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CONTRA-ORDENAÇÃO GRAVE
VELOCIDADE EXCESSIVA
DESCONTO
APREENSÃO DE VEÍCULO
PESSOA COLECTIVA
Sumário
Os excessos de velocidade previstos nas alíneas b), c) e d) do nº 1 do artigo 145º do CE (10, 20 e 30 km/h) não são um «desconto», um «direito», uma «tolerância», são sim um elemento diferenciador dos tipos contra-ordenacionais. Em conjunto com o artigo 146º do CE a norma visa definir de forma clara a qualidade ou gravidade de contra-ordenações estradais, sistema que é definido originariamente pelo artigo 136º do CE, em contra-ordenações leves, graves e muito graves. O artigo 141º do CE determina que é aplicável às contra-ordenações estradais graves – que é o caso - o regime dos pressupostos da suspensão da pena previsto no Código Penal. Mas a aplicação desse regime de pressupostos está dependente dos pressupostos específicos estradais previstos nos restantes números do preceito – ns. 2 a 6 do artigo 141º do CE. E desses resulta evidente que a dita suspensão foi pensada, exclusivamente, para pessoas singulares infractoras das regras estradais. Requisitos – e sanção – que se não coadunam com a personalidade colectiva da recorrente. Razão por que a sanção de inibição de conduzir – aplicável aos humanos – “é substituída por apreensão do veículo por período idêntico de tempo que àquela caberia” no caso de pessoas colectivas. E nem o artigo 147º, nem o artigo 141º do CE prevêm a possibilidade de suspensão da sanção «apreensão de veículo». (Sumário do relator)
Texto Integral
Processo n.º 407/16.1T8TNV.E1
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
A - Relatório:
No recurso de contra-ordenação que correu termos no Tribunal Judicial de Torres Novas - Local, Criminal, J1 - com o número supra indicado, BB, S.A. foi condenada, por despacho da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, datada de 23 de julho de 2015, a pagar a coima no valor de €180,00 (cento e oitenta euros) e a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, substituída pela sanção acessória de apreensão do veículo com a matrícula … pelo período de 30 dias, pela prática da contraordenação prevista e punida pelos artigos 27.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 2.º parágrafo, 138.º e 145.º, alínea c), todos do Código da Estrada.
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Inconformada com a decisão proferida pela entidade administrativa impugnou judicialmente a decisão com vista à sua absolvição, alegando que:
- é uma empresa que tem bastantes trabalhadores que conduzem aquele veículo, não tendo conhecimento de quem o conduzia à data e hora dos factos;
- a responsabilidade pela infração não pode ser imputada à arguida, porque não praticou nenhuma conduta ilícita;
- a empresa não obteve com a conduta nenhum benefício económico e tem vindo a laborar cumprindo o que lhe é legalmente estipulado;
- não tem antecedentes contraordenacionais.
O recurso foi admitido e, realizado julgamento, o tribunal recorrido decidiu por sentença de 28 de outubro de 2016 julgar o recurso totalmente improcedente e manter a decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que condenou a arguida BB, S.A. pela prática da contraordenação prevista e punida pelos artigos 27.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 2.º, 138.º, e 145.º, n.º 1, alínea c), todos do Código da Estrada, e lhe aplicou uma coima no valor de €180 (cento e oitenta euros) e a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 (trinta) dias, sendo que uma vez que a arguida é uma pessoa coletiva, substituiu tal sanção acessória pela apreensão do veículo com a matrícula … pelo período de 30 dias, devendo a arguida entregar o documento de identificação do veículo e o titulo de registo de propriedade na secretaria deste tribunal ou no posto policial da sua área de residência, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência.
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Inconformada com uma tal decisão, dela interpôs a arguida o presente recurso, com as seguintes conclusões (transcritas):
1- A Arguida vem interpor recurso da decisão do tribunal a quo, que a condenou na coima de 180,00 € e na sanção acessória de apreensão por 30 dias do veículo de matrícula …, através da entrega dos documentos correspondentes, por ter sido apanhada a circular a 72 Km/h (descontada a margem de erro) na E.N. 3, ao Km ….
2- Tal localização corresponde à localidade de …, em Torres Novas, contudo, o CE, dá uma tolerância de 20 Km/h, para veículos como o conduzido pela Arguida, pelo Artigo 145/1 c), e apenas ultrapassou o limite máximo em 2 Km/h.
3- Apenas foi provada a negligência a nível de culpa.
4- Estes requisitos não foram ponderados corretamente pelo tribunal a quo, que aplicou uma coima desajustada e desproporcional às circunstâncias do caso.
5- Também quanto aos requisitos da aplicação da sanção acessória o tribunal a quo não fez qualquer valoração.
6- Apesar de a lei não se referir concretamente à aplicação da suspensão da execução da sanção acessória às pessoas coletivas é de aplicar a mesma àquelas, porque o contrário não resulta da lei.
7- Mesmo que a lei não preveja a figura para as pessoas coletivas é de aplicar por via da analogia in bonam partem, uma vez que se trata das consequências da contraordenação e porque consagra um regime mais benéfico para a Arguida, ao permitir a esta, vir a beneficiar, por se encontrarem os requisitos preenchidos, da figura da suspensão da execução das penas prevista no Artigo 50º do CP, para o qual o CE remete.
8- Ao não decidir desta maneira, o tribunal a quo violou, de forma intolerável, os preceitos legais consagrados nos números 2 e 1 do Artigo 139 do CE e o Artigo 13º da CRP, por não aplicação do Artigo 141º CE relativamente à Arguida, enquanto pessoa coletiva, e que remete para o Artigo 50º do CP. Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser admitido como tal e considerado procedente e em consequência revogado o Acórdão recorrido, substituindo por outro, julgando procedente a presente ação e ordenando a baixa dos autos à ANSR, enquanto autoridade administrativa competente, para que renove a sua decisão final.
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A Digna Procuradora Adjunta respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência, concluindo:
1) Não tendo a recorrente invocado, perante o Tribunal a quo, erros, vícios ou nulidades sanáveis, eventualmente praticados pela autoridade administrativa, conformou-se com estes;
2) Tendo o Tribunal a quo confirmado integralmente a decisão proferida pela autoridade administrativa, não pode a recorrente, invocar eventuais erros, vícios ou nulidades sanáveis com que se conformou, atento o princípio da conservação dos actos inválidos;
3) No entanto, mesmo que assim não fosse, da mera leitura da douta sentença e a análise do restante processado, resulta, com meridiana certeza, que a douta decisão procedeu à correcta determinação das normas legais e à sua acertada aplicação;
4) A douta sentença não violou qualquer preceito e não merece reparo. Pelo exposto, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.
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Nesta Relação, a Exmª Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi observado o disposto no nº 2 do artigo 417° do Código de Processo Penal.
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B.1 - Fundamentação: B.1.1 –O tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
1. No dia 08 de abril de 2014, no local E.N. 3, Km…, Torres Novas, o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula … circulava dentro da localidade pelo menos à velocidade de 72 km/h, deduzido o valor do erro máximo admissível, correspondente à velocidade registada de 77 km/h.
2. O limite máximo da velocidade permitida no local é de 50 km/h.
3. A velocidade foi verificada pelo radar fotográfico Multanova MUVR-6FD, n.º 02-92-955, aprovado pela ANSR através do despacho n.º 1863 de 02 de janeiro de 2014 e pelo IPQ por renovação de aprovação de modelo n.º 111.20.11.3.23 de 01 de fevereiro de 2012 e por aprovação complementar n.º 111.20.12.3.09, de 31 de maio de 2012, com verificação periódica pelo IPQ em 05 de setembro de 2013.
4. A arguida era, à data, a titular do documento de identificação do veículo com a matrícula ….
5. Apesar de devidamente notificada no dia 09-10-2014 para, no prazo de 15 dias úteis a contar da notificação, proceder à identificação do condutor do veículo, a arguida não apresentou defesa, não identificou devidamente o condutor do veículo, nem efetuou o pagamento voluntário da coima.
6. A arguida revelou desatenção e irrefletida inobservância das normas de direito rodoviário, atuando com falta de cuidado e prudência a que estava obrigada e de que era capaz, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
7. À arguida não lhe são conhecidos antecedentes contraordenacionais.
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B.1.2 – E como não provados os seguintes:
a) A empresa arguida tem bastantes trabalhadores que conduzem o referido veículo automóvel, não tendo conhecimento de quem o conduzia na data e hora referidos no ponto 1.
b) A arguida não consegue identificar o condutor do veículo no dia e hora dos factos.
c) A arguida não obteve com a sua conduta nenhum benefício económico.
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Cumpre decidir. B.2 - O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal - de acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95 , nos termos do art. 75º nº 1 do DL nº 433/82, de 27/10, nos processos de contra-ordenação este Tribunal funcionará, no caso, como tribunal de revista, estando o seu âmbito de conhecimento limitado ao reexame da matéria de direito.
As questões suscitadas pelo recorrente são as seguintes: - a coima é desajustada e desproporcional às circunstâncias do caso, o mesmo se diga da aplicação da sanção acessória; - é de aplicar a suspensão da execução da sanção acessória às pessoas coletivas porque o contrário não resulta da lei; - a decisão recorrida violou (entre outros que não ganham autonomia) o artigo 13º da C.R.P..
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B.3.1 – A primeira questão a abordar é a ilação retirada pela recorrente que lhe permite concluir que o artigo 145º, nº 1, al. c) do Código da Estrada (CE) lhe concede uma tolerância de 20 km/h, de onde deduz que o excesso da velocidade se quantifica em 2 km/h.
Tal conclusão só é permitida porquanto se foi criando a ideia de que os descontos e a tolerância são um direito adquirido na aplicação da lei, o que não deixa de ter algum lastro em algumas previsões legais e comportamentos de antigos dirigentes de entidades administrativos com responsabilidade na iniciativa legislativa, largamente noticiada.
Mas, no caso, temos que declarar que apenas uma deficiente leitura do artigo 145º do CE permite a conclusão. A técnica usada no preceito não foi bem entendida.
A norma é clara na sua inserção e teleologia. O que implica que se tornem claras as interpretações sistemática e teleológica.
Em conjunto com o artigo 146º do CE a norma visa definir de forma clara a distinção entre espécies de contra-ordenações, melhor diríamos qualidade ou gravidade de contra-ordenações estradais, sistema que é definido originariamente pelo artigo 136º do CE, em contra-ordenações leves, graves e muito graves.
Naturalmente que a definição dos números 2 e 3 desse preceito em função do tipo de sanções era claramente insuficiente para a distinção entre contra-ordenações (designadamente entre as graves e muito graves) pelo que essa aparente classificação das contra-ordenações como leves, graves e muito graves em função da sanção vem a ser feita nos artigos 145º e 146 do CE por previsão expressa das graves e muito graves e por exclusão quanto às leves. Dito de outra forma, as contra-ordenações que não sejam graves e muito graves (as previstas, respectivamente, nos artigos 145º e 146) são contra-ordenações leves.
Ora, no caso concreto a contra-ordenação imputada – em responsabilidade por substituição - à arguida é grave na medida em que o excesso de velocidade praticado por um condutor do seu veículo, dentro de uma localidade, foi “superior a 20 km/h sobre os limites legalmente impostos, quando praticado pelo condutor de motociclo ou de automóvel ligeiro”. Assim se distingue da contra-ordenação leve, aquela onde o excesso – nas mesmas circunstâncias de facto – é inferior a 20 km/h sobre os limites legais.
Portanto, os 20 km/h não são um desconto, um direito, uma tolerância, um deixa-andar legislativo, são sim um elemento diferenciador dos tipos contra-ordenacionais leves e graves.
E qual foi o excesso da arguida? Deslocando-se dentro da localidade a uma velocidade detectada (velocidade registada) de 77 km/h, portanto à velocidade “normativa” de 72 km/h por dedução do valor do erro máximo admissível, e sendo o limite máximo da velocidade permitida no local de 50 km/h, o excesso é de 22 km/h.
Quanto à invocada negligência haverá que tomar em consideração duas realidades inultrapassáveis.
Desde logo que a grande maioria das violações estradais se ficam a dever a condutas negligentes e que isso não é uma causa de exculpação, apenas um diverso grau de culpa.
Depois que a recorrente é uma empresa privada, pessoa colectiva portanto, com um fito ou objectivo de prestação de serviços empresariais (industriais, comerciais ou de serviços) segundo o intento que é expresso pelos seus órgãos sociais, com poderes de direcção e disciplina sobre os seus trabalhadores ou contratados em seu nome e para a prossecução dos seus fins.
Enviado um trabalhador dos seus quadros, ou dirigente, no veículo para a prossecução do seu serviço ou não, a empresa é responsável pelos actos do seu trabalhador. O não cumprimento do dever de acatar as normas estradais pelo trabalhador da sociedade arguida implica a responsabilidade desta, de forma imediata.
Assim, a constatação pela entidade policial quanto ao incumprimento da lei é patente e resulta dos factos provados, sendo irrelevantes as alegações da recorrente em sede de facto quanto ao desconhecimento de quem conduzia o veículo, que apenas poderá funcionar como agravante, pois que revela que a arguida tem ao seu serviço um veículo automóvel, meio perigoso, que é utilizado sem o seu controlo, evidenciando – ao menos – descontrolo de gestão e essa é, também, uma atribuível negligência.
A negligência, aqui e nos termos expostos, implica um gravame da culpa.
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B.3.2 – Face a isto haverá excesso no quantum das sanções?
Para isso convém ter presente as molduras abstractas de ambas as sanções. A coima varia entre um mínimo de 120 € a 600 €, se exceder em mais de 20 km/h e até 40 km/h, dentro das localidades o máximo permitido (artigo 27º, nº 2, al. a) – 2º do CE), enquanto a sanção acessória varia entre o mínimo de 1 mês e um máximo de 1 ano (artigos 138º e 147º, nº 2 e 3 do CE).
Assim sendo, dificilmente se percebe a alegação da recorrente relativamente ao quantum da coima, muito próximo do mínimo legal (acréscimo de 60 € ao mínimo), quando a conduta da recorrente mais permitiria.
Quanto à sanção acessória de inibição é que, de todo, se não entende a alegação da recorrente quanto ao excesso punitivo, que foi fixado, com muita água benta, no mínimo legal.
A não ser que a recorrente entenda, como parece resultar do ponto 13º das suas motivações, que ao tribunal é lícito – sem mais – optar por não aplicar tal sanção, o que sempre violaria os seus deveres funcionais, para além do princípio da legalidade e tipicidade, para além do princípio constitucional da igualdade por estabelecer regime de privilégio a favor da recorrente.
Aliás, a medida concreta das sanções surge como complacente tendo em conta a recusa da recorrente em identificar o condutor do veículo que, naturalmente, de si era conhecido. Trata-se de simples presunção natural.
E, para tanto, é irrelevante a pendência de processo de revitalização, cujas causas e circunstâncias se desconhecem.
Improcedente, portanto, a invocação de excessos nos quanta punitivos.
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B.4 – Reclama a recorrente que é de aplicar a suspensão da execução da sanção acessória às pessoas coletivas porque o contrário não resulta da lei, para tanto invocando o artigo 141º, nsº 1 e 2 do CE. Este seu pedido vem expresso na conclusão 6ª.
O seu raciocínio assenta nos pontos 16º a 18 das suas motivações nos seguintes termos: 16.º - Em segundo lugar, o Artigo 141º do CE, ordena a aplicação do regime da suspensão da execução das penas, previstas na lei penal a estes casos e como daí decorre o tribunal “atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, (para) concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizam de forma adequada suficiente as finalidades da punição”. 17.º - Apesar de parecer decorrer do Artigo 50.º do Código Penal (doravante, apenas CP) que este regime apenas se aplica a pessoas físicas e não a pessoas coletivas, tal entendimento não pode prevalecer, pois em parte alguma do CE resulta tal situação. 18.º - O CE entre os seus Artigos 137º a 144º não faz a distinção entre pessoas singulares e pessoas coletivas, referindo-se sempre aos agentes rodoviários como infratores, nunca fazendo qualquer distinção entre eles.
O artigo 141º do CE determina que é aplicável às contra-ordenações estradais graves – que é o caso - o regime dos pressupostos da suspensão da pena previsto no Código Penal.
Mas a aplicação desse regime de pressupostos está dependente dos pressupostos específicos estradais previstos nos restantes números do preceito – ns. 2 a 6 do artigo 141º do CE.
E desses resulta evidente que a dita suspensão foi pensada, exclusivamente, para pessoas singulares infractoras das regras estradais. Daí a previsão das condenações anteriores enquanto comportamentos individuais pregressos reveladores de uma personalidade, a possibilidade de prestação de boa conduta, a previsão de frequência de acções de formação e de cumprimento de deveres específicos ou a prestação de caução de boa conduta. Tudo requisitos exclusivos de uma personalidade individual, humana, capaz de culpa e de interiorização de crítica a uma conduta humana, normativamente errada por referência a comportamentos estradais exigíveis.
Requisitos – e sanção – que se não coadunam nem com a personalidade colectiva da recorrente nem com o comportamento que lhe é imputado, não por violação pessoal de uma norma estradal, sim por substituição do condutor do veículo que não identificou.
Acresce que a sanção aplicável – e aplicada – à recorrente não foi a sanção acessória de inibição de condução que, obviamente, não é aplicável – por impossibilidade natural e lógica – a uma pessoa colectiva. Nisso é claro o nº 3 do artigo 147º do CE ao afirmar que a sanção aplicável a uma pessoa colectiva não é a sanção de inibição de condução.
Tal sanção de inibição de conduzir – aplicável aos humanos – “é substituída por apreensão do veículo por período idêntico de tempo que àquela caberia”. E nem o artigo 147º, nem o artigo 141º do CE prevêm a possibilidade de suspensão da sanção que consiste na apreensão de veículo.
Aliás, a apreensão de veículo mais se justifica – por isso que seja uma sanção com alguma especificidade quanto às pessoas colectivas – se pensarmos que a sua suspensão sempre constituiria um prémio para a recorrente que, ao não identificar o condutor do veículo, sempre o poderia continuar a usar com qualquer dos condutores ao seu serviço. Seria o esvaziar de conteúdo e de sentido da específica sanção de apreensão.
E o comportamenteo da recorrente ao não identificar o condutor do veículo sempre conduziria à inadequação da suspensão, mesmo que fosse legal possível. Improcede, pois, o peticionado pela recorrente.
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B.5 – E é nesta matéria que a recorrente vem invocar ipsis verbis na sua conclusão 8ª: Ao não decidir desta maneira, o tribunal a quo violou, de forma intolerável, os preceitos legais consagrados nos números 2 e 1 do Artigo 139º do CE e o Artigo 13º da CRP, por não aplicação do Artigo 141º CE relativamente à Arguida, enquanto pessoa coletiva, e que remete para o Artigo 50º do CP.
Esta conclusão, para que melhor se entenda, vem escorada na seguinte argumentação aduzida nas suas motivações (no essencial pontos 19 a 23): 19.º - Por aplicação analógica deve a execução da sanção acessória, ser suspensa e o veículo assim como os seus documentos, devem manter-se na posse da Arguida. Isto porque, 20.º - A analogia é proibida na lei penal ao abrigo do n.º 3 do Artigo 1º do CP, no entanto, neste caso, não se trata de qualificar um facto como crime, definir um estado de perigosidade ou determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde. Trata-se antes de aplicar um regime mais favorável à Arguida na execução da sanção acessória que lhe foi aplicada. 21.º - Assim esta aplicação analógica às pessoas coletivas não será nada mais do que, repor uma situação de igualdade que se exige ao abrigo do Artigo 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP). 22.º - Como é referido no Acórdão para Fixação de Jurisprudência do STJ de 18-09-2013 “oprincípio constitucional da igualdade (art. 13º da Constituição) consiste na proibição de privilégios ou discriminações impondo o tratamento igual de situações iguais e desigual de situações desiguais, traduzindo-se numa ideia geral de proibição do arbítrio. No plano do direito penal, o princípio dirige-se antes de mais ao legislador, mas vincula igualmente os tribunais”.
Sustentáculo para a sua alegação de violação do princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa é, portanto, a argumentação que no ponto anterior se considerou improcedente.
É sabido que o princípio da igualdade implica que se trate de forma igual o que é igual, e de forma desigual o que é desigual, na medida da própria diferença.
Por aquilo que acabou de ser exposto e por aquilo que a própria recorrente invoca no ponto 22 citado resulta evidente que o princípio da igualdade não foi violado pois que as situações apresentadas nada têm de igual. A sanção acessória de inibição de inibição é diversa na sua natureza e pressupostos da sanção consistente na apreensão de veículo. E essa diversidade permite concluir inexistir lacuna e, logo, não ser legítima a analogia legis.
Não se trata de inexistir norma que preveja a possibilidade de suspensão da sanção acessória de inibição às pessoas colectivas (que, aliás, se tem dificuldade em perceber como seria aplicada e cumprida, uma sanção de inibição de conduzir por pessoa colectiva). Trata-se de a sanção ser diferente em homenagem à diferente natureza das situações de facto que as sustentam.
Daí que improcedam as invocações de violação do princípio da igualdade e de necessidade de proceder a interpretação analógica, esta por inexistência de lacuna.
Por tudo é o recurso totalmente improcedente.
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C - Dispositivo: Face ao que precede, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso. Notifique. Custas pela recorrente com 6 (seis) Ucs. de taxa de justiça.
Évora, 16 de Maio de 2017
(Processado e revisto pelo relator)
João Gomes de Sousa (relator)
António Condesso