CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
DONO DA OBRA
COORDENADOR DE SEGURANÇA
Sumário

A fiscalização da obra pelo seu dono prevista no Código Civil tem em vista assegurar o interesse particular deste no cumprimento do contrato, enquanto a nomeação de coordenador em obra, prevista no art.º 9.º n.º 2 do Decreto-Lei 273/2003,de 29.10, visa proteger o interesse público na adoção de medidas preventivas de segurança que reduzam, até onde for possível, os riscos decorrentes da prestação de trabalho donde possam resultar eventos danosos, ou seja, visa proteger a vida e a saúde humana.
(Sumário do relator)

Texto Integral

Processo n.º 952/16.9T8TMR.E1

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Recorrente: BB.
Recorrida: CC – Energia SA (arguida).

Tribunal Judicial da comarca de Santarém, Tomar, Instância Central, 2.ª Secção de Trabalho, J1.

1. A arguida veio interpor recurso de impugnação judicial da decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho, datada de 10/5/2016, que lhe aplicou a coima de € 6.100, pela prática de uma contraordenação ao disposto no art.º 9.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29/10.
A recorrente admitiu não ter nomeado um coordenador de segurança na obra, mas entendeu que tal não era exigível, pois era a dona da obra e que só teria de o fazer se aí interviessem duas ou mais empresas. A obra foi adjudicada apenas a um empreiteiro.
Terminou pugnando pela revogação da decisão da ACT.
O processo foi remetido a Tribunal, tendo o Ministério Público apresentado os autos.
O recurso foi liminarmente recebido neste tribunal, não tendo sido manifestada oposição à decisão por simples despacho, no qual foi decidido revogar a decisão de condenação proferida pela ACT e absolver a arguida da contraordenação.

2. Inconformada, veio a ACT, patrocinada pelo Ministério Público, interpor recurso, que motivou e concluiu do seguinte modo:
1. A função do dono da obra é fundamental na prevenção de riscos profissionais intervindo desde a preparação da execução (projeto), à execução propriamente dita, cabendo-lhe na nomeação de coordenadores de segurança, quer em projeto, quer em obra, nos termos do art.º 9.º do DL 273/2003.
2. O dono da obra, se a não realizar por administração direta, está associado ao desenvolvimento do plano de Segurança e Saúde através do coordenador de segurança em obra a quem cabe aprovar as especificações apresentadas pela entidade executante ou os outros intervenientes.
3. A obra consistia na execução de trabalhos em tensão, designadamente de substituição de filaças, montagem de travessas de suporte para passagem de arco, retirada de hastes e descarga e de substituição de isoladores, na Rua …, no…;
4. Para a execução dessa obra “Os trabalhadores da arguida CC Energia S.A., tinham a função de “preparação e disponibilização da instalação da instalação elétrica” para os trabalhadores da empresa DD, Lda., os quais tinham a função de substituir as filaças, montar as travessas de suporte para passagem de arco, retirar as hastes e descarga, assim como substituir os isoladores.”
5. Resulta claramente dos factos provados que na execução da obra intervinham duas executantes, cada uma com funções claramente definidas quer quanto ao objeto, quer quanto ao tempo de intervenção, sendo uma sequencial à outra.
6. Em momento algum o DL 273/2003 exige que a intervenção de “duas ou mais empresas” tenha de ser simultânea.
7. Aliás, na obra em causa, a intervenção dos trabalhadores da dona de obra tinha de ser prévia à intervenção dos trabalhadores da empreiteira, em todos os dias da execução da “empreitada”, ligando e desligando a passagem de corrente elétrica, pois só desse modo se conseguiam prevenir os especiais riscos decorrentes da realização de trabalhos em linhas elétricas cuja passagem de corrente elétrica não tivesse sido interrompida e se evitava que as utentes do serviço ficassem privados de abastecimento, fora dos períodos de realização dos trabalhos.
8. A função do coordenador de Segurança não é a de fiscal do dono da obra, mas a de um técnico de segurança e saúde que coordena o gestão dos riscos inerentes ao facto de existirem mais do que uma entidade na obra. No caso concreto, bastava-lhe impedir que se iniciassem os trabalhos pela DD . . . sem que a corrente elétrica tivesse sido desligada pela CC.
9. Dispõe o artigo 9.º n.º 2 do DL 273/2003, de 29 de outubro que : “o dono da obra deve nomear um coordenador de segurança em obra se nela intervierem duas ou mais empresas, incluindo a entidade executante e subempreiteiros”.
10. Nos termos do art.º 3.º n.º 1, alínea h), entidade executante é “ a pessoa singular ou coletiva que executa a totalidade ou parte da obra, de acordo com o projeto aprovado e as disposições legais ou regulamentares aplicáveis” e pode ser “simultaneamente o dono da obra”.
11. Não tendo nomeado coordenador de segurança em obra, nomeação essa obrigatória face ao disposto no art.º 9.º n.º 2 do DL 273/2003 supra referido, necessário é concluir que cometeu a infração que lhe foi imputada pelo que deve ser confirmada a decisão administrativa que a acoimou.
12. O Douto despacho recorrido violou o disposto no art.º 9.º n.º 2 do Decreto-Lei 273/2003, de 29/10, o art.º 25.º n.º 3 alínea a) do mesmo Diploma e o art.º 554.º n.º 4, alínea d), do Cod. Trabalho, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que condene a arguida pela contraordenação de que vem acusada, confirmando a decisão administrativa.

3. A arguida respondeu e concluiu do seguinte modo:
1. Entende a recorrente que se encontra violada a norma do artigo 9.º n.º 2 do DL 273/2003 de 29/10 por a CC não ter procedido à nomeação de coordenador de segurança em obra em que teriam intervindo duas empresas – a própria CC enquanto dona de obra e a sua empreiteira - o que não se afigura verdade.
2. Os trabalhos em causa foram adjudicados única e exclusivamente à empresa DD e consistiam em “Obras de Construção, Reparação e Manutenção de Redes de Distribuição AT, MT e BT em regime de Empreitada Contínua” - mais concretamente em “substituir filaças, montar “bis” (travessa de suporte para passagem de arco), retirar hastes de descarga e substituir isoladores” - conforme factos que foram dados como provados pelo Tribunal a quo e que a recorrente não poe aqui em crise.
3. No dia e no local em que ocorreu o incidente, a única equipa a executar o trabalho supra descrito era a equipa da DD.
4. Os trabalhadores da CC, em momento anterior ao início da execução da obra, apenas operaram o OCR (corte da rede), isto é “desligaram” aquele troço de rede elétrica, deixando-a sem energia, para entregar a instalação à empreiteira, para que esta pudesse realizar os trabalhos da obra.
5. Conforme foi decidido, e bem, pelo Tribunal a quo, o simples ato de desligar a rede elétrica não consubstancia obra ou parte dela “..pois que daí nada é produzido ou resulta. É simplesmente um ato prévio à realização dos trabalhos da obra” – conforme decidido, e bem, pelo Tribunal a quo.
6. Os trabalhadores da CC apenas intervieram na rede em momento anterior ao da execução dos trabalhos, e de forma independente daqueles, simplesmente para entregar a instalação à empresa empreiteira para que se iniciassem os trabalhos, tendo-se ausentado de seguida, pois o contrário não era exigido nem por lei ou por contrato, uma vez que não tinham qualquer intervenção na obra.
7. Conforme decidido pelo Tribunal a quo, não se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a imputação à CC da contra ordenação por falta de nomeação de coordenador de segurança em obra, dado que a dona da obra só tem de nomear se na obra intervierem duas ou mais empresas.
8. Na obra em questão apenas interveio uma entidade – a DD.
9. Admitir o contrário seria aceitar que teria de ser sempre nomeado um coordenador de segurança em todas as situações em que a CC tem de desligar as redes de eletricidade para a execução de trabalhos nas redes, ou até para a execução de trabalhos de outros, terceiros, que ocorrem na proximidade das linhas elétricas, por motivos de segurança e que em nada estão relacionadas com as mesmas!
10. O DL 273/2003 de 29 de outubro, é claro nesta matéria quando, no art.º 9.º n.º 2 determina, efetivamente, que a dona da obra apenas tem de nomear um coordenador de segurança em obra se, e apenas nesta condição, na dita obra intervenham duas ou mais empresas.
11. A CC não se demitiu de zelar pela definição e cumprimento das normas de segurança, exigindo à empreiteira a entrega do respetivo plano de segurança e saúde e o cumprimento das disposições constantes nas fichas de procedimentos de segurança com a indicação das medidas de prevenção necessárias para executar os trabalhos,
12. Pois, tal como consta do preâmbulo do próprio DL 273/2003, de 29 de outubro,“3 - O coordenador de segurança em obra e o plano de segurança e saúde não são obrigatórios em obras de menor complexidade em que os riscos são normalmente mais reduzidos. Contudo, se houver que executar nessas obras determinados trabalhos que impliquem riscos especiais, a entidade executante deve dispor de fichas de procedimentos de segurança que indiquem as medidas de prevenção necessárias para executar esses trabalhos.”.
13. Diga-se ainda que já a norma antecessora do atual art.º 9.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29/10 (o n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 155/95, de 01/07), determinava que "quando na execução da obra intervenha mais de uma empresa, ou uma empresa e trabalhadores independentes, o dono da obra deve nomear um coordenador da obra em matéria de segurança e saúde."
14. Atente-se em matéria de interpretação desta norma, ao exposto pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 17-01-2007: “O que a norma do n.º 2 do artigo 5.º do referido diploma visa acautelar são precisamente situações em que uma mesma obra é efetuada ao abrigo de diversos contratos de empreitada, com diversas entidades/empresas/pessoas jurídicas, e não de um único contrato de empreitada com uma só entidade, como é o caso da empreitada em análise em que só foi celebrado um único contrato de empreitada entre a recorrente, na qualidade de dono da obra, e o supra identificado..., na qualidade de Empreiteiro.”
15. Daqui decorre que não é obrigatória a nomeação, nas obras adjudicadas a (apenas) um empreiteiro e cuja execução apenas seja da competência desse (único) empreiteiro como no presente caso.
16. Da própria ratio legis da norma resulta que a nomeação de um coordenador de segurança por parte do dono de obra serve para “coordenar”/organizar a forma como as várias entidades tem de atuar, durante a execução dos trabalhos, para garantir o cumprimento das regras de segurança previstas no plano de segurança e saúde – não existindo várias entidades não é necessária a sua coordenação...
17. Sendo que, neste caso já havia um responsável de segurança da DD a quem competia fazer cumprir as regras de segurança.
18. Concluindo-se que andou bem a sentença recorrida quando decidiu que à CC não assistia qualquer obrigação legal de nomeação de um coordenador de segurança em obra, por, na dita obra, só ter havido intervenção de uma entidade, não tendo infringido o disposto no art.º 9.º n.º 2 do DL 272/2003, de 29 de outubro, não devendo ser punida nos termos do art.º 25.º n.º 3, a) do mesmo diploma.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que certamente V. Exas. doutamente suprirão, não deverá ser dado provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão de absolvição da arguida.

4. O Ministério Público, junto desta Relação, apresentou parecer concordante com as alegações de recurso. O parecer foi notificado, mas não foi apresentada resposta.

5. O recurso foi admitido pelo relator.

6. Dispensados os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

7. Objeto do recurso
São as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto – artigos 403.º e 412.º n.º 1 do Código de Processo Penal e aqui aplicáveis por força do artigo 50.º n.º 4 da Lei n.º 107/2009, de 14.09.
Questão a resolver: apurar se a arguida estava obrigada a nomear um coordenador de segurança em obra.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A) O despacho recorrido deu como provados os factos seguintes:
A) No dia 20/11/2011 realizou-se uma obra de trabalhos em tensão, designadamente de substituição de filaças, montagem de travessas de suporte para passagem de arco, retirada de hastes e descarga e de substituição de isoladores, na rua …, no …;
B) O dono dessa obra era a arguida CC – Energia, S.A.;
C) Os trabalhadores da arguida CC – Energia, S.A., tinham a função de “preparação e disponibilização da instalação da instalação elétrica” para os trabalhadores da empreiteira DD, Lda.;
D) Os trabalhadores da firma DD, Lda, tinham a função de substituir as filaças, montar de travessas de suporte para passagem de arco, retirar as hastes e descarga, assim como substituir os isoladores;
E) Os trabalhadores da arguida CC – Energia, S.A., e da DD, Lda., atuaram em momentos distintos;
F) A arguida CC – Energia, S.A., conhece as obrigações legais relativas à execução dessa obra, nomeadamente quanto à nomeação de coordenadores de obra.
A1 - Resulta ainda do auto de notícia, além do mais, não impugnado e que faz fé em juízo e por isso se dá como provado, o seguinte:
G) No dia 20 de outubro de 2011, a DD e a CC (aqui arguida) possuíam uma equipa de trabalho na R. Principal, … a atuar em postes de média tensão. A empreiteira DD tinha aí cinco trabalhadores e a aqui arguida tinha aí dois trabalhadores, um como responsável de consignação e outro como acompanhante do responsável de consignação.
H) Um dos trabalhadores da DD estava a trabalhar a 16 metros de altura, a retirar hastes de descarga numa linha elétrica de 15 000 vóltios.
I) Havia outros dois trabalhadores da DD que desempenhavam o mesmo trabalho numa outra linha elétrica perpendicular à referida na alínea anterior e outro trabalhador desta empresa a montar uma BI na cabeça do poste.
J) Na linha perpendicular referida existia um órgão de corte de rede (OCR) que, ligando-se à linha, liga e desliga a passagem de corrente elétrica, conforme acionamento de um operador. O OCR funciona como um disjuntor. Quem operou com o OCR foram os trabalhadores da CC, visto que o trabalho com este aparelho é da responsabilidade da CC.
I) Um trabalhador da DD estava incumbido de implementar as medidas de segurança e os trabalhos só poderiam começar com a consignação dos trabalhos dada pelo trabalhador da CC.
K) O trabalhador… da DD sofreu um acidente de trabalho muito grave quando se preparava para retirar a primeira haste de descarga do poste onde se encontrava. Sofreu uma descarga elétrica agarrado à linha. Este trabalhador não perdeu a consciência mas ficou atordoado. A corrente elétrica entrou pelo dedo indicador da mão esquerda e saiu pelo músculo gêmeo da perna direita.

B) APRECIAÇÃO
A questão a resolver é a que já acima mencionamos: apurar se a arguida estava obrigada a nomear um coordenador de segurança em obra.

O art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29/10, prescreve que o dono da obra deve nomear um coordenador de segurança em obra se nela intervierem duas ou mais empresas, incluindo a entidade executante e subempreiteiros.
Analisado o texto deste diploma legal e da Diretiva 92/57/CEE do Conselho, de 24 de Junho de 1992, verificamos que o legislador tem em mente reduzir ao mínimo os riscos decorrentes da prestação de trabalho em estaleiros temporários e móveis (art.º 1.º do DL 273/2003, de 29.10 e seu preâmbulo), sabendo-se que é humanamente impossível anular toda e qualquer possibilidade de ocorrência de acidentes de trabalho e doenças profissionais. O que o legislador tem em vista é reduzir até onde for possível a possibilidade de ocorrência de eventos danosos, através da adoção de medidas de segurança e higiene no trabalho que, em caso de trabalhos complexos ou em que intervenham duas ou mais empresas, incluindo executantes ou subempreiteiros, devem ser coordenadas por uma pessoa singular ou coletiva devidamente qualificada.
Quando a lei fala em “duas ou mais empresas, incluindo a entidade executante e subempreiteiros”, quer deixar bem claro que, independentemente da complexidade da obra, se na sua execução intervier mais do que uma empresa é obrigatória a nomeação pelo dono da obra de um coordenador de segurança em obra qualificado, o qual o representa. E tem como função coordenar os trabalhos de modo a evitar riscos decorrentes de decisões unilaterais de uma empresa sem dar conhecimento à outra, ou outras, e sem consciência de que assim pode estar a colocar outros intervenientes na obra em risco.
No caso de pluralidade de entidades a laborar no estaleiro, torna-se necessária a existência do coordenador de segurança em obra para que o cumprimento das regras de segurança e saúde no trabalho seja efetivo em cada momento. Cada interveniente deve exercer a sua atividade sem colocar em risco os demais, ou terceiros.
Daí a obrigatoriedade da nomeação de coordenador de segurança em obra pelo dono da obra.
No caso concreto, verificamos que aos trabalhadores da dona da obra competia a preparação e disponibilização da instalação da instalação elétrica para os trabalhadores da empreiteira.
Os trabalhadores da empreiteira só poderiam exercer a sua atividade de acordo com a preparação efetuada pelos trabalhadores da dona da obra.
Daí que, tal como muito bem refere a decisão da autoridade administrativa, no local de trabalho encontravam-se trabalhadores pertencentes a duas empresas: dois da dona da obra e cinco da empreiteira.
Em concreto, os trabalhadores da dona da obra, aqui arguida, intervinham na execução da obra, no sentido de que fazem parte da obra não só os trabalhos que acrescentam ou modificam algo, como todos aqueles que se destinam a preparar e disponibilizar os meios para que os trabalhos possam ser efetuados, mas trabalhando com o fim único de completar um serviço, obra ou arte ou de o tornar possível.
Na decisão recorrida escreveu-se: “Por outro lado, também não se afigura que seja exigível ao dono da obra um «Coordenador em matéria de segurança e saúde durante a execução da obra», para executar, durante a realização da obra, as tarefas de coordenação em matéria de segurança e saúde previstas nesse diploma, em face da definição do seu art.º 3.º, alínea c). Na verdade, o dono da obra tem o poder-dever de fiscalizar a execução da empreitada, pelo que não carece de nomear uma terceira pessoa para se coordenar (?!) com o empreiteiro. O dono da obra não se coordena com o empreiteiro. O dono da obra fiscaliza o empreiteiro e, de acordo com as regras e limites próprios do contrato e do negócio, dirige o empreiteiro – cfr. art.º 1209.º, do Código Civil.
Acresce ainda que o artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29/10, refere que a nomeação dos coordenadores de segurança em projeto e em obra não exonera o dono da obra, o autor do projeto, a entidade executante e o empregador das responsabilidades que a cada um deles cabe, nos termos da legislação aplicável em matéria de segurança e saúde no trabalho. Logo, com ou sem coordenador de segurança, o dono da obra mantém as suas responsabilidades.
Assim, afigura-se absurdo que alguém que tem o poder máximo de fiscalizar e dirigir a obra tenha o dever legal de nomear outrem para se coordenar com o empreiteiro.
É um ato inútil, pois o dono da obra já tem a sua responsabilidade pré-definida. Isto é um pouco como em qualquer desporto em que se conferem todos os poderes de fiscalização e direção a um árbitro e depois se exige a nomeação de um “coordenador”, para o árbitro se concertar os jogadores ou até só com um jogador…
Quem já tem esses poderes e responsabilidades, não precisa de outrem para realizar tais tarefas quando do outro lado apenas há um outro interlocutor, na sua dependência. Essa necessidade só é reconhecida pela lei quando há uma pluralidade de executantes na obra e em que se impõe uma tarefa de coordenação entre múltiplas entidades, sendo que algumas até poderão ser completamente independentes ou alheias ao trabalho das outras”.
Discordamos frontalmente do que se escreveu na decisão recorrida e que acabamos de transcrever.
No caso concreto, está em causa o cumprimento de regras de segurança e não o cumprimento do contrato de empreitada pelo empreiteiro e o poder de fiscalização por parte do dono da obra, pelo que são totalmente improcedentes os fundamentos jurídicos que a decisão recorrida importou do direito civil.
Aqui não está em causa o incumprimento de qualquer norma jurídica de direito civil, mas sim o incumprimento de regras gerais de segurança durante a prestação de trabalho e em particular a norma jurídica específica aplicável ao caso, prevista no art.º 9.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29/10, a qual, repetimos, prescreve que o dono da obra deve nomear um coordenador de segurança em obra se nela intervierem duas ou mais empresas, incluindo a entidade executante e subempreiteiros.
O dono da obra e os empregadores devem observar as regras gerais de segurança e as especialmente previstas para determinadas situações da vida laboral.
É dentro do âmbito das regras gerais de segurança e das regras especiais aplicáveis às relações de trabalho concretas que devemos interpretar e aplicar a lei.
A seguir-se o entendimento perfilhado na decisão recorrida, pura e simplesmente nunca seria aplicável o regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29.10, pois o dono da obra estaria dispensado de nomear um coordenador em obra com fundamento no seu direito civil de poder fiscalizar a execução do contrato de empreitada.
Daí que tenhamos que rejeitar de forma clara tal entendimento.
A fiscalização da obra pelo seu dono prevista no Código Civil tem em vista assegurar o interesse particular deste no cumprimento do contrato, enquanto a nomeação de um coordenador em obra, prevista no art.º 9.º n.º 2 do Decreto-Lei 273/2003, de 29.10, não tem em vista o interesse privado do dono da obra ou do empreiteiro, mas sim o interesse público na redução, até onde for possível, dos riscos decorrentes da prestação de trabalho. O interesse protegido é de natureza e ordem pública e é dentro deste âmbito que a lei deve ser interpretada.
A contraordenação verifica-se independentemente do resultado e consuma-se com a constatação da inexistência de coordenador na obra. O bem protegido é, em primeira linha, a segurança de todos os intervenientes na obra e, em segunda linha, todos aqueles que embora não estando a trabalhar na obra possam correr riscos pela proximidade a que se encontram ou circulam, como é o caso de transeuntes que possam deslocar-se por perto.
Em qualquer caso, o que se pretende proteger é a saúde e a vida humana. Quando ocorre um evento, nunca se sabe quem pode ser atingido nem a extensão das suas consequências.
Daí que o legislador europeu e nacional tenha imposto deveres especiais para determinados trabalhos que pela sua natureza são suscetíveis de maior risco.
No caso concreto, o trabalho a 16 metros de altura e em linhas elétricas com intensidade de corrente de 15 000 vóltios mostra-se particularmente exigente em termos de controlo efetivo dos tempos em que a corrente elétrica está desligada para a prestação do trabalho em condições de segurança e saúde.
Assim, julgamos procedente o recurso interposto pela Autoridade para as Condições do Trabalho, com o patrocínio do Ministério Público, revogamos a decisão recorrida e condenamos a arguida na coima € 6.100 (seis mil e cem euros), tal como decidiu a autoridade administrativa, pela prática de uma contraordenação ao disposto no art.º 9.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29/10, punida nos termos do art.º 25.º n.º 3, alínea a), deste mesmo diploma legal.
Sumário: a fiscalização da obra pelo seu dono prevista no Código Civil tem em vista assegurar o interesse particular deste no cumprimento do contrato, enquanto a nomeação de coordenador em obra, prevista no art.º 9.º n.º 2 do Decreto-Lei 273/2003,de 29.10, visa proteger o interesse público na adoção de medidas preventivas de segurança que reduzam, até onde for possível, os riscos decorrentes da prestação de trabalho donde possam resultar eventos danosos, ou seja, visa proteger a vida e a saúde humana.

III - DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso interposto pela Autoridade para as Condições do Trabalho, revogam a decisão recorrida e condenam a arguida na coima de € 6.100 (seis mil e cem euros), tal como havia decidido a autoridade administrativa.
Custas pela arguida.
Notifique
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 20 de abril de 2017.
Moisés Pereira da Silva (relator)
João Luís Nunes (adjunto)