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PRESCRIÇÃO DO CRÉDITO DE CUSTAS
Sumário
O prazo de prescrição do crédito de custas é de cinco anos e conta-se nos termos do nº 3 do artigo 306º do Código Civil.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Évora:
O acórdão proferido na acção declarativa que AA..., S.A. moveu contra BB..., Lda. transitou em julgado no dia 28.7.08.
As custas em que a autora foi condenada foram contadas em 14.11.15, atingindo o montante de 54.538,08€.
De tal conta, acompanhada da guia para pagamento, foi a autora notificada por instrumento expedido em 16.11.15.
A autora apresentou reclamação da conta, invocando quer a ilegalidade consistente no facto de a conta ter sido elaborada mais de oito anos após o trânsito em julgado da sentença, quer a prescrição.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação.
O tribunal indeferiu a reclamação, considerando não verificada a prescrição.
A autora interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: a) Conforme resulta dos autos, a ora Recorrente AA..., S.A. foi notificada da conta de custas, da qual resultou apurado o montante de € 54.538,08 (cinquenta e quatro mil, quinhentos e trinta e oito euros e oito cêntimos de euro), que vem referido na notificação como sendo da sua responsabilidade; b) Oportunamente, em sede de reclamação, invocou a prescrição e, a par desta, a segurança e certeza jurídica, isto para notar a “incorreção” e “ilegalidade” da liquidação de custas, mais de oito anos depois do trânsito em julgado da sentença; c) O M.mo Juiz a quo proferiu despacho no sentido que na situação em apreço não se verificava a invocada “prescrição”, porquanto a contagem do prazo só se iniciava após a liquidação da custas e depois de decorrido o prazo para o seu pagamento voluntário, concretizando, ainda, que “o prazo previsto na lei para a elaboração da conta é meramente indicativo”, indeferindo a reclamação apresentada; d) Não desconhecendo o acórdão citado no despacho do M.mo Juiz a quo (que, diga-se, vem proferido no domínio de um processo penal), ainda assim a recorrente discorda do conteúdo de tal despacho que, além do mais, não atende à invocada prescrição das custas em sede de reclamação da conta e, sobretudo, ao que será a caducidade da sua liquidação; e) É que, apesar de se entender que, conforme refere o despacho do M.mo Juiz a quo, determinados prazos processuais se possam assumir como meramente indicativos – como será o caso do prazo para se elaborar a conta de custas – ainda assim, transformar um prazo referenciado na lei de alguns dias, para um prazo de mais de sete anos, não abona tal interpretação, nem qualquer possível tolerância ou “condescendência” processual; f) E assim se entende porque, independentemente da boa vontade ou não, uma condescendência ou tolerância de sete anos para a elaboração de uma conta de custas colide necessariamente com princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico, como são os princípios da segurança e certeza jurídicas, princípios que presidem à natureza dos institutos invocados, da prescrição e caducidade; g) Aliás, entende-se que a “natureza das custas judiciais” (e a razão de ser destas) não podem deixar de ser analisadas fora do domínio do direito tributário, desde logo porque as custas judiciais mais não são que um conjunto de “taxas”, que estão concebidas no domínio do que vulgarmente se designa de serviços públicos divisíveis; h) E como vem referido na nossa Lei Geral Tributária, a natureza do facto constitutivo que baseia o aparecimento da taxa pode consistir na prestação de uma atividade pública, na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à atividade dos particulares (cfr.artº.4.º, nº 2, da L.G. Tributária); i) Refere-se este paralelismo porque, não se desconhecendo a diferença conceitual entre “Imposto” e “Taxa”, ainda assim é pacífico que a(s) taxa(s), incluindo-se, aqui, as judiciais, constituem uma receita do Estado, que por isso mesmo se assumem, em si mesmas, como tendo natureza tributária - o que leva a que seja legítimo invocar o paralelismo com o que se verifica nesse domínio (tributário); j) E faz-se este paralelismo com o que se verifica no domínio “tributário” porque neste domínio “parece” que estas questões, da prescrição (e também da caducidade), são mais claras e evidentes; k) Efetivamente, no domínio do Direito Tributário, a prescrição tem fundamento diferenciado, desde logo atento o carácter oficioso do conhecimento da prescrição (introduzido no art. 259.º do CPT e reafirmado no art. 175.º do CPPT), que, nas palavras de Jorge Lopes de Sousa, “…traduz um sinal evidente da omnipresença do interesse público como fundamento da prescrição, interesse este que, no caso, é o da segurança ou certeza jurídica” (…), que “deve prevalecer sobre o interesse patrimonial do credor tributário”; l) Por seu lado, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos encontra atualmente consagração genérica no artº. 45º, da Lei Geral Tributária, (cfr. anterior artº. 33º, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos); m) E, face à redação do aludido artº. 45º, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro ato, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito; n) Aliás, vem sendo entendido, de forma pacífica, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que a previsão de um prazo de caducidade justifica-se por razões objetivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos; o) No fundo, entre os institutos no domínio do direito civil e direito tributário temos, pelo menos, uma linha comum, que constitui a razão de ser do instituto em ambos os domínios: “A Segurança e Certeza Jurídicas” - que constituíram, também, a invocação central para se considerar a caducidade e prescrição da liquidação da conta de custas em apreço; p) E a verificação da caducidade do direito do Estado à liquidação da conta de custas comporta, necessariamente, o desaparecimento do direito e que se justifica, sobretudo, pela inércia do seu titular ao longo de sete anos, que não pode deixar de refletir desinteresse em exercitá-lo; q) Conforme notado e referido, associado a este “desaparecimento do direito” estão aquelas razões centrais, de certeza e segurança jurídica, que impõem que ao fim de determinado lapso de tempo as situações jurídicas fiquem inalteravelmente definidas; r) No domínio destes ramos do direito (civil e tributário), não se desconhece que prescrição e caducidade, embora conduzam ao mesmo resultado – extinção do direito – obedecem a regras distintas; s) Aliás, é o próprio legislador que refere, sem prejuízo das disposições gerais que lhes são aplicáveis, fixa as regras especiais que determinam o regime jurídico de cada uma delas; t) Assim, olhando para o regime fixado no Código Civil, que será o que mais releva para a situação em apreço e é aquele que subsidiariamente se aplica à generalidade dos ramos do Direito, à prescrição aplicam-se as disposições compreendidas entre os artigos 300º a 327º, e à caducidade as compreendidas entre os artigos 328º a 333º (importando, ainda, os regimes que constam dos artigos 298.º e 299.º, que rematam eventuais dificuldades de recurso a um ou a outro dos institutos); u) Dada a diferença de regime de cada uma destas figuras, pode-se concluir que para cada caso (facto) concreto de decurso de determinado prazo, podem aplicar-se as regras da prescrição ou as da caducidade, sendo comum a qualquer delas aqueles princípios basilares do nosso ordenamento jurídico já referidos, da certeza e segurança jurídica (Cfr. Artigos 298.º e 299.º do CC); v) Na situação em apreço, é modesto entendimento da Recorrente que a obrigação relativa à dívida de custas constitui-se na data do trânsito em julgado da respetiva decisão condenatória e não no momento em que “condescendentemente” é elaborada a conta e esta é notificada à Recorrente e que esta “obrigação” existe mesmo antes de liquidada; w) E, neste sentido, deve ser considerada verificada a “caducidade” da liquidação da conta, para mais quando esta é elaborada e notificada à Recorrente muito depois de decorrido aquele que seria o prazo normal da prescrição (caso a conta tivesse sido elaborada no que seria aquele período razoável de tempo após o trânsito da sentença); x) Deve, para este efeito, considerar-se que o prazo razoável de tempo para a elaboração de uma conta de custas não deve ser superior a um ano após o trânsito em julgado da sentença; y) É que não obstante o prazo para a elaboração da conta se poder ter como meramente indicativo, não deve ser concebível que um prazo de dez dias para a elaboração da conta possa ocorrer para lá de um ano depois do trânsito em julgado da sentença (e, muito menos, quando desde esse trânsito em julgado já decorreram sete anos); z) Na linha do que defende o Prof Manuel de Andrade acerca dos institutos da caducidade e prescrição no domínio do direito civil, a elaboração de uma conta decorridos sete anos sobre o trânsito em julgado de uma sentença manifesta, de forma inequívoca, a negligência do titular do direito em exercitá-lo, no caso, a negligência do “Estado” que é o titular do direito, sendo legítimo “pressupor à Recorrente a vontade de renúncia ao direito” de quem, atempadamente, o deveria ter exercitado.
O Ministério Público apresentou contra-alegações, defendendo a confirmação da decisão recorrida.
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A única questão de fundo a tratar é a de saber se, no caso concreto, podemos ter por verificada a prescrição do crédito de custas.
Não se discute nos autos que o prazo de prescrição do crédito de custas é de cinco anos, seja por via do disposto no artigo 37º nº 1 do Regulamento das Custas Processuais, seja de acordo com o nº 1 do artigo 123º do Código das Custas Judiciais (a acção foi instaurada em 2000).
O pomo da discórdia está, antes, no momento em que se inicia o decurso daquele prazo.
O Ministério Público e o Tribunal entenderam que tal prazo se iniciava no momento em que terminava o prazo de pagamento voluntário das custas contadas, de acordo com o nº 1 do artigo 306º do Cód. Civ. e louvando-se na posição perfilhada por Salvador da Costa (Regulamento das Custas Processuais, Almedina, Coimbra, 2009:398) e por diversos acórdãos desta Relação (Ac. RE de 26.2.13, 21.5.13 e 24.6.10, in htpp://www.dgsi.pt, respectivamente, Proc. nº 2288/04.9TBFAR-A.E1, 415/99.5PCSTB.E1 e 257/00.7TASTB.E1.
E outros acórdãos desta Relação poderiam, ainda, ser citados, com destaque para o Ac. RE de 16.11.10, proferido no âmbito do Proc. nº 84/98.0GTSTB.E1 e disponível naquele sítio.
Sendo certo que nem o citado artigo 37º nº 1 nem o referido artigo 123º nº 1 estabelecem o momento a partir do qual corre o prazo de prescrição, estamos com aquela doutrina e jurisprudência quando defendem que a solução para tal problema há-de ser encontrada nas regras gerais da prescrição previstas no Código Civil.
E concordamos, igualmente, com o recurso à regra-base prevista na primeira parte do nº 1 do artigo 306º do Cód. Civ: “O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”.
Tal regra compreende-se com facilidade perante o principal fundamento do instituto: “(…) segundo a doutrina dominante, o fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica (dormientibus non sucurrit ius). Tal o fundamento específico da prescrição, no sentido de ser de acordo com ele que a lei organiza e modela a respectiva disciplina.” – Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Almedina, Coimbra, 1983:445/446.
Ora, no caso que nos ocupa, quando pode dizer-se ter o Estado a possibilidade de exercer o seu direito, ou seja, de cobrar o seu crédito? No termo do prazo de pagamento voluntário das custas contadas (artigo 28º da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril), por só então ser possível instaurar execução por custas (artigo 35º nº 1 e 2 do Reg. Custas Proc.)? Consideramos que não.
Com efeito, foi com o trânsito em julgado da sentença/acórdão, em 28.7.08, que ficou definida a responsabilidade da autora pelo pagamento das custas do processo e a medida dessa responsabilidade (artigos 446º e seguintes do Cód. Proc. Civ à data vigente).
Era de 10 dias o prazo para a elaboração da conta (artigos 50º e 55º nº 1 do Cód. Custas Jud.). É claro que tal prazo não tinha natureza peremptória, pelo que o respectivo decurso não extinguia a possibilidade de praticar o acto. Mas o facto de se tratar de prazo ordenador não tinha – como não tem - significado interruptivo ou suspensivo da prescrição.
Também é certo que, antes da contagem do processo, o Estado não estava em condições de cobrar da autora o crédito de custas, por não estar calculado o respectivo montante.
Sucede que, na situação em análise, a criação de condições para a cobrança do crédito só do Estado dependia. Isto é, na disponibilidade do credor estava, a partir do trânsito em julgado da sentença, a prática dos actos que tornavam possível o exercício do direito.
Neste quadro, fere a sensibilidade jurídica entender que o prazo de prescrição só se iniciaria quando o credor, sem quaisquer limitações temporais, se dispusesse a liquidar – é disso que, efectivamente, se trata – o seu crédito.
Ora, é precisamente para obviar a tal resultado – e na mesma linha de desprotecção do credor negligente – que a primeira parte do nº 3 do artigo 306º do Cód. Civ. estabelece que, em caso de iliquidez da dívida, a prescrição começa a correr desde o momento em que o credor pode promover a liquidação.
Havemos, assim, de concluir que o crédito de custas do Estado relativamente à autora prescreveu no dia 29.7.13. razão pela qual pode a autora recusar o pagamento das custas contadas.
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Pelo exposto, acordamos em julgar procedente a apelação e, consequentemente:
A) Revogamos a decisão recorrida; B) Julgamos procedente a reclamação da conta, declarando prescrito o crédito de custas do Estado sobre a autora.
Sem custas, em ambas as instâncias.
Évora, 11 de Maio de 2017
Maria da Graça Araújo
Manuel Bargado
Albertina Pedroso