Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
CONDUTOR POR CONTA DE OUTREM
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
DESRESPEITO
SINAIS DE TRÂNSITO
VELOCIDADE EXCESSIVA
EXCESSO
CARGA DO VEÍCULO
Sumário
1. Circulando um veículo pela hemifaixa direita da via, atento o sentido em que seguia, a manobra de recurso ou de salvamento («manoeuvre de sauvetage», como dizem os franceses) levada a cabo pelo respectivo condutor, consistente em guinar para a esquerda e ocupar parcialmente a hemifaixa contrária, para se desviar de uma viatura (provinda de uma estrada situada à sua direita) que lhe cortou a linha de circulação, pelo facto de o seu tripulante não ter respeitado o sinal B2 «STOP» (previsto no Regulamento de Sinalização de Trânsito), está perfeitamente justificada, não constituindo qualquer infracção; 2. Tendo a via prioritária traçado rectilíneo, situando-se fora de qualquer localidade, encontrando-se livre e estando bom tempo, o facto de nela estar implantado um sinal B9d (indicativo de que, do lado direito, entroncava com uma estrada sem prioridade) não implica que o condutor do veículo que nela seguia, a 80 km/hora, tivesse motivos para diminuir a velocidade, apesar do que dispõe o art. 25º, 1, f), do Código da Estrada (CE), na versão resultante do Dec.-Lei nº 44/2005, de 23/II; 3. A existência do aludido sinal B9d implica que, na estrada sem prioridade, exista o sinal B1 (aproximação de estrada com prioridade) ou B2 («STOP», paragem obrigatória antes do cruzamento ou entroncamento), pelo que o condutor do veículo que circulava na via prioritária não estava obrigado a prever que o tripulante da viatura provinda da estrada não prioritária a iria atravessar à sua frente, cortando-lhe a linha de circulação; 4. O disposto no art. 24º, 1, parte final, do CE, «fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente», não é aplicável nos casos de surgimento repentino e inopinado de uma viatura que corte a linha de circulação daquele; 5. Nenhum condutor está obrigado prever a imprudência alheia, nem a contar com a negligência ou inconsideração dos outros, se bem que a chamada «condução defensiva» aconselhe um esforço de previsão; 6. Um excesso de carga de 5.500 kg, num veículo com o peso bruto de 31.500 kg, implica infracção ao art. 57º do CE e pode ter alguma influência (por mínima que seja) no alongamento do espaço de travagem, mas, ante o atravessamento inopinado da viatura cujo condutor desrespeitou o sinal B2, não se pode considerar causal do sinistro; 7. A presunção de culpa que onera o condutor por conta de outrem, prevista no art. 503º, 3, 1ª parte, do Cód. Civil, fica ilidida, quando se comprove que o sinistro resultou de manobra imprudente e ilegal do tripulante de um outro veículo interveniente no mesmo; 8. Mesmo entendendo-se que o art. 505º do Cód. Civil pode ser interpretado no sentido de nele se admitir a concorrência da culpa do lesado com o risco próprio do outro veículo interveniente no sinistro, a responsabilidade objectiva do detentor deste último (a que se reporta o art. 503º, 1, do mencionado código) terá de ser excluída, quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado.
Texto Integral
Apelação nº 513/06.0TBMNC.G1
(Proc. nº 513/06.0TBMNC, T J de Monção)
Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório: A …, viúva, contribuinte fiscal nº … , residente em Monção; MJ…, casada, contribuinte fiscal nº ….., residente em Monção; MD…, casada, contribuinte fiscal nº …, residente na Suíça, por si e na qualidade de tutora de JC …, contribuinte fiscal nº …., residenteemMonção; JL…, solteiro, maior, contribuinte fiscal nº 206 120 532, residenteem Monção,
Propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, ordinário, con- tra: Companhia de Seguros Tranquilidade, S. A., pessoa colectiva nº 500 940 231, com sede na Avenida da Liberdade, 242, 1250-149 Lisboa,
Peticionando a condenação desta a pagar-lhes a quantia global de167.423,40 €, para além de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação e até efectivo cumprimento.
Para tanto, alegaram, em síntese, queseu marido e pai, respectivamente, foi vítima de acidente de viação de que resultou a sua morte, devido a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na ré.
A ré contestou, impugnando a factualidade alegada pelos autores e imputando a culpa do acidente ao sinistrado.
O Instituto de Segurança Social, IP, Centro Nacional de Pensões, deduziu pedido de reembolso contra a ré, alegando que o sinistrado era seu beneficiário e que, em função disso, pagou à autora, A …, prestações por morte, no valor de 10.089,38 €, peticionando a condenação daquela a reembolsá-la desse montante, acrescido de juros.
***
Por sentença de fls. 381 a 390, a acção foi julgada improcedente.
***
Os autores recorreram, pretendendo a revogação da sentença, de modo a que a mesma seja substituída por acórdão que julgue em conformidade com o por si ale-gado, tendo retirado as seguintes conclusões:
1ª Os autores fundamentaram o pedido de indemnização:
a) Na culpa exclusiva do condutor do pesado, por este ter invadido, brusca e inesperadamente, a metade esquerda da faixa de rodagem (considerando o seu senti- do de circulação), violando o disposto nos arts. 13º e 24º do Código da Estrada, viola- ções essas que são a causa única do acidente; Subsidiariamente,
b) Fundamentaram o pedido na presunção estabelecida no art. 503º, 3, do Códi- go Civil, visto que o condutor do veículo pesado, no momento do acidente, conduzia-o por conta da respectiva proprietária, a sociedade comercial “J. S. Gomes, Limitada”, de que é empregado, transportando carga, no desenvolvimento da sua actividade remune- rada, dentro do seu horário de trabalho, no interesse e sob as ordens e direcção da mesma;
Ainda, subsidiariamente,
c) Na responsabilidade pelo risco, nos termos do art. 506º do Código Civil, visto que: o QC-99-71 (veículo ligeiro de passageiros) tem uma envergadura de 1,50 metros e não pesa mais de 800 quilos, enquanto o 02-AH-93 tem a largura de 2,50 metros, sendo um veículo pesado de mercadorias, com o peso bruto de 26.000 kg e a tara de 13.600 kg, e, no momento do acidente, tinha o peso bruto de 31.500 kg; transportava 17.900 kg de mercadoria, quando só deveria transportar 12.400 kg; excedia em 5.500 kg o peso permitido e, por isso, nas circunstâncias concretas em que deflagrou o sinis- tro, comportava um risco muito superior ao risco de circulação do QC-99-71;
2ª Face ao que resultou provado na alínea E) da matéria assente e nos nºs 27º e 28º da base instrutória, deixou de incumbir aos autores a prova da culpa do facto ilícito (imputabilidade do acidente a título de mera culpa) de acordo com o disposto nos art. 483º e 487º, 1, do Código Civil, invertendo-se esse ónus probatório para a ré, na con-formidade da referida matéria de facto provada e do disposto no citado art. 487º, 1, e 503º, 3, do Código Civil; ou seja, deixaram de ser os autores a terem de provar a culpa do segurado da ré, passando a ser esta a ter de provar que não houve culpa do condu- tor do pesado AH;
3ª Ora, ponderando os factos provados nos nºs 14, 20 a 24, 26, 15 e 64, resulta que: o pesado AH transportava 5.500 kg a mais do que a sua carga permitida, tudo sig- nificando que o peso total do veículo em circulação era de 31.500 kg; saiu da sua faixa direita de rodagem e foi invadir a hemifaixa esquerda (considerando o seu sentido de marcha), onde foi embater no ligeiro QC; depois de embater no QC, dentro da hemifai- xa esquerda (considerando o sentido do AH), e, por isso, depois de o QC ter acabado de transpor a primeira hemifaixa da E. N. (a hemifaixa direita do AH); o pesado ainda arrastou, na sua frente, o QC, ao longo de 25,90 metros, acabando por se imobilizar no centro da metade esquerda da faixa de rodagem, tomando em atenção o seu sentido de marcha, em posição paralela e longitudinal ao eixo da via; e, ainda, que ficaram gra- vados no asfalto marcas de pneus provocadas pelo arrastamento do QC, desde o pon- to de embate até ao local onde se imobilizou, brechas no asfalto provocadas pela fric- ção do QC no pavimento, após o embate do AH, situadas dentro da metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido do AH; vidros, plásticos e líquidos;
4ª Assim, o condutor do AH violou, claramente, as regras básicas de circulação rodoviária inscritas nos arts. 13º, 24º e 57º do Código da Estrada, em vigor à data do acidente - Decreto-lei nº 114/94, de 2 de Maio;
5ª É certo que a sentença considerou e deu por provado que, “Vendo a sua linha de marcha barrada, o condutor do AH desacelerou, buzinou e desviou-se para a es-querda no intuito de, acreditando que o condutor do QC travava e se imobilizava, pas- sar pela frente deste e prosseguir a sua marcha em direcção a Arcos de Valdevez” e, por isso, considerou que não se pode “… inferir deste comportamento que o condutor segurado na R. actuou negligentemente, adoptando um comportamento diferente daquele que um homem medianamente sagaz e prudente assumiria”;
6ª Os apelantes não podem concordar com esta conclusão do Tribunal “a quo”, porque, por um lado, um profissional motorista de pesados “minimamente sagaz” não conduziria um veículo pesado como o dos autos, cujo peso total permitido em circula- ção é de 26.000 kg, com mais 5.500 kg do que o total permitido; em segundo lugar, ainda, que, com esse peso em excesso, imprimisse, como imprimia, velocidade de 80 km/h;
7ª Também, não se pode concordar com a conclusão tirada na sentença recorri- da que é a de considerar como normal ou adequado, que este mesmo condutor se tivesse desviado para a esquerda, invadindo a hemifaixa esquerda do seu sentido de trânsito, só por acreditar que o condutor do QC travava e se imobilizava, para, assim, poder passar pela frente deste;
8ª O que teria sido normal e adequado seria, em primeiro lugar, que o condutor do pesado não circulasse com mais 5.500 kg do que lhe era permitido; em segundo lugar que travasse eficazmente e não invadisse a hemifaixa esquerda; pois, se assim tivesse acontecido, como resulta da matéria provada, ele acabaria por lograr continuar em frente, circulando pela sua hemifaixa direita, sem embater no QC;
9ª Era este, e só este, o comportamento exigível para o condutor do AH;
10ª O embate aconteceu, todo ele, dentro da hemifaixa esquerda do pesado AH, o que, claramente, evidencia que o pesado poderia ter evitado o acidente, bastando, para tal, que não invadisse a sua hemifaixa esquerda, violando, como violou as normas dos arts. 13º e 24º do Código da Estrada; para o que teria contribuído, ainda, o facto de ele circular com aquele colossal excesso de carga, violando, outrossim, o disposto no art. 57º do Código da Estrada;
11ª Neste contexto, a ré não logrou ilidir a presunção de culpa estatuída no art. 503º, 3, do Código Civil, na medida em que não logrou provar que não houve culpa da parte do condutor do AH; antes pelo contrário, provou-se que o pesado circulava com excesso de carga, 5.500 kg, e que invadiu a hemifaixa esquerda, onde embateu no QC, sem que esteja provado que não poderia ter continuado a circular dentro da sua hemi- faixa direita – circunstância esta em que, manifestamente, o acidente não teria ocorri- do;
12ª A sentença parte dum pressuposto errado, quando entra na apreciação da matéria de facto;
13ª Esse pressuposto errado vem assim enunciado, logo no início da decisão de mérito – fls. 6 (in fine) e fls. 7 da sentença “……tudo está em saber se é possível esta- belecer um nexo de imputação daquele facto ao agente: poderá, efectivamente, impu- tar-se ao segurado na ré a responsabilidade pelo acidente a título de mera culpa?”
14ª É aqui que radica o erro de direito, pois, como demonstrado deixamos, com a matéria provada na alínea E) da matéria assente e nos factos 27º e 28º da base ins- trutória, inverteu-se o ónus da prova (ex vi: art. 503º, 3, e 487º, 1, parte final, do Código Civil), revertendo, por via disso, sobre a ré o ónus de provar que não houve culpa do condutor do pesado no acidente; o que, como acreditamos ter demonstrado, não logrou provar;
15ª Por isso, a sentença do Tribunal “a quo” violou, claramente, o disposto no art. 503º, 3, e 487º, 1, parte final, do Código Civil, ao não ter levado em devida conta que o condutor do pesado violou aquelas apontadas regras dos arts. 13º, 24º e 57º do Código da Estrada e incorreu, ainda, no vício substancial de erro de julgamento sobre o mérito da causa;
16ª Subsidiariamente, ao que fica alinhado nos nºs 1 a 15 destas conclusões, na sequência do alegado na petição, caso se entendesse que a prova estabelecida não conduzia a qualquer juízo de censura sobre qualquer um dos intervenientes no aciden- te, o tribunal deveria lançar mão do disposto no art. 506º do Código Civil, visto que, tal como alegado pelos apelantes, ficou demonstrado que: “O QC-99-71 tem uma enver- gadura de 1,50 metros e não pesa mais de 800 quilos; enquanto o 02-AH-93 tem uma envergadura ou largura de 2,50 metros, é um veículo pesado de mercadorias, com o peso bruto de 26.000 kg, sendo a tara de 13.000 kg, e, no momento do acidente, tinha o peso bruto de 31.500 kg; transportava 18.500 kg de mercadoria, quando só deveria transportar 13.000 kg, excedendo em 5.500 kg o peso permitido – factos 25, 26, 15 e 64 da base instrutória;
17ª Por isso, nas circunstâncias concretas em que deflagrou o acidente, o veícu- lo pesado comportava, manifestamente, um risco muito superior ao risco de circulação do ligeiro de passageiros QC-99-71; consequentemente, a responsabilidade pelos da-nos apurados na acção deveria ser repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos intervenientes contribuiu para o acidente;
18ª Nesse caso, o pesado circulava na estrada com um peso total de 31.500 kg e o QC com 800 kg; isto é o pesado representava, 39 vezes e meia o peso do ligeiro; além disso, tem mais um metro de envergadura. Se efectuarmos uma projecção mate- mática desta colossal diferença de risco aportada por cada um dos veículos, chegare- mos a valores de contribuição de risco do pesado da ordem dos 97% e de 3% para o ligeiro, porém, passando ao lado desse rigor matemático, sempre seria prudencial atri- buir 90% de contribuição no risco inerente ao pesado e 10% no risco do ligeiro;
19ª Assim, a sentença teria violado, por omissão de aplicação, o disposto no art. 506º do Código Civil;
20ª Por fim, ainda sempre subsidiariamente, face à matéria provada e referida nos números antecedentes destas conclusões, sempre o Tribunal “a quo” deveria ter considerado que a culpa não poderia deixar de ser assacada, também, ao condutor do pesado e, por isso, deveria considerar que ambos os condutores teriam contribuído para o acidente, numa repartição de culpa que deveria ser dividida na proporção de 30% para o veículo ligeiro e de 70% para o veículo pesado segurado na ré;
21ª Nessa medida, a sentença teria feito errada aplicação do direito à matéria de facto provado, incorrendo, assim, no vício substancial de erro de julgamento na apreci-ação do mérito da acção;
22ª Os danos provados estão elencados na matéria provada, que nos escusa- mos de repetir e para a qual nos remetemos; devendo os montantes indemnizatórios obedecer aos pedidos formulados na petição e à matéria provada.
***
A recorrida contra-alegou, propugnando pela confirmação da sentença e, subsi-diariamente, prevenindo a hipótese de a mesma não vir a ser confirmada nos seus precisos termos, ampliou o âmbito do recurso, de forma a:
a) Ser reapreciada a decisão da matéria de facto, no que respeita ao quesito 49º da base instrutória, considerando-se provado que, no termo da via proveniente do lugar de Pias, no limiar do seu entroncamento com a EN nº 101, existia um sinal de paragem obrigatória, "STOP", confirmando-se, ainda que por fundamento diverso, a sentença;
b) Ou, considerar-se esse facto assente, nos termos do art. 490º, 2, do CPC, face ao que foi alegado no artigo 9º da petição inicial e no artigo 4º da contestação;
c) Assim não se entendendo, anular-se oficiosamente a decisão da matéria fácti- ca, face à contradição entre a não consideração desse facto (e, consequentemente, a fundamentação da sentença) e a decisão, ordenando-se a repetição do julgamento, para apuramento da existência ou não do aludido sinal, nos termos do art. 721º, 4, do CPC, ou, em alternativa, declarar-se nula a decisão, ordenando a repetição do julga- mento, de harmonia com o art. 668º, 1, c), do mesmo diploma;
d) Ainda em alternativa, caso se não venha a considerar assente a matéria da parte final do artigo 9º da petição inicial e do artigo 4º da contestação, ordenar-se que o Tribunal «a quo» fundamente a resposta ao quesito 49º da base instrutória, nos termos do artigo 712º, 5, do CPC, já que é manifesta a insuficiência de fundamentação.
Apresentou alegações e formulou extensas conclusões que, a seguir, de algum modo se resumem:
1ª Foi alegado por ambas as partes, que no termo da estrada camarária pela qual progredia o QC existia um sinal de paragem obrigatória "STOP", matéria de excepção que foi expressamente aceite;
2ª Assim sendo, este facto está assente – cfr. o art. 490º, 2 do CPC;
3ª A existência desse sinal de paragem obrigatória resulta, ainda, do teor do documento junto com a petição inicial sob o nº 7, Auto de Participação de Acidente elaborado pela GNR;
4ª Por outro lado, decorre da fundamentação da sentença que o julgador (como as partes) nenhuma dúvida tinham sobre a existência desse sinal, tanto mais que se considerou que a responsabilidade pela verificação do acidente seria de atribuir ao condutor do QC, por violação do dever de ceder passagem;
5ª Só por manifesto lapso não figurou no elenco de factos assentes a existência do sinal de STOP, provavelmente por não ter sido dada a resposta restritiva que se impunha ao quesito 49º da base instrutória, isto é, ainda que se tivesse dado como não provado que o condutor do QC não parou, sempre se teria que dar como provada a existência do sinal de paragem obrigatória;
6ª Além disso, se não fosse dada como assente a existência do sinal STOP, ocorreria uma manifesta contradição entre a decisão e os seus fundamentos, o que redundaria numa nulidade da sentença, de harmonia com o que estabelece o art. 668º, 1, c), do CPC;
7ª Na verdade, a sentença baseia-se no pressuposto, aceite por todas as partes, de que sobre o condutor do QC impendia o dever de ceder passagem ao AH, precisa- mente pela existência desse sinal;
8ª De todo o modo, atendendo ao teor da decisão (que considerou que o condu- tor do QC estava adstrito ao dever de ceder passagem) e caso se considere que a factualidade provada não permite concluir de forma cabal nesse sentido (o que de forma alguma se concede), sempre deverá a Relação anular a decisão da matéria de facto e ordenar a repetição do julgamento, para apuramento da existência ou não do aludido sinal de STOP, ampliando-se, nesse sentido, a matéria de facto, nos termos do disposto no art. 721º, 4, do CPC;
9ª Por outro lado, a resposta ao quesito 49º da base instrutória (que foi dado como não provado) não está devidamente fundamentada, já que o julgador refere apenas, quanto a esse quesito, que “sobre a conduta do Carlos Ponte antes de pene-trar na EN 101 não foi produzida qualquer prova e daí a resposta negativa aos quesitos 3, 6, 8 e 49 e restritiva ao quesito 4 (o facto de se ter dado como provado que reduziu a velocidade resulta das regras da experiência comum)”;
10ª Ora, a fundamentação da resposta dada ao quesito 49° demonstra que o jul- gador apenas quis justificar o motivo pelo qual dava como não provado que o condutor do QC não tivesse parado junto ao STOP, em momento algum da fundamentação refe- rindo que não deu como provada a existência desse sinal, porque ele não existia ou porque não tenha sido produzida prova nesse sentido;
11ª Assim, é manifesto que a resposta ao quesito 49º da base instrutória não se encontra devidamente fundamentada, pelo que, não se considerando assente por acor- do das partes, a existência desse sinal, deverá o Tribunal da Relação, nos termos do artigo 712º, 5, do CPC, ordenar que o Tribunal «a quo» fundamente a resposta a esse quesito;
12ª De todo o modo, sempre se provou que, antes da área do entroncamento, se encontrava implantado um sinal vertical na berma direita da EN nº 101, atento o sentido de circulação do AH, de aproximação de estada sem prioridade à direita (Sinal 69 d do Regulamento de Sinalização de Trânsito);
13ª Ambas as partes e, bem assim, o julgador assumem e reconhecem a exis-tência desse dever de cedência de passagem por parte do tripulante do QC;
14ª A factualidade demonstrada em audiência de julgamento aponta, indiscutí-velmente, para a violação desse dever de cedência de passagem por parte do condutor do veículo ligeiro (QC);
15ª Em face do exposto, foi plenamente ilidida a presunção de culpa que incidia sobre o tripulante do AH;
16ª O alegado excesso de carga transportada pelo AH constitui (sem que se conceda) uma infracção totalmente irrelevante para a ocorrência do acidente, já que se provou que o QC invadiu a faixa de rodagem, num momento em que o AH se encontra- va a uma distância de cerca de 50 metros do entroncamento;
17ª Esta distância era manifestamente insuficiente para que o condutor do AH tivesse podido evitar o acidente, fosse com a carga que transportava, fosse com carga mais reduzida;
18ª Daí que não haja qualquer causalidade adequada entre a ocorrência do si-nistro e esse transporte, nem se provou que esse excesso de carga tenha contribuído para a eclosão do acidente;
19ª A eventual infracção do art. 57º do Código da Estrada, que é invocada pelos recorrentes, não teria sido praticada pelo condutor do veículo, mas sim pelo titular do documento de identificação deste, conforme estabelece o art. 135º, 3, alínea b), desse diploma, já que se trata de alegada violação das condições de admissão daquele ao trânsito nas vias públicas;
20ª A velocidade de que ia animado o AH mantinha-se abaixo do limite legal para o local onde ocorreu o acidente, pelo que não pode ser considerada excessiva;
21ª Tão-pouco relevaria para a ocorrência do acidente, já que a causa deste se encontra na invasão intempestiva da via pelo QC;
22ª O desvio à esquerda feito pelo condutor do AH, na iminência do embate, não pode ser encarado como uma actuação reprovável desse automobilista, mas sim como uma tentativa de evitar o acidente, que só pode ser louvada;
23ª Com efeito, não obstante tivesse a faculdade de passar no entroncamento, sem se desviar ou reduzir o seu andamento, o condutor do AH adoptou um procedi-mento que seria, em princípio, idóneo ao fim pretendido, que era o de evitar o embate;
24ª Esse procedimento constitui, assim, uma manobra de salvamento que teria realmente evitado o sinistro, se o condutor do QC tivesse, ainda que tardiamente, imo-bilizado a sua viatura na metade direita da faixa de rodagem, o que, não obstante os sinais sonoros emitidos pelo AH, não fez;
25ª Assim, também se poderá afirmar que, caso o condutor do QC tivesse ficado na hemifaixa direita de rodagem, ao invés de prosseguir a sua marcha, o acidente teria sido evitado;
26ª Além disso, não é certo que, mesmo que o AH se tivesse mantido na sua mão de trânsito, o acidente não teria ocorrido, pois provou-se que apenas invadiu parci- almente a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu rumo, mantendo-se ainda, em parte, na metade direita e não se provou que o QC já ocupasse, totalmente, a metade esquerda;
27ª A douta sentença não violou as normas invocadas pelos recorrentes, mas nela terá, por lapso, sido omitida a referência à existência do sinal STOP no entronca- mento, em violação do disposto no artigo 490º, 2, do CPC, lapso esse que deverá ser corrigido em sede de recurso;
28ª Obteve a recorrida nesta acção vencimento de causa, pelo que não lhe seria lícito recorrer - cfr. o art. 680°, 1, do CPC;
29ª Todavia, para a hipótese de não ser confirmada, pelos seus exactos funda- mentos, a decisão em crise, não terá a recorrida tido vencimento em todos os funda- mentos da sua defesa, já que, por manifesto lapso, entendeu o Sr. Juiz dar como não provada a matéria do quesito 49° da douta base instrutória;
30ª Tal decisão não é sustentável em face da prova produzida que impunha res- posta positiva, ou seja, que se tivesse dado como provado que, no termo da estrada camarária, conducente ao lugar de Pias, no limiar do entroncamento dela com a EN nº 101, existia um sinal "STOP";
31ª Ora, não tendo sido dada como provada essa matéria e para a hipótese de não ser confirmada, pelos seus exactos fundamentos, a sentença, deverá ser ampliado o objecto do recurso, de forma a ser apreciada igualmente pela Relação a decisão da matéria de facto e, em particular, a que recaiu sobre o quesito 49° da base instrutória, bem como a nulidade da sentença, necessidade de ampliação da matéria de facto ou de fundamentação da mesma;
32ª Os depoimentos das testemunhas Manuel Isaías Lopes, Victor Alexandre Trilho, e Erminda da Conceição Torres Gomes Aperta, impõem decisão diversa da que foi proferida quanto à matéria do aludido quesito 49º, no sentido de dar como provado que “no termo da estrada camarária conducente ao lugar de Pias, no limiar do entron- camento dela com a EN nº 101, existia um sinal STOP”, pelo que se impugna a decisão proferida quanto a esse quesito;
33ª Nesse mesmo sentido, será de considerar o auto elaborado pela GNR, cons- tante de fls. 42 e 43, que retrata o que foi percepcionado minutos depois da ocorrência do acidente pelo agente da GNR que se deslocou ao local, e no qual está assinalada a existência, no termo da estrada proveniente de Pias e no limiar do seu entroncamento com a EN nº 101, o aludido sinal "STOP";
34ª Aliás, esse facto foi admitido por acordo de ambas as partes, como resulta dos artigos 9° da petição inicial e 4° da contestação;
35ª E, face à demonstração desse facto, conjugado com a demais matéria fácti- ca provada, em audiência, dúvidas não pode haver quanto à total imputação do aci-dente à conduta do malogrado Carlos Parente, o que impõe a absolvição da ré, com a inerente confirmação da sentença sob censura, ainda que com fundamento diverso;
36ª Na parte em que é posta em causa a douta sentença pela, ora, recorrida, foi violada a norma dos arts. 655º, 668º, 1, c), e 490º do CPC.
***
O recurso foi admitido como apelação, com efeito devolutivo.
***
II. Questões a equacionar:
Uma vez que o âmbito dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 690º, 1, e 684º, 3, do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Dec.-Lei nº 303/207, de 24/VIII), importa apreciar as questões que delas fluem. Assim, «in casu», há que ponderar:
- A alteração da decisão sobre a matéria de facto;
- A culpa pela ocorrência do sinistro;
- Apresunção de culpado condutor do veículo pesado;
- A responsabilidade pelo risco.
***
III. Fundamentação: A) Da alteração da decisão sobre a matéria de facto:
A recorrida ampliou o âmbito do recurso, nos termos do art. 684º-A, 2, do Cód. Proc. Civil, visando a ampliação da matéria de facto, no que respeita à existência de um sinal de «STOP», no ponto em que a estrada municipal de onde provinha o sinistrado entronca com a EN nº 101.
De harmonia com o disposto no art. 712º, 1, a), do Cód. Proc. Civil, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa.
Também é ponto assente, ao nível da jurisprudência, que a selecção da matéria de facto não faz caso julgado, podendo vir a ser alterada, mesmo em sede de recurso.
Ora, temos que no art. 9 da petição inicial, com referência aos arts. 5, 6 e 8, os autores alegaram que, na estrada municipal por onde circulava o sinistrado, junto do entroncamento com a EN nº 101, existia um sinal de «STOP». Por sua vez, a ré alegou o mesmo no art. 4º da contestação.
Assim, a existência desse sinal constitui um facto admitido por acordo das partes, de harmonia com o art. 490º, 2, do Cód. Proc. Civil, o qual também está docu- mentalmente provado, por via da «participação de acidente de viação» de fls. 42 e 43.
Nesta conformidade, impõe-se aditar esse facto à factualidade assente. Assim, decide-se acrescentar um nº 41 ao elenco de factos provados, com a seguinte redac- ção: Na data do acidente, existia, na estrada municipal que, do interior da freguesia de Pias, Monção, vem entroncar com a EN nº 101, logo antes do ponto de intersecção das duas vias, um sinal de «STOP».
***
B) Factos provados:
Estão assentes os seguintes factos:
1. No dia 30.11.2005, morreu C …, nascido a 22.03.1934, filho de M… e de G …, no estado civil de casado, em primeiras e únicas núpcias de ambos, desde 29.01.1955, com A … – A);
2. Do casamento de C … com A … nasce ram os seguintes quatro filhos: MJ, M D..., JC … e JL … – B);
3. JC …. está interditado por sentença de … do Tribunal Judicial de Monção, tendo sido nomeada tutora sua irmã MD – C);
4. O entroncamento da estrada municipal que provém do interior da freguesia de Pias, Monção, com a EN 101 que liga Monção a Arcos de Valdevez, situa-se ao km 22,550 da EN 101, na freguesia de Pinheiros, Monção, do lado direito desta, atento o sentido de trânsito Monção / Arcos de Valdevez – D);
5. No dia 30.11.2005, o veículo pesado de mercadorias com a matrícula 02-AH- -93, de serviço particular, propriedade da sociedade comercial com a firma “J. S. Gomes, Limitada”, com sede no largo da Lapa, n.º 38, Arcos de Valdevez, circulava pela EN 101, no sentido Monção / Arcos de Valdevez, tripulado por António Duarte Ferreira Torres – E);
6. No local do acidente, tendo em atenção o sentido Monção/Arcos de Valdevez, a faixa de rodagem da EN 101 tem 7,20 metros de largura, a berma direita pavimentada tem 0,50 metros, a berma direita em terra batida tem 0,90 metros, a berma esquerda pavimentada tem 0,70 metros, a berma esquerda em terra batida tem 2,30 metros – F);
7. Na ocasião do acidente, o asfalto encontrava-se em bom estado de conserva- ção e o tempo estava seco – G);
8. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 0001251741 (ao tempo do acidente era o certificado provisório n.º 3883554), celebrado entre a sociedade comercial “J. S. Gomes, Limitada”, e a R. “Companhia de Seguros Tranquilidade, S. A.”, encontrava-se transferida para esta a responsabilidade civil por danos causados a terceiros, originados pela circulação do veículo AH – H);
9. Correram termos os autos de inquérito n.º 259/05.7GAMNC, por homicídio por negligência, em que foi constituído arguido o condutor do AH, tendo sido arquivado por não terem sido recolhidos indícios suficientes da prática do crime (despacho de arquivamento de fls. 45 a 53) – I);
10. C … era o beneficiário nº 114052208 do Centro Nacional de Pensões – J);
11. Em consequência do falecimento de C …, o Instituto de Segurança Social (Centro Nacional de Pensões) pagou a A …, até ao dia 25 de Fevereiro de 2009, a quantia de 2.248.44 €, a título de subsídio de morte e 7.840,94 €, a título de pensões de sobrevivência. O Instituto de Segurança Social (Centro Nacional de Pensões) continuará a pagar a pensão de sobrevivência a A … enquanto esta se mantiver nas condições previstas para o efeito, com inclusão de um 13º mês de pensão em Dezembro e de um 14º mês em Julho de cada ano – K);
12. O veículo automóvel ligeiro, marca Opel, matrícula QC-99-71, foi rebocado desde o local do acidente até à garagem que o recolheu, no que os autores despen- deram 48,40 € – L);
13. O QC valia, à data do acidente, 500,00 € e os seus salvados, após o acidente, 5,00 € – M);
14. No dia 30.11.2005, C … conduzia o QC, na estrada municipal que, do interior da freguesia de Pias, Monção, vem entroncar com a EN 101 que liga Monção a Arcos de Valdevez. C … circulava na metade direita da faixa de rodagem da dita estrada municipal, em direcção à EN 101 – 1º e 2º;
15. C … aproximou-se do referido entroncamento e reduziu a velocidade, uma vez que pretendia entrar na EN 101 e virar à sua esquerda, tomando o sentido de trânsito Arcos de Valdevez / Monção – 4º, 5º e 50º;
16. Quem, como o C …, pretender entrar na EN 101 nesse entroncamento, tomando a direcção de Monção, tem uma visibilidade para esse lado da EN 101 que não vai além dos 76 metros – 7º e 48º;
17. Instantes antes do acidente, o AH circulava pela metade direita da faixa de rodagem da EN 101, atento o sentido Monção/Arcos de Valdevez em que seguia – 11º e 45º;
18. O condutor do AH alcançou a visibilidade do entroncamento à distância de 76 metros do mesmo. Circulava então a cerca de 80 km/h – 12º, 14º e 45º;
19. O embate entre o QC e o AH ocorreu dentro da metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido do AH, a cerca de 2,80 metros da linha delimitadora da berma desse lado esquerdo. Em seguida, o AH arrastou o QC à sua frente ao longo de 25,90 metros, acabando por se imobilizar ao centro da metade esquerda da faixa de rodagem, tomando em atenção o seu sentido de circulação, em posição paralela e longitudinal ao eixo da via, enquanto o QC ficou em posição perpendicular à via, com a frente virada para a berma esquerda, atendo o indicado sentido – 20º a 23º;
20. Ficaram gravados no asfalto os seguintes vestígios: marcas de pneus provo- cadas pelo arrastamento do QC, desde o ponto de embate até ao local onde se imobilizou; brechas no asfalto, provocadas pela fricção do QC no pavimento, após o embate do AH, situadas dentro da metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido deste (AH); vidros, plásticos e líquidos – 24º;
21. O QC tem uma envergadura de 1,50 metros e peso de 800 kg – 25º;
22. O AH tem uma envergadura ou largura de 2,50 metros e é um veículo pesado de mercadorias com peso bruto permitido de 26.000 kg e tara de 13.000 kg – 26º;
23. Na ocasião do acidente, A … era empregado da “J. S. Gomes, Limitada”, com as funções de motorista, e tripulava o AH com autorização e conhecimento da sociedade proprietária, no desenvolvimento da sua actividade remunerada por conta desta, dentro do seu horário de trabalho e em cumprimento de ordens que lhe foram transmitidas – 27º e 28º;
24. O QC pertencia, na ocasião do acidente, a C … – 29º;
25. Após o acidente, C … foi conduzido de emergência para o Centro de Saúde de Monção, onde, em consequência das lesões físicas directa e necessariamente resultantes do acidente, veio a falecer às 11 horas e 50 minutos – 30º e 31º;
26. Com o funeral de C …, A … despendeu a quantia de 1.205,00 €. Nos serviços complementares do funeral, A … despendeu 170,00 € – 32º e 33º;
27. Na sequência do acidente, o QC ficou totalmente destruído e insusceptível de reparação – 34º;
28. A … sofreu choque com a morte de seu marido. Dedicavam-se mutuamente afecto e carinho, desde há 50 anos – 39º e 40º;
29. A … tinha, à data do acidente, dificuldade para se locomover, tendo feito seis intervenções cirúrgicas de ortopedia anteriores, com implantes ósseos na anca e joelhos. Era C … quem fazia as compras para casa, conduzia A … ao médico e para fazer tratamentos, a tirava de casa e a levava a passear ou a conduzia à vila de Monção – 41º e 42º;
30. Agora, A … sente-se só, sem a companhia e o amparo do marido – 43º;
31. Os quatro filhos do casal mantinham convivência com o pai e tratavam-se com carinho e afecto, sendo visitas regulares nas casas uns dos outros – 44º;
32. Antes da área do entroncamento referido em 4., encontra-se implantado um sinal vertical, na berma direita da EN 101, atento o sentido de marcha do AH, de aproximação de estrada sem prioridade à direita (sinal b9d do Regulamento de Sinalização de Trânsito) – 46º;
33. No local do sinistro, o traçado da EN 101 configura uma recta com mais de 100 metros de extensão – 47º;
34. Quando o C … penetrou na EN 101, o AH encontrava-se a cerca de 50 metros do referido entroncamento, sendo, portanto, já visível – 13º, 16º e 51º;
35. C … invadiu a faixa de rodagem da EN 101, com a marcha do QC em sentido diagonal relativamente ao eixo da via, enviesando à sua esquerda e sem dar a parte lateral esquerda do veículo que conduzia à zona central do entroncamento – 9º, 10º e 52º;
36. C … invadiu a faixa de rodagem da EN 101, sem se certificar previamente de que a sua entrada na EN 101 se faria sem perigo de causar um acidente – 54º;
37. A manobra descrita em 35. cortou a linha de rumo do AH – 55º;
38. Vendo a sua linha de marcha subitamente barrada, o condutor do AH desacelerou, buzinou e desviou-se para a esquerda, no intuito de, acreditando que o condutor do QC travava e se imobilizava, passar pela frente deste e prosseguir a sua marcha em direcção a Arcos de Valdevez; para tanto, o AH invadiu parcialmente a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido Monção/Arcos de Valdevez. Mas o QC prosseguiu inalterada a sua marcha, razão por que o condutor do AH travou, acabando, porém, por embater com a sua dianteira na parte lateral esquerda do QC. Na altura do embate, a velocidade do AH era de cerca de 50 km/hora – 17º, 19º, 56º a 60º;
39. O choque entre o QC e o AH ocorreu em plena área do entroncamento – 60º-A;
40. No momento do acidente, o AH tinha o peso bruto de 31.500 kg, transportando 18.500 kg de mercadoria, pelo que excedia em 5.500 kg o peso permitido (de acordo com o referido em 26). Apesar disso, e após a chegada dos agentes da Guarda Nacional Republicana que acudiram ao local depois do acidente, o AH foi autorizado a prosseguir a sua marcha – 15º e 64º;
41. Na data do acidente, existia, na estrada municipal que, do interior da fregue- sia de Pias, Monção, vem entroncar com a EN nº 101, logo antes do ponto de inter- secção das duas vias, um sinal de «STOP».
***
C) Enquadramento jurídico: 1) A culpa pela ocorrência do sinistro:
Os apelantes sustentam que o sinistro ocorreu por culpa do condutor do veículopesado de mercadorias, por, no seu entender, este ter invadido, brusca e inopinada- mente, a metade esquerda da faixa de rodagem, considerando o sentido em que se- guia, tendo violado o disposto nos arts. 13º e 24º do Código da Estrada.
Do mencionado art. 13º, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei nº 44/2005, de 23/II, vigente à data do sinistro, resulta que: «o trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes» - nº 1; e só sendo permitido utilizar «o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direcção» - nº 2.
Por seu turno, o aludido art. 24º estatui, no seu nº 1, que: «O condutor deve re-gular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensi- dade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especial- mente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente».
No que respeita à chamada «posição da marcha» (mencionado art. 13º), da factualidade a que se reportam os nºs 17, 19, 34, 35, 36, 37, 38 e 39 do elenco de factos provados resulta, sem margem para dúvidas, que o veículo pesado de merca- dorias circulava pela hemifaixa de rodagem do lado direito, atento o sentido em que seguia, tendo o respectivo condutor sido forçado a guinar para a hemifaixa esquerda, visando desviar-se da viatura ligeira que, inopinadamente, lhe estava a cortar a linha de circulação, interpondo-se na sua frente. Na verdade, o condutor do automóvel ligeiro entrou com ele na EN nº 101, em diagonal relativamente ao eixo da via, provindo de uma via municipal que com esta entronca do lado esquerdo (nºs 14, 15 e 35), com o fito de virar à esquerda, sem ter em atenção a aproximação do veículo pesado - nºs 14, 15, 35 e 36. Nesta conformidade, impõe-se a conclusão de que o condutor do pesado invadiu a hemifaixa esquerda, em manobra de recurso ou de salvamento («manoeuvre de sauvetage», como dizem os franceses), visando evitar o embate na viatura condu- zida pelo sinistrado. Ora, assim sendo, essa manobra está perfeitamente justificada, não constituindo qualquer infracção, e só não foi suficiente para evitar o acidente, porque o condutor do ligeiro não reagiu travando e, pelo contrário, continuou a atraves- sar a estrada nacional, apesar de o tripulante do pesado ter buzinado a avisá-lo da situação de perigo.
No que tange à velocidade (mencionado art. 24º, 1), da factualidade a que se reportam os nºs 17, 18, 34 e 38, parte final, do elenco de factos provados, temos que, o veículo pesado, quando ainda transitava na hemifaixa de rodagem do lado direito, atento o sentido em que seguia, e estava a 76 metros do «entroncamento», circulava a cerca de 80 km/hora (nºs 17 e 18), tendo o respectivo condutor reduzido a velocidade, de tal sorte que, no momento do embate, esta era da ordem dos 50 km/hora (nº 38, parte final); e, no momento em que a viatura ligeira «penetrou na EN 101», o pesado estava a cerca de uns escassos 50 metros do «entroncamento» (nº 34), sendo certo que o sinistrado tentou fazer a travessia em diagonal relativamente ao eixo da via (nº 35), o que contribuiu para encurtar essa distância.
Assim, em termos objectivos, uma vez que transitava numa estrada nacional, o veículo pesado podia circular legalmente a 80 km/hora – cfr. o art. 27º, 1, do Código da Estrada.
Em face das condições da via e demais circunstâncias, tendo aquela traçado rectilíneo (nº 33) e encontrando-se livre, sendo ainda certo que na mesma estava implantado um sinal que indicava que, do lado direito, entroncava com uma estrada sem prioridade (Sinal B9d), indicativo de que os condutores que nela transitassem estavam obrigados a ceder passagem aos veículos que circulassem na estrada prioritária (EN nº 101), o tripulante da viatura pesada não tinha motivos para diminuir a velocidade; isto, apesar do art. 25º, 1, f), do mesmo código, estipular que, «sem prejuí- zo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade, nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida». Aliás, de qualquer modo, o condutor do pesado reduziu a velocidade de cerca de 80 km/hora (nº 18) para cerca de 50 km/hora (nº 8, parte final). Mas a verdade é que não travou a fundo, porque optou por se desviar para a esquerda, em manobra de recurso.
Ainda, a existência do aludido sinal B9d implica que na estrada sem prioridade exista o sinal B1 (aproximação de estrada com prioridade) ou B2 («STOP», paragem obrigatória antes do cruzamento ou entroncamento) e, «in casu», provou-se que o condutor do veículo ligeiro se deparou, antes de entrar no «entroncamento» com este último sinal – cfr. o nº 41 do elenco de factos provados.
E, nesta conformidade, o condutor do veículo pesado não estava obrigado a prever que o condutor da viatura ligeira se iria atravessar à sua frente, cortando-lhe a linha de circulação. Na verdade, ele não tinha que prever a imprudência alheia, nem contar com a negligência ou inconsideração do sinistrado – cfr., neste sentido, entre outros os AC. do STJ, de 05-04-1972, BMJ, nº 216, p. 76, e de 18-12-2007, Proc. 07A2732, este «in» www.dgsi.pt.
Neste último acórdão entendeu-se que:
- A velocidade desde que contida nos limites fixados por sinalização ou regra es-tradal, só está sujeita às condições concretas, a apreciar casuisticamente, como, por exemplo, o estado do piso, as características da faixa de rodagem, a intensidade do tráfego, a visibilidade do condutor, o estado do veículo e a situação meteorológica;
- Se o condutor vê, repentinamente, a sua faixa de rodagem invadida por um veículo vindo de via que entronca na sua, sem se deter perante um sinal de “stop”, cortando-lhe a linha de marcha, e se, não obstante, travou e tentou flectir para a esquerda, não pode ser-lhe imputada culpa no embate, apenas por se provar tripular um veículo pesado a circular a cerca de 80 km/hora, num local onde a sinalização, ou as regras estradais, não impunham menor velocidade.
Assim, tanto em termos objectivos, como em termos relativos não se pode concluir que a velocidade a que seguia o veículo pesado (que foi reduzida de cerca de 80 km/hora para cerca de 50 km/hora) fosse excessiva.
É certo que o condutor do veículo pesado não conseguiu parar no espaço que tinha livre à sua frente, cerca de uns escassos 50 metros até ao «entroncamento» (nº 34), distância que, como o condutor da viatura ligeira entrou na EN nº 101, «em sentido diagonal relativamente ao eixo da via, enviesando à sua esquerda» (nº 35), logo foi substancialmente encurtada. Todavia, como já se disse, não travou a fundo, porque optou por guinar para a sua esquerda, em manobra de salvamento.
Mas, conforme pode ver-se no Manual de Acidentes de Viação da autoria do Dr. Dario Martins de Almeida, 2ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1980, p. 485, a uma velo- cidade de 80 km/hora, um veículo com travões de disco à frente e hidráulicos à reta- guarda, numa situação de pavimento seco e travagem vigorosa, carece de 45,46 me- tros para se imobilizar, incluída a distância percorrida no tempo de reflexo ou de reac- ção que é de ¾ de segundo (cfr. ob. cit. p. 482) – a tabela inserta no Código da Estrada da autoria de António Augusto Tolda Pinto, 2ª ed., 2005, Coimbra Editora, p. 70, é igual à que consta do aludido Manual. E, tratando-se de um veículo pesado de mercadorias carregado, a eficácia da travagem tende a diminuir, em função da maior energia ciné- tica.
Ora, dispondo de uns escassos 50 metros ou até menos, quando o ligeiro começou a entrar na estrada, numa trajectória de colisão com o veículo por si tripulado e a reduzir-lhe progressivamente essa distância, o condutor do pesado desacelerou, buzinou, desviou-se para a hemifaixa esquerda e travou (nº 38), numa manobra de recurso que se configurava adequada a evitar o embate. Mas como o condutor do automóvel ligeiro, em vez de travar, prosseguiu na sua trajectória o embate tornou-se inevitável.
Importar vincar que nada fazia prever que o condutor do pesado tivesse de manobrar para evitar embater num veículo que inopinadamente se atravessou à sua frente. Donde, faltando elementos que implicassem essa previsão, não é aplicável a parte final do mencionado art. 24º, 1.
É certo o veículo pesado, tendo um peso bruto de 31.500 kg, transportava 18.500 kg de mercadoria (asfalto), excedendo a carga máxima em 5.500 kg. Ora, em conformidade com o art. 57º do Código da Estrada, «não podem transitar nas vias públicas os veículos cujos pesos brutos, pesos por eixo ou dimensões excedam os limites gerais fixados em regulamento». Todavia, as autoridades policiais costumam dar uma tolerância, por se entender que, em muitos locais de carga, não existem ade-quados meios de pesagem. E, tanto assim que, aquando do sinistro, os elementos da GNR que tomaram conta da ocorrência permitiram que o veículo seguisse viagem – cfr. o nº 40 do elenco de factos provados.
Não se pode escamotear que esse excesso de carga pode ter tido alguma influência, por mínima que seja, no alongamento do espaço de travagem. Apesar disso, entendemos que essa infracção não foi causal do sinistro, pois este sempre acontece- ria com as mesmas consequências, mesmo que não existisse esse excesso – basta atentar no nº 19 do elenco de factos provados. E, reitera-se, a distância de travagem também foi alongada pelo facto de o condutor do pesado não ter travado vigorosa-mente, para conseguir guinar para a esquerda, em manobra de recurso.
Por sua vez, o condutor da viatura ligeira, pretendendo entrar numa estrada com prioridade, e tendo deparado com o sinal B2 («STOP» que lhe impunha que parasse, antes de entrar na intersecção das vias, e cedesse a passagem aos veículos que circulassem na estrada nacional (via prioritária), sendo ainda certo que, como resulta do nº 16 do elenco de factos provados, podia, se seguisse com atenção, ter avistado o pesado a aproximar-se, do seu lado esquerdo, a uma distância na ordem dos 76 metros, nem sequer deveria iniciar o atravessamento da estrada nacional. Ora, tendo iniciado a travessia do modo inopinado que ficou referido, é evidente que postergou o comando geral do art. 35º, 1, do Código da Estrada, o qual lhe impunha que só efectuasse essa manobra por forma a que dela não resultasse perigo, bem como o princípio geral do art. 29º, 1, do mesmo código, que o obrigava a ceder a passagem, para além de não ter respeitado a obrigação de parar e também ceder a passagem aos veículos que circulassem na via prioritária em que pretendia passar a transitar que lhe era imposta pelo referido sinal B2 («STOP»). E, tendo avançado em diagonal, também não respeitou a norma do art. 44º, 2, do código em referência, que o obrigava a «dar a esquerda ao centro de intersecção das duas vias».
É, assim, evidente que o sinistro radica na violação dos mencionados arts. 35º, 1, e 29º, 1, e no desrespeito do sinal B2 («STOP»), imputáveis ao sinistrado, a título de negligência grosseira, pois, ante a aproximação de um veículo pesado, a circular pela estrada prioritária, era-lhe exigível que respeitasse escrupulosamente esses coman- dos e lhe cedesse passagem; ou seja, o acidente resultou de culpa exclusiva do condu- tor do veículo ligeiro que, reitera-se, cortou, repentinamente, a linha de circulação do pesado, quando era esperável que o não fizesse e lhe cedesse passagem.
***
2) A presunção de culpa do condutor do veículo pesado:
Sustentam também os apelantes que sobre o condutor do veículo pesado im-pendia a presunção de culpa prevista no art. 503º, 3, do Código Civil, uma vez que conduzida sobre as ordens e direcção da respectiva entidade patronal. E que, como não provou que não teve culpa na ocorrência do sinistro, não ilidiu tal presunção, devendo ser responsabilizado em conformidade.
O mencionado art. 503º, 3, 1ª parte, estatui que: “Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte”.
Quanto a essa disposição legal, o Assento nº 1/83 do STJ, de 14-04-1983, publi- cado no Diário da República, I Série, nº 146 (suplemento), de 28-06-1983, firmou juris- prudência no sentido de que: “A primeira parte do nº 3 do artigo 503º do Código Civil estabelece uma presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem pelos danos que causar, aplicável nas relações entre ele como lesante e o titular ou titulares do direito a indemnização”.
O Prof. Antunes Varela, «in» Das Obrigações em Geral, 5ª ed., Livraria Alme- dina, Coimbra 1986, Vol. I., p. 620, encontra justificação para esta presunção de culpa, que inverte o ónus da prova relativamente à culpa em desfavor do condutor por conta de outrem, nos seguintes fundamentos:
“Há na condução por conta de outrem um perigo sério de afrouxamento na vigilância do veículo, que a lei não pode subestimar: o dono do veículo (muitas vezes, uma empresa cuja personalidade se dilui pelos gestores) não sente as deficiências dele, porque o não conduz; o condutor nem sempre se apresta a repará-las com a diligência requerida, porque o carro não é seu, porque outros trabalham com ele e o podem fazer, porque não quer perder dias de trabalho, ou por qualquer outra de várias razões possíveis. E há um outro perigo, não menos grave, em que confluem a cada passo a actuação do comitente e a do comissário, que é o da fadiga deste (causa de inúmeros acidentes), proveniente das horas extraordinárias de serviço: o comitente, para não admitir mais pessoal nos seus quadros; o comissário, para melhorar a sua remuneração.
Além disso, os condutores por conta de outrem são, por via de regra, condu- tores profissionais: pessoas de quem fundadamente se deve exigir (de acordo com o padrão aceite para a definição de negligência em geral) perícia especial na condução e que mais facilmente podem ilidir a presunção de culpa com que a lei os onera, quando nenhuma culpa tenha realmente havido da sua parte na verificação do acidente.
Por último, a presunção de culpa deliberadamente sacada sobre o condutor por conta de outrem (comissário), aliada à responsabilidade solidária que recai sobre o comitente (dono ou detentor do veículo), só pode estimular a realização do seguro da responsabilidade civil em termos que cubram todo o montante da indemnização a que possam estar sujeitos”.
Já se suscitou a constitucionalidade do aludido dispositivo, na interpretação que decorre do mencionado assento, por, alegadamente, postergar o princípio da igual- dade, mas o Tribunal Constitucional considerou-a conforme à Constituição, entendendo que não implica um tratamento arbitrário ou desrazoável – cfr., entre outros, Ac. nº 439/94, de 07-06-1994, publicado no Diário da República, II Série, nº 202, de 01-09- -1994, p. 9137 e segs.
No caso dos autos, é evidente que o condutor do veículo pesado conduzia por conta de outrem (a sua entidade patronal), patenteando-se uma relação de comissão.
Todavia, a indicada presunção de culpa, sendo «tantum juris», é ilidível, medi- ante prova em contrário (cfr. o art. 350º, 2, do código acabado de referir), conforme flui da expressão «salvo se provar que não houve culpa da sua parte». Ora, decorre da factualidade assente que o sinistro resultou da manobra imprudente e ilegal do condu- tor da viatura ligeira, como acima ficou dito.
Nesta conformidade, impõe-se concluir que o sinistro é imputável a culpa efecti-va do condutor da viatura ligeira, estando ilidida a presunção de culpa do condutor do veículo pesado.
***
3) A responsabilidade pelo risco:
Por último, também a título subsidiário, os apelantes sustentam que, não se pro- vando a culpa do condutor do veículo pesado, deverá considerar-se a responsabilidade pelo risco, em conformidade com o art. 506º do Cód. Civil.
Sucede que como referem os Profs, Pires de Lima e Antunes Varela, «in» Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, 1967, Vol. I, p. 350, nota 1, «não se pode admitir-se a concorrência entre o risco de um e a culpa do outro para respon-sabilizar os dois»; ou seja, a culpa e o risco repelem-se, não podendo coexistir. Se o acidente é imputável a culpa de algum dos intervenientes, está fora de causa que o outro haja de responder pelo risco, em termos de responsabilidade objectiva – cfr., neste sentido, o Ac. do STJ, de18-04-2006, Proc. 06A701 (rel: Sebastião Póvoas).
Na verdade, de acordo com a doutrina clássica, inspirada no pensamento do Prof. Antunes Varela, do artigo 505º do Código Civil infere-se que:
- A lei não exige que o acidente seja imputável ao lesado e/ou a terceiro a título de dolo ou culpa para que seja excluída a responsabilidade pelo risco; basta para isso que aquele seja devido, em termos de causalidade, a facto do lesado ou de terceiro;
- A verificação de qualquer uma das circunstâncias referidas nesse mesmo artigo exclui a responsabilidade objectiva do detentor do veículo, não se admitindo o concurso do perigo especial do veículo com o facto da vítima (mormente, o dolo ou a culpa), de modo a conduzir a uma repartição da responsabilidade.
Ora, no caso dos autos está provada a culpa do sinistrado.
É certo que, ultimamente, tem vindo a ser sustentada na doutrina e na jurispru- dência uma outra interpretação, considerando-se, no desenvolvimento aliás das ideias defendidas pelo Prof. Vaz Serra, nos trabalhos preparatórios do Código Civil, que o artigo 505º deve ser interpretado no sentido de nele se admitir a concorrência da culpa do lesado com o risco próprio do veículo, dele resultando que a responsabilidade objec- tiva do detentor, a que se reporta o art. 503º, 1, só é excluída quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo – cfr., neste sentido, os Ac. do STJ, de 21-01-2009, Proc. 08A3807 (rel: Salazar Casanova), e de 22-01-2009, Proc. 08B3404 (rel: Santos Bernardino), «in» www.dgsi.pt.
Todavia, mesmo para que perfilhe este entendimento, a responsabilidade pelo risco está excluída, pois ficou provada a culpa exclusiva (e até muito grave) do sinis-trado.
***
IV. Decisão:
Pelo exposto, decide-se julgar a apelação improcedente, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Guimarães, 2010-05-18
/António da Costa Fernandes/
/Isabel Maria Brás Fonseca/
/Maria Luísa Duarte/