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PODERES DO JUIZ
MATÉRIA DE FACTO
TEMAS DA PROVA
Sumário
I - O artigo 15.º, n.º 3, do Regime do Arrendamento Rural, não é norma imperativa, já que «nada obsta à validade da cláusula, contida em contrato de arrendamento, segundo a qual as benfeitorias realizadas pelo arrendatário não lhe dão direito a qualquer indemnização». II - Assim, por maioria de razão nada obsta a que as partes acordem que no termo do contrato as benfeitorias revertam para o prédio arrendado. III - Constando da cláusula 8.ª do contrato de arrendamento, o uso da expressão termo do contrato, entende a Autora que tal se refere ao período inicial da respectiva duração, posto que, só decorrido o mesmo teria recuperado o respectivo investimento; enquanto as Rés/reconvintes, consideram que tal se refere à cessação do contrato, já que pedem que, se decretada a resolução, fique determinado que o valor do investimento reverte efectivamente para a terra, sendo insusceptível de reembolso. IV - Deste modo, por ser matéria controvertida, cumpre apurar os factos alegados dos quais resulte o sentido de tal declaração negocial. V - Tendo na audiência preliminar sido considerados temas de prova, no caso, os factos essenciais que cumpre apurar e que respeitam, no fundo, à intenção subjacente à cláusula 8.ª do contrato de arrendamento, relevantes para a respectiva interpretação, e consequentemente para a decisão respeitante à alínea c) do pedido reconvencional, que não mereceram qualquer resposta quer na matéria de facto provada quer na não provada, deve a decisão proferida em primeira instância ser anulada, para ampliação da matéria de facto.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]:
I – RELATÓRIO 1.Sociedade AA, Lda, instaurou a presente acção declarativa contra BB, CC e DD, peticionando a declaração de anulação parcial e a consequente redução, com efeitos retroactivos, do contrato de arrendamento rural da Quinta da … celebrado em 27 de Setembro de 2000 entre a Autora e as Rés, e em consequência ser: i) Fixada a renda anual na quantia de 4 344,00€; e ii) Imputada, no pagamento das rendas entretanto vencidas e vincendas, a quantia de 8 244,00€, paga em excesso pela Autora desde o início do contrato.
Em fundamento, alegou, em síntese, que celebrou com as Rés um contrato de arrendamento rural da Quinta da …, pelo período de 20 anos, com vista à plantação de vinha em 7 hectares do terreno, tendo ficado convencido desse facto por lhe ter sido exibido pelas Réus uma licença do Instituto da Vinha e Vinho que referia que a Quinta obtivera licenciamento para plantação numa área de 8 hectares, mas que, afinal, tal não correspondia à verdade; actuou convencido que podia efectuar uma plantação de vinha em 7 hectares daquele terreno e aceitou pagar a renda anual de 1 500,00€ para os primeiros quatro anos, e de 6 000,00€ para os restantes, nesse pressuposto; se soubesse que só podia efectuar uma plantação de 5,07 hectares de vinha não teria celebrado o contrato nos precisos moldes em que este foi celebrado.
2. Regularmente citadas, as Rés contestaram a acção aduzindo, em suma, que não foi dado de arrendamento todo o prédio denominado Quinta da … mas apenas a vinha existente no mesmo, refutando também que a Autora tenha sido induzida em erro porquanto a vinha existente no local estava implantada em 7 hectares, a qual a Autora arrancou, e quando efectuou a replantação não o fez em toda a extensão anterior, aplicando cerca de 2 hectares daquele terreno em caminhos, cais de carga, viveiro e uma porção de área com terra.
E deduziram Reconvenção, na qual pedem: i) a redução do negócio por ter sido intenção das partes arrendar apenas a vinha ou, se assim não se entender, pedem a rectificação dos artigos 1 e 2 do acordo; ii) a resolução do contrato de arrendamento rural por falta de pagamento de rendas dos anos de 2008 e 2009, acrescido de juros de mora, condenando-se no seu pagamento, sem prejuízo da possibilidade prevista no artigo 12.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 385/88, se ficar determinado que o valor do investimento efectuado pela Autora reverte para a terra, sendo insusceptível de reembolso por força da resolução do contrato.
3. A autora replicou, impugnando os factos alegados pelas RR. e aduzindo que a falta de pagamento das rendas deveu-se ao facto das partes terem entrado em negociações quanto ao valor das mesmas, uma vez que, se a alteração das rendas tiver efeito retroactivo ao início do contrato resultará um crédito de rendas com dispensa de pagamento do correspondente valor. Mais invocaram que o investimento só reverterá para a terra no termo do contrato.
4. As Rés/reconvintes apresentaram requerimento para desistência da instância quanto ao indicado pedido de resolução do contrato de arrendamento rural por falta de pagamento de rendas, ao qual a Autora deduziu oposição.
5. Na audiência prévia, as Rés apresentaram requerimento de ampliação do pedido com base na falta de pagamento das rendas que se venceram nos anos 2010 a 2013, ascendendo, desse modo, as rendas em dívida ao montante de 36 000,00€, e nas que se forem vencendo, acrescidas de juros de mora, o qual foi liminarmente admitido; foi proferido despacho saneador; foi admitida a reconvenção deduzida e não foi admitida a referida desistência da instância; procedeu-se à identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, designando-se logo dia para a audiência de julgamento.
6. A requerida ampliação do pedido foi admitida, e foi indeferida a ampliação do pedido que entretanto havia sido formulada pela Autora.
Face ao óbito da Ré BB foram habilitados como seus herdeiros João Manuel de EE, DD e CC.
7. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi seguidamente proferida sentença com o seguinte segmento decisório: «julgo a acção improcedente por não provada e, em consequência decide-se:
a) Absolver as Réus do pedido. Julgar a reconvenção parcialmente, procedente, e em consequência decide-se: b) declarar a resolução do contrato de arrendamento rural celebrado entre a Autora e a Rés e condenar e Autora/Reconvinda a entregar o locado. c) Condenar a Autora/reconvinda a pagar às Réus/Reconvintes a quantia de €36.000,00, relativas às rendas dos anos de 2008 até 2013, e as rendas vencidas até à presente data, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%. d) Absolver a Autora/Reconvinda do demais pedido».
8. Inconformados, a Autora e as Rés recorreram da sentença, formulando, em síntese adaptada do respectivo texto, as seguintes conclusões: 8.1. Da Autora: A interpretação vertida na decisão recorrida e a tese sufragada pela Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo”, não se nos afigura aceitável desde logo pelos manifestos erros de facto e incorreta interpretação da prova produzida como não provados constantes das alíneas a), b) e e). Não se consegue descortinar qual a ponderação, qual a regra da experiência seja negocial ou de vida, o conhecimento do homem comum ou médio que leva a Autora a outorgar um contrato de arredamento rural para explorar a área que consta do mesmo, ou seja, 7 hectares de área útil de vinha, e em função da mesma (área) negociar uma renda útil da vinha é de 5.3915; a área de um qualquer contrato de arrendamento rural não é um elemento essencial do mesmo? Um terço da área (2 hectares) (7 hectares) não é um elemento essencial do mesmo? Aliás, é o próprio Tribunal “a quo” que concretiza essa essencialidade; mas ao ao arrepio dessa prova documental, do depoimento das testemunhas e do acordo das partes, tal matéria consta nas alíneas a) e b) dos factos não provados. Não vislumbramos outra resposta, que não seja a sua essencialidade, atento o consta do artigo 4.º, devendo a referida matéria ser dada como provada.
O mesmo acontece relativamente à matéria da alínea e) que devia ser considerada provada, não se compreendendo que se dê como provado que a Autora fez investimentos no tratamento e melhoramento da parcela de terreno onde está implantada a vinha; A Autora procedeu ao arranque da vinha existente e criou acessos de ruas de trabalho às parcelas a vinha, quer interiores quer circundantes da vinha, furo, e cais de carga, e que a área útil da vinha é de 5.3915 hectares, e não se dê como provado, em face do depoimento das testemunhas e do que refere ainda a sentença que o valor do investimento foi com orçamentos elaborados e documento de fls 24, que não foi impugnado. Como é que apareceu aquele investimento? Por que motivo consta do imobilizado da Autora esse valor, não impugnado pelas Rés e, de repente o Tribunal ignora!
Depois de formular conclusões relativas à essencialidade do erro, conclui que deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência a sentença recorrida ser revogada, e declarada a procedência da acção. 8.2. Das Rés:
«Foram violados por erro de interpretação os artigos 15º nº3 do D-Lei 385/88, 607º nº4, 615º nº1 b), 662º nº1 e nº2 b) do CPC, 123º do CIRC, 236º, 237º, 238º, 239º e 334º do CC e cláusula 8ª do contrato de arrendamento. a) Requerem seja declarada a nulidade da aliás douta sentença na parte de que se recorre, baixando o processo à Primeira Instância a fim da falta de fundamentação ser sanada; b) Requer a alteração da matéria de facto com a anulação do Ponto 13 da douta sentença; c) Requer a alteração da aliás douta sentença e sua substituição por outra que conceda total provimento ao Pedido Reconvencional das ora recorrentes».
9. Não foram apresentadas contra-alegações.
10. No despacho em que recebeu os recursos, a Senhora Juíza considerou que não se verificam as arguidas nulidades da sentença.
11. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[2], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistos os autos, atenta a respectiva ordem lógica de apreciação, as questões a apreciar no presente recurso, consistem em saber se:
- se verifica a arguida nulidade da sentença recorrida;
- deve ser reapreciada a indicada matéria de facto; e,
- as inerentes consequências de direito dessa decisão.
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III – Fundamentos III.1. – De facto
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1 – A autora é uma sociedade civil que se dedica à produção agrícola e pecuária e a prestação de serviços de assistência técnica agrícola e vinícola.
2 - Encontra-se registada, pela apr…. de 2001/06/28, a aquisição, a favor de BB, CC e DD, o prédio misto denominado Quinta da …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n.º …/20010628 da freguesia de São Lourenço e inscrito na matriz cadastral sob o artº. … da secção … e a parte urbana sob o artº. … da freguesia de São Lourenço, concelho de Setúbal e descrito sob o nº. …/20010628 da dita freguesia e concelho.
3 - No dia 27 de Setembro de 2000, a Autora a Sociedade AA, Lda, como segunda outorgante, e as Rés BB, CC e DD, como primeiras outorgantes, celebraram por escrito denominado contrato de arrendamento rural, junto aos autos a fls. 20 a 22.
4 - Nos termos desse acordo ficou estipulado, além do mais, que:
“ (…) 1º. As primeiras outorgantes são comproprietárias do prédio rústico denominado quinta da …, inscrito na matriz cadastral sob o artº. … da secção “…” da freguesia de São Lourenço, concelho de Setúbal.
2º. As primeiras outorgantes dão de arrendamento à segunda o prédio identificado na cláusula primeira.
3º. O prédio arrendado destina-se à exploração agrícola de vinha e demais práticas culturais decorrentes e a recolha final do produto.
4º. As primeiras outorgantes autorizam, desde já, a segunda outorgante a plantar, por sua conta, vinha que poderá ocupar 7,00 hectares de terreno.
5º. As licenças necessárias para a referida plantação já existem em nome das proprietárias do terreno.
6º. O arrendamento é feito pelo prazo de 20 anos, com inicio em 1 de Janeiro de 2000. (…)
7º. a) A renda anual de 300.000$00 (trezentos mil escudos) até ao final do quatro ano de exploração é de €1200.000$00 (um milhão e duzentos escudos) a partir dessa data.
b) A renda será actualizada anualmente de acordo com as tabelas estabelecidas por Portaria do Ministério das Finanças Agricultura, Pescas e Alimentação para a região agrícola em causa.
c) A renda será paga no domicílio das Senhorias até ao dia 23 do mês de Dezembro do ano que respeita.
8º. Para instalação da vinha e até à entrada em plena produção a segunda outorgante fará um investimento estimado em 30000000$00 (trinta milhões de escudos) o qual não será reembolsável pelas primeiras outorgantes no termo do contrato de arrendamento, revertendo a favor da terra. (…)”
5 – No decurso das negociações as Rés apresentaram à Autora uma licença do instituto da Vinha e do Vinho da qual constava que a Quinta obtivera licenciamento para plantação até 8 hectares de terreno.
6 – No decurso das negociações o gerente da Autora deslocou-se, por várias vezes, ao local da vinha.
7 - O período de duração de 20 anos foi proposto pela Autora por forma a retirar frutos do locado que permitissem recuperar o investimento com a plantação da vinha.
8 – A implantação da vinha decorreu em três fases, num período que teve início em 2000 e terminou em 2005.
9 - No ano de 2003/2004, a Autora, no decurso da plantação da vinha, efectuou um levantamento topográfico da parcela de terreno destinada à vinha e perante este constatou que a área era inferior à que constava do acordo celebrado com as Réus.
10 - A Autora enviou às Réus, uma carta datada de 18/06/2009, junta a fls. 26 a 27, que se dá por reproduzida, da qual consta além do mais, que “ vimos pela presente (…) requerer a Vxas a redução da renda anual a pagar ao abrigo do contrato de arrendamento rural (…) verificou a arrendatária que, contrário do que foi levada a crer no momento da assinatura do contrato, o prédio identificado não permite plantação de 7 hectares de vinda (…) ”.
11– A Autora enviou às Rés uma proposta de acordo de 29/01/99, junta a fls. 76 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos da qual se faz menção a uma área de vinha de 6,5 hectares e as rendas propostas ascendem às quantias, então, 300.000$00 e 1200.000$00.
12 – Foi a Autora que redigiu e elaborou a contrato de arrendamento outorgado no dia 27/09/2000.
13 – A Autora fez investimentos no tratamento e melhoramento da parcela de terreno onde está implantada a vinha.
14 – A Autora procedeu ao arranque da vinha existente no local e cultivou vinha nova, criou acessos de ruas de trabalho às parcelas a vinha, quer interiores quer circundantes da vinha, furo, e cais de carga.
15- A área útil da vinha é de 5.3915 hectares.
16 – A destinada à vinha no prédio com inclusão da área de vinha, área afecta à vinha, cais de carga, casa do furo, e arruamentos é de 6,8887 hectares.
17 – A Autora e as Rés aquando das conversações negociaram e pretendiam dar de arrendamento apenas a área da vinha.
18 - A Quinta da … é constituída por parcelas de terras e casa de habitação e logradouro, onde viveram os avós e pais das Rés e ao longo dos anos estas e as suas famílias.
19 - Existe ainda uma área constituída por cavalariça e palheiro utilizadas pelos Réus.
20 -No período compreendido entre 2008 a 2013 a Autora não pagar a contrapartida anual nem as que se venceram até à presente data.
E foram considerados não provados os seguintes factos:
a) A Autora teria celebrado o contrato de arrendamento se soubesse que na Quinta da … apenas podia plantar 5,07 hectares da vinha, com um valor de renda anual mais baixo.
b) - A Autora aceitou vincular-se ao pagamento de uma renda anual de €1500.00 para os primeiros quatro anos de vigência e de €6000,00 para os restantes os restantes tendo em conta a possibilidade de plantar no locado 7 hectares de vinha.
c) - A autora iniciou a exploração sem nunca questionar as informações transmitidas pelas Rés.
d) A Autora procedeu à medição da vinha antes da celebração do acordo.
e) A implantação da vinha obrigou a investimentos adicionais no prédio suportados pela Autora no valor de €221.164,08.
f) - A vinha existente estava implantada numa área que tinha 7 hectares.
g) – Depois de efectuar o arranque da vinha velha a área disponível era de 7 hectares.
h) - A área que era vinha e foi utilizada pela autora com caminhos, cais de carga, viveiro área de terra é perto de 2 hectares.
i) - A renda acordada foi proposta pela Autora.
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III.2. – O mérito do recurso III.2.1. – Da nulidade da sentença
Invocaram as Rés a nulidade da sentença alegando existir não só uma omissão na indicação, como provados ou não provados, dos factos constantes dos pontos 16 e 17 do despacho saneador, bem como uma ausência de exame crítico das provas relativamente a factos objecto de prova, que levaram à falta de fundamentação da decisão, procedendo ao enquadramento da nulidade arguida no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
Dispõe actualmente o referido preceito legal - na redacção que, como dito supra é a aplicável ao presente recurso, posto que a acção deu entrada em juízo posteriormente a 1 de Janeiro de 2008 e a sentença foi proferida posteriormente a 1 de Setembro de 2013 -, que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Trata-se neste preceito do dever de fundamentação da sentença, que é causa de nulidade desta, e que não deve confundir-se - mas na realidade frequentemente confunde-se -, com o dever de motivação da matéria de facto, a que se refere o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, de acordo com o qual «o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas», nos termos ali melhor especificados.
Ora, «[a] omissão total ou parcial da análise crítica e/ou de motivação, gera uma nulidade processual secundária (preterição de formalidade exigida por lei) com previsão no artigo 195.º, porquanto com manifesta «influência no exame ou na decisão da causa» que a lei sujeita, todavia, ao regime especial de arguição dos artigos 149.º, 195.º e 199.º»[3]do CPC. Assim sendo, a sua existência deve ser arguida no prazo de 10 dias previsto no n.º 1 do artigo 149.º do CPC, contados da data em que foi notificado da sentença (artigo 199.º, n.º 1, do CPC), ficando consequentemente sanada se não for arguida nesse prazo, diferentemente do que ocorre com a nulidade da sentença quando esta não especifique os fundamentos de facto, a qual pode ser arguida em sede de recurso (artigo 615.º, n.º 4, do CPC), e consequentemente, dispondo a parte do prazo que a lei lhe conceder para recorrer.
Analisando a esta luz a tramitação processual relevante nos autos verificamos que, no pedido reconvencional oportunamente admitido, as reconvintes, ora Recorrentes, alegaram nos artigos 67.º e 68 º da referida peça processual[que veio a originar a alínea c) do respectivo pedido nos termos constantes do relatório], que: «• Estabelece o contrato de arrendamento na sua cláusula 8ª que o investimento efetuado pela reconvinda, cujo valor se desconhece, não será reembolsável pelas reconvintes no termo do contrato de arrendamento, revertendo a favor da terra. • Pelo que, se o contrato de arrendamento fôr resolvido deverá sê-lo com esta expressa menção»
Ora, conforme se alcança da resposta à reconvenção, nos artigos 18.º a 22.º, a autora/reconvinda, aduziu o seguinte: «• É manifestamente improcedente a pretensão que as RR deduzem nos art.º s 67º e 68º da sua contestação. • Como é patente e se compreende, o investimento inicial da A. só reverte para a terra no termo do contrato, ou seja, no final do seu período de vigência fixado em 20 anos. • Pois nesse caso a A. recuperou o seu investimento e retirou dele os devidos frutos, não sendo merecedora de qualquer outra indemnização. • Ao passo que, se o contrato cessar a sua vigência antes do seu termo, por via de resolução, o investimento – benfeitorias, úteis por terem sido autorizadas pelo senhorio no contrato – será pago à arrendatária nos termos gerais de direito. • A tanto obriga o número 3 do art. 15.º do Regime do Arrendamento Rural (DL 524/99, de 10/12)».
Acresce ainda que, em resposta à ampliação do Pedido deduzida pelas RR, a que aludiu no Relatório supra, a reconvinda apresentou “Resposta ao articulado Superveniente”, dizendo, em síntese, que:
Realizou no prédio, em duas fases, investimentos de respectivamente 34 255,60€ e 186 908,48€; tendo em conta que em relação à primeira verba a recuperação por ano é no montante de 1 712,78€ e em relação à segunda 12 460,57€ e que faltavam 7 anos para que se completassem (na altura) os 20 anos de contrato, a A. entendia que, à data, teria a haver das RR a quantia de 99 213,45€, e terminava pedindo a compensação deste montante com as rendas em dívida, pedido este de compensação que não foi admitido.
Por seu turno, na audiência preliminar, na parte denominada temas de prova, constam os seguintes pontos:
«16- O investimento inicial da autora só reverte para a terra no termo do contrato, ou seja, no final do seu período de vigência fixado em 20 anos.
17- Pois só nesse prazo a autora recuperou o seu investimento e retirou dele os frutos previstos».
Finalmente, na sentença recorrida, conforme decorre do ponto III.1. supra, tal matéria não consta nos factos provados nem nos não provados, constando apenas a este respeito no ponto 4, parte da cláusula 8.ª do contrato de arrendamento, tendo a final sido aduzida a seguinte fundamentação de direito: «O n.º 3 do artigo 15.º do Decreto-lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, consagra, em caso de resolução do contrato pelo senhorio, o direito do arrendatário a exigir do senhorio indemnização pelas benfeitorias necessárias e pelas úteis consentidas pelo senhorio, calculadas estas segundo as regras do enriquecimento sem causa. Ora, ocorrendo a resolução do contrato pelo senhorio entendemos que o pedido das Réus/Reconvintes no sentido do valor do investimento reverter para a terra sem qualquer indemnização carece de fundamento legal e também não tem acolhimento ao abrigo do acordo celebrado entre as partes».
Conforme é sabido, na fixação da matéria de facto provada e não provada o juiz tem de atender a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, e não apenas aos factos que suportam a solução da questão de direito que considera aplicável, devendo ter em consideração quando agora responde à matéria de facto na sentença, que o deve fazer por forma a possibilitar «a ulterior e ampla discussão da matéria de facto, de modo a que seja viável encontrar a solução de direito que decida com justiça, sem condicionar o debate a uma única perspectiva da questão de direito – que, afinal, pode nem ser a adequada –, mas a outras que se mostrem legalmente possíveis»[4].
Assim, tal e qual acontecia no regime de pretérito - embora se admita que hoje, com a abolição do despacho saneador, a opção pelos temas de prova, e pela sentença unitária, tal pode constituir tarefa mais complexa -, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, com excepção daquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, a não ser que a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras – cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC.
Ora, tais questões - a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC -, «são os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções»[5].
É certo que, em face do actual CPC, «a abolição da base instrutória e a opção pela enunciação de temas de prova dá aos tribunais de instância maior liberdade na circunscrição da matéria de facto, já não valendo argumentos de pendor formalista» sendo agora possível ao juiz «optar por uma formulação mais genérica, desde que não seja pura matéria de direito em face do caso concreto, tal como existe uma maior liberdade na consideração de factos que não foram alegados mas que resultaram da discussão da causa, nos termos do art. 5.º, n.º 2, do NCPC».
Assim, «ao contrário do que sucede quanto aos factos essenciais - relativamente aos quais funciona o princípio da auto-responsabilidade das partes -, quanto aos factos instrumentais, o tribunal não está sujeito à alegação das partes, podendo oficiosamente carreá-los para o processo e sujeitá-los a prova»[6], devendo nas decisões dos tribunais «ser tida em conta, não só a alegação factual explícita, como também a implícita»[7].
Consequentemente, com o novo Código de Processo Civil, «atribui-se ao juiz um poder mais interventor, sem que tal signifique, porém, o fim do princípio dispositivo e a sua substituição pelo princípio inquisitório, uma vez que continua a caber às partes a definição do objecto do litígio, através da dedução das suas pretensões e da alegação dos factos que integram a causa de pedir ou suportam a defesa»[8].
Efectuamos este enquadramento para significar que se o juiz, não tem que responder aos «temas de prova», já se lhe impõe que se pronuncie sobre os todos os factos relevantes, quer os que consubstanciam o direito invocado, quer as excepções deduzidas, sendo que quer na redacção do CPC vigente à data da entrada da acção, quer na actual, às partes sempre coube alegarem os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que baseiam as excepções (artigo 264.º, n.º 1, do CPC e artigo 5.º, n.º 1, do NCPC), ou seja, o fundamento do direito invocado ou os factos que impedem, modificam ou extinguem aquele direito, consoante a posição de autor ou réu em que se encontrem.
Porém, o juiz tem agora uma maior amplitude na conformação de facto da acção porquanto, face ao disposto nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC, para além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados, os factos instrumentais que resultem da instrução da causa e os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles aquelas tenham tido a possibilidade de se pronunciarem, bem como os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções, que o juiz já podia considerar no regime anterior.
Para o efeito, atento o princípio do inquisitório ínsito no artigo 411.º do CPC, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
Finalmente, e como sobredito, o artigo 607.º, n.º 4 impõe-lhe, para além do mais, que na fundamentação da sentença declare quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais elementos que foram decisivos para a sua convicção, tudo tendo em vista a prevalência do fundo sobre a forma.
Devidamente enquadrados quanto ao quadro em que nos movemos do ponto de vista da aquisição factual, e analisada a tramitação processual relevante supra referida, em face do pedido reconvencional deduzido em c), e da matéria relevante para a respectiva decisão, que as partes invocaram, na audiência preliminar foram considerados temas de prova, no caso, os factos essenciais que cumpre apurar e que respeitam, no fundo, à intenção subjacente à cláusula 8.ª do contrato de arrendamento e relevantes para a respectiva interpretação.
De facto, constando da mesma o uso da expressão termo do contrato, entende a Autora que tal se refere ao período inicial da respectiva duração, posto que, só decorrido o mesmo teria recuperado o respectivo investimento; enquanto as Rés/reconvintes, consideram que tal se refere à cessação do contrato, já que pedem que, se decretada a resolução, fique determinado que o valor do investimento reverte efectivamente para a terra, sendo insusceptível de reembolso.
Ora, não sendo o preceituado no artigo 15.º, n.º 3, do Regime do Arrendamento Rural, norma imperativa, já que «nada obsta à validade da cláusula, contida em contrato de arrendamento, segundo a qual as benfeitorias realizadas pelo arrendatário não lhe dão direito a qualquer indemnização»[9], por maioria de razão nada obsta a que as partes acordem que no termo do contrato as mesmas revertem para o prédio arrendado, cumprindo, pois, por ser matéria controvertida, apurar os factos sobreditos dos quais resulte o sentido de tal declaração negocial.
Porém, como vimos, os mesmos não mereceram qualquer resposta quer na matéria de facto provada quer na não provada, verificando-se, consequentemente a nulidade da sentença arguida pelas Recorrentes, mas não sendo possível a este Tribunal substituir-se à primeira instância, nos termos do artigo 655.º, n.º 1, do CPC, por ser indispensável ampliar a matéria de facto.
Na verdade, em face do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC, a Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida em primeira instância, quando considere indispensável a ampliação da decisão sobre a matéria de facto, como é o caso.
Nestes termos, deve a decisão proferida em primeira instância ser anulada, para ampliação da matéria de facto nos termos sobreditos, não abrangendo a repetição do julgamento a parte da decisão de facto que não foi expressamente referida, sem prejuízo evidentemente da apreciação de outros pontos de facto que se possa tornar necessária para evitar contradições (n.º 3, alínea c) do artigo 662.º do CPC).
Consequentemente, fica, por ora, prejudicada a apreciação das demais questões colocadas pelos Recorrentes.
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III.3. - Síntese conclusiva
I - O artigo 15.º, n.º 3, do Regime do Arrendamento Rural, não é norma imperativa, já que «nada obsta à validade da cláusula, contida em contrato de arrendamento, segundo a qual as benfeitorias realizadas pelo arrendatário não lhe dão direito a qualquer indemnização».
II - Assim, por maioria de razão nada obsta a que as partes acordem que no termo do contrato as benfeitorias revertam para o prédio arrendado.
III - Constando da cláusula 8.ª do contrato de arrendamento, o uso da expressão termo do contrato, entende a Autora que tal se refere ao período inicial da respectiva duração, posto que, só decorrido o mesmo teria recuperado o respectivo investimento; enquanto as Rés/reconvintes, consideram que tal se refere à cessação do contrato, já que pedem que, se decretada a resolução, fique determinado que o valor do investimento reverte efectivamente para a terra, sendo insusceptível de reembolso.
IV - Deste modo, por ser matéria controvertida, cumpre apurar os factos alegados dos quais resulte o sentido de tal declaração negocial.
V - Tendo na audiência preliminar sido considerados temas de prova, no caso, os factos essenciais que cumpre apurar e que respeitam, no fundo, à intenção subjacente à cláusula 8.ª do contrato de arrendamento, relevantes para a respectiva interpretação, e consequentemente para a decisão respeitante à alínea c) do pedido reconvencional, que não mereceram qualquer resposta quer na matéria de facto provada quer na não provada, deve a decisão proferida em primeira instância ser anulada, para ampliação da matéria de facto.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em determinar a anulação parcial do julgamento para ampliação da indicada matéria de facto, e subsequente decisão quanto à parte final do pedido formulado na alínea c) da reconvenção, como for de direito.
Custas a determinar a final.
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Évora, 30 de Novembro de 2016
Albertina Pedroso [10]
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
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[1] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Francisco Xavier;
2.º Adjunto: Maria João Sousa e Faro.
[2] Doravante abreviadamente designado CPC, sendo aplicável aos termos do presente recurso o texto decorrente do Código de Processo Civil na redacção aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, por estar em causa decisão recorrida posterior a 1 de Setembro de 2013 – cfr. artigos 5.º, 7.º, n.º 1 e 8.º deste diploma.
[3] Cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, vol. II, Almedina 2015, pág. 352.
[4] Cfr. Ac. STJ 22-04-2015, Revista n.º 568/12.9TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção, disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos, de onde serão os demais que venham a ser citados sem outra menção de fonte.
[5] Cfr. Ac. STJ de 22-10-2015, Revista n.º 2844/09.9T2SNT.L2.S1 - 7.ª Secção.
[6] Cfr. Ac. STJ de 10-09-2015, Revista n.º 819/11.7TBPRD.P1.S1 - 2.ª Secção.
[7] Cfr. Ac. STJ de 04-06-2015, Revista n.º 177/04.6TBRMZ.E1.S1 - 2.ª Secção.
[8] Cfr. Ac. STJ de 10-09-2015, Revista n.º 819/11.7TBPRD.P1.S1 - 2.ª Secção.
[9] Cfr. neste sentido, Ac. do STJ, de 11.10.2001, na CJ (STJ), ano 2001- tomo III- págs. 69 e ss; e Ac. STJ de 21-01-2003, proferido no processo n.º 02A1008, e disponível em www.dgsi.pt.
[10] Texto elaborado e revisto pela Relatora.