.º 158/15 de 17/9.

Évora, 29/11/16 (processado e revisto pelo relator)

(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)

(João Manuel Monteiro Amaro)