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JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM SEDE DE RECURSO
DESPACHO QUE DESIGNA DIA PARA JULGAMENTO
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
RECEPTÁCULO POSTAL DOMICILIÁRIO
Sumário
I - É perfeitamente descabida e extemporânea a apresentação em sede de peça recursiva de documentos e/ou pareceres que não foram apresentados em momento anterior à prolação do despacho ou decisão proferidos em primeira instância que se pretende impugnar.
II – É indispensável à presunção da notificação por via postal simples prevista no artigo 113º, nº 3, do Código de Processo Penal, a existência de um receptáculo postal onde o distribuidor do serviço postal possa depositar a carta de notificação e, após, lavrar a competente informação para o processo. Só assim será idónea para o efeito da referida notificação por via postal simples qualquer morada indicada pelo arguido no Termo de Identidade e Residência, nos termos do disposto no artigo 196º, nº 2, do Código de Processo Penal, como só assim se poderá presumir que o mesmo se encontra legal e devidamente notificado.
III - É intolerável que se ficcione a cognoscibilidade do ato notificando, a notificação do arguido para o julgamento –, com a mera expedição por via postal simples da carta sem que o depósito da mesma no recetáculo postal da residência do Termo de Identidade e Residência se mostre efectuado.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal (1ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora:
I
No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 46/13.9 TAVVC, da Comarca de Évora, Instância Local de Vila Viçosa, Secção de Competência Genérica, J1, mediante acusação do Ministério Público, sem precedência de contestação, foi submetido a julgamento, entre outros, o arguidoF., [filho de …, natural do concelho de Montemor-o-Novo, nascido em 04.09.1943, casado, advogado e residente em Évora], e por sentença proferida e depositada em 30.09.2015 foi decidido:
“(…)
julgo a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
a) Absolvo a sociedade arguida A…, Lda. pela prática em autoria material de um crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos art.ºs 107º e 105º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, em conjugação com o art.º 30º, n.º 2 do Código Penal.
b) Condeno o arguido J., como co-autor material de um crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos art.ºs 107º e 105º, nº 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, em conjugação com o artº 30º, nº 2 do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de €7,00, no montante global de €1.260,00 (mil duzentos e sessentas euros);
c) Condeno o arguido F., como co-autor material de um crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos art.ºs 107º e 105º, nº 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, em conjugação com o artº 30º, nº 2 do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à razão diária de €10,00, no montante global de €1.500,00 (mil e quinhentos euros);
d) Condeno os arguidos, solidariamente, no pagamento das custas do processo – art.º 514.º, n.º 1 do Cód. Proc. Penal, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC (art.ºs 374.º e 513.º do Cód. Proc. Penal e art.º 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais).
(…)”.
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso apenas o arguido F, extraindo da respectiva motivação de recurso as seguintes conclusões:
“1- O recorrente não recebeu a acusação e não foi notificado para o julgamento.
2- A notificação através de depósito na caixa de correio é inconstitucional.
3- O recorrente não foi notificado nos temos do disposto no art. 396- nº 2 do CPP, o que era obrigatório.
4- O arguido L., foi absolvido por ter ocorrido a prescrição das quantias a que estaria obrigado a en tregar á Segurança Social.
5- Devia assim, a Douta Sentença, especificar os montantes a que cada um dos gerentes estava obrigado a entregar á Segurança Social.
6- Nunca os gerentes actuaram em co-autoria.
7- A condenação não pode ser genérica, não concretizando cada um dos factos imputados, e no caso dos autos, as datas, as quantias concretas não entregues por cada um dos gerentes.
8- No ponto 5 da Sentença dá-se como provado que as quantias não entregues á Segurança Social referentes a gerência dos dois arguidos condenados diriam respeito a Abril de 2007 a Outubro de 2009 e Janeiro de 2010 a Julho de 2011.
9- E depois na pag. 2 da “epigrafe crime continuado” diz-se que não foram entregues á Segurança Social as quotizações de Agosto de 2005 a Julho de 2011, contradição flagrante e obscuridade da sentença.
10- O ponto 2 dos factos dados como provados terá que ser dado como não provado, pois
11- O recorrente nunca foi informado que havia sido nomeado gerente, nem nunca o aceitaria, como atras se alegou.
12- Tendo desde logo na primeira intervenção no processo, levantado suspeitas quanto à sua condição de gerente.
13-A certidão ora junta, comprova essas suspeitas.
14- O J., sabia que o recorrente não queria ser gerente, pelos factos atrás alegados, por isso, usou da habilidade de fazer uma acta sem que o recorrente tivesse conhecimento, efectuado o registo, utilizando abusivamente a última folha destinada a cessão da quota.
15- O recorrente não fez suas quaisquer importâncias destinadas á Segurança Social.
16- As importâncias constantes, de fls. 192 a 232 dos autos de € 41,92 e 38,99, respetivamente, nunca poderiam constituir qualquer ilícito, pois referem-se a um salario do recorrente, que nunca foi acordado e que nunca recebeu.
17- E se fosse gerente tinha requerido a sua isenção, por descontar para outro organismo.
18- E não podia esse facto constituir crime de abuso de confiança, por impossível, seria um crime por facto praticado pelo recorrente contra si mesmo.
19- Por outro lado, porque se houvesse qualquer responsabilidade do recorrente, que não há, tratar-se-ia de importância diminuta, muito inferior a € 7.500,00, o que nos termos do disposto no art. 106 do RGIT, não constituiria qualquer crime.
20- A douta sentença violou, o disposto no art. 20 da CRP, art. 396-nº2 al. a), b) e c) 379 nº1 al. b) e c) , 410 nº2 do CPP, 615 nº 1 al. b) , c) e e) do CPC e art. 105, 106 e 107 do RGIT.
Nos termos expostos e nos mais que V. Exas suprirão deve a Douta Sentença ser revogada quanto ao recorrente e este absolvido do crime que foi acusado.
Assim se fara, JUSTIÇA”.
Admitido o recurso, [cfr. fls. 832], e notificados os devidos sujeitos processuais, apresentou articulado de resposta a Digna Magistrada do Ministério Público, junto do Tribunal de primeira instância, concluindo nos termos seguintes:
“
- Não se conformado com a sentença de fls. 719 a 737 dos autos, que o condenou, como co-autor material, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 105.º, n.º 2 e 107.º, n.º 1 e 2 do RGIT e art. 30.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 10 euros, veio o arguido F, dela interpor recurso.
- O recorrente/arguido prestou Termo de Identidade e Residência, nos termos do art. 196.º do Código de Processo Penal, e em sede de inquérito, em 15.01.2014, indicando para notificação por via postal simples a morada Avenida …, em Évora.
- Requerida a aplicação ao recorrente/arguido de uma pena não privativa da liberdade em processo sumaríssimo, nos termos dos arts. 392.º, n.º 1 e 394.º do Código de Processo Penal, frustrou-se a notificação pessoal do recorrente/arguido, tendo os autos sido remetidos ao Ministério Público em cumprimento do disposto no art. 398.º do Código de Processo Penal.
- Deduzida que foi acusação em Processo Comum perante Tribunal Singular, nos termos do art. 398.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, foi o recorrente/arguido notificado da acusação deduzida, nos termos e em cumprimento do disposto nos arts. 283.º, n.º 5 e 6, 113, n.º 1, al. c), n.º 3 e n.º 10 e 196.º, n.º 3, al. c), todos do Código de Processo Penal.
- O recorrente/arguido nunca forneceu outra morada aos autos após a prestação do Termo de Identidade e Residência em 15.01.2014.
- Pelo que, não foram violados os arts. 396.º, n.º 2, als. a), b) e c) do Código de Processo Penal, ou tão pouco, os arts. 113.º, al. c) e 196.º, n.º 2, al. c), igualmente do Código de Processo Penal, e o art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.
- Invoca o arguido a nulidade da sentença proferida pelo tribunal a quo por obscuridade por constar no ponto 5 dos factos provados: «O montante das retenções não entregues ascende a € 20.114,77, referente aos meses de Agosto de 2005, Dezembro de 2004 a Dezembro de 2006, Abril de 2007 a Outubro de 2009 e Janeiro de 2010 a Julho de 2011, prejudicando a Segurança Social naquele montante.», e na fundamentação, acerca do crime continuado, se pronunciar o douto Tribunal a quo no sentido de que: «[…] face à factualidade provada, consideramos estar plasmada a realização plúrima do mesmo crime tendo por objecto o mesmo bem jurídico, porquanto resultou provado que, os representantes legais da arguida, entre Agosto de 2005 e Julho de 2011, procederam ao desconto, nos salários dos trabalhadores ao serviço daquela, das contribuições destinadas à Segurança Social não procedendo, todavia, dentro dos prazos respectivos à entrega das referidas quantias à Segurança Social, sem que tivesse havido qualquer reacção da Segurança Social.»
- A se apontar algo à decisão em crise pelo recurso ora interposto poderá ser tão só um lapso ou obscuridade passível de retificação, sem que por isso importe a modificação essencial do conteúdo decisório e do raciocínio que levou à condenação do recorrente/arguido, previsto no art. 380.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal.
- Quanto à ausência da referência aos valores das quotizações não entregues à Segurança Social durante o período em que o recorrente/arguido foi gerente da sociedade F. – Restauração, Lda., encontrando-se identificados na sentença, quer nos factos dados como provados, quer na fundamentação, os meses que respeitam ao período da gerência do recorrente/arguido, e tendo-se dado como provado que não foram entregues as quotizações respeitantes às contribuições à Segurança Social quanto aos salários pagos pela sociedade da qual era gerente o recorrente, encontra-se suficientemente apurado o limite da sua responsabilidade.
- Tanto mais que o valor das contribuições não entregues à Segurança Social não têm qualquer influência para o preenchimento do tipo legal de crime pelo qual o tribunal a quo condenou o recorrente/arguido, que, recorde-se, é abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto pelo art. 107.º e punido pelo art. 105.º do RGIT.
- Pelo que aqui não vislumbramos qualquer nulidade, irregularidade ou falta de pronúncia na sentença proferida, e por tal não se vislumbra a violação dos invocados arts. 379.º, n.º 1, als. b) e c), do Código de Processo Penal, e 615.º, n.º 1, als. b), c) e e), do Código de Processo Civil.
- Quanto à condenação em co-autoria, na acusação deduzida nos autos contra o recorrente/arguido, e os demais arguidos, imputou o Ministério Público, a cada um dos arguidos, a prática em autoria material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, como, aliás, disso dá conta o Tribunal a quo no início do relatório da decisão em crise.
- Decorrendo da decisão recorrida que o Tribunal a quo apurou e deu como provados os vários períodos em que cada um dos arguidos assumiu a gerência da sociedade A…, Lda., e apenas nesses períodos poder-lhes-ia ser imputada a responsabilidade criminal pela falta de entrega das contribuições devidas à Segurança Social e descontadas dos salários, a sentença recorrida sofre, nesta parte, de lapso nos termos do art. 380.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Penal, devendo a sentença recorrida ser corrigida nesta parte.
- No mais vem o recorrente/arguido invocar que não assumiu a gerência de facto da sociedade A., Lda., pretendendo para tal convencer que foi indicado e nomeado gerente daquela à sua revelia e com o seu desconhecimento, juntando documentos que diz, agora, terem sido forjados e falsificados.
- Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento não faz o recorrente/arguido qualquer referência que importe a alteração da matéria de facto dada como provada, logo, na ausência de tal invocação, abstemo-nos de nos pronunciar sobre elementos que não foram levados ao conhecimento do Tribunal a quo.
- Os elementos que o recorrente/arguido pretende, agora na fase de recurso, ver analisados e considerados para efeito de prova dos factos ou da ausência dos factos, e consequentemente para dar como não provado o ponto 2 da matéria de facto provada, careceria sempre de elementos adicionais e meios de produção de prova que impedem qualquer reflexão sobre os mesmos.
- Pelo que, neste ponto nada há a censurar à sentença proferida pelo Tribunal a quo, não se verificando a invocada violação dos arts. 105.º e 107.º do RGIT.
- Podendo o quantitativo diário da pena de multa variar entre os 5€ e os 500€, e considerando que o recorrente/arguido furtou-se aos contactos com os autos a fim de se esclarecer da sua situação socioeconómica, conforme já se deixou extensamente descrito, só pode entender-se como a adequada e proporcional a pena de multa de 150 dias à razão diária de 10€, conforme aplicada.
- Assim, não violou a douta sentença recorrida qualquer normativo legal, mormente os invocados art. 20.º da Constituição da República Portuguesa, art. 396.º, nº2 als .a), b) e c), art. 379.º, nº1, als. b) e c) , e art. 410º, nº 2, o Código de Processo Penal, art. 615.º, nº ,1 aIs. b) , c) e e), do Código de Processo Civil, e arts. 105.º, 106.º e 107.º, do Regime Geral das Infrações Tributárias.
*
Nestes termos, deverá negar-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Este é o entendimento que perfilhamos.
V.as Ex.as, porém, farão JUSTIÇA”.
Remetidos os autos a esta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no âmbito do qual opina, em síntese, que “(…) Sufragamos a Resposta à Motivação de recurso apresentada pela Exmª Colega junto do Tribunal recorrido, a qual, de forma metódica e cuidada, demonstra, ponto por ponto, as inconsequentes razões da Motivação do Recurso do Arguido, dando-a por inteiramente reproduzida no que se refere às questões colocadas a este Venerando Tribunal, (…), mas não quanto à medida concreta da pena, uma vez que a mesma questão não foi levada às Conclusões. (…)”.
Em consequência, conclui que o recurso deve ser julgado improcedente.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido feito uso do direito de resposta.
Foi efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais.
Foi realizada a Conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Como é sabido, o âmbito do recurso – seu objecto e poderes de cognição – afere-se e delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas no artigo 410º, nº 2, do aludido diploma, as cominadas como nulidade da sentença (cfr. artigo 379º, nºs 1 e 2, do mesmo Código) e as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cfr. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, do Código de Processo Penal; a este propósito v.g. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28.12.1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.1998, in B.M.J. nº 478, pág. 242, de 03.02.1999, in B.M.J. nº 484, pág. 271 e de 12.09.2007, proferido no processo nº 07P2583, acessível em www.dgsi.pt e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).
Acresce que, no âmbito dos poderes de cognição do Tribunal, este “não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”, como claramente decorre do preceituado no artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4º, do Código de Processo Penal.
Por outro lado, importa não olvidar que se o recorrente não retoma nas conclusões da respectiva motivação as questões que desenvolveu no corpo da motivação, porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso, o Tribunal ad quem só conhecerá das questões que constam das conclusões, como aliás bem é salientado pela Exmª Procuradora-Geral Adjunta nesta instância.
Porque assim, este Tribunal ad quem não conhecerá da questão do quantum da pena de multa em que o recorrente foi condenado na primeira instância, apenas tratada no corpo da motivação e, ademais, em termos de tal sorte vagos e imprecisos, sem qualquer enquadramento jurídico, que, em bom rigor, não podem ter outro entendimento que não seja o de constituírem um mero desabafo do arguido sobre quais os advogados que “ganha[m] bem”.
Cumpre ainda referir que o recorrente instruiu a sua peça recursiva com um documento [o constante de fls. 794 a 804] que, em anterior momento, não foi apresentado ao Tribunal a quo e, por conseguinte, não foi, naquela sede, alvo de apreciação/decisão. Vale o exposto por se afirmar que, ressalvado o devido respeito por diferente opinião, é perfeitamente descabida e extemporânea a apresentação em sede de peça recursiva de documentos e/ou pareceres que não foram apresentados em momento anterior à prolação do despacho ou decisão proferidos em primeira instância, olvidando, por um lado, que “A decisão recorrida há-de ser apreciada apenas em função dos factos materiais que foram apurados na 1ª instância e não de prova posteriormente introduzida nos autos” e, por outro, que “a missão do tribunal de recurso é a de apreciar se uma questão decidida pelo tribunal de que se recorre foi bem ou mal decidida e extrair daí as consequências atinentes; o tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre questão nova, salvo se isso for cometido oficiosamente pela lei.” – v.g. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.09.2010, proferido no processo nº 87/02.1 TAACN.C2, e bem assim do mesmo Tribunal de 30.04.2014, proferido no processo nº 2317/07.4 TAAVR.C1, disponíveis em www.dgsi.pt/jtrc e ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.10.2008, proferido no processo nº 08P2832, disponível em www.dgsi.pt/jstj e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.10.2013, proferido no processo nº 221/12.3 TBTMR-A.C1, disponível no primeiro lugar citado.
Nestes termos, a junção de tal documento não só não deveria ter sido consentida, como neste Tribunal ad quem o seu teor não poderá ser, nem será, considerado, impondo-se o seu desentranhamento e restituição ao arguido/recorrente.
Finalmente, sem que tenha merecido, na peça recursiva, qualquer enquadramento jurídico, o recorrente dá nota de padecer a decisão recorrida de uma “obscuridade”, porquanto no ponto sob o nº “5 -” dos factos dados como provados se consignou “O montante das retenções não entregues ascende a € 20.114,77, referente aos meses de Agosto de 2005, Dezembro de 2004 a Dezembro de 2006, Abril de 2007 a Outubro de 2009 e Janeiro de 2010 a Julho de 2011, prejudicando a Segurança Social naquele montante.” e na fundamentação de direito da mesma decisão, quando o Tribunal a quo discorria sobre o crime continuado, se exarou “face à factualidade provada, consideramos estar plasmada a realização plúrima do mesmo crime tendo por objecto o mesmo bem jurídico, porquanto resultou provado que, os representantes legais da arguida, entre Agosto de 2005 e Julho de 2011, procederam ao desconto, nos salários dos trabalhadores ao serviço daquela, das contribuições destinadas à Segurança Social não procedendo, todavia, dentro dos prazos respectivos à entrega das referidas quantias à Segurança Social, sem que tivesse havido qualquer reacção da Segurança Social.” e o recorrente (apenas) exerceu funções de gerente da sociedade “A…, Ldª” a partir de 28.09.2009 – cfr. ponto sob o nº “2 -” dos factos dados como provados na decisão recorrida.
Ressalvado o devido respeito por diferente opinião, só uma leitura eivada de subjectividade, parcelar e fragmentada, pode assacar à decisão recorrida, no apontado segmento, “obscuridade”, porquanto do teor da mesma, numa leitura atenta e cuidada, se alcança, sem qualquer esforço ou dificuldade, que o crime por que os arguidos foram condenados – crime de abuso de confiança contra a Segurança Social na forma continuada – se traduziu na realização plúrima do mesmo tipo de crime no período compreendido entre Agosto de 2005 e Julho de 2011, embora praticados em períodos diversos por cada um dos gerentes, os arguidos condenados.
Nestes termos, a reclamada “obscuridade” não tem a virtualidade de prefigurar a nulidade da sentença tal como prevenida no artigo 379º, nº 1, do Código de Processo Penal [e muito menos aquelas que o recorrente indica/qualifica (das alíneas b) e c), do citado preceito legal) tão só e apenas in fine no artigo vigésimo das conclusões da sua peça recursiva], nem o “erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade” a que alude o artigo 380º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal que mereça intervenção correctiva.
Acresce que, sabido é que uma das vias legais ao dispor do dissidente da apreciação que, na primeira instância, é feita da prova produzida em audiência de julgamento, pretendendo alterá-la, é lançar mão da impugnação alargada prevenida no artigo 412º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal e, suscitando-a, dar cumprimento aos ónus de impugnação especificada a que aludem os números do mencionado preceito – v.g. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 3/2012, de 08.03.2012, publicado no D.R. I Série, nº 77, de 18.04.2012.
O recorrente, em lado algum da sua peça recursiva faz uso do mencionado preceito, embora discorra sobre alegado erro de julgamento [entendido como aquela patologia que ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova produzida, deveria ter sido considerado provado], pretendendo, assim, colocar em crise o acervo factual dado como provado na decisão recorrida, maxime quando nega a sua qualidade de gerente da sociedade arguida no período compreendido entre 28.08.2009 e Julho de 2011 e quando alega que as “importâncias destinadas á Segurança Social” se referem “a um salário do recorrente, que nuca foi acordado e que nunca recebeu”.
Porque assim, e não olvidando que o incumprimento total quer no corpo da motivação recursiva, quer nas conclusões, dos ónus de especificação a que aludem os nºs 3 e 4, do já citado artigo 412º, do Código de Processo Penal, nunca imporiam a este Tribunal ad quem dirigir-lhe convite ao aperfeiçoamento nos termos do artigo 417º, nº 3, do mesmo compêndio legal - v.g. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 259/02, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos -, tais alegações revelam-se perfeitamente despropositadas e supérfluas e, por isso, em absoluto, desconsideradas por esta instância de recurso, sem prejuízo, naturalmente, da apreciação, que ademais se nos impõe por dever de ofício, dos vícios da decisão recorrida, a que alude o nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, a indagar, tão só e apenas, do texto da mesma decisão e que constituem a outra via legal de alteração da factualidade assente na primeira instância.
Consequentemente, vistas as conclusões do recurso em apreço, verificamos que as questões suscitadas à apreciação deste Tribunal ad quem são as seguintes (agora ordenadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas):
(i) - Se o processo padece de nulidade (que contaminaria a sentença) por não ter sido o arguido recorrente notificado da acusação e bem assim da designação de julgamento, porquanto a notificação por via postal simples com prova de depósito ofende o disposto no artigo 20º, da Constituição da República Portuguesa;
(ii) - Se a sentença recorrida padece de nulidade por violação do disposto no artigo 379º, nº 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal;
(iii) – Se a decisão recorrida padece dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal;
(iv) – Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito, no tocante (a) ao enquadramento jurídico – penal dos factos assentes na instância e (b) à imputação do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social em co-autoria aos arguidos, designadamente ao ora recorrente.
III
Com vista à apreciação das suscitadas questões, a sentença recorrida encontra-se fundamentada nos seguintes termos (cuja transcrição se procede na estrita medida necessária ao conhecimento das elencadas questões):
“(…)
III – Fundamentação
(…)
E, a propósito da invocada nulidade, antes da remessa dos autos a este Tribunal da Relação de Évora, o Tribunal de primeira instância pronunciou-se nos termos seguintes:
“Veio o Arguido alegar, além do mais, que foi julgado, não tendo sido notificado da acusação, nem da data designada para a audiência de julgamento.
Cumpre proferir o despacho a que alude o art.º 414.º, n.º 4, aplicável por força do disposto no art.º 379.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.
Atentos os fundamentos invocados e, as normas legais aplicáveis, entende-se não existir qualquer nulidade que cumpra suprir.
Porém, V. Exªs. farão melhor Justiça.”.
IV
Apreciando a primeira supra editada questão, [(i)], da alegada nulidade in procedendo por falta de notificação da acusação e bem assim da designação de julgamento ao arguido recorrente, antes de mais, repristinamos a descrição do excurso dos autos, constante do articulado de resposta apresentado pela Digna Magistrada do Ministério Público na primeira instância, porque o dá a conhecer com evidenciado rigor. Assim:
“O recorrente/arguido prestou Termo de Identidade e Residência, nos termos do art. 196.º do Código de Processo Penal, e em sede de inquérito, em 15.01.2014, indicando para notificação por via postal simples a morada Avenida …, em Évora. [cfr. fls. 437 - introdução e sublinhado nossos].
Por despacho proferido nos autos, em sede de inquérito, em 14.05.2014 [cfr. fls. 475 a 480 - introdução nossa] foi requerida a aplicação ao recorrente/arguido de uma pena não privativa da liberdade em processo sumaríssimo, nos termos dos arts. 392.º, n.º 1 e 394.º do Código de Processo Penal.
Por despacho proferido pela Mma. Juiz em 19.05.2014 (fls. 487), foi determinada a nomeação de defensores e notificação dos arguidos, entre os quais o ora recorrente, nos termos e para efeitos do disposto no art. 396.º, n.º 1, al. b), n.º 2 e n.º 4 do Código de Processo Penal.
Tendo sido frustrada a notificação pessoal do recorrente/arguido na morada que o mesmo indicou no Termo de Identidade e Residência por si prestado nos autos (fls. 531), e esgotadas as diligências úteis e necessárias, ao alcance do Tribunal, para proceder à notificação pessoal do recorrente/arguido (fls. 541 a 618), nos termos determinados no art. 396.º do Código de Processo Penal, foram os autos remetidos ao Ministério Público em cumprimento do disposto no art. 398.º do Código de Processo Penal (fls. 619).
Uma vez remetidos os autos, por este Ministério Público foi deduzida acusação em Processo Comum perante Tribunal Singular, nos termos do art. 398.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (fls. 638), tendo sido o recorrente/arguidos, e os demais arguidos nos autos, notificados da acusação deduzida, nos termos e em cumprimento do disposto nos arts. 283.º, n.º 5 e 6, 113, n.º 1, al. c), n.º 3 e n.º 10 e 196.º, n.º 3, al. c), todos do Código de Processo Penal. [sublinhado nosso]
Pelo que, foi o recorrente/arguido notificado do despacho de acusação deduzida contra si nos autos por via postal simples com prova de depósito (fls. 644), a qual foi depositada no recetáculo de correio existente na morada fornecida pelo recorrente/arguido no Termo de Identidade e Residência, [de fls. 437 - introdução e sublinhado nossos], em 28.04.2015 (fls. 653).
Igualmente foi notificado o defensor oficioso do recorrente/arguido do despacho de acusação por via postal registada (fls. 640).
O recorrente/arguido foi notificado do despacho que recebeu a acusação e designou data para a realização da audiência de discussão e julgamento, proferido em 29.05.2015 (fls. 658), por via postal simples com prova de depósito (fls. 669), a qual não foi depositada no recetáculo de correio existente na morada fornecida pelo recorrente/arguido no Termo de Identidade e Residência, [de fls. 437 - introdução nossa], por impossibilidade de aceder ao recetáculo (fls. 692). [sublinhado nosso]
Do mesmo despacho foi notificado o defensor oficioso do recorrente/arguido do despacho de acusação por via postal registada (fls. 661).
Não tendo o recorrente/arguido comparecido à audiência de discussão e julgamento realizada nos autos em 22.09.2015 (ata a fls. 704 a 708) e 24.09.2015 (ata a fls. 716 e 717), bem como à leitura da sentença proferida em 30.09.2015 (ata a fls. 738), foi o mesmo julgado na ausência, nos termos previstos nos arts. 333.º e 196.º, n.º 3, al. d) do Código de Processo Penal, tendo sido representado pelo Il. Defensor nomeado. [sublinhado nosso]
O recorrente/arguido nunca forneceu outra morada aos autos após a prestação do Termo de Identidade e Residência em 15.01.2014, apenas o tendo feito aquando da sua notificação pessoal da sentença proferida nos autos, nos termos do disposto no art. 333.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, em 16.11.2015 (fls. 765 verso), na qual indicou como morada a Avenida …, em Évora (fls. 764). [sublinhado nosso]”.
Vejamos, então:
Primo conspecto, o da falta de notificação da acusação pública, em processo comum com intervenção do Tribunal Singular, deduzida contra, além do mais, o arguido recorrente, com a contenção devida ante a inverdade do alegado, forçoso é concluir, sem delongas, que o recorrente foi daquela peça processual devidamente notificado e, por isso, nenhuma invalidade ocorre ou se vislumbra.
Destarte, sempre se dirá que, ainda que assim não tivesse ocorrido e os autos demonstrassem realidade diversa daquela que efectivamente espelham, tal falta de notificação da acusação e/ou a imperfeição da mesma, nunca consubstanciariam a alegada nulidade, outrossim, prefigurariam uma mera irregularidade, com previsão no artigo 123º, nº 1, do Código de Processo Penal, a ser por si arguida “no próprio acto ou, se a este não tiver[em] assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiver[em] sido notificado[s] para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.” – no mesmo sentido, a título de exemplo, v.g. Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 06.11.2012, proferido no processo nº 2592/08.7 PAPTM.E1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.02.2013, proferido no processo nº 406/10.7 GALNH-A.L1-5 e do Tribunal da Relação do Porto de 01.04.2009, proferido no processo nº 976/07.7 TAVNF-A.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Ora, do que se deixou supra enunciado, forçoso é concluir que tal irregularidade por falta de notificação da acusação ao recorrente a ocorrer (e, repete-se, não ocorre), há muito que se mostraria sanada. Acresce que, o seu conhecimento, não se impondo ex officio a este Tribunal de recurso [que oficiosamente só conhecerá das nulidades insanáveis e das nulidades da sentença – cfr. artigos 119º, 379º e 410º, nº 3, do Código de Processo Penal] tinha que ter sido suscitado pelo recorrente perante o Tribunal de primeira instância e do despacho que viesse a ser proferido, se desfavorável, é que caberia recurso para o Tribunal Superior, o que também não ocorreu.
Em suma, neste conspecto, a pretensão do recorrente é totalmente improcedente.
Secundo conspecto, o da falta de notificação do despacho a que alude o artigo 313º, do Código de Processo Penal e que designa dia para a audiência de julgamento, sendo indiscutível que tal despacho tem que ser notificado ao arguido, como decorre claramente do preceituado no nº 2, do citado preceito legal – cfr. ainda artigo 113º, nº 10, do mesmo diploma legal.
Como acima se sublinhou, deste despacho o recorrente foi notificado por via postal simples, por meio de carta, para a morada indicada no Termo de Identidade e Residência que prestou, sendo certo que até à notificação pessoal da sentença nunca informou o Tribunal de primeira instância de que mudara de residência ou que deveria ser encontrado noutro lugar que não o por si informado naquele Termo de Identidade e Residência. E, igualmente certo, que não esteve presente em nenhuma das sessões do julgamento realizado na primeira instância, tendo sido julgado na sua ausência. Aquela carta, porém, não foi depositada na respectiva caixa de correio.
A assunção da qualidade de arguido, a que se reporta o artigo 57º, do Código de Processo Penal e que o ora recorrente detém desde a ocasião em que como tal foi constituído, em sede de inquérito, nos termos do disposto no artigo 58º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal, confere ao mesmo um estatuto processual amplo, associado a uma definição rigorosa dos deveres processuais e dos direitos inerentes, que todas as autoridades devem respeitar -cfr. artigo 60º, do mesmo compêndio legal.
De acordo com o disposto no artigo 61º, do Código de Processo Penal, entre os direitos processuais do arguido contam-se o de estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito [alínea a), do nº 1 – direito de presença] e de ser ouvido pelo Tribunal sempre que deva ser tomada qualquer decisão que pessoalmente o afecte [alínea b), do nº 1 – direito de audiência] e sobre o arguido recai o dever de comparecer perante o Juiz sempre que a lei o exigir e para tal tiver sido devidamente convocado [alínea a), do nº 3 do mesmo preceito].
O disposto no preceito legal acabado de mencionar traduz, afinal, a afirmação do direito de defesa do arguido consagrado no artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, de harmonia com o qual o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa.
O direito de presença possibilita ao arguido tomar conhecimento de todas as provas contra ele existentes e tomar posição, se assim o entender, quanto a todas e a cada uma delas.
Quanto ao direito de audiência, na fase de julgamento – aquela que agora nos importa –, temos como certo ser obrigatória a possibilidade de audição do arguido.
“Este direito, que decorre do princípio do contraditório, com assento constitucional (cfr. art. 32.º, n.º 5, da CRP), comporta, para além do arguido se manifestar, o direito do mesmo a ser ouvido, já que se entende que ele é uma pessoa que se presume inocente até ser condenado e, como tal, tem direito a expressar a sua versão dos factos e as suas razões para que as mesmas sejam ponderadas pela pessoa que o irá julgar. Significa isto que a prossecução processual se deve cumprir ao longo de todo o processo, tendo em conta, não só as razões da acusação, mas também as da defesa, impedindo que se tomem decisões capazes de atingirem o arguido sem que este tenha a possibilidade de se pronunciar.” – v.g. in “Código de Processo Penal - Comentário e notas práticas”, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Coimbra Editora, 2009, página 149.
Resta-nos referir que do disposto no artigo 332º, nº 1, do Código de Processo Penal, decorre a obrigatoriedade da presença do arguido na audiência de julgamento.
E, por fim, afirmar o óbvio, a necessidade de convocação para que o arguido possa estar presente na audiência de julgamento.
Ora, em face de tudo o que se deixou elencado, e atento o estatuído nos artigos 113º, nºs 1, alínea c), 3 e 4, 313º, nº 3 e 333º, nº 1, todos do Código de Processo Penal, afigura-se-nos que o recorrente foi julgado na sua ausência sem que o Tribunal a quo tivesse curado, como se lhe impunha, se o mesmo se encontrava “regularmente notificado” ou laborando no erro de que se encontrava notificado quando, efectivamente, o não o estava, porque a carta expedida por via postal simples não foi depositada na respectiva caixa do correio na morada constante do Termo de Identidade e Residência, à data, então, na Avenida …, em Évora.
É que temos como indispensável à presunção da notificação por via postal simples prevista no artigo 113º, nº 3, do Código de Processo Penal, a existência de um receptáculo postal onde o distribuidor do serviço postal possa depositar a carta de notificação e, após, lavrar a competente informação para o processo. Só assim será idónea para o efeito da referida notificação por via postal simples qualquer morada indicada pelo arguido no Termo de Identidade e Residência, nos termos do disposto no artigo 196º, nº 2, do Código de Processo Penal, como só assim se poderá presumir que o mesmo se encontra legal e devidamente notificado. É o que se nos afigura resultar do confronto entre o nº 3 e o nº 4, do mencionado preceito legal, tendo como intolerável que se ficcione a cognoscibilidade do acto notificando, a notificação do arguido para o acto mais nobre do processo – o julgamento –, com a mera expedição por via postal simples da carta sem que o depósito da mesma no receptáculo postal da residência do Termo de Identidade e Residência se mostre efectuado.
Porque in casu tal não sucedeu – o distribuidor do serviço postal lavrou nota do incidente de impossibilidade de depósito da carta expedida por “não ser possível o acesso ao receptáculo” -, afigura-se-nos que a presunção da notificação por via postal simples a que alude o nº 3, do aludido artigo 113º, não opera.
Aqui chegados, fazendo uso dos ensinamentos do Professor Cavaleiro Ferreira, in “Lições de Processo Penal, Volume I, página 269, “(…) a apreciação do processo, em razão do seu fim, desdenha do que para esse fim foi acidental ou desnecessário, embora em si mesmo ilegal.”. A imperfeição do acto processual, por via da não observância da norma ou normas que regulam o seu processamento, pode apresentar cambiantes diversas consoante a gravidade do vício que lhe subjaz, e que se poderá situar entre a mera irregularidade e a inexistência. Entre estes extremos encontramos os vícios que dão lugar à nulidade, a qual, por sua vez, pode ser absoluta ou insanável ou nulidade relativa, dependente de arguição.
O nosso Código de Processo Penal veio consagrar um sistema de nulidades taxativas, no artigo 118º e que é complementado por uma rigorosa delimitação geral e especial das causas de nulidade, sejam elas insanáveis ou relativas.
A ausência do arguido nos casos em que a lei exige a sua comparência constitui, de acordo com o disposto na alínea c), do artigo 119º, do Código de Processo Penal, nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento.
A declaração de tal nulidade tem as consequências previstas no nº 1, do artigo 122º, do aludido Código, tornando inválido o acto em que se verificou, bem como os que dele dependerem e que possa afectar.
In casu, a nulidade verificada afecta o despacho que designou dia para a realização da audiência, bem como todos os demais actos processuais a ele subsequentes, no caso em apreço a própria decisão recorrida no que respeita ao apuramento da responsabilidade jurídico-penal do recorrente.
Em conclusão, neste conspecto, a pretensão do recorrente é procedente.
Porque assim, o conhecimento das restantes elencadas questões trazidas ao conhecimento deste Tribunal ad quem [cfr. título II do presente aresto] mostra-se, pois, prejudicado – cfr. artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4º, do Código de Processo Penal.
V
Tendo em consideração o disposto no artigo 513º, nº 1, do Código de Processo Penal, não há lugar a tributação.
VI Decisão
Nestes termos acordam em:
A) - Conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido F. e, consequentemente, ao abrigo do estatuído nos artigos 119º, alínea c) e 122º, do Código de Processo Penal, declarar nulo o acto de notificação do recorrente da designação de dia e hora para a realização da audiência de julgamento e bem assim todos os demais actos processuais subsequentes, designadamente a própria decisão recorrida, no que respeita ao apuramento da responsabilidade jurídico-penal do recorrente.
B) - Não ser devida tributação.
[Texto processado e integralmente revisto pela relatora (cfr. artigo 94º, nº 2, do Código de Processo Penal)]
Évora, 15 de Dezembro de 2016
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(Maria Filomena Valido Viegas de Paula Soares)
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(José Proença da Costa)