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SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
EXECUÇÃO
Sumário
I- A suspensão da instância não é aplicável à acção executiva, já que nesta não há que proferir decisão sobre o fundo da causa, na medida em que o direito que se pretende efectivar já está declarado, não ocorrendo, por conseguinte, o requisito de estar a decisão da causa dependente do julgamento de outra já proposta. II- Se estiver a ser discutido numa acção declarativa pendente, o crédito invocado nesse procedimento deve ser tido como incerto e hipotético e não permite ainda executar qualquer operação de compensação, por não existirem ainda condições para autorizar a execução do património do devedor.
Texto Integral
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
* I – Relatório:
Na presente acção executiva proposta por AA contra BB, o executado interpôs recurso das decisões que se pronunciaram sobre a tempestividade da resposta do exequente, por um lado, e da compensação de créditos e da suspensão da lide, por outro.
*
O recorrente não se conformou com as referidas decisões e as alegações continham as seguintes alegações:
I – O presente recurso tem por escopo o despacho prolatado pelo Juiz 1 da Instância Central, o qual, no âmbito do Proc. nº3306/13.0TBPTM-A, veio (i) julgar tempestiva a resposta apresentada pelo Exequente e Opoído à suspensão da instância peticionada por aquele primeiro, condenando-o em custas, (ii) bem como julgar inadmissível o pedido de compensação efectuado pelo Opoente/ Executado e, em decorrência, indeferir o seu pedido de suspensão da instância por causa prejudicial.
II. A decisão revidenda padece de errada interpretação e aplicação do direito aos dois temas trazidos a apreciação do Tribunal de Recurso, em face das circunstâncias concretas trazidas pela factualidade propriamente dita.
III. No que concerne à tempestividade da resposta apresentada pelo Apelado, sempre se dirá, antes de mais, que não terá razão o Tribunal a quo que o Apelante terá lançado mão de um mecanismo de notificação (o fax) já não admissível à luz da lei considerada pelo mesmo tribunal aplicável.
IV. Tomando em linha de conta que foi entendido pelo Tribunal a quo que se aplicaria a redacção do Código de Processo Civil (CPC) em vigor à data de dedução da oposição à execução, isto é, a redacção anterior à entrada em vigor da Lei nº41/2013, de 26/6, tem-se por apodítico que para a notificação entre mandatários é aplicável o artº 260º-A de tal diploma (e não, como é dito na despacho em crise, o artº 254º, o qual se refere à notificação dos mandatários pelos tribunais), o qual dispunha, no seu n.º 1, que (…) «as notificações entre os mandatários judiciais das partes, nos termos do n.º 1 do artigo 229º-A são realizadas por todos os meios legalmente admissíveis para a prática dos actos processuais, aplicando-se o disposto nos artigos 150º e 152º». (sublinhado nosso).
V. Por sua vez, o nº2 do artº 150º do mesmo diploma, na redacção aplicável, dispunha que (…) «Os actos processuais referidos no número anterior também podem ser apresentados a juízo por uma das seguintes formas: (…) c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do acto processual a da expedição. (…)».
VI. Daqui se retira que em face da lei aplicável, o uso de telecópia (ou fax) é perfeitamente legítimo, como meio de notificação entre mandatários, ao contrário do que veio a ser dito no despacho em crise.
VII. Por outro lado, infere-se da decisão em apreço que, ainda que tal tese pudesse alguma vez soçobrar, a questão da tempestividade da resposta do Apelado ficou ultrapassada com o despacho proferido pelo Tribunal em 12/01/2015, porquanto o teor de tal decisão judicial foi clara a decisão de notificar o Apelado para se pronunciar sobre o teor do despacho, o qual, por sua, vez, se referia justamente à matéria em discussão no requerimento que o Apelante entende ser intempestivo.
VIII. Tal entendimento é incorrecto, porquanto do sobredito despacho de 12/01/2015, resulta que o Tribunal a quo não veio a conceder nenhum novo prazo ao Apelado (até porque tal não é permitido pela lei aplicável, em face do princípio da preclusão e porque a parte contrária não veio sequer peticionar qualquer prorrogação de prazo), visto que o que ali é referido cinge-se à seguinte passagem: (…) «Contudo, impõe-se, antes de proferir qualquer decisão, dar o contraditório ao Exequente (o qual foi notificado do requerimento nos termos do art. 221.º do C.P.C.).» (sublinhado e realce nosso). Ora, daqui parece resultar que o Tribunal a quo não concedeu um novo prazo ao Exequente ora Apelada, antes aguardava pelo fim legal do prazo, contado, obviamente, da notificação levada a cabo pelo mandatário da ora Apelante. Interpretação contrária, originaria a prática de um acto nulo, porque não conforme com a lei aplicável.
IX. Resultará evidente que teve razão a Apelante ao requerer ao Tribunal a quo que julgasse extemporânea a resposta apresentada pelo Exequente, ora Apelado, daí se retirando as devidas consequências legais e, para além de tudo isso, não podendo – como foi – ser condenada em custas pela prática de um ato que, afinal, é absolutamente legal. Impõe-se, pois, que tal decisão venha a ser revogada e substituída por outra conforme a lei aplicável e ainda que determine o não pagamento de custas por parte do ora Apelante, o que se requer.
X. Relativamente à questão da compensação, o Tribunal a quo entendeu pela inamissibilidade do pedido de compensação apresentado pelo ora Apelante, louvando-se no acórdão da Relação do Porto de 28/04/2014, o qual, na parte mais substancial, remete, por sua vez, para o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/03/2013, referindo ambos que a compensação a levar a cabo em sede de oposição à execução só poderá ser efectivada com base em crédito de que já tenha também força executiva, sendo essa a interpretação a dar ao termo “judicialmente exigível” a que se reporta o artº 847º, nº1, al. a) do Código Civil (CC).
XI. Na esteira supra enunciada, o Tribunal a quo acrescentou que (…) estando nós em sede executiva, só podemos aceitar como invocação de contracrédito válido um crédito do executado sobre o exequente judicialmente exigível em sede executiva (isto é, um título executivo certo, exigível e liquido) e não um crédito hipotético do executado sobre o exequente dependente de apreciação declarativa para que possa ser exigível (…)».
XII. Tal interpretação não deverá ser acolhida, mas antes substituída por outra que admita a compensação, como, aliás, veio a ser seguida por vários acórdãos, quer do Supremo Tribunal de Justiça (vide o Acórdão de 14/02/2008, proferido no âmbito do processo n.º07B4401), quer de diferentes Relações, como sejam, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 09/05/2007, de 19/01/2010 e de 3/11/2010; o Acórdão da Relação de Coimbra de 03/12/2009; o Acórdão da Relação de Lisboa, de 19/05/2011, e o Acórdão da Relação de Guimarães de 19/01/2012. Neste último acórdão consagra-se o seguinte sumário: 1. É aplicável o disposto nos arts. 276°, al. c), e 279°. 1 e 3, CPC, à oposição à execução, atenta a sua natureza declarativa, sendo admissível a sua suspensão até ser decidida a acção pendente para apreciação de causa prejudicial ao objecto da oposição. 2. O reconhecimento judicial, prosseguido em acção declarativa pendente, do crédito dado à compensação pelo Executado e por ele invocado na oposição como causa extintiva da obrigação exequenda, constitui questão prejudicial que justifica a suspensão da instância da oposição. 3.A litigiosidade do crédito dado à compensação, resultante de o credor / devedor não aceitar nem reconhecer a existência desse crédito, não pode impedir nem impede a compensação, sob pena de a eficácia desta ficar na total dependência da vontade do sujeito passivo do contra-crédito, o que, na prática, esvaziava de conteúdo este instituto».
XIII. Já após o invocado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/03/2013, veio a ser proferido o Acórdão da Relação do Porto, de 28/06/2013, onde pode ler-se, no seu sumário, na parte aqui relevante, que (…) «A compensação, enquanto facto extintivo das obrigações, constitui fundamento de oposição à execução e, não se baseando esta em sentença, pode ser invocada nos mesmos termos e nas mesmas circunstâncias em que poderia ser invocada no processo de declaração».
XIV. No sobredito Acórdão da Relação do Porto, a respeito do tema do que se deverá entender por “crédito judicialmente exigível”, pode ler-se, na parte que se afigura mais relevante: (…) como resulta do disposto no artº 816º do Código de Processo Civil, o legislador admitiu, nas execuções não baseadas em sentença, a invocação de todos os meios de defesa que seriam admissíveis no processo de declaração, e, portanto, se a invocação da compensação for possível no âmbito de uma acção declarativa, também o será no âmbito de uma acção executiva que não se funde em sentença. Conforme refere Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., pág. 204, “Para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação, é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a
realização coactiva do crédito (contra-crédito) que se arroga contra este” que, mais à frente, acrescenta “Diz-se judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento e à execução do património do devedor … requisito que não se verifica nas obrigações naturais (artº 402º), por uma razão, nem nas obrigações sob condição ou a termo, quando a condição ainda se não tenha verificado ou o prazo ainda se não tenha vencido, por outra”. Ou seja, a obrigação é judicialmente exigível quando o credor puder exigir o seu cumprimento imediato, através de uma acção executiva (se já estiver munido de título executivo) ou (não estando munido de título executivo) através de uma acção declarativa tendente a obter uma sentença que, reconhecendo a existência da obrigação e a sua exigibilidade judicial, condene o devedor ao seu imediato cumprimento. (…) A exigibilidade judicial da obrigação nada tem a ver com a existência de título executivo. (…) a mera inexistência de título não obsta a que a obrigação seja imediatamente exigível, peticionando o respectivo credor, em acção declarativa o seu cumprimento imediato. Do exposto decorre que a obrigação é judicialmente exigível se, em determinado momento, o credor tem o direito de exigir em tribunal o seu cumprimento imediato, através de acção executiva (se estiver munido de título executivo) ou através de acção declarativa (se não tiver título) onde possa obter decisão que, reconhecendo a existência e a exigibilidade da obrigação, condene ao devedor ao seu cumprimento imediato (…)».
XV. A lei aplicável não faz, pois, depender, a compensação do facto do compensando estar judicialmente reconhecido, ou seja, previamente reconhecido em Tribunal. O "crédito judicialmente exigível", para efeitos de compensação, será o crédito susceptível de ser reconhecido em acção de
cumprimento, independentemente de o mesmo ter sido previamente reconhecido em juízo, ou não. Isto é, será todo o crédito que possa ser
reclamado em tribunal, seja em acção declarativa, seja em acção executiva.
Nada indica que o legislador tenha pretendido que o crédito declarado para
compensação já deva ter sido declarado judicialmente. Isso seria fazer equivaler a noção de "crédito exigível judicialmente" à noção de crédito apto a servir de título executivo, o que seria de todo inaceitável.
XVI. Outra interpretação que não esta constitui uma abusiva e errada interpretação da função primordial dos tribunais e do princípio de economia processual, pois se o direito de crédito que o réu declara para compensação estivesse já reconhecido judicialmente, então tê-lo-ia executado judicialmente, não fazendo sentido que estivesse a aguardar a propositura da acção pelo autor para contrapor o seu crédito por compensação!
XVII. Uma tal interpretação seria ainda inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa, ínsito no direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Como, aliás, tem sido concretizado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, o sentido tutelar emergente do parâmetro constitucional do sobredito artº 20º da CRP, impõe que se tenha por vedada «a criação de obstáculos que dificultem ou prejudiquem sem fundamento e de forma desproporcionada o direito de acesso dos particulares aos tribunais em geral”, daí decorrendo, justamente, a proscrição, constitucionalmente determinada, de qualquer regra que «possa diminuir intoleravelmente as garantias processuais do Recorrente, ou implicar um cerceamento das suas possibilidades de defesa que se tenha de considerar desproporcionado ou intolerável (…)».
XVIII. No que concerne ao pedido de suspensão de instância, embora o despacho revidendo não tome qualquer posição concreta do mesmo, fazendo-o decair apenas por decorrência da alegada inadmissibilidade do pedido de compensação, o mesmo raciocínio se aplicará, por decorrência (ultrapassada que estará a questão de saber se é possível e admissível a compensação) à subsequente possibilidade da suspensão da instância declarativa enxertada em qualquer execução (i.e. autos de oposição à execução), por ocorrência de causa prejudicial, como, aliás, tem vindo a ser decidido em vários acórdãos, onde se destacam o já supra citado da Relação de Guimarães de 19/01/2012 e ainda o de 06/11/2012, e em cujo sumário pode ler-se: 1 - O disposto no nº1, 1ª parte do artigo 279.º do CPC não é aplicável à acção executiva, já que nesta não há que proferir decisão sobre o fundo da causa, visto o direito que se pretende efectivar já estar declarado, não se verificando, por isso, o requisito de estar a decisão da causa dependente do julgamento de outra já proposta. 2 – Mantém-se em vigor a jurisprudência do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 1960 que sentenciou no sentido de que «A execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do artigo 284º (actual 279º) do Código de Processo Civil». 3
– Contudo, já é aplicável tal suspensão à oposição à execução, atenta a sua natureza declarativa e sendo admissível a sua suspensão até que seja decidida acção pendente, para apreciação de causa prejudicial ao objecto da oposição».
XIX. Por outro lado, a propósito da mesma suspensão ser admitida em razão de acção interposta subsequentemente à instância cuja suspensão é requerida, decorre do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10/02/2005, processo n.º 898/2005-6, acessível no sítio dgsi.pt., que (…) «A dependência para a suspensão da acção, de outra já proposta, significa que a acção prejudicial já está intentada, antes de se determinar a suspensão e não que tenha de estar proposta antes da acção a suspender. Donde, para se decretar a suspensão da instância por prejudicialidade de uma outra acção é indispensável que esta já esteja proposta, mas não é necessário que o tenha sido em primeiro lugar. A relação de dependência entre uma acção e outra já proposta, como causa de suspensão da instância, assenta no facto de, na segunda acção, se discutir em via principal uma questão que é essencial para a decisão da primeira (…).
XX. À semelhança do que foi dito anteriormente a propósito da compensação, uma interpretação do sobredito artº 279º do CPC, no sentido de que o mesmo não terá aplicação à suspensão dos autos de oposição a execução ou que o mesmo não pode ser interpretado no sentido da causa prejudicial poder ser decorrente de acção intentada em momento posterior àquela cuja suspensão se requer, será forçosamente inconstitucional designadamente por violação do artº 2º (o qual consagra o princípio da segurança jurídica - do qual emanará o princípio da harmonização de julgados - decorrente do princípio do Estado de Direito) e ainda do 20º, ambos da CRP.
XXI. A acção executiva em apreço é baseada em títulos executivos que não uma sentença ou uma injunção com fórmula executória, daqui resultando para o Apelante a possibilidade prevista na lei de exercer os mais amplos direitos de defesa, onde se inclui os admissíveis no processo de declaração.
XXII. Como incidente no respectivo processo de execução e de molde a evitar a penhora, o ora Apelante prestou competente caução através de garantia bancária, encontrando-se a sobredita execução propriamente dita, suspensa nos seus efeitos.
XXIII. Por outro lado, em sede de contestação, o Opoente ora Apelante veio subsidariamente peticionar a compensação de créditos que terá sobre o Opoído, tendo interpelado este último para pagar quantias por este ilegitimamente recebidas e que ultrapassavam, em muito, o montante do pedido executivo.
XXIV. Também em sede própria, o Apelante, teve o ensejo de fundamentar as razões por que a sobredita compensação podia ser arguida e admitida em sede de oposição à execução, encontrando-se, pois, todos os requisitos legais necessários à sua concretização.
XXV. Após ter tido conhecimento de um conjunto de actos de oneração e transmissão de bens por parte do ora Apelado, para defesa dos seus interesses, viu-se o ora Apelante necessitado de intentar a juízo acção com pedido complexo de condenação e de impugnação pauliana contra o ora Apelado e outros – e não como indicado na decisão revidenda, apenas de impugnação pauliana – por forma a garantir o pagamento por banda do ora Apelado da totalidade do valor que entende que este último lhe deve, na importância de €1.296.380,00, a qual corre actualmente os seus trâmites junto da Instância Central de Portimão – 2.ª Secção Cível – Juiz 3, sob o n.º 189/14.1TBPTM.
XXVI. A razão por que o Apelante entende que tal quantia deverá ser paga pelo Apelado, baseia-se na circunstância deste último ter justificado, em sede de Oposição à Execução, o recebimento de tal quantia na celebração de um contrato de mútuo, o qual é manifestamente nulo por falta de forma (1143º do CC), atento o valor mutuado (i.e. €200.000,00). Nulidade essa que deverá ser declarada oficiosamente, à luz do art.º 220.º do CC.
XXVII. Quanto aos efeitos da declaração da nulidade por falta de forma de negócio nulo, tem aplicação o disposto no artº 289º do CC, pelo qual se determina que deverão ser repostas as coisas no estado anterior, com restituição do que houver sido prestado. A essa mesma conclusão chegou o Assento de 28.03.95, publicado no DR n.º 114, I Série-A, de 17.05.95 e, também, disponível no BMJ nº455º, p. 67, actualmente convertido em acórdão uniformizador de jurisprudência, e o qual determina que: «Quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no nº1 do artigo 289º do Código Civil».
XXVIII. Do mesmo pecado (i.e. da nulidade, com as consequências da mesma emergentes e já supra referidas), sofre a pretensa associação em participação invocada pelo Apelado, visto que sendo a mesma concernente à transmissão de um bem imóvel, tal implicaria forçosamente a celebração de uma escritura pública.
XXIX. Tal acção tem também por pedido uma impugnação pauliana, atenta a circunstância de ter chegado ao conhecimento do ora Apelante de que o Apelado veio a transmitir e/ou onerar todos os seus bens conhecidos a terceiros (familiares e amigos).
XXX. Ora, não admitir a compensação peticionada, tal poderá significar o Apelante ver-se na contingência de ter de pagar ao Apelado ainda antes deste último ser condenado a pagar ao Apelante (valor esse que, por se encontrar caucionado por garantia bancária, se encontra totalmente assegurado a favor do Apelado, caso este obtenha vencimento), quando a quantia exigida pelo Apelante ao Apelado constitui um valor bastante superior, ao ponto dos bens objecto de impugnação pauliana não serem sequer suficientes para o pagamento integral de tal quantia. Ora, tal raciocínio afigura-se ser absolutamente iníquo, pois com chamou a atenção Vaz Serra (…), «a compensação baseia-se na conveniência de evitar pagamentos recíprocos quando o devedor tem, por sua vez, um crédito contra o seu credor. E funda-se ainda em julgar equitativo que se não obrigue a cumprir aquele que é, ao mesmo tempo, credor do seu credor, visto que o seu crédito ficaria sujeito ao risco de não ser integralmente satisfeito, se entretanto se desse a insolvência da outra parte» (in Compensação, BMJ n.º 31, p. 137). Ou seja, a interpretação dada pelo juiz a quo ao 847º, nº1, do CC, com o sentido de “crédito exigível judicialmente”, no âmbito da presente oposição à execução, dever ser entendido como implicando a existência de um crédito que já tenha força executiva (i.e., nas palavras da decisão revidenda, um título executivo certo, exigível e líquido), afigura-se ilegal e até inconstitucional, pois tal faz diminuir de forma intolerável e absolutamente desproporcional as garantias processuais de defesa do Apelante.
XXXI. Donde deverão Vossas Excelências considerar admissível a compensação peticionada pelo Apelante e, em sua decorrência, pelas razões supra apontadas deferir a suspensão da oposição à execução por existência de causa prejudicial.
Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, deverão Vossas Excelências dar provimento ao presente recurso de apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, substituindo a mesma por outra que, afinal declare extemporânea a resposta apresentada pelo Apelante e julgue improcedente a condenação do Apelante nas respectivas custas, e, admita o pedido de compensação e suspensão da instância apresentados pelo Apelante. Assim, farão V. Excelências a devida e necessária Justiça».
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Não houve lugar a resposta.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. * II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº4 e 639º, nº1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº2, ex vi do artigo 663º, nº2, do NCPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da:
a) intempestividade da resposta do exequente.
b) compensação de créditos e da suspensão da instância.
c) conformidade da situação com o disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
* III – Factos com interesse para a resolução do recurso:
1) Em 12 de Novembro de 2012, BB deduziu oposição à execução proposta por AA, onde em sede de defesa afirma (39º da petição inicial) «pretende o opoente vir operar a compensação dos eventuais créditos que venha a concluir-se que o opoído detém sobre aquele, com o valor correspondente do crédito que detém sobre o opoído no valor de €1.296.380,00 (um milhão, duzentos e noventa e seis mil e trezentos e oitenta euros)».
2) Em sede de contestação aos embargos, AA afirma que o executado não tem qualquer crédito sobre o exequente (artigos 17º a 22º do articulado).
3) O agora executado funda o seu pedido de suspensão da instância na acção que corre termos sob o nº189/14.1TBPTM, que propôs contra AA, CC, DD, EE, FF e GG, onde, na parte que nos interessa, formulou os seguintes pedidos:
i) Declarar a nulidade por falta de forma do contrato de mútuo constante do documento 4 e, em sua decorrência, condenar os Réus a restituírem ao Autor a quantia de €1.096.720,00, acrescida dos juros de mora legais contados desde a interpelação ao 1º Réu (12/01/2012), até integral pagamento.
ii) Nos termos dos artigos 610º e 615º e para efeitos do artigo 818º, todos do CC, declarar ineficazes relativamente ao A., e na medida dos seus interesses, as hipotecas constituídas pelo 1º Réu a favor do 2º Réu, de hipoteca constituída sobre quatro imóveis e da cessão de quotas de sociedades comerciais.
iii)Nos termos dos artigos 610º e 615º e para efeitos do artigo 818º, todos do CC, declarar ineficazes relativamente ao A., e na medida dos seus interesses, as hipotecas constituídas pelo 1º Réu a favor do 5º e 6º Réus, de hipoteca constituída sobre dois os imóveis.
iv)Nos termos dos artigos 610º e 615º e para efeitos do artigo 818º, todos do CC, declarar ineficazes relativamente ao A., e na medida dos seus interesses, a cessão de uma quota de sociedade comercial, efectuada a favor do terceiro Réu.
v)Nos termos dos artigos 610º e 615º e para efeitos do artigo 818º, todos do CC, declarar ineficazes relativamente ao A., e na medida dos seus interesses, as transmissões de dois veículos automóveis, efectuadas a favor do 4º Réu.
vi)A título meramente subsidiário, e apenas para os efeitos da eventual improcedência do pedido de impugnação pauliana, declarar a nulidade dos referidos mútuos e, consequentemente, das hipotecas constituídas sobre os imóveis acima referidos.
4) Nessa acção, os Réus AA, CC, DD, EE, FF e GG apresentaram contestação (fls. 403-427), sustentam que devem ser absolvidos do pedido e o Autor ser condenado no pagamento de indemnização equivalente a 5% do valor atribuído à lide, a arbitrar à Santa Casa da Misericórdia e multa a fixar, por litigância de má-fé.
* IV – Fundamentação: 4.1 – Da tempestividade da resposta do exequente:
A aplicação no tempo das leis processuais, na falta de regulamentação especial no Código de Processo Civil, deve basear-se nos princípios consignados no artigo 12º do Código Civil.
A questão da aplicabilidade imediata da lei nova só poderá suscitar algumas dificuldades quanto às acções pendentes, devendo distinguir-se entre a «forma dos diversos actos», expressamente submetida a essa lei e a forma ou espécie do processo, a qual deverá manter-se quando isso for indispensável para o aproveitamento dos actos já validamente praticados.
Acresce que, mesmo quanto às leis substantivas que «apenas regulam o modo de realização judicial de um direito», é geralmente defendida a sua aplicação imediata[1][2].
O que significa que, quanto à aplicação no tempo da lei processual civil, a regra é a mesma que vale na teoria geral do direito: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroactiva. Ou, como afirmam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, «a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas às acções que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os actos a realizar futuramente, mesmo que tais actos se integrem em acções pendentes, ou seja, em causas anteriormente postas em juízo»[3].
Porém, e como explica Miguel Teixeira de Sousa, da submissão a esta regra geral exceptua-se, evidentemente, o caso de a lei nova ser acompanhada de normas de direito transitório ou de para ela valer uma norma especial. Ou seja, «da submissão a esta regra exceptua-se, evidentemente, o caso da lei nova ser acompanhada de normas de direito transitório (ou “intemporal”) ou de para ela valer uma norma transitória»[4].
Na situação vertente a lei adjectiva consagra as soluções necessárias à resolução da questão, por via da existência de normativos transitórios. Efectivamente, o disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, aplica-se com as necessárias adaptações, a todas as execuções pendentes à data da sua entrada em vigor (artigo 6º, nº1, da Lei nº41/2013, de 26 de Junho).
No entanto, como excepção a esta regra, previne o nº3 do artigo 6º da citada lei, que «(…) relativamente aos títulos executivos, às formas de processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor».
Para além disso, estabelece o nº4 do citado artigo do diploma que aprova o Código de Processo Civil, que «(…) relativamente aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa apenas se aplica aos que sejam deduzidos a partir da data de entrada em vigor».
A oposição à execução deu entrada em 12 de Novembro de 2012 e a contestação aos embargos está datada de 5 de Dezembro de 2013. No entanto, a questão eminentemente temporal não é decisiva para a compreensão da matéria sub judice.
Na verdade, a disciplina anteriormente estabelecida no Código de Processo Civil não é aplicável in totto a qualquer situação submetida a apreciação do Tribunal mas está circunscrita aos pontos específicos referidos na norma transitória. A matéria das notificações em processos pendentes não está excluída do princípio da aplicação imediata da lei adjectiva aos casos pendentes e não encontra guarida nas excepções anteriormente assinaladas estatuídas no diploma que aprova o Código de Processo Civil.
Além disso, como bem nota o recorrente, à data, a possibilidade das notificações entre mandatários se operacionalizar através do recurso à telecópia já se encontrava salvaguardada na legislação nacional. Na realidade, da interpretação cruzada dos artigos 150º e 260º-A do Código de Processo Civil revogado [a que correspondem os actuais artigos 144º e 255º do Novo Código de Processo Civil], é de firmar posição no sentido que as notificações entre os mandatários judiciais das partes poderiam ser realizadas através do envio por via de telecópia.
Daqui se inferia que o uso de telecópia era perfeitamente legítimo, como meio de notificação entre mandatários. Todavia, o nó górdio da questão não assenta neste segmento do despacho. Com efeito, como consta do despacho recorrido «a questão da tempestividade da resposta do Exequente ficou ultrapassada com o despacho proferido pelo Tribunal em 12/01/2015. No teor de tal decisão judicial, foi clara a decisão de notificar a Exequente para se pronunciar sobre o teor do despacho, o qual, por sua vez, se referia à matéria em discussão no requerimento que o executado ora entende ser intempestivo – a questão da suspensão da lide por pendência de causa prejudicial».
Na realidade, após a prolação desse despacho, no exercício do contraditório, o exequente veio, em tempo, apresentar a resposta ao referido pedido de suspensão da instância, posto que, nessa perspectiva, o Tribunal «a quo» entende razoavelmente que a referida resposta é tempestiva.
O prazo para a tomada de posição conta-se, in casu, da prolação daquele despacho, não porque o uso da telecópia não fosse uma forma adequada para o exercício da notificação à parte contrária, mas antes pela existência de um acto jurisdicional conformador que assim o decidiu e essa decisão judicial não se mostra impugnada por via recursal.
Isto é, mesmo que se entendesse que a decisão judicial não era a mais adequada e acabava por estender o prazo de pronúncia sobre a questão da suspensão da acção executiva, o que é certo é esse acto não foi objecto de recurso directo e faz assim caso julgado formal no âmbito da relação processual estabelecida.
O caso julgado formal consiste em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário (desde logo ou subsequentemente), não podendo a decisão ser impugnada e alterada por esta via[5].
Dito por outras palavras, partindo do princípio que o julgador estava inibido de ordenar a notificação da parte contrária para se pronunciar, o que não se concede, o recurso deveria ter sido interposto dessa primeira decisão e apenas não da deliberação judicial agora colocada em crise.
Desta forma, não padece de qualquer vício o despacho que considerou tempestiva a resposta do exequente sobre o pedido de suspensão da instância.
Em adição, o apelante entende que a condenação em custas é absolutamente ilegal. Por conseguinte, defende que se impõe que se «determine o não pagamento de custas por parte do ora Apelante, o que se requer».
Nos termos do nº8 do artigo 7º do Regulamento das Custas Processuais, com referência à Tabela II anexa, consideram-se procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas.
Desta forma, por se tratar de um incidente anómalo não repugna a tributação em custas nos termos em que foi efectuada [o que já não sucede com o incidente base anteriormente submetido à apreciação do tribunal de primeira instância], posto que, neste segmento decisório se mantém a condenação em causa.
* 4.2 – Da compensação de créditos e da suspensão da instância: 4.2.1 – Da apresentação das pretensões:
O agora executado funda o seu pedido de suspensão da instância na acção que corre termos sob o nº189/14.1TBPTM, que propôs contra AA, CC, DD, EE, FF e GG, onde, na parte que nos interessa, formulou os seguintes pedidos:
i) Declarar a nulidade por falta de forma do contrato de mútuo constante do documento 4 e, em sua decorrência, condenar os Réus a restituírem ao Autor a quantia de €1.096.720,00, acrescida dos juros de mora legais contados desde a interpelação ao 1º Réu (12/01/2012), até integral pagamento.
ii) Nos termos dos artigos 610º e 615º e para efeitos do artigo 818º, todos do CC, declarar ineficazes relativamente ao A., e na medida dos seus interesses, as hipotecas constituídas pelo 1º Réu a favor do 2º Réu, de hipoteca constituída sobre quatro imóveis e da cessão de quotas de sociedades comerciais.
iii) Nos termos dos artigos 610º e 615º e para efeitos do artigo 818º, todos do CC, declarar ineficazes relativamente ao A., e na medida dos seus interesses, as hipotecas constituídas pelo 1º Réu a favor do 5º e 6º Réus, de hipoteca constituída sobre dois os imóveis.
iv) Nos termos dos artigos 610º e 615º e para efeitos do artigo 818º, todos do CC, declarar ineficazes relativamente ao A., e na medida dos seus interesses, a cessão de uma quota de sociedade comercial, efectuada a favor do terceiro Réu.
v) Nos termos dos artigos 610º e 615º e para efeitos do artigo 818º, todos do CC, declarar ineficazes relativamente ao A., e na medida dos seus interesses, as transmissões de dois veículos automóveis, efectuadas a favor do 4º Réu. A título meramente subsidiário, e apenas para os efeitos da eventual improcedência do pedido de impugnação pauliana, declarar a nulidade dos referidos mútuos e, consequentemente, das hipotecas constituídas sobre os imóveis acima referidos.
No requerimento avulso onde pediu a suspensão da instância e a desmarcação da audiência prévia, o embargante afirma que «sendo parte da quantia ali discutida judicialmente, objecto de pedido de compensação peticionado no âmbito dos presentes autos, afigura-se apodíctico que o quanto a decidir no âmbito do sobredito processo nº189/14.1TBPTM será prejudicial à compensação peticionada pelo Opoente e a decidir nos presentes autos, devendo, pois, Vª Exª ordenar a suspensão destes até que se mostre decidida a supra referenciada acção declarativa, nos termos do artigo 272º do CPC».
Relativamente ao processo executivo, é conhecida a divergência jurisprudencial e doutrinal sobre a admissibilidade ou não da suspensão por causa prejudicial. No entanto, é francamente maioritária a corrente de opinião que sublinha que a suspensão da instância não é aplicável à acção executiva, já que nesta não há que proferir decisão sobre o fundo da causa, na medida em que o direito que se pretende efectivar já está declarado, não ocorrendo, por conseguinte, o requisito de estar a decisão da causa dependente do julgamento de outra já proposta[6][7]. Esta linha de pensamento apoia-se na não caducidade da doutrina vertida no Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 1960[8], que firmou jurisprudência obrigatória no sentido de que «a execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do artigo 284º do Código de Processo Civil»[9][10].
A compensação traduz-se num direito potestativo extintivo que tanto pode ser exercido por via extrajudicial ou judicial, por via de acção ou de defesa por excepção, ou por reconvenção, conforme a situação. Logo, a compensação pode ser exercida, em sede de oposição à execução, como facto extintivo da obrigação exequenda e não já de reconvenção, pois esta não é admissível em processo executivo[11][12].
Como adiante mais detalhadamente se debaterá, um dos requisitos da compensação é que o crédito invocado para a compensação seja exigível em juízo e não inutilizado por excepções, ou seja, o crédito daquele que declarar/invocar a compensação não pode ser controvertido, tem de existir de facto, estar judicialmente reconhecido.
No entanto, em sede de oposição à execução é reconhecidamente possível obter esse efeito suspensivo, desde que estejam preenchidos os pressupostos previstos no artigo 272º, nº1, do Novo Código de Processo Civil (artigo 279º do na versão revogada do CPC).
* 4.2.2 – Dos requisitos da suspensão por decorrência de causa prejudicial:
O Tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente de julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer motivo justificado (artigo 272º, nº1, do Novo Código de Processo Civil, a que correspondia o artigo 279º do Código de Processo Civil revogado).
O que importa à qualificação de causa como prejudicial é que ela tenha por objecto: uma questão que constitua um antecedente jurídico — concreto da questão objecto da causa dependente, por postular que ele se resolva antes da decisão final da questão principal; uma questão autónoma, quer no seu objecto, quer mesmo na sua natureza; uma questão necessária à decisão da questão objecto da causa dependente, uma vez que o sentido da sua resolução é elemento condicionante do conhecimento e decisão da questão principal[13].
Na visão de Manuel de Andrade[14] «verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é pura e simplesmente uma reprodução da primeira. Mas nada impede que se alargue a questão da prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discuta a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal».
Alberto dos Reis tem posicionamento teórico similar, referindo que «uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir ou modificar o fundamento ou a razão da segunda»[15], acrescentando que «sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta»[16].
No entendimento de Rodrigues Bastos[17] a decisão de uma causa depende do julgamento de uma outra quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa influir ou modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a solução do outro pleito.
No enfoque de Lebre de Freitas[18] entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada.
Para uma causa ser prejudicial em relação a outra por forma a originar a suspensão desta, é necessário que na primeira se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da outra causa[19].
No ordenamento jurídico nacional é suficiente para justificar a suspensão da instância uma prejudicialidade meramente parcial.
* 4.2.3 – Da extinção das obrigações por via de compensação:
A lei prevê nos artigos 847º e seguintes do Código Civil uma forma de extinção das obrigações que é a compensação. Segundo esta quando duas pessoas estejam reciprocamente obrigados a entregar coisas fungíveis da mesma natureza, é admissível que as respectivas obrigações sejam extintas, total ou parcialmente, pela dispensa de ambas de realizar as suas prestações ou pela dedução a uma das prestações da prestação devida pela outra parte.
A compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma parte à outra (artigo 848º, nº1), mas é ineficaz se for feita sob condição ou termo (artigo 848º, nº2).
Se as duas dívidas não forem de igual montante, a compensação opera-se na parte correspondente (artigo 847º, nº2), sendo certo que a iliquidez de qualquer delas não impede a compensação (artigo 847º, n.º 3).
A compensação é exactamente o meio de o devedor se livrar da obrigação por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor[20].
Os contributos de Vaz Serra em sede de trabalhos preparatórios do Código Civil salientam que «a compensação baseia-se na conveniência de evitar pagamentos recíprocos quando o devedor tem, por sua vez, um crédito contra o seu credor. E funda-se ainda em julgar equitativo que se não obrigue a cumprir aquele que é, ao mesmo tempo, credor do seu credor, visto que o seu crédito ficaria sujeito ao risco de não ser integralmente satisfeito, se entretanto se desse a insolvência da outra parte»[21]. Acrescentando, mais adiante, no seu estudo que a declaração de compensação é um negócio jurídico unilateral, a que pode chamar-se negócio potestativo, porque, por ela, exerce-se um direito potestativo do declarante[22].
Na visão da jurisprudência mais avalizada[23] a compensação tem lugar quando o devedor que seja credor do seu próprio credor se libere da dívida à custa do seu crédito, assentando no princípio de que não há qualquer interesse em efectuar uma prestação a repetir posteriormente em cumprimento doutra obrigação.
Para que seja operacionalizada, a lei exige a verificação de determinados pressupostos, os quais se encontram previstos no artigo 847º, segundo o qual, quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, pode qualquer delas extinguir a sua obrigação por compensação com a obrigação do seu credor, desde que o seu crédito seja exigível judicialmente e não proceda contra ele qualquer excepção, peremptória ou dilatória, de direito material, e que ambas as obrigações tenham por objecto coisas fungíveis do mesmo género e qualidade[24].
É assim comummente aceite que a compensação reveste a natureza de um direito potestativo extintivo que tanto pode ser exercido extrajudicial como judicialmente, seja por via de acção, seja por via de defesa por excepção ou por reconvenção, conforme os casos.
Para além dos requisitos substantivos que o instituto da compensação comporta e que vêm definidos no artigo 847º do Código Civil, é indispensável também que o crédito esgrimido pelo devedor contra o seu credor esteja já reconhecido, pois o processo executivo não comporta a definição do contra – direito, conforme resulta do disposto nos artigos 814º, 816º e 817º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil[25].
A contenda hermenêutica de decifrar se a compensação poderá apenas ser invocada se o contra crédito estiver já reconhecido está muito debatida na jurisprudência. E a solução que foi sendo marcadamente decidida é a de que a compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra crédito sobre o exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição não é legalmente admissível.
Nenhum problema sobrevém se nos autos se o crédito compensante puder ser reconhecido judicialmente nos autos de oposição à penhora ou se essa compensação estiver em condições de ser concretizada através de avaliação a efectuar nos próprios autos de execução.
Todavia, ao invés, a corrente maioritária afiança que só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação. Se estiver a ser discutido numa acção declarativa pendente, o crédito invocado nesse procedimento deve ser tido como incerto e hipotético e não permite ainda executar qualquer operação de compensação, por não existirem ainda condições para autorizar a execução do património do devedor.
A explicação teórica mais ajustada à realidade normativa vigente em território nacional é defendida por Menezes Cordeiro, que salienta que «a exigibilidade judicial implica ainda que o crédito activo esteja vencido. Haverá que lidar, agora, com os diversos factores que ditam o vencimento das obrigações e, designadamente, com os atinentes ao benefício do prazo e à sua perda. Quanto ao crédito passivo: a compensação é possível quando o mesmo possa ser cumprido. Caso exista prazo, ele deverá ter sido estabelecido a favor do compensante.
Tudo isto pressupõe, naturalmente, que as obrigações em presença sejam válidas e eficazes»[26].
* 4.2.4 – Da interligação entre a suspensão da instância por causa prejudicial e a compensação:
Estas são linhas orientadoras básicas do accionamento do instituto da compensação. Aquilo que se devia discutir sobre a compensação apenas deveria ser feito a título incidental, como questão prévia à da suspensão da instância. Na verdade, a decisão relacionada com a compensação propriamente dita e que constituía objecto da oposição por embargos à execução apenas deveria ser realizada no momento próprio que é o da audiência prévia/preliminar onde se discutirão os assuntos plasmados no artigo 591º do Novo Código de Processo Civil (a que correspondia o artigo 508º-A do Código Processo Civil revogado), momento processual onde se poderia conhecer do mérito da causa e alguma excepção peremptória deduzida.
Porém, por antecipação, aquela avaliação foi feita directamente no despacho recorrido e o tribunal «a quo» proferiu decisões contrárias à posição sufragada pelo ora apelante, sendo que a jurisprudência convocada está mais direccionada à solução dos próprios fundamentos dos embargos do que à avaliação do pedido de suspensão da instância devido à existência de causa prejudicial.
É indiscutível que a compensação, enquanto facto extintivo das obrigações, constitui fundamento de oposição à execução e, não se baseando esta em sentença, pode ser invocada nos mesmos termos e nas mesmas circunstâncias em que poderia ser invocada no processo de declaração[27].
Também não oferece dúvidas que a compensação pode também ser exercida em sede de oposição à execução como facto extintivo da obrigação exequenda, mas aqui só pode sê-lo a título de mera excepção peremptória e não de reconvenção, pois esta não é admissível em processo executivo[28][29].
Apoiando-se na jurisprudência vertida no Acórdão da Relação do Porto de 28/04/2014[30] e do Supremo Tribunal de Justiça de 14/03/2013[31] e, bem assim, noutros arestos[32] todos disponíveis em www.dgsi.pt, na óptica do Tribunal «a quo» o que está causa é a «problemática de saber se a compensação só poderá ser invocada se o contracrédito estiver já reconhecido e não careça de ser, nos presentes autos de oposição, reconhecido judicialmente ou se a mesma compensação se admite quando o contracrédito estiver dependente na sua existência do reconhecimento judicial a efectuar nos próprios autos de execução» e, mais à frente, «com efeito, perfilhamos deste entendimento de que estando nós em sede executiva, só podemos aceitar como invocação de contracrédito válido um crédito do executado sobre o exequente judicialmente exigível em sede executiva (isto é, um título executivo certo, exigível e liquido) e não um crédito hipotético do executado sobre o exequente dependente de apreciação declarativa para que possa ser exigível. O crédito invocado por BB, para poder ser apresentado a compensação, não podia carecer, como sucede, de reconhecimento judicial a efectuar nestes autos de oposição. O executado apenas poderia compensar créditos em relação aos quais estivesse em igual condição com o exequente, ou seja, munido de um título executivo que lhe permitisse também obter a realização coactiva da prestação».
Já foi emitida jurisprudência no sentido de que o reconhecimento judicial, prosseguido em acção declarativa pendente, do crédito dado à compensação pelo Executado e por ele invocado na oposição como causa extintiva da obrigação exequenda, pode constituir questão prejudicial que justifique a suspensão da instância da oposição[33].
Porém, a verificação de causa prejudicial suspensiva em sede de oposição à execução por embargos tem que ser analisada em face das circunstâncias do caso concreto, com vista a apurar se, nesses condicionalismos de tempo e modo, estão ou não verificados os respectivos pressupostos exigidos por lei e se a invocada prejudicialidade tem ou não a virtualidade de satisfazer um qualquer interesse legítimo e relevante e se essa intervenção processual implica ou não com a estrutura e a finalidade da acção executiva.
Nesta ordem de ideias, concebe-se a existência de prejudicialidade quando a decisão de uma causa possa afectar e prejudicar o julgamento de outra, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando «na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito, quando a decisão de uma acção – a dependente – é atacada ou afectada pela decisão ou julgamento emitido noutra»[34]. E o mesmo ocorre se uma acção já instaurada se esteja a apreciar uma questão cuja resolução tenha que ser considerada para a decisão da causa em apreço[35].
Apreciados os pedidos deduzidos na acção declarativa aquilo que claramente transparece é que o aqui executado procura obter um título executivo relacionado com a eventual celebração de um contrato de mútuo nulo por falta de forma, a que acresce uma pretensão pauliana.
A acção pauliana visa permitir, ao credor, a impugnação de determinados actos que ponham em perigo a garantia geral dos seus débitos[36][37].
Perscrutados os pedidos deduzidos é de concluir que não existe um nexo de prejudicialidade entre as acções em disputa e a questão discutida na oposição à execução não prefigura uma causa dependente daquela que tem assento no procedimento declarativo.
Nesta dimensão, para além do crédito invocado pelo apelante não apresentar as características de um crédito judicialmente exigível, a proposta de suspensão da instância não visa solucionar qualquer questão prejudicial mas garantir meios destinados a salvaguardar a cobrança de um direito de crédito hipotético, incerto e futuro que não se compadece com a estrutura e as finalidades programáticas da acção executiva.
* 4.2.5 – Síntese recapitulativa:
A compensação visa a extinção recíproca de duas obrigações com os mesmos sujeitos, em que o credor de cada uma delas é, simultaneamente, devedor da outra, traduzindo-se no meio que o devedor tem de se desobrigar perante o credor, quando dispõe contra este de um crédito equivalente.
No caso dos autos, o recorrente suscita a compensação de créditos por via de defesa extintiva, mas por remissão para uma acção que se encontra em curso e cujos pedidos não são típicos de acção de cumprimento, antes assumem uma matriz complexa de natureza anulatória e com um cariz preventivo quanto à garantia patrimonial da prestação do hipotético devedor.
Para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente e, na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva.
Donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa[38], pois permitir que o executado utilize os embargos para através deles, ver reconhecido o seu contra-crédito, seria abrir caminho para entorpecer ou até inviabilizar a sua actividade de cobrança rápida e eficaz de créditos, como é a específica finalidade da execução para pagamento de quantia certa[39].
Na verdade, retornando à lição de Menezes Cordeiro, a exigibilidade como requisito da compensação traduz a necessidade de os créditos em presença possam ser cumpridos. Advoga assim o Professor da Universidade Clássica de Lisboa que «quanto ao crédito activo, isso implica:
– que seja válido e eficaz;
– que não seja produto de obrigação natural;
– que não esteja pendente de prazo ou de condição;
– que não seja detido por nenhuma excepção;
– que possa ser judicialmente actuado;
– que se possa extinguir por vontade do próprio»[40]
E da análise constitutiva destes requisitos verifica-se que parte deles não encontra acolhimento na hipótese em equação, posto que a circunstância do apelante na oposição à execução sustentar ser titular de um contra-crédito sobre o exequente não é aqui legitimada por não reunir os requisitos da imediata exigibilidade judicial.
Assim, se a compensação enquanto facto extintivo da obrigação pode ser invocada pelo executado na oposição/embargos à execução, a mesma para ser operante tem de estar legitimada num contra-crédito já reconhecido judicialmente e não pode estar arquitectada numa acção que não configura uma simples acção de cumprimento.
Desta sorte, não existe motivo válido para ordenar a suspensão da oposição à execução a fim de se obter título executivo numa acção declarativa em curso e cuja finalidade e objectivos extravasam o mero reconhecimento da existência de uma obrigação certa e exigível. * 4.3 – Da invocada inconstitucionalidade:
O recorrente centra essencialmente a sua defesa no artigo 20º da Lei Fundamental. Em seu apoio apresenta jurisprudência constitucional que afirma que «o direito de defesa do réu ou demandado judicialmente, ou o chamado princípio da proibição da indefesa é indiscutivelmente um direito de natureza processual ínsito no direito de acesso aos tribunais, (…) e cuja violação acarretará para o particular prejuízos efectivos, decorrentes de um impedimento ou um efectivo cerceamento ao exercício do seu direito de defesa»[41].
Do princípio do Estado de Direito deduz-se, sem dúvida, a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. Como a realização do direito é determinada pela conformação jurídica do procedimento e do processo, a Constituição contém alguns princípios e normas designados por garantias gerais de procedimentos e de processo[42].
Neste conspecto, na parte que interessa ao presente dissídio, «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos» (nº1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa) e «todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo (nº4 do referido artigo).
O direito de acesso aos tribunais compreende ou concretiza-se, desde logo, também através do direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas. Este direito é uma dimensão ineliminável do direito a uma tutela judicial efectiva. Os litigantes num processo judicial em andamento têm o direito de obter do órgão jurisdicional competente uma decisão dentro de prazos legais pré-estabelecidos ou, no caso de não estarem fixados na lei, de um lapso temporal e adequado à complexidade do processo (artigos 20º, nº4, da Constituição da República Portuguesa e 2º, nº1, do Código de Processo Civil).
O direito a um processo sem dilações indevidas, entendido como direito constitucionalmente consagrado, seja com carácter autónomo seja como dimensão constitutiva do direito à tutela jurisdicional, pertence a todos os particulares que sejam parte num processo judicial e tem por destinatário passivo todos os órgãos do poder judicial.
A garantia da via judiciária entende-se a «todas as situações juridicamente protegidas»[43]. O direito de acesso à justiça é uma emanação indissociável ao Estado de Direito. Não se pode falar, absolutamente, em Estado Democrático de Direito sem que se garanta aos cidadãos, na sua plenitude, a possibilidade de, em igualdade de condições, socorrer-se dos tribunais para tutelar as respectivas posições jurídicas subjectivas. Cuida-se do direito geral de protecção jurídica, cujo asseguramento é dever inarredável do Estado para com os cidadãos sendo, ainda, uma imposição do ideal democrático[44].
Enquanto portadores de uma dimensão constitutiva do direito à protecção jurisdicional, na doutrina constitucional são habitualmente identificados como direitos fundamentais processuais os seguintes: direito de acesso aos tribunais, à igualdade no processo, à independência e imparcialidade do tribunal, direito à publicidade do processo, à fundamentação das decisões, ao contraditório, direito à prova, ao recurso, à prolação de uma decisão dentro de um prazo razoável; direito à efectividade material e à estabilidade da decisão judicial.
A interpretação da constituição deve ser conforme aos princípios. Na proposição de Castanheira Neves[45] na «“interpretação conforme aos princípios” passa-se verdadeiramente da especificante ratio legis à fundamentante ratio iuris, acrescentando o autor que «poderá concluir-se que a preferência a conceder aos fundamentos normativos constitutivos, ou aos princípios normativos-jurídicos fundamentantemente constitutivos do sistema de juridicidade contra as normas que naquele sentido (da validade normativo-jurídico que não de legitimidade político-jurídico) havemos de ter por arbitrária».
Cumpre, assim, apreciar, se, em concreto, ocorre a violação de um dever processual fundamental.
Em primeiro lugar, não existe no texto constitucional uma imposição que um determinado direito ou interesse legalmente protegido possa e deva ser efectivado por via da declaração de uma causa prejudicial e que isso «possa diminuir intoleravelmente as garantias processuais do recorrente ou implicar um cerceamento das suas possibilidades de defesa que se tenha por desproporcionado ou intolerável».
Depois, aos Tribunais comuns e ao Tribunal Constitucional compete, apenas, apreciar se este critério normativo é ou não desconforme a normas ou princípios constitucionais, designadamente, ao invocado nº1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. Não lhe cabe, por ser matéria que já respeita à aplicação do direito ordinário, saber se esta interpretação é a mais correta do ponto de vista infraconstitucional.
Em acréscimo, não se encontram sinais de qualquer arbitrariedade ou desproporcionalidade na construção da norma presente no artigo 272º do Código de Processo Civil ou a existência de desconformidade de qualquer outro artigo convocado na decisão com a Lei Fundamental.
Esta conclusão não implica nem contende com o direito de acesso aos tribunais, mormente, em termos de tutela jurisdicional efectiva dos respectivos direitos em sede e momento próprios, visto a garantia processual em análise não ser ilimitada ou absoluta, permitindo-se ao legislador ordinário alguma margem na definição e enunciação dos pressupostos processuais que são exigidos para ordenar a suspensão do processo por determinação do juiz.
Nesse horizonte interpretativo, a não suspensão de uma causa não constitui a criação de um obstáculo que dificulte ou prejudique sem fundamento e de modo desproporcionado o direito de acesso dos particulares aos tribunais em geral, sendo que, adicionalmente, essa interpretação de conformidade deve ser doseada também com a natureza do processo (no caso o processo executivo) e com os valores objectivamente em disputa na lide processual.
Em abono da verdade, quer na acção de anulação e de impugnação pauliana, quer na presente oposição à execução por meio de embargos – apesar desta ser a única que tem interesse aferir –, o agora recorrente beneficiou sem qualquer limitações de todas as garantias e prerrogativas processuais que estão confiadas no direito adjectivo.
Aquilo que a sua posição processual indiscutivelmente descreve é que a prejudicialidade invocada não é de cariz eminentemente processual mas assume a configuração de meio cautelar tendente à protecção de direitos patrimoniais e económicos. E estes não estão abrangidos pela factispecies normativa.
Aliás, em contraponto, a suspensão da instância é que emerge como um fenómeno anormal do processo, perturbadora do seu curso e, em abstracto, seria essa paralisação da tramitação dos autos que poderia conflituar com o direito de acesso aos tribunais que a nossa Lei Fundamental consagra (artigo 20º da Constituição da República Portuguesa).
No fundo, aquilo que o apelante pretendia era uma preferência no tratamento jurisdicional da causa que entende ser prejudicial à da execução, mas que na teoria do direito processual civil não reúne esse predicado. Mais não existe qualquer segurança de qual seja o resultado dessa acção e esta não se funda numa acção de cumprimento mas, antes como já se disse, visa a obtenção da nulidade de um contrato de mútuo e de, assim, se for o caso, sucessivamente, reagir contra actos do devedor que aparentemente diminuem a garantia patrimonial de um crédito patrimonial ainda não reconhecido e que sem que essa acção paralela tenha qualquer reflexo imediato na extinção do crédito reclamado pelo exequente.
Deste modo, entende-se que a não suspensão da instância não atinge qualquer valor constitucional relevante, ao nível do direito de acesso à jurisdição, no sentido de que cria obstáculos intoleráveis à posição jurídica defendida pelo apelante.
* V – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedentes os recursos interpostos, mantendo-se as decisões recorridas.
Custas a cargo da apelante nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
*
(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº5, do Código de Processo Civil).
*
Évora, 30/11/2016
José Manuel Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
__________________________________________________
[1] Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, pág. 23.
[2] Vaz Serra, Revista de Legislação de Jurisprudência, ano 102º, pág. 189.
[3] Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra 1985, pág. 47.
[4] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa 1996, págs. 15-16.
[5] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra 1976, pág. 303
[6] José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, pág. 545.
[7] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14/10/2004, 31/05/2007 e 27/01/2010 e do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/04/2005, todos in www.dgsi.pt.
[8] A doutrina do Assento, agora transformado em acórdão uniformizador de jurisprudência, face ao estatuído no artigo 17º, nº2, do DL nº329-A/95 de 12/12, mantém-se em vigor, dado não caducar pelo simples facto de ser revogada a legislação vigente quando foram proferidos: se essa legislação foi substituída por outra que contenha textos idênticos, não havendo razões para excluir que o sentido dos novos textos seja igual ao dos antigos, a doutrina do assento será de manter e de considerar em vigor. Neste sentido, podem consultar-se Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência ano 96, pág. 366 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/93, CJ ano I, tomo I, pág.59 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/02/2011, in www.dgsi.pt.
[9] Boletim do Ministério da Justiça nº97º–173.
[10] Também para Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., págs. 281-282, mantém actualidade o assento do STJ de 24/05/1960.
[11] Lebre de Freitas, in A Acção Executiva (Depois da Reforma), 4ª edição, págs. 178-179.
[12] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/04/2012, in www.dgsi.pt.
[13] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29/06/2010, in www.dgsi.pt.
[14] Lições de Processo Civil, págs. 491 e 492.
[15] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, págs. 268-269.
[16] Alberto dos Reis, obra citada, pág. 206.
[17] Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 42.
[18] Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra 1999, pág. 279.
[19] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/07/2000, in www.dgsi.pt.
[20] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, pág. 197.
[21] Compensação, Boletim do Ministério da Justiça nº31, págs. 13-14.
[22] Obra citada, pág. 137.
[23] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/11/2009, in www.dgsi.pt.
[24] Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 6ª edição, pág. 200.
[25] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/06/2007, in www.dgsi.pt.
[26] Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário, Almedina, Coimbra 2003, pág. 113.
[27] Acórdão da Relação do Porto de 28/06/2013, in www.dgsi.pt.
[28] Lebre de Freitas, A Acção Executiva (depois da reforma), 4ª edição, págs. 178-179.
[29] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/04/2012, in www.dgsi.pt.
[30] A questão está muito debatida na jurisprudência e a solução que foi sendo uniformemente decidida é a de que a compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra-crédito sobre o exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível. «Para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente. Este reconhecimento pode ocorrer em simultâneo na fase declarativa do litígio, contrapondo o réu o seu crédito, como forma de operar a compensação. Na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva. Donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa. Só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação, pelo que estando o crédito que a ré apresentou na contestação como sendo compensante a ser discutido numa acção declarativa pendente, deve o mesmo ser tido como incerto, hipotético, não dando direito ainda a acção de cumprimento ou à execução do património do devedor. Tal crédito não é, pois, exigível judicialmente, pelo que não pode ser apresentado a compensação».
[31] No âmbito da oposição à execução [a compensação] (i) só pode ser invocada a título de excepção peremptória – e não de reconvenção, por esta ser inadmissível em processo executivo – e (ii) só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva, ou seja, que seja judicialmente exigível, pois o processo executivo não comporta a definição do contra-crédito.
[32] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27/11/2003, de 18/01/2007, de 22/06/2006, de 14/12/2006 e de 29/03/2007, in www.dgsi.pt.
[33] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/01/2012, in www.dgsi.pt.
[34] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/09/1993, in www.dgsi.pt.
[35] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/07/2003, in www.dgsi.pt.
[36] Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. II, 1ª ed., reimpressão, pág. 488.
[37] Na formulação de Luís Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, pág. 80, «a impugnação pauliana consiste na faculdade que a lei confere a cada credor de reagir contra actos do devedor que diminuem a garantia patrimonial do crédito, ou seja, o património do devedor, em seu prejuízo».
[38] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/04/2014,
[39] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27/11/2003 e de 14/12/2006, e Do Tribunal da Relação do Porto de 07/05/2015, in www.dgsi.pt.
[40] Menezes Cordeiro, Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário, pág. 115.
[41] Acórdão do Tribunal Constitucional nº508/2002, in www.tribunalconstitucional.pt.
[42] Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Almedina, Coimbra 1992, pág. 388.
[43] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição revista e ampliada, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra 1984, pág. 180.
[44] Ronnie Preuss Duarte, Garantias de Acesso à Justiça – Os direitos processuais fundamentais, Coimbra Editora, Coimbra 2007, pág. 330.
[45] Metodologia jurídica, Stvdia Ivridica, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, pág. 188.