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HOMICÍDIO QUALIFICADO
RECURSO
MEIOS DE PROVA
RECONSTITUIÇÃO
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
PRESUNÇÕES
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
JUÍZO DE PROBABILIDADE
Sumário
I – A reconstituição é uma aproximação ao real acontecido, através de uma tentativa de reconstrução do facto ilícito praticado, com intuitos indiciários ou probatórios. É um meio de prova autónomo e é, em regra, pré-constituída (em momento anterior à audiência de julgamento) e com objectivos potencialmente incriminatórios. Não faz sentido excluí-la devido a facto futuro incerto, o saber se o arguido vai ou não exercer o seu direito ao silêncio em audiência de julgamento. II – A reconstituição também serve, através da análise da forma ou formas como o ilícito poderá ter sido praticado, para o provar e para consolidar ideias sobre o modo de execução e adjuvar de forma importante outras provas “a descobrir um facto, a obter prova sobre ele e a determinar a autoria de dado facto”. Neste último caso a ajudar, inclusivé, a formar convicção sobre o número de agentes intervenientes. III – Ao contrário do que acontece no reconhecimento onde a permanência na linha de identificação é obrigatória - na medida em que não exige, para a maioria dos casos, um facere do arguido - a reconstituição não é uma diligência em que o arguido tenha a obrigação de colaboração. E, precisamente, na medida em que supõe uma participação activa do arguido na reconstrução do ilícito, um facere que pode contrariar o privilégio contra a auto-incriminação, privilégio este que se não limita aos meios de prova “declarativos”. IV – O privilégio contra a auto-incriminação, ideia geral que inclui o direito ao silêncio, não significa que o arguido tenha o privilégio de impedir que seja efectuada prova contra si. V – Não há reconstituição sem linguagem, assim como não há processo sem linguagem. E exigir que a reconstituição feita exclusivamente por arguidos não tenha “declarações” é exigir que as reconstituições sejam mudas, despidas da linguagem, característica essencial da humanidade. Uma reconstituição com arguidos contém, necessariamente, “declarações” dos mesmos na medida em que têm que verbalizar o conhecimento que tiveram do facto ocorrido para que o mesmo seja “reconstituído”. VI – A cautela processual apenas se impõe no caso de as forças policiais utilizarem a reconstituição como forma abusiva de obter uma declaração confessória por coacção ou ameaça, declarações estranhas ao objecto da reconstituição ou uso de expediente processual de não constituição como arguido, devendo ser. VII – As regras de experiência comum (ou técnicas e científicas de conhecimento generalizado) ou máximas da experiência, são juízos ou normas de comportamento social de natureza geral e abstracta, sem ligação a factos concretos sobre que há que decidir, mas concretamente observáveis pela experiência anterior de casos semelhantes. E não são resultantes de uma ciência pessoal, mas de um conhecimento que é partilhado (comum) pela generalidade das pessoas de um país, de uma região, de uma classe de pessoas e concretizam-se na ideia de que certos factos geralmente ocorrem associados a outros. De forma mais sucinta, se os factos costumam ocorrer de certa forma, isso permite um raciocínio indutivo que conclua que, em iguais circunstâncias, voltarão a ocorrer dessa forma. Assim, é aceite que uma “regra de experiência comum” ou máxima da experiência não passa de uma lei social constatada de forma empírica por observação de factos anteriores. VIII – Na valoração da prova e sua fundamentação o seu papel essencial é o de fornecerem a premissa maior de um silogismo, sendo a premissa menor o facto conhecido (o comummente chamado indício) e a conclusão o resultado da presunção, o facto obtido. IX – Regras de experiência comum e presunções naturais são conceitos distintos: as regras de experiência comum autorizam a apreciar um comportamento determinado em função da cultura e comportamento social de um determinado povo, num tempo determinado; as presunções permitem partir de um facto conhecido para um facto desconhecido. A presunção vive e gera factos. X – A regra de experiência comum não é uma prova, sim um “juízo hipotético de conteúdo genérico, assente na experiência comum” (Acórdão do STJ de 06-07-2011); a presunção é uma “prova” reconhecida pelo ordenamento jurídico português, enquanto ilação que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – artigos 349º e 351º do Código Civil, incluídos na Secção II do Capítulo II (Provas), do Sub-título IV, do Livro I do Código Civil. XI – A regra de experiência comum é uma generalização, decorrente de observação empírica de factos anteriores, bastas vezes confundindo-se com pré-juízos, mesmo preconceitos, daí a necessária cautela no seu uso. Se a “regra de experiência comum” for de largo espectro e não verificada a “regra” serve de nada. É uma mera abstração e, pela sua amplitude, não convertível em facto útil. E isto acarreta, necessariamente, a sua imprestabilidade como regra de experiência comum. Não serve para incriminar nem para exculpar; se, à partida, é possível encontrar o caso que contraria a “regra de experiência comum” utilizada, a mesma fica vazia de conteúdo e prestabilidade. Aqui a excepção não confirma a regra. Afunda-a. Torna-a uma não-regra. XII – Não se pode partir, para uma presunção simples, de uma regra tão geral como “este tipo de pessoa não mata este género de pessoa”. É puro non sense. A base de partida tem que ser uma regra concretamente verificável. Uma afirmação se impõe então: só é possível presumir factos com ancoragem no caso concreto e não a partir de uma duvidosa generalização. XIII – Também é jurisprudência assente que o não-uso de regras de experiência comum e presunções simples quando elas se impõem – como no caso dos autos – gera o vício de erro notório na apreciação da prova previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, - Acórdão de 06-10-2010. XIV – Nas presunções simples - aglutinando todos os requisitos de legislação e jurisprudência europeia conhecidos, na ausência de critério legal probatório no ordenamento jurídico português - a presunção com base no factum probatum permite a ligação ao factum probandum se a presunção se basear num juízo lógico seguro, causal, sequencial, preciso, directo e unívoco. Não basta, pois, a mera verosimilhança, o provável, o plausível, para que se permita operar de forma capaz uma presunção hominis. XV – Exige-se – para um juízo de imputação suficiente para uma condenação penal, mesmo com recurso a presunções hominis - a certeza judicial exigível para uma condenação penal, o recurso a um juízo expresso em duas frases que se entendem não permitirem melhor explanação, a continental europeia “probabilidade que roça a certeza” e a anglo-saxónica “beyond reasonable doubt”, ambas expressando idêntica realidade, o mais exigente standard de prova. Ir para além disto seria mera conjectura tão provável como não e, aqui, em sede de imputação penal, a teoria do balanço de probabilidades (“mais provável do que não”) é sabidamente de afastar. XVI – Apesar de a impugnação do assistente não ter sido cumprida nos termos do disposto no artigo 412º, nsº 3 e 4 do C.P.P., não se pode no mesmo processo, havendo dois recursos, proceder como se eles tivessem uma vivência isolada e a prova indicada pelo Ministério Público não pudesse, para este efeito limitado (o conhecimento dos factos indicados, por apelo a regras de experiência comum, mesmo se resultantes da alteração factual proposta pelo MP), ser extensível ao recurso do assistente. Seria permitir a existência de contradições e a contraditoriedade com as regras de experiência comum resultantes da matéria de facto apurada em atenção a um valor processual adjuvante que se erigiria como valor supremo. Seria permitir o alinhamento de duas “matérias de facto” (possívelmente contraditórias) em função das características formais de dois recursos. XVII – Constatando-se que o recurso do assistente é procedente na parte em que se declara a existência de erro notório na apreciação da prova, daí não decorre que um dos remédios consequentes a tal vício, o reenvio para análise de parte da decisão, seja viável por o tribunal dispor de todos os elementos de prova que permitem concluir que o reenvio seria um acto inútil por não haver possibilidade de fazer prova de co-autoria num homicídio. (Sumário do relator)
Texto Integral
Processo 22/98.0GBVRS.E2
Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
A - Relatório:
No Tribunal Judicial de Faro - Tribunal Coletivo do 1º Juízo de Competência Especializada Criminal - o Ministério Público acusou os arguidos BB, filho de …, nascido no dia 8 de novembro de 1972, …residente…em Lisboa; CC, filho de…, nascido no dia 4 de janeiro de 1972, …residente…no Montijo e DD, filho de…, nascido no dia 29 de setembro de 1965, residente …em Faro
imputando-lhes a prática de factos susceptíveis de integrarem a prática, em coautoria e sob a forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 26º, 131º e 132º, nº 1 e 2, alíneas. e), h) e j) do Código Penal [previsto e punível, à data dos factos pelos artigos 26º, 131º e 132º, nº 1 e 2, alíneas c), f) e g) do Código Penal (Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março)].
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EE foi admitido a intervir nos autos como assistente, deduziu acusação particular, que consta de folhas 3.025, aderindo à acusação pública, alegando mais alguns factos.
O assistente e esposa, FF, deduziram, a fls. 3.026 e seguintes pedido de indemnização civil contra BB, CC e DD, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização de 160.477,46 € pelos danos morais que os demandantes sofreram em virtude da morte de seu filho (causada por ato doloso dos demandados), pelos danos próprios da vítima, pelo dano morte e por danos patrimoniais.
Lavrada uma primeira decisão no Círculo Judicial de Faro, sensívelmente com o mesmo conteúdo e idêntica decisão de absolvição, veio este Tribunal da Relação por acórdão de 13-08-2013 a decidir declarar nulo o acórdão lavrado em primeira instância por “falta de fundamentação e exame crítico da prova” e a determinar a prolação de outro acórdão do mesmo tribunal.
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A final, lavrou o tribunal recorrido novo acórdão a 27-01-2014 no qual decidiu de forma idêntica ao anterior acórdão, como segue: - absolver os arguidos BB, CC e DD do crime de homicídio qualificado de que vêm acusados; - absolver os demandados BB, CC e DD do pedido cível contra eles formulado; - condenar o assistente na taxa de justiça, fixada em duas unidades de conta; - condenar os demandantes nas custas atinentes ao pedido de indemnização civil; - o mais legal.
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O processo veio a ser distribuído nesta Relação a 22-05-2014 e redistribuido ao ora relator a 04-05-2017.
Não se conformando com a decisão, interpuseram recurso o Ministério Público e os assistentes formulando as seguintes (transcritas) conclusões: O Digno Procurador da República a) o recurso visa a impugnação da matéria de facto fixada no acórdão e envolve, somente, o arguido BB; b) consideram-se incorrectamente julgados, e impugnam-se, os factos descritos em X a XXIV e XXVI a XXIX - os 3 últimos de forma limitada, só na parte que respeitam ao arguido BB – dos “factos não provados” do acórdão; c) as reconstituições em que os arguidos CC e DD participaram são meios de prova válidos e susceptíveis de valorização para a fixação da matéria de facto – conforme resulta dos arts. 150, 125 e 127 do CPP; d) decidindo em sentido contrário, considerando que tais reconstituições não podiam “ser valoradas como meio de prova”, o acórdão recorrido decidiu erradamente; e) as provas que impõem decisão diversa da recorrida são as referidas reconstituições, o depoimento de GG (nas partes especificadas) e as escutas telefónicas (também nas partes especificadas); f) face á apreciação e conjugação dessas provas, devem considerar-se provados os supra referidos factos impugnados; g) alterada a matéria de facto da forma referida, todos os elementos constitutivos do crime de homicídio qualificado imputado ao arguido BB passam a verificar-se; h) são irrelevantes no recurso, porque prejudicadas, as matérias respeitantes aos arguidos CC e DD, uma vez que está decorrido o prazo de prescrição do procedimento criminal pelo crime de sequestro; i) caso o Tribunal Superior, fixada a matéria de facto e integrada legalmente esta, não remeta o processo á 1ª instância para determinação da pena do arguido BB, o Mº Pº defende - tendo em conta o disposto no art. 71 do CP – que a pena não deverá ser inferior a 20 anos de prisão; j) consequentemente, deverá o acórdão recorrido ser revogado e, alterando-se a matéria de facto nos termos descritos, condenar-se o arguido Carlos Lopa pela prática de um crime de homicídio qualificado p. e p. nos arts. 131 e 132, nº:2, e), h) e j) do CP.
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O assistente EE e FF I. A razão do reenvio do processo para prolação de novo Acórdão foi ter sido doutamente entendido, por este Tribunal da Relação, que o anterior Acórdão de 1ª Instância enfermava de vício de falta de fundamentação e de exame crítico das provas, com a consequente nulidade do mesmo. Todavia, o novo Acórdão ora proferido continua a não efectuar o exame crítico das provas. Assim, o dever de fundamentação da sentença, com a necessária “explicitação do processo de formação da convicção do tribunal” para que se perceba como, na formação da convicção, se seguiu um procedimento lógico e racional, coerente com o sentido determinado pelas regras da experiência, continua a não ser feito II. Nem quanto às declarações das testemunhas GG, HH, II e JJ; nem quanto às sessões de escutas telefónicas e á prova resultante destas, nem quanto às esquivas e confusas declarações de KK, nem quanto à infalível prova pericial. (…) XXI. Devendo ainda, face a tanto, os arguidos ser condenados como pedido nas acusações publica e particular. Ao assim não ter decidido o Tribunal “a quo” violou os artigos 150.º, 356.º, n.º 7, e 355 e 127 todos do CPP e o artigo 132.º, n.º 1 e 2, al. e) h) e j) do CP. OUTROSSIM XXII. Os Demandantes, face às conclusões anteriores, têm direito a ser ressarcidos pelos arguidos, se estes forem, como devem ser, condenados como autores do crime de homicídio qualificado. XXIII. Pois que, provados que estão todos os factos do Pedido Cível, deve considerar-se procedente o pedido de indemnização formulado, excluindo-se dele apenas os montantes relativos aos factos não provados de XXXVIII a XL; e condenando-se os arguidos criminalmente, devem eles ser solidariamente condenados pelos danos que causaram com a prática do crime. XXIV. Danos que são os peticionados no PIC, no montante que ali se peticiona, salvo quanto aos 3 factos não provados atrás referidos. XXV. Ao não ter condenado os Demandados no PIC, o Tribunal violou os artigos 483.º e seguintes do Código Civil. XXVI. Termos em que deve este Tribunal da Relação, provendo o Recurso, declarar a nulidade do Acórdão recorrido por falta de exame crítico das provas; e independentemente dessa nulidade, declarar que, face a toda a prova existente e válida, incluindo nela os actos de reconstituição neste processo, devem ser dados por provados os factos ora dados por não provados e referidos supra, com a consequente condenação dos arguidos e demandados, quer do ponto de vista criminal, quer enquanto demandados no PIC formulado; podendo já este Tribunal da Relação, face aos poderes de que dispõe, decidir revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que declare o que neste recurso se pede, formulando desde logo a nova redacção dos factos provados, baixando o processo apenas para aplicação da medida concreta da pena.
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O arguido CC apresentou resposta, concluindo:
1. O recurso interposto pela Recorrente, nada mais faz senão (i) pôr em causa a fundamentação da sentença e valoração feita pelo Tribunal “a quo” da prova produzida em julgamento e (ii) defender que os autos de reconstituição de fls. 1759 e seguintes, e fls. 1777 e seguintes não são verdadeiramente autos de reconstituição, sendo que, materialmente, os mesmos devem ser considerados como declarações dos arguidos.
2. Porém, analisado em concreto o vício de falta de fundamentação que o Recorrente pretende assacar ao Acórdão em crise, parece despropositada a sustentação daquele se atentarmos na circunstância de o Tribunal a quo ter dedicado mais de vinte e cinco páginas na exposição das razões (cfr. fls. 30 a 55) que justificam a consideração dos factos como provados e/ ou não provados.
3. Com efeito, a motivação e “conclusões” extraídas pelo Recorrente, nada mais fazem que pôr em causa a valoração feita pelo Tribunal “a quo” da prova produzida em julgamento.
4. Acontece que, a apreciação da prova pelo Tribunal se encontra sustentada pelo princípio da livre apreciação consagrado no artigo 127.º do CPP, segundo o qual “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
5. Analisada a douta Sentença proferida, facilmente se conclui que a convicção do Tribunal a quo se mostra suficientemente objectivada e motivada, sendo capaz de se impor a todos os que dela houverem de tomar conhecimento.
6. Resulta assim evidente, que o recurso apresentado pela Recorrente deve ser julgado manifestamente improcedente nos termos e para os efeitos do art.º 420.º n.º 1 do CPP.
7. Não obstante, o Recorrente considera que os autos de reconstituição de fls. 1759 e seguintes, e fls. 1777 e seguintes não são verdadeiramente autos de reconstituição, sendo que, materialmente, os mesmos devem ser considerados como declarações dos arguidos.
8. A convicção do Tribunal resultou dos depoimentos dos inspectores da Polícia Judiciária, II e JJ, que afirmaram os autos de reconstituição se destinaram e permitiram à polícia obter detalhes probatórios e factos que até então eram absolutamente desconhecidos.
9. Neste sentido, concluiu o Ilustre Tribunal Colectivo que a diligência não serviu para confirmar ou infirmar a possibilidade de qualquer facto ter acontecido, serviu antes para obter prova, prova essa que se traduz em declarações dos arguidos. E, bem assim considerou que os denominados “autos de reconstituição” não podem ser valorados.
10. Contudo, entende o Recorrente que tais autos de reconstituição devem valer autonomamente como meio de obtenção de prova.
11. Porém este entendimento é contrário à lei, pois os autos de reconstituição - atenta a sua inserção sistemática no artigo 150.º do Capítulo V do Título II do Livro III do CPP - constituem um meio de prova e não um meio de obtenção de prova.
12. Não obstante, entende o Recorrente que se os arguidos entendiam que aqueles actos de reconhecimento estavam a ser irregularmente utilizados para lhes extrair de modo irregular declarações; ou se calavam – o que não fizeram! – ou arguiam, no prazo do art.º 123 do CPP, a irregularidade daqueles actos, o que também não fizeram, pelo contrário sancionando-os com a sua assinatura.
13. Sucede que, num Estado de Direito, o processo penal só pode prosseguir se não subsistirem dúvidas sobre os factos que consubstanciam vícios processuais ou que relevem para o conhecimento desses vícios, sendo inaceitável um princípio de in dubio pro auctoritate.
14. De facto, bem decidiu, assim, o Douto Acórdão ao considerar que os autos em apreço não poderão ser apreciados como se se tratassem da “reconstituição do facto” legalmente prevista e disciplinada no artigo 150.º do CPP.
15. E considerando os denominados autos como declarações dos arguidos, como efectivamente o são, bem decidiu o Ilustre Tribunal Colectivo - de acordo com os artigos 356.º, n.º 7 a 9 e 357.º, n.º 2 do CPP – que, uma vez que os arguidos não prestaram declarações na audiência de discussão, as declarações prestadas, por estes, em fases preliminares do processo não podem ser usadas contra eles seja através da sua leitura, seja através da sua visualização, seja através de depoimentos de outras pessoas que se refiram àquelas declarações.
16. Verifica-se que o Ilustre Tribunal Colectivo agiu com total independência na interpretação da lei no caso concreto, não merecendo o Douto Acórdão qualquer reparo.
17. Todavia admitindo ou não os almejados autos como meio de prova, sempre se verificará que os mesmos não são suficientes para se considerar provado o que Tribunal julgou não provado.
18. Ainda que assim não se considere, sempre se constatará que os autos de reconstituição comprovam expressamente que o aqui Recorrido não foi nem o autor material nem o autor moral do crime de que vem acusado.
19. Ademais, nessa parte, os autos de reconstituição são corroborados pelos depoimentos das testemunhas II e JJ, inspectores da PJ, bem como pelas escutas telefónicas, os quais expressamente comprovam que o Recorrido jamais planeou ou acordou com quem quer que seja a morte da vítima e muito menos participou na execução da mesma.
20. Antes pelo contrário, os falados meios de prova comprovam, sem margem para dúvidas, que o Recorrido foi surpreendido e ficou indignado com a morte da vítima.
21. Pelo que, caso se considere que os autos de reconstituição devem ser valorados, os mesmos impõem que se confirme a absolvição do aqui Recorrido.
22. Não existe prova alguma nos autos que demonstre que o ora Recorrido urdiu um plano que visasse a morte da vítima ou que tenha dado o seu acordo à execução de tal plano.
23. De igual forma não existe qualquer prova nos autos que o Recorrido tenha sido o autor material dos disparos que mataram a vítima.
24. Ao invés, a prova existente no processo, designadamente, as escutas juntas aos autos, indiciam precisamente o oposto, ou seja, a surpresa e indignação do Recorrido com o trágico desfecho.
25. Acresce que existe uma total e absoluta ausência de prova relativamente à matéria vertida nos artigos 15.º a 18.º e 21.º da acusação, pelo que, relativamente ao ora Recorrido, independentemente da admissibilidade ou não dos autos de reconstituição, sempre se impõe a sua absolvição. Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por não provado, proferindo-se Acórdão que, confirmando a Douto Acórdão recorrido, absolva o Recorrido.
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A Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer.
Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penal, respondendo o assistente.
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B - Fundamentação: B.1.1 -O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
1. O arguido BB manteve uma relação de namoro com MM durante cerca de nove anos, a qual terminou em data não concretamente apurada do ano de 1997, mas anterior a outubro;
2. Após o final de tal relação, MM, em outubro ou novembro de 1997, iniciou uma relação de namoro com LL;
3. Durante o período temporal em que durou esta última relação, o arguido BB, por diversas vezes, entrou em contacto com MM, solicitando-lhe que terminasse a relação com LL e reatasse a relação que mantivera consigo, pedido a que aquela nunca acedeu;
4. Numa ocasião, em data não concretamente apurada mas situada entre outubro ou novembro de 1997 e o dia 2 de fevereiro de 1998, o arguido BB chegou a esperar por MM na porta da residência da avó ou da mãe, em Loulé, e quando a mesma chegou a casa, o arguido dirigiu-se ao veículo automóvel em que ela se fazia transportar;
5. Após, o arguido BB e MM tiveram uma discussão sobre o namoro desta com LL;
6. Durante tal discussão, o arguido BB desferiu um murro com a mão no tablier do carro da MM e pediu-lhe que reatasse a relação de namoro com ele;
7. No dia 2 de fevereiro de 1998, a hora e local não apurados, pessoa cuja identidade também não se apurou, efetuou dois disparos com arma de fogo de calibre 6,35 mm dirigidos à base da nuca de LL, atingindo-o na metade inferior da região occipital
8. Os projéteis que entraram na metade inferior da região occipital de LL, provocaram, direta e necessariamente neste: No hábito externo: ferida perfurante de forma ovalar, de bordos regulares, dirigida no sentido transversal, com 1,3 cm no seu maior diâmetro e 0,6 no menor, localizada na região occipital na sua metade inferior, a cerca de 1,5cm para a esquerda da linha média; orla de contusão com cerca de 2 mm de altura, rodeando todo o orifício descrito; escoriação de forma circular com cerca de 1cm de diâmetro na região da bossa frontal direita; tumefacção de forma circular com cerca de 8cm de diâmetro, com diversas escoriações, na face esquerda, junto ao ângulo da mandíbula; algumas escoriações na região malar esquerda e arcada zigomática; No hábito interno: hematoma subcutâneo de toda a metade inferior da região occipital; hematoma subcutâneo da região frontal, em toda a sua metade esquerda; dois orifícios com 0,9 cm de diâmetro cada, separados um do outro cerca de 1cm no sentido vertical, localizados na occipital na sua metade esquerda e inferior, a cerca de 1,5 cm para a esquerda da linha média; lesão cerebral perfurante em toda a extensão do hemisfério cerebral esquerdo, no sentido postero-anterior; hemorragia cerebral extensa em ambos os hemisférios cerebrais e região cerebelosa; fratura cominutiva, esquirolosa, do osso frontal, na sua metade esquerda, a cerca de 3 cm da arcada supra ciliar do mesmo lado;
9. As fraturas cranianas descritas, bem como a lesão cerebral e a hemorragia cerebral resultaram, também direta e necessariamente dos disparos efetuados pela pessoa acima referida, os quais causaram a morte de LL;
10. O cadáver de LL foi encontrado no sítio dos …, concelho de Castro Marim, numa ribanceira da estrada nacional nº 122, a cerca de 4 km da fronteira com Espanha;
11. Relativamente aos factos descritos supra sob os números 1 e 3 a 6, o arguido BB agiu livre, voluntaria e conscientemente;
12. Os demandantes são os únicos e universais herdeiros do filho de ambos, LL;
13. Os demandantes sempre tiveram o seu filho a viver consigo, na sua residência, fazendo parte do agregado familiar e para ele contribuindo, até à morte de LL
14. LL nasceu no dia 13 de dezembro de 1970;
15. À data do óbito, LL era técnico superior do Instituto …, onde pretendia fazer carreira profissional;
16. Auferindo, na época, um vencimento de 176 018$00 (correspondente a € 877,97);
17. LL tinha expectativas sérias de subida na carreira profissional;
18. LL gozava de boa saúde (quer física quer psicológica), do que os demandantes tinham conhecimento;
19. Os demandantes e o seu filho LL tinham uma relação afetiva estreita, com amor entre eles, não tendo a relação conflitos relevantes;
20. Os demandantes e LL viviam na mesma casa;
21. Os demandantes eram pessoas saudáveis;
22. Dormiam e alimentavam-se normalmente, sem quaisquer perturbações de nenhuma destas funções básicas;
23. Logo que tomaram conhecimento da morte do filho, a demandante passou desde então a ser uma pessoa triste e reservada, sentiu angústia e aflição;
24. A demandante passou a sofrer depressão e a andar chorosa pela perda do filho;
25. A demandante passou a sofrer de insónia persistente, que se mantém;
26. A demandante deixou de ter interesse em atividades sociais;
27. A demandante passou a sofrer de alterações de humor;
28. Em consequência do relatado nos números anteriores, a demandante teve que frequentar consultas médicas de clínica geral e de especialidade (concretamente, psiquiatria e neurologia), tendo iniciado medicação que ainda mantém;
29. Também a angústia e aflição que o demandante sofreu ao tomar conhecimento da morte do filho o obrigou a recorrer a consultas médicas e à ingestão de medicamentos;
30. Desde a data da morte de LL, o demandante passou a ter insónias;
31. Desde a data do falecimento de LL, os demandantes tiveram intervenção no processo e levaram o caso à televisão visando conseguir que o crime não fique impune;
32. Os demandantes foram contactando e sendo contactados pela polícia, pelo Ministério Público, pela comunicação social, por eventuais testemunhas, recebendo telefonemas anónimos, etc.;
33. Rememorar o sucedido custa-lhes e afeta-os;
34. Os demandantes irão recordar toda a situação relacionada com a morte do filho ao longo do presente processo;
35. Sentem-se ambos os demandantes há doze anos muito indignados e revoltados;
36. Os demandantes ainda sentem mágoa e desespero pela perda sofrida;
37. Os demandantes passam a maior parte dos seus dias, não obstante o apoio e o carinho de quantos os rodeiam, tristes, amargurados, saudosos e apreensivos, chorando em qualquer local e a qualquer hora por saudades do filho;
38. Os demandantes, que até à data da morte de LL eram bastante comunicativos, tornaram-se muito reservados, não comunicando com terceiros como o faziam anteriormente. Os demandantes, até à data da morte do filho, eram calmos, afáveis, descontraídos, com grande carinho e proximidade física com o seu filho e demais familiares, muito delicados no trato e de bom relacionamento com a generalidade das pessoas;
39. Após terem tomado conhecimento da morte do filho, os demandantes perderam o apetite, tendo passado refeições sem tocar nos alimentos;
40. Em virtude do falecimento do seu filho, os demandantes suportaram as seguintes despesas: 300 000,00$00 (correspondente a € 1 496,39) com exéquias fúnebres de LL; 100 000$00 (correspondentes a € 498,80) pelo gavetão no Cemitério Municipal de Faro;
41. Igualmente como resultado da morte de LL ficou totalmente inutilizada a roupa que a vítima trazia vestida: Uma camisa de valor não apurado; Umas calças e casaco de valor não apurado; E calçado de valor não apurado;
42. Após a morte de LL, alguém procedeu ao levantamento com os cartões bancários que àquele pertenciam, de uma quantia de 30 000$00 (correspondente a € 149,64) e outra de 30 637$20 (correspondente a € 152,81);
43. Os demandantes receberam já os valores que a seguir se indicam: A Companhia de Seguros… pagou um seguro de vida do falecido, no valor de 50.000,00 €; A Companhia de Seguros …, anexa a cartão de crédito, pagou um seguro do falecido, no valor de 100 000$00 (equivalente a € 498,80); A Segurança Social reembolsou, por conta do funeral, 300 000$00 (equivalente a € 1 496,39);
44. O processo de socialização de BB decorreu de forma globalmente normativa, tanto ao nível familiar, como escolar e profissional;
45. Quando tinha cerca de 9 anos de idade, os progenitores separaram-se, tendo BB começado por ficar aos cuidados da progenitora, em Lisboa;
46. Quando tinha cerca de 12 anos de idade, foi viver com o progenitor na região do Algarve;
47. Em ambos os agregados o ambiente familiar revelou-se estruturado, tendo os progenitores e as respetivas famílias reconstituídas assegurado uma educação consistente e consonante com padrões normativos;
48. BB concluiu o 12º ano de escolaridade, depois de um percurso escolar regular, isento de reprovações, absentismo ou problemas de comportamento;
49. Findo o ensino secundário, concorreu ao curso superior de biologia, mas a média escolar alcançada não foi suficiente para ingressar no mesmo;
50. (…);
51. (…);
52. (…);
53. (…);
54. BB encetou uma relação afetiva com MM quando tinha cerca de 16 anos de idade, que vira a prolongar-se durante cerca de 9 anos, sem que tivessem coabitado;
55. O término da relação coincidiu com a altura em que BB conheceu a atual cônjuge, NN;
56. Do processo de socialização de BB destaca-se ainda a dedicação à prática desportiva;
57. Quando tinha 7 anos de idade começou a praticar ginástica, tendo sido federado desta modalidade durante cerca de 2 anos;
58. Com 10 anos de idade dedicou-se ao hóquei em patins;
59. Com cerca de 16 anos de idade começou a praticar polo aquático, desporto que também praticou como atleta federado;
60. A dedicação ao desporto e o interesse pela natureza conferiram ao arguido uma valorização de estilos de vida saudáveis, não existindo indicadores de consumos de substâncias estupefacientes ou abuso de bebidas alcoólicas;
61. À data dos factos que constam da presente acusação, BB residia com o progenitor, a cônjuge daquele e o irmão em …;
62. Tinha vínculo contratual de efetividade com …, onde mantinha a atividade de aquarista, que exercia na Estação de …;
63. Auferia um vencimento de cerca de 800,00 euros mensais;
64. Mantinha a atividade desportiva de polo aquático e namorava com a atual cônjuge, NN;
65. Conhecia o co-arguido CC do contexto social, nomeadamente em contexto de saídas noturnas;
66. Já havia visto o co-arguido DD;
67. No fim do ano de 1998, BB fixou-se em Lisboa, por ter passado a exercer funções nas instalações do…;
68. Manteve a atividade no … até Março de 2011, altura em que saiu desta empresa, por mútuo acordo, para prosseguir outros objetivos profissionais;
69. Passou então a integrar um inovador projeto de aquacultura que o obrigava a frequentes deslocações, quer no território nacional quer no estrangeiro.
70. BB tem vindo a trabalhar, desde Setembro de 2001, com um ex-colega de trabalho, numa empresa em regime de prestação de serviços de consultoria, gestão, instalação e manutenção de aquários e sistemas vivos de animais e plantas;
71. No momento atual, BB coabita com NN, com quem contraiu matrimónio em 2002, e com os dois filhos do casal, de 8 e 7 anos de idade, em casa própria localizada …em Lisboa;
72. A dinâmica relacional é descrita como estável, coesa e apoiante, não existindo referência a conflitos graves ou a incidentes violentos no relacionamento interpessoal do casal;
73. Mantém uma relação de proximidade com o progenitor, sendo ainda referida uma relação particularmente coesa com a família de origem de NN;
74. BB aufere um vencimento médio de 800,00 euros mensais;
75. A cônjuge, licenciada em saúde ambiental e técnica de higiene e segurança no trabalho, está em situação de desemprego desde junho de 2010, sendo beneficiária de subsídio de desemprego no valor de 860,00 euros mensais;
76. No rendimento do casal inclui-se ainda o valor do arrendamento de uma habitação, da qual são proprietários no …, no valor de 400,00 euros mensais;
77. Como encargos do agregado destaca-se o pagamento da prestação do crédito contraído para adquirir a habitação, no valor de 600,00 euros mensais, a mensalidade da escola dos filhos, no valor total de 400,00 euros mensais, assim como as despesas domésticas correntes;
78. BB continua a valorizar um estilo de vida saudável e a prática de desporto. Nos tempos livres fica no espaço doméstico ou a praticar desporto ao ar livre na companhia de amigos e da cônjuge;
79. O fim-de-semana é dedicado ao convívio com os filhos.
80. Em termos individuais, BB Lopa apresenta-se como uma pessoa sociável, que valoriza os laços familiares e de amizade;
81. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais;
82. CC desenvolveu-se num contexto familiar estruturado ao nível da definição de papéis, responsabilidades e educação;
83. (…).
*
B.1.2 - E como não provados os seguintes factos:
I. A relação de namoro entre o arguido BB e MM tenha terminado em data anterior a 1 de novembro de 1997;
II. A relação de namoro de MM com LL se tenha iniciado em Novembro do ano de 1997;
III. O facto descrito em 4 dos factos provados tivesse ocorrido no período compreendido entre 1 de Novembro de 1997 e 31 de Janeiro de 1998, mas sim no período referido na matéria de facto julgada provada;
IV. Na mesma circunstância, o arguido BB esperou MM na porta da residência da avó desta, em Loulé, mas sim num dos locais referidos na matéria de facto julgada provada. Com efeito, na acusação consta que os factos ocorreram na porta da casa da avó de MM. Mas, não se demonstrou que foi nesse local. Antes se demonstrou que pode ter sido nesse local ou então na porta da residência da mãe daquela MM. Impõe-se, pois, julgar não provado que “o arguido BB esperou MM na porta da residência da avó desta, em Loulé, mas sim num dos locais referidos na matéria de facto julgada provada”;
V. O arguido BB tenha dado o murro a que se refere a matéria de facto julgada provada logo que se dirigiu ao veículo automóvel em que MM se fazia transportar mas sim no circunstancialismo fáctico descrito na matéria de facto julgada provada;
VI. A partir de então, o arguido BB, nutrindo ciúmes pela relação de MM com LL, decidiu envidar esforços no sentido de recuperar a sua antiga namorada, nem que para tanto, tivesse de causar a morte a LL;
VII. Nutrido pelo sentimento de ciúme e vingança, e com o desígnio de pôr termo à vida de LL, em data não concretamente apurada, mas que se situa entre 1 e 15 de Janeiro de 1998, em Tunes, o arguido BB contactou o arguido CC e pediu-lhe a colaboração para matar LL;
VIII. O arguido CC concordou em colaborar com o BB, mediante a promessa de uma recompensa monetária, e contactou o arguido DD, o qual também acordou na execução do plano para matar LL, também no pressuposto de receber uma quantia em dinheiro;
IX. Para concretizar o desígnio conjunto dos três arguidos de pôr termo à vida de LL, durante vários dias, cujas datas em concreto não se logrou apurar, mas que se situam nas duas semanas imediatamente anteriores ao dia 2 de fevereiro de 1998, os arguidos CC e DD passaram a monitorizar a atividade diária de LL, a fim de conhecerem o percurso habitual do mesmo, bem como os seus hábitos e, desse modo, escolherem o momento e o local para o interceptarem;
X. Assim, no dia 2 de fevereiro de 1998, no período compreendido entre as 19:30 e as 21:00 horas, numa estrada utilizada por LL, na deslocação entre o seu local de trabalho, sito …em Loulé, e a sua casa, sita … em Faro, o arguido CC, tripulando um automóvel Renault Clio e acompanhado pelo arguido DD, bateu com a frente do veículo na traseira da viatura Rover, matrícula …, conduzida por LL;
XI. LL, convicto de que se tratava de um acidente de viação, abrandou a marcha, encostou o Rover à berma e saiu do carro;
XII. Ato contínuo, o arguido DD foi ao encontro de LL e obrigou-o a entrar no Rover;
XIII. Então, o arguido CC abandonou o Renault Clio, entrou para o banco traseiro do Rover;
XIV. O arguido DD passou para o volante do carro e LL sentou-se no banco dianteiro direito da viatura;
XV. Os três seguiram para as imediações de …, em Faro, onde se encontraram com o arguido BB;
XVI. Em sequência, o arguido BB no seu veículo, e DD ao volante do Rover juntamente com o arguido CC e LL, seguiram até a um lugar sito nas imediações da casa dos pais do arguido BB, em … Faro, local esse desprovido de qualquer habitação e afastado de toda a zona urbanizada da referida localidade;
XVII. Aí chegados, os arguidos CC e DD imobilizaram o Rover e apearam-se com LL;
XVIII. Também o arguido BB abandonou a sua viatura e dirigiu-se a LL;
XIX. O arguido BB começou a desferir socos e pontapés em LL;
XX. LL procurou a fuga;
XXI. No momento em que LL procurou a fuga, o arguido BB munido com uma arma de fogo calibre 6,35 mm, deflagrou a mesma, efetuando dois disparos dirigidos à base da nuca de LL, atingindo-o na metade inferior da região occipital, tendo-se demonstrado apenas o que está descrito em 7 da matéria de facto julgada provada;
XXII. A supra descrita conduta do arguido BB provocaram, direta e necessariamente, em LL as lesões descritas em 8 da matéria de facto julgada provada;
XXIII. Imediatamente após os disparos, os arguidos colocaram o cadáver de LL no automóvel do arguido BB e abandonaram-no no local referido em 10 da matéria de facto julgada provada, tendo-se provado o que ali se encontra descrito;
XXIV. O arguido BB agiu por ciúme, motivado por um sentimento de vingança em relação a LL, porquanto este mantinha uma relação de namoro com MM, a qual o arguido queria reconquistar para si.
XXV. Os arguidos CC e DD agiram sob a égide da promessa de uma recompensa monetária que lhes seria entregue pelo arguido BB;
XXVI. Os três arguidos agiram em conjunto, na execução de um plano que previamente haviam delineado e sobre o qual refletiram e em cuja execução persistiram durante mais de 24 horas;
XXVII. Os arguidos planearam a morte de LL e agiram, na concretização do plano delineado, de modo calculista, frio, com reflexão sobre os meios empregados, premeditação, calmo na preparação e execução, e persistente na resolução ao longo de cerca de um mês;
XXVIII. Os arguidos, com a conduta descrita, quiseram e conseguiram causar a morte de LL;
XXIX. Em tudo, agiram os arguidos livre, voluntaria e conscientemente, cientes de que a sua conduta era, como é, proibida e punida por lei.
XXX. O arguido BB, pouco tempo antes do homicídio, havia abordado a então namorada da vítima, MM, dizendo de modo irado que se ela não abandonasse o namorado (LL) e reatasse a relação com ele, arguido, mataria o LL;
XXXI. O que disse, dando ao mesmo tempo murros no tejadilho do automóvel onde MM (por lapso, na acusação particular se referiu “a namorada”) então se encontrava;
XXXII. Os demandantes, frequentemente sofrem pesadelos que muito os abalam física e psiquicamente;
XXXIII. Os demandantes vivem um sentimento de medo e insegurança que muito os afeta;
XXXIV. A demandante, que até então sempre fora segura e calma tornou-se muito insegura, sendo que tal insegurança, que até aos factos não existia, tem aumentado a sua instabilidade emocional e afetiva;
XXXV. A tristeza, angústia e as saudades do filho aumentam nos períodos de lazer, como fins de semana e outros, em que família mais se encontrava;
XXXVI. LL ajudava nas despesas da casa, dando metade do que auferia aos pais;
XXXVII. Entre o momento do sequestro e o da morte, a vítima foi assustada, violentada na sua liberdade e integridade física;
XXXVIII. A vítima teve medo e receio pela sua integridade e pela sua vida;
XXXIX. A vítima anteviu a sua morte como possível, e por isso tentou a fuga, o que lhe causou grande medo e pânico (até morrer), e a angústia natural de se sentir perdido;
XL. O valor da camisa da vítima seja de € 25,00;
XLI. O valor das calças e do casaco da vítima seja de € 100,00;
XLII. O valor do calçado seja de € 50,00;
XLIII. Quem procedeu aos levantamentos das quantias referidas na matéria de facto julgada provada foram os arguidos ou alguém a quem eles forneceram os cartões bancários do falecido;
XLIV. LL auferia, à data do óbito, uma remuneração mensal líquida de € 880,00, tendo-se antes demonstrado o que consta dos factos provados.
*
B.1.3 -E apresentou como motivação da decisão de facto os seguintes considerandos: «O decidido em matéria de facto funda-se em todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento e bem assim nos documentos, autos e relatórios periciais valorados (cada um de per si e no confronto com os demais meios de prova) de forma crítica e de acordo com as regras da experiência comum. As declarações do assistente e demandante e os depoimentos das testemunhas apenas foram positivamente valorados na medida em que os respetivos declarantes demonstraram ter conhecimento direto e pessoal sobre os factos e as declarações e depoimentos se revelaram claros, precisos e isentos de contradições. Todos os sujeitos processuais tiveram ampla oportunidade de discutir todos os documentos, relatórios periciais e autos de que o Tribunal se serviu para fundar a sua convicção foram. Relativamente à prova pericial, teve-se em consideração o princípio que emana do artigo 163º, nº 1 daquele Código, segundo o qual “o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.” Sem embargo, não deixou o Tribunal de fazer um exame crítico de tal meio de prova. O Tribunal não ponderou quaisquer autos cujo acesso em julgamento lhe está vedado por lei. Relativamente ao conjunto de factos descritos na matéria de facto julgada provada nos números 1 a 6, a prova produzida foi absolutamente concordante. MM confirmou tais factos, sendo certo que, por motivos óbvios e que decorrem dos próprios factos provados, aquela testemunha teve conhecimento direto e pessoal dos mesmos. O relacionamento desta com o arguido BB foi também confirmado pelo assistente EE e pela filha deste, OO, que são, respetivamente, pai e irmã de LL e que demonstraram ter conhecimento pessoal dos factos. Em particular, a altura em que terminou o namoro de MM e o arguido BB e o período em que ocorreram os factos descritos no ponto 4 dos factos provados decorre diretamente do depoimento prestado por MM. Os depoimentos das duas referidas testemunhas e as declarações do assistente revelaram-se claros, precisos, isentos de contradições. Souberam distinguir bem os factos de que tomaram conhecimento direto e pessoal daqueles de que tomaram conhecimento por intermédio de outras pessoas. Os falados meios de prova, tendo em conta as suas características e o facto de se terem revelado concordantes, mereceram credibilidade. Impunha-se, pois, julgar provados os referidos factos. É certo que várias testemunhas referiram que o arguido BB começou a namorar com sua atual esposa em 1997, tendo tal relacionamento perdurado, sem interrupções até ao casamento de ambos [cf. por exemplo, os depoimentos de … (cunhado do arguido), … (padrasto do arguido), … (tia da esposa do arguido que referiu que o namoro deste com NN se iniciou no final de 1996). Estes depoimentos, nesta parte, não foram positivamente valorados pelo Tribunal. Com efeito e sem prejuízo de ser eventualmente ser verdade o que as testemunhas revelaram sobre o particular em exame, o certo é que o facto de o arguido BB ter iniciado uma relação de namoro com a sua atual esposa no final de 1996 ou em 1997 não é impeditivo de que o mesmo, simultaneamente, tivesse uma relação amorosa com outra pessoa. De resto, MM referiu que tal ocorreu muitas vezes durante o namoro dela com o arguido. A prova revelou-se também absolutamente concordante no que tange aos factos provados descritos sob os números 7 a 10. Para além disso, as provas produzidas na audiência de discussão e bem assim os documentos e relatórios periciais existentes no processo não permitem conclusão diversa da que decorre dos falados factos: no dia 2 de fevereiro de 1998, LL foi cobardemente assassinado com dois tiros disparados pelas costas e que o atingiram na base da nuca. Do relatório de autópsia que constitui folhas 11 a 14 resulta claramente as lesões que LL e que as mesmas foram causa direta e necessária da sua morte. Tais lesões e nexo de causalidade estão descritos nos factos provados. De tal relatório resulta também que LL tinha na caixa craniana 2 projéteis (“balas”) iguais. Do relatório pericial que constitui folhas 437 a 439 se extrai claramente que os dois projéteis foram disparados da mesma arma. Assim sendo e tendo em conta as lesões descritas no relatório de autópsia, é também inevitável concluir que os disparos foram feitos pela mesma pessoa e pelas costas de LL: o facto de os projéteis terem atingido a mesma parte do corpo, a uma distância tão curta um do outro (cerca de 1,5 cm) e considerando a zona do corpo atingida, é impensável que tenha ocorrido qualquer comportamento negligente do agente do crime. A negligência conseguir-se-ia (ainda que dificilmente) sustentar se apenas um disparo tivesse sido feito. Ninguém efetua dois disparos que atingem a vítima do modo descrito na matéria de facto julgada provada (e no relatório da autópsia) por negligência. Não é, porém, possível concluir quem efetuou os disparos, designadamente, que quem os efetuou foi arguido BB com a colaboração dos demais arguidos. Também não é possível concluir que a morte de LL foi precedida dos factos que vêm descritos na acusação. O Tribunal não tem qualquer razão para suspeitar que o depoimento de GG foi produzido com qualquer outro intuito que não o de revelar a verdade. O seu depoimento foi – relativamente aos factos de que afirmou ter conhecimento – completo, coerente e isento de contradições. Tal depoimento foi corroborado pelo depoimento de HH, inspetor da Polícia Judiciária. GG viveu em condições análogas às dos cônjuges com o arguido CC entre 2004 e 2010. Cerca de 6 meses após o início de tal vivência conjugal, o arguido CC revelou à testemunha que “para ajudar um amigo, uma pessoa tinha morrido”. Ao longo dos anos de vivência marital entre o arguido e GG, aquele foi fazendo outras revelações relacionadas com aquele evento. Assim, ao longo dos anos, CC disse à sua companheira que ele e outras pessoas tinham esperado a vítima no Instituto… e que a levaram para um local onde acabou por ser baleada, que tinham feito desaparecer a arma e que o corpo nunca tinha sido encontrado. Segundo foi relatado à GG pelo seu então companheiro, a intervenção deste foi promovida por um amigo de infância. Sempre segundo GG, CC deu a entender que o crime tinha ocorrido em Espanha e que tudo tinha sido organizado por ele próprio. Noutra ocasião, CC disse à sua companheira que uma vez tinha adormecido num carro em Espanha, perto de um posto policial. Todavia, este episódio não foi relacionado pelo arguido com o episódio da “morte de uma pessoa para ajudar um amigo”. GG fez ainda outras revelações que poderiam ter interesse para a decisão. Assim, afirmou que por ocasião do carnaval de 2005, o arguido CC afirmou que um amigo que lhe devia favores emprestou-lhe quantia que não foi capaz de indicar com precisão mas que não ia além dos € 50 000,00 (sendo certo que GG verificou que na conta de depósito do arguido foi depositado tal montante). Por fim e de relevante, GG explicou que, inicialmente, suspeitou que o que o seu companheiro lhe contara não correspondia à verdade. Ainda assim, de vez em quando, ia fazendo perguntas sobre o assunto relacionado com a morte de uma pessoa para ajudar um amigo. Por vezes, CC revelava mais algum detalhe. De outras vezes dizia que não queria falar nisso. Apesar de ter feito pesquisas na internet, nunca conseguiu relacionar os factos que lhe tinham sido narrados com qualquer caso real. A dada altura, porque o seu companheiro se começou a revelar agressivo verbalmente, decidiu contar os factos de que tinha conhecimento ao namorado de uma amiga, de nome HH, que era inspetor da Polícia Judiciária. Este declarou que não conhecia qualquer caso que correspondesse aos factos que GG lhe revelou. Mas interessou-se e foi-lhe fazendo perguntas até que, a dada altura, o HH disse à GG que havia um caso que correspondia ao que ela lhe havia contado. HH corroborou, no essencial, o depoimento de GG, designadamente que esta pediu para falar consigo, tendo referido que o seu companheiro lhe revelara. HH não relacionou os factos que lhe foram relatados com nenhum caso de homicídio, mas falou disso a II, inspetor chefe da Polícia Judiciária, que logo suspeitou tratar-se do caso do homicídio de LL. Por determinação de II, HH – que não conhecia a investigação – foi falando com GG tentando obter outros detalhes que lhe tenham sido ditos pelo arguido CC. Basicamente, os detalhes que HH disse terem sido relatados por GG foram os que ela própria relatou ao Tribunal. Do documento que constitui folhas 73 (que consiste na impressão de informação do registo automóvel) resulta que o veículo da marca Rover com a matrícula … estava registado em nome de LL. Tal veículo está representado nos registos fotográficos de folhas 74. Do expediente que constitui folhas 96 resulta que, no dia 7 de fevereiro de 1998, em Palma do Condado, Reino de Espanha, foi entregue ao ora assistente o referido veículo automóvel. Do expediente que constitui folhas 184 e seguintes (que constitui uma carta rogatória dirigida às autoridades espanholas e por estas cumprida), resulta que o veículo acima aludido foi encontrado pelas autoridades espanholas em Villarasa (Huelva) no dia 4 de fevereiro de 1998 e que no veículo foi feita uma inspeção judiciária. Do auto desta inspeção resulta que o veículo estava devidamente estacionado e fechado, sem quaisquer sinais de ter sido forçado ou de ter sido feita qualquer ligação direta do motor. Resulta ainda do mesmo auto que foram recolhidos cabelos e três pontas de cigarro, duas delas da marca Marlboro Lights (entre outras coisas). Cumpre ainda ter presente que, de acordo com o relatório pericial 2896 e seguinte existe identidade de polimorfismos dos vestígios biológicos existentes numa ponta de cigarro apreendida no automóvel da vítima e a zaragatoa bucal recolhida ao arguido DD, o que significa que o mesmo fumou o cigarro de que aquela ponta fazia parte. Significa ainda que DD esteve no carro da vítima, tendo ali deixado a referida ponta de cigarro. Refira-se que o exame pericial que constitui folhas 782 e seguintes esclarece que os vestígios biológicos existentes nas outras duas pontas de cigarro têm como dador LL. Resulta, por fim, dos documentos que constituem folhas 99 a 101, 127 e 128 e 561 a 563 dos autos (que são documentos bancários referentes à conta de que era titular LL e aos movimentos dos seus cartões bancários) que, após o homicídio, foram feitos levantamentos com tais cartões. Conjugando todos os referidos meios de prova, não é possível concluir que tenham sido os arguidos a matar LL e muito menos qual a específica atuação de cada um deles. É certo que as provas já analisadas bem permitem suspeitar de DD (que, segundo GG, era amigo de CC), já que o mesmo fumou um cigarro cuja ponta foi deixada no cinzeiro do carro da vítima. É também possível suspeitar de CC, tendo em conta as revelações feitas por GG. Com base neste depoimento e bem assim com base no depoimento de MM é ainda possível suspeitar do arguido BB (que queria reatar o relacionamento com a sua antiga namorada e – então – namorada da vítima). Mas, dos falados meios de prova não é possível ir além de suspeitas. De um lado, o relato feito por GG – que, repete-se, se reputa de completo (relativamente aos factos de que tem conhecimento), sincero, honesto e desinteressado e, como tal, credível – não é completo (relativamente ao que realmente ocorreu). A versão dos factos que relatou (que são os factos de que tomou conhecimento através do arguido CC) não é completa (não refere detalhes do homicídio, da identificação da vítima, da motivação dos arguidos – de todos os arguidos – do comportamento específico de uns e de outros) e não coincide, em muitos pontos, com o que consta da acusação e o que resulta de outros meios de prova (v.g. nada indica que a vítima tenha sido assassinada em Espanha, mas sim em Portugal; diversamente do que foi dito, o corpo foi encontrado pouco tempo após o homicídio). E, se é verdade que o arguido BB pretendia reatar o seu relacionamento antigo com a namorada da vítima, daí não se segue necessariamente (nem com grande probabilidade) que a reação do arguido fosse a que está descrita na acusação. Muitos outros meios de prova foram produzidos e discutidos na audiência. Designadamente, foram inquiridos vários inspetores da Polícia Judiciária que tiveram intervenção no início da investigação e nos seus recentes desenvolvimentos e foram discutidos os denominados “autos de reconstituição” que constituem folhas 1759 e seguintes e 1777 e seguintes. Comecemos por analisar o que resultou do depoimento das testemunhas que são inspetores da Polícia Judiciária. II, inspetor chefe, acompanhou a investigação no seu início e após a reabertura do processo. No início, além de outras diligências, esteve presente no local onde o corpo da vítima foi encontrado e antes de o mesmo ser levantado. Descreveu o local e indicou que este fica a cerca de 100 km do local onde o carro de LL foi encontrado. Verificou que LL tinha a roupa que vestia “desalinhada”, sendo certo que tal desalinhamento não ocorre quando uma pessoa cai. Tal era um indicador de que o homicídio poderia ter ocorrido noutro local e a vítima ter sido para ali transportada. Referiu ainda que no local onde o corpo foi encontrado não foram detetadas as cápsulas das munições cujos projéteis atingiram a vítima. Tal indica uma de três possibilidades: ou os disparos foram feitos por um revólver (que, sabidamente, não expele as cápsulas ou invólucros das munições), o que era pouco provável (pois, como aliás se refere no exame pericial de balística já aludido, as munições só podiam ter sido disparadas por revólver antigo ou pistola); ou as cápsulas foram recolhidas pelo agente ou agentes do crime; ou, por fim, os disparos foram feitos noutro local. O crime indicava grande mobilidade do seu agente ou agentes. A pessoa assassinada era de Faro, trabalhava em Loulé, o corpo apareceu em … (Castro Marim), o carro apareceu em Espanha e foram feitos levantamentos com os cartões da vítima quer em Espanha quer em Portugal (perto da casa de LL). No mais, o inspetor chefe II explicou que HH perguntou nas instalações da Polícia Judiciária se alguém sabia de um homicídio ocorrido em Espanha e que tudo teria ocorrido por causa da namorada. Relacionou este caso com o caso de LL (que ocorreu numa altura em que HH ainda não pertencia ao corpo da Polícia Judiciária). Confirmou que pediu ao HH que, sem consultar o processo, tentasse saber mais detalhes do que GG sabia. Mais tarde, esta prestou declarações no âmbito do processo, determinado assim a sua reabertura. JJ, também inspetor da Polícia Judiciária, ouviu, tal como II, o relato que HH fez do caso que uma amiga lhe tinha contado. Também como II, relacionou tal relato com o caso presente. Ninguém informou o HH do processo nem de detalhes da investigação para que ele apurasse outros detalhes e assim poderem confirmar a credibilidade da testemunha e a correspondência com o caso presente. Outros inspetores referiram-se a diligências realizadas no início da investigação e às suspeitas que as provas então recolhidas suscitavam. Em concreto, nada adiantaram relativamente aos meios de prova já analisados. Nesta situação estão os casos de …, …, …, … e …. Dos depoimentos analisados – na parte em que o foram – pouco mais se adianta ao que os demais meios de prova permitiam concluir. Mas, II e JJ referiram-se ainda, nos seus depoimentos, às diligências de “reconstituição dos factos”. Demonstraram conhecer bem o que ocorreu em tais diligências (II esteve presente em ambas, JJ esteve presente apenas numa) e esclareceram que as diligências (que foram presididas por Exmª Procuradora Adjunta) se realizaram por indicação dos arguidos (eles é que indicavam os locais, os percursos e os acontecimentos que estão relatados nos autos acima referidos sem qualquer interferência ou sugestão de qualquer pessoa que estava presente). De acordo com os referidos inspetores da Polícia Judiciária, as duas diligências de reconstituição (que foram feitas separadamente e com brigadas da polícia diferentes – tendo apenas como elemento policial comum o inspetor chefe II) permitiram obter detalhes probatórios e factos que até então eram absolutamente desconhecidos da polícia. Analisados os autos (eles próprios denominados de “auto de reconstituição”) não há qualquer razão para duvidar da veracidade dos mesmos, quer do ponto de vista formal, quer do ponto de vista material, isto é, não há motivos para crer que os autos em referência não tenham sido lavrados e assinados tal como eles se apresentam nem existe razão para crer que o seu conteúdo foi elaborado de modo não correspondente á verdade. A questão que se coloca consiste em saber como podem os mesmos ser valorados pelo Tribunal. Dispõe o artigo 150º do Código de Processo Penal: 1 - Quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma, é admissível a sua reconstituição. Esta consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo. 2 - O despacho que ordenar a reconstituição do facto deve conter uma indicação sucinta do seu objeto, do dia, hora e local em que ocorrerão as diligências e da forma da sua efetivação, eventualmente com recurso a meios audiovisuais. No mesmo despacho pode ser designado perito para execução de operações determinadas. 3 - A publicidade da diligência deve, na medida do possível, ser evitada. A reconstituição do facto consiste claramente num meio de prova típico (e não num meio de obtenção de prova nem num meio de conservação da prova), com regulamentação específica. Nos termos do nº 1 do inciso legal acima reproduzido, o meio de prova em causa tem um único objetivo: o de “determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma”. Tal significa, desde logo, que o meio de prova “reconstituição do facto” não se destina a descobrir um facto, a obter prova sobre ele e muito menos a determinar a autoria de dado facto. Para isso existem outros meios de prova. Porque o meio de prova em exame “consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo”, concorda-se com E. Duarte quando define a “reconstituição do facto” como o “meio de prova através do qual se controla experimentalmente a verosimilhança de uma determinada hipótese factual, relevante para o processo, cuja possibilidade ou modo de ocorrência se pretende confirmar ou excluir” (Making Of – A Reconstituição do Facto no Processo Penal Portugês, em Prova Criminal e Direito de Defesa, Estudos sobre a Teoria da Prova e Garantias de Defesa em Processo Penal, Almedina, janeiro de 2010, página 12). Com o recurso a tal meio de prova, pode comprovar-se (ou excluir-se) a possibilidade de uma dada tese fáctica que decorre do processo (rectius: de provas existentes no processo), seja nas suas fases preliminares, seja no julgamento (v.g. no que concerne a distâncias, à existência de obstáculos, à atingibilidade de certos bens, à possibilidade de o agente ser apenas um ou mais, etc). Se, produzida a prova, o seu resultado corroborar o sentido da investigação, tal significa apenas e tão só que a tese que resulta das provas entretanto recolhidas é possível, plausível, verosímil. Se não corroborar, aquela tese fica definitivamente afastada. Para além disso, da reconstituição do facto podem resultar reforçados meios de prova que até aí não tinham demonstrada relação com os demais. S. Santos e Leal-Henriques afirmam que “quando conte com a colaboração do arguido, v.g. por se seguir à confissão, [a reconstituição do facto] terá a vantagem de materializar e objetivar o carácter pessoal da confissão, prevenindo, de algum modo, alterações de estratégia de defesa em audiência” (Código de Processo Penal, Rei dos Livros, 1999, volume I, página 794). Para estes autores, a participação do arguido na reconstituição do facto, ainda que na fase de inquérito, limitaria a estratégia de defesa do arguido em audiência porque aquela sua participação ficaria materializada no auto da diligência. Esta tese – que parte do pressuposto de que a “reconstituição do facto” visa “apreender o próprio modo” como ocorreram os factos cuja veracidade se quer atingir (…)” (ob. loc. cit., página 793) – choca, desde logo, com a letra do artigo 150º do Código de Processo Penal. Por outro lado, admite que a diligência possa “cristalizar” a versão fáctica apresentada pelo arguido nas fases preliminares do processo em termos de poder ser usada em julgamento (mesmo perante o silêncio do acusado). No fundo, tudo se passaria como se fosse possível, em audiência, valorar as declarações do arguido prestadas no âmbito da diligência de “reconstituição do facto” à margem das normas que regem a possibilidade de tal ocorrer (v.g. artigo 357º do Código de Processo Penal). Este modo de interpretar as palavras dos citados anotadores tem acolhimento em numerosa jurisprudência. No acórdão da Relação do Porto de 12 de dezembro de 2007 (publicado em www.dgsi.pt, processo 0714692), que contém um repositório de vasta jurisprudência e alguma doutrina sobre a questão em exame, escreveu-se: “É certo que a reconstituição do facto foi feita com base em declarações do arguido, mas não só, pois a ação integra também gestos, atitudes. O todo constituído pelas declarações e gestos do arguido é que consubstancia a reconstituição, que assim se diferencia e autonomiza das simples declarações. O arguido não se limitou a dizer que disparou sobre a vítima à distância de um braço e a explicar os passos dados para tirar dali o corpo. Com efeito, indicou o local onde a ação se desenvolveu, levando ali os investigadores; mostrou, por gestos, como apontou a pistola na direção da cabeça da vítima e a distância a que se encontrava desta, que, no ato de reconstituição, se encontrava substituída por outra pessoa, tal como se vê da fotografia de fls. 144; exemplificou como, com a ajuda de outra pessoa, que identificou, transportou a vítima para um automóvel; e indicou, percorrendo-o com os inspetores da Polícia Judiciária, o trajeto que seguiu até ao local onde disse que abandonou o ofendido e onde este foi efetivamente encontrado (…). Há aqui uma realidade nova, uma realidade que está para além das meras declarações e que, sustentando-se embora também nestas, configura algo de muito distinto, algo que não é apenas o somatório das declarações do arguido e dos gestos que desenvolveu, não podendo ser decomposto nessas declarações e nestes gestos. Certo que tudo começa com as declarações, mas estas deixam de ter autonomia quando integradas na ação global, da qual o que sobressai até são os gestos, pelo realismo que transmitem.” Este entendimento da colaboração do arguido na realização de uma diligência probatória realizada fora do âmbito da audiência de discussão não tem – no nosso entender – qualquer correspondência com a lei. O arguido tem direito a prestar declarações em qualquer fase do processo. Mas tem também o direito ao silêncio sem que tal o possa desfavorecer (artigo 61º, nº1, alínea d) e 343º, nº 1 do Código de Processo Penal) e sem que declarações suas prestadas em fases preliminares do processo possam ser usadas contra ele (artigo 357º do Código de Processo Penal), seja através da sua leitura seja através de depoimentos de outras pessoas que se refiram àquelas declarações. O mesmo vale para a visualização ou a audição de gravações de atos processuais (artigo 356º, nº 7 a 9 e 357º, nº 2 do Código de Processo Penal). Não resulta do artigo 150º do Código de Processo Penal nem de qualquer outra disposição legal que o princípio da presunção de inocência do arguido, o princípio da não autoincriminação e o princípio do direito ao silêncio possam ser violados porque o arguido presta declarações (por palavras ou gestos) no âmbito de uma diligência probatória que tem por fim específico “determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma” (e não demonstrar o próprio facto). A valoração dos denominados “autos de reconstituição” que constituem folhas 1759 e seguintes e 1777 e seguintes levaria o Tribunal não a “determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma” mas sim a demonstrar o facto em si mesmo e, para além disso, quem foi o seu autor, o que, à luz do artigo 150º do Código de Processo Penal é absurdo: a reconstituição é do facto, nunca da sua autoria. Tenha-se presente que, no caso dos autos, as chamadas “reconstituições dos factos” não o são verdadeiramente. Como referiu JJ, as duas diligências permitiram à polícia obter detalhes do crime que até então eram desconhecidos. A diligência não serviu para confirmar ou infirmar a possibilidade de qualquer facto ter acontecido. Serviu para apurar como os factos ocorreram, tendo, para tal, sido necessária a colaboração de dois dos arguidos (que relataram os factos circunstanciadamente, explicando locais, percursos e os comportamentos de cada um deles e dos demais coarguidos). Não o fizeram nas instalações da Polícia Judiciária nem nos serviços do Ministério Público. Fizeram-no em diversos locais perante inspetores da Polícia Judiciária e magistrado do Ministério Público. Materialmente, tudo deve ser considerado como declarações. Anote-se que os arguidos não prestaram declarações na audiência de discussão. Não deixa ainda de se notar que nem no citado acórdão da Relação do Porto de 12 de dezembro de 2007, nem nos demais acórdãos a que o mesmo se refere se ponderou se a diligência probatória em causa (formalizada em auto ou registo audiovisual) constitui materialmente uma reconstituição do facto (como meio de prova típico regulado no artigo 150º do Código de Processo Penal) ou se, diversamente, constituiu uma diligência probatória produzida ao abrigo do disposto no artigo 125º do Código de Processo Penal. Do que é possível extrair de tais acórdãos, em causa nunca esteve uma reconstituição do facto mas sim outro meio de prova não proibido e cuja valoração em audiência não pode deixar de se sujeitar ao domínio do artigo 357º do Código de Processo Penal. Por tudo se conclui que os denominados “autos de reconstituição” não podem ser valorados como meio de prova pelo Tribunal, tal como não podem ser valorados os depoimentos das testemunhas que se referiram ao modo como tais diligências – que, repete-se, materialmente, em substância, não consistiram em “reconstituições dos factos” – decorreram sem violação do preceituado no citado artigo 357º. No âmbito da investigação foram realizadas interceções de comunicações telefónicas, estando juntas ao processo e nos respetivos apensos os autos de transcrição de algumas dessas comunicações. Resulta claramente dos autos de transcrição (analisados no seu conjunto) que os arguidos CC e DD estiveram envolvidos num caso que pode ter relevância criminal (podendo mesmo ser um homicídio). Aqueles dois arguidos e os seus interlocutores não revelam, contudo, com um mínimo de precisão, de que caso estão a falar: o que fez cada um dos arguidos, quando os factos ocorreram, onde ocorreram, quem foi a vítima. De resto, se bem se reparar, quem se refere ao facto com relevância criminal não é nenhum dos arguidos mas sim os seus interlocutores. Assim, o primeiro auto de transcrição constante do apenso A (sessão 519, folhas 3) refere-se a uma conversa entabulada entre o arguido CC e KK quando aquele estava detido nas instalações da Polícia Judiciária em Faro por causa do “assunto do BB”. Ao tomar conhecimento da detenção, a KK perguntou pelo “DD”. No decurso da conversa, o arguido CC referiu à sua interlocutora que tinha contado toda a verdade (verdade essa que não revelou na conversação que então mantinha) e referiu que a polícia diz que o BB está numa situação diferente da “nossa” pois foi o BB “que deu os tiros, que matou o gajo”. Anote-se que, nesta parte, o arguido se está a referir ao que a polícia diz e não ao que ele próprio referiu à polícia. O segundo auto do mesmo apenso (sessão 816, a folhas 11) não tem qualquer interesse para a decisão. No terceiro auto do mesmo apenso (sessão 817, folhas 13 e seguintes), a KK diz ao arguido DD que, de acordo com a advogada, ainda há muito por esclarecer e que “vocês não fizeram mal a ninguém, vocês não mataram ninguém”. Na mesma conversação, a KK, referindo-se a um terceiro (não identificado), observa que ele matou à vossa frente e alude ao perigo de ele poder “fazer a folha” ao DD, ao CCs e à própria KK. Embora não se diga expressamente, infere-se desta conversação (e tendo em conta o que os mesmos interlocutores tinham dito na conversação a que se refere o primeiro auto do apenso A) que KK se estava a referir ao arguido BB. O apenso C contém também várias comunicações entre KK e o arguido BB. Nota-se, em todas as comunicações que constam deste apenso que as mesmas foram estabelecidas numa altura em que aqueles dois estavam desavindos (muito provavelmente por ciúmes, tal como flui da SMS que constitui as sessões 1966 a 1968, transcrita a folhas 3 e 4). Considerando o que foi dito pela mesma KK nas conversações transcritas no apenso A, não pode deixar de se considerar que expressões como “tou a falar com o CC que é o autor de um homicídio de um rapaz que se chama LL” (sessão 1376 do apenso C), “assassino, assassino! Vais parar à cadeia, vais! Vais apodrecer lá” (sessão 1308 do mesmo apenso) ou “pessoa que tiveste envolvida no homicídio” (sessão 1338 do mesmo apenso) foram muito motivadas pela referida desavença. Isto mesmo é salientado pelo teor da conversação transcrita a folhas 1363 do processo principal. Do apenso B constam conversações entre os arguidos DD e CC. Estes, para além de falarem na confiança e desconfiança no sistema judicial (polícias, Ministério Público e juízes) referem-se ao modo como deverá ser organizada a defesa de ambos: um deporá a favor do outro (sessão 875). DD refere ainda que se for de “cana” por chegar atrasado a uma apresentação periódica então todos vão “de cana”. Esta expressão é dita como desabafo de alguém que receia ser preso por não se apresentar em posto policial em execução de medida de coação por não ter dez euros para fazer a deslocação (sessão 913). KK prestou depoimento na audiência de julgamento, sendo o seu depoimento imprestável. Admitiu ter sido namorada do arguido CC durante cerca de dez meses (tendo o namoro iniciado cerca de novembro de 2010). Declarou que, no decurso do namoro o seu namorado lhe disse que tinha participado, assistido ou apenas visto um homicídio que ocorreu porque alguém tinha roubado a namorada ao “BB”. Mais adiante referiu que o seu namorado nunca lhe falou na participação do “BB” e do “DD”. O referido pela testemunha não é compatível com o auto de transcrição da conversação telefónica que constitui a sessão 519 do apenso A (de onde resulta claro que a KK tomou a iniciativa de falar no “DD” e não perguntou nada quando lhe foi referido o nome do “BB”). Numa fase mais avançada do seu depoimento, a testemunha referiu que o seu namorado lhe tinha falado no “BB”, mas insistiu que nunca lhe falou no “DD” (sendo certo que a testemunha afirmou não se recordar quando lhe foi falado pela primeira vez no nome do tal “DD”). Por outro lado, a testemunha referiu que terminou o namoro com o arguido CC por estar indignada e revoltada pela “falta de integridade” dele. Todavia, apesar de várias vezes instada a fazê-lo, nunca foi capaz de indicar o que a levou a ficar indignada e revoltada. Referiu apenas que o arguido a traiu. Quando confrontada com os autos de interceção telefónica em cujas conversações teve intervenção (acima referidos e bem assim a que consta de folhas 1363 do processo principal), a o depoimento da testemunha foi confuso e esquivo: referiu que não se recordava do teor das conversas, admitindo ter tido participação nelas, mas não conseguindo explicar o seu conteúdo. Ou seja, o que a referida testemunha diz nas comunicações telefónicas intercetadas e transcritas não é fiável dada a discrepância dos factos que afirma. Por seu lado, nem esta testemunha (nas comunicações telefónicas ou no julgamento) nem os arguidos CC e DD fazem uma descrição de factos que permita ao Tribunal concluir que os factos que constam da acusação e que o Tribunal julgou não provados ocorreram. A consideração do depoimento de GG conjugado com o que resulta dos autos de transcrição das interceções telefónicas e do depoimento da KK não consente conclusão diversa. Os depoimentos do inspetor chefe II e do inspetor JJ apenas podem ser valorados na parte em que não se referem às diligências que foram denominadas de “auto de reconstituição”. Ora, na parte em que podem ser valorados pelo Tribunal, o depoimento daquelas testemunhas refere-se apenas às diligências de investigação que foram levadas a cabo em 1998 que nada adiantam ao que já foi dito. Manifestamente, os falados meios de prova não são suficientes para concluir que a tese da acusação realmente ocorreu. E, ainda que se entendesse de modo diverso, inevitavelmente se concluiria que com base nos falados autos de transcrição das interceções telefónicas, ainda que conjugados com o depoimento de GG e KK, não era possível julgar provado nenhum facto que o Tribunal julgou não provado. As regras da experiência comum não permitem conclusão diversa. Sabidamente, as regras da experiência comum apenas permitem inferir factos se o juízo de inferência se sustentar noutros factos firmes, sólidos, certos. No caso presente, certos são os factos que o Tribunal julgou provados. Tais factos não permitem inferir os demais que constam da acusação. Por outro lado, o que ensinam as regras da experiência comum é que os crimes passionais são cometidos pela pessoa que tem ciúme sobre a namorada/esposa ou companheira e não sobre o namorado/esposo ou companheiro desta. Não deixa de se fazer uma referência aos depoimentos de PP e QQ. A primeira viveu maritalmente com o arguido DD durante 3 ou 4 anos (tendo o relacionamento tido início em 1996 ou 1997). Referiu que DD e CC eram amigos. Viu este em casa daquele uma ou duas vezes, desconhecendo o que conversaram. Perante as fotografias 1386 e 1387, referiu que a pessoa que tem rabo-de-cavalo pode ser o arguido DD. Mas pode também não ser. Com efeito, as fotografias não representam com nitidez as pessoas que delas constam. Cumpre anotar que II referiu que, logo no início da investigação se afastou a possibilidade de as pessoas que constam das fotografias terem tido alguma participação no homicídio ou no levantamento de dinheiro com o uso de cartões multibanco. Tal deve-se ao facto de se ter verificado que a hora da câmara que capturou as imagens em causa não estava certa. QQ referiu que há cerca de 13 anos andava a consumir droga. Por essa ocasião sofreu um internamento em serviço de psiquiatria. Por ocasião em que prestou depoimento tinha terminado um internamento de um ano (igualmente em serviço de psiquiatria). Após, fez um tratamento que envolvia choques elétricos. QQ referiu que está muito confuso relativamente a factos ocorridos no passado em virtude dos tratamentos, sendo certo que sofre de amnésia. Demonstrou saber que uma vez, há muitos anos, a Polícia Judiciária apareceu em sua casa a perguntar pelo arguido CC. Referiu também que uma vez, em ocasião que não consegue indicar mas ter ocorrido há muito tempo (“no tempo em que andava na droga”) o CC o convidou para “dar umas porradas numa pessoa”. Não se lembra se o arguido lhe prometeu algum dinheiro. Mais tarde, contou o facto a um agente da Polícia Judiciária. Esta testemunha demonstrou estar muito confusa não só quanto às datas, tendo o seu depoimento sido muito vago e impreciso quanto aos factos de que tomou conhecimento. Não pode, pois, o depoimento ser positivamente valorado pelo Tribunal. Não se vislumbra, relativamente à matéria das acusações, que outros meios de prova se podem validamente produzir com vista ao apuramento dos factos relacionados com o homicídio de LL. Relativamente aos factos atinentes ao pedido de indemnização civil a prova foi totalmente concordante, razão pela qual nos dispensamos aqui de desenvolver muitos pormenores. Desde logo se salienta as declarações prestadas pelo assistente, pessoa que passou pelo drama que a factualidade apurada traduz, vivendo também o drama pelo qual passou e ainda passa sua esposa. O modo sentido como relatou os factos deixou bem claro que não se referiu a nenhum deles pensando na importância da sua intervenção para a definição de uma indemnização a seu favor, mas sim no contributo que poderia dar para a descoberta da verdade. Salienta-se também o depoimento de …, médica, que nessa qualidade acompanha os demandantes desde muito antes de o homicídio ter ocorrido, conhecendo bem o estado de saúde de ambos antes e após o falecimento de LL. Foi também relevante o depoimento de OO, filha dos demandantes, que, por razões óbvias, tem conhecimento dos factos. Os depoimentos das demais testemunhas inquiridas à matéria do pedido de indemnização civil [… (tio da vítima), …(amiga dos demandantes há mais de 30 anos), … (vizinha e amiga dos demandantes desde 1979)] apenas serviram para corroborar o que resulta das declarações do assistente e dos dois falados depoimentos. No que tange aos factos respeitantes às despesas tidas pelo assistente e aos valores recebidos de seguradoras e Segurança Social, o decidido funda-se na prova documental acima referida e bem assim nos documentos que constituem folhas 3 330 e seguinte do processo. As declarações do assistente, os depoimentos das aludidas testemunhas e os documentos não mereceram qualquer oposição probatória, tendo merecido credibilidade. Relativamente ao valor das roupas que LL trajava quando foi assassinado nenhum meio de prova se produziu. O assistente negou que o seu filho contribuísse com metade do ordenado que auferia para o agregado familiar, pelo que tal facto foi também julgado não provado. No acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora proferido no presente processo diz-se que o Tribunal omitiu pronúncia quanto aos factos alegados pelos demandantes nos artigos 19º, 20º, 41º, 43º e 44º do pedido de indemnização civil. Analisado o acórdão, verifica-se que do mesmo consta que a matéria alegada em tais artigos (entre outros) é conclusiva, razão pela qual não foi considerada na discriminação dos factos provados e não provados. Resulta evidente do falado acórdão que o Venerando Tribunal da Relação de Évora considerou que os factos constantes daqueles artigos do articulado em que foi deduzido o pedido de indemnização civil não são conclusivos, devendo ser considerados na decisão de facto. Por tal razão, o Tribunal teve em consideração os factos que o Tribunal superior especificou e não outros. Ora, no que tange aos factos que o Tribunal julgou provados (e que constam do ponto 38 dos factos provados) a prova foi também absolutamente concordante. Os factos foram confirmados pelo próprio assistente e bem assim pelas testemunhas …, …, …, …, … e bem assim … (cunhada e muito amiga dos demandantes, tendo tido conhecimento dos factos pelo convívio que mantinha e ainda mantém com os mesmos) e … (sobrinha e amiga dos demandantes, pessoas que conhece bem mercê do convívio que tem com eles). A razão de ciência do assistente e demais testemunhas referidas já foi analisada supra. A concordância das declarações e depoimentos e o modo (claro, preciso, isento, completo) com que os mesmos foram prestados conferem credibilidade a todos os depoimentos. Quanto aos factos atinentes ao modo de vida pessoal e familiar dos arguidos e aos seus antecedentes criminais, o decidido funda-se nos relatórios sociais, nos certificados do registo criminal e no relatório pericial sobre a personalidade do arguido CC. O depoimento das testemunhas arroladas pelos arguidos serviu para confirmar o teor daqueles elementos probatórios (nada acrescentando de relevante aos mesmos). No que tange aos factos não provados, o decidido funda-se na circunstância de os mesmos não terem sido confirmados por nenhum meio de prova ou de os meios de prova produzidos e considerados na audiência (acima analisados) serem insuficientes para concluir que os factos em causa ocorreram.»
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Cumpre conhecer.
O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo do saber de matéria de conhecimento oficioso. Assim, são questões a resolver, em função do teor dos dois recursos: Do Ministério Público:
- a impugnação especificada dos factos descritos em X a XXIV e XXVI a XXIX - os 3 últimos de forma limitada, só na parte que respeita ao arguido Carlos Lopa - dos “factos não provados” do acórdão;
- a validade das reconstituições em que os arguidos CC e DD participaram; Do assistente:
- a nulidade da decisão recorrida por ausência de exame crítico da prova;
- a invocação de erro na apreciação da prova quanto aos factos dados como não provados em VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXI, XXII, XIII, XXIV, XXV, XXVI, XXVII, XXVIII e XXIX e que devem passar a ser considerados Factos Provados.
- as reconstituições de fls. 1759 e seguintes e 1777 e seguintes podem ser valoradas ou apreciadas como prova.
- o pedido cível.
Constatamos, pois, que à excepção da invocada nulidade (e, naturalmente, da matéria cível) os pontos de inconformidade são os mesmos, divergindo ligeiramente nos factos impugnados.
Mas enquanto o Ministério Público impugnou a matéria de facto dando cumprimento ao ónus de impugnação constante dos nsº 3 e 4 do artigo 412º do C.P.P. o assistente não cumpriu tal ónus (não indicou as concretas passagens de concretos depoimentos) e, portanto, entende-se que o seu recurso se limita à invocação de erro notório na apreciação da prova.
De facto o Ministério Público indica as provas que impõem decisão diversa da recorrida (reconstituições, escutas telefónicas e depoimentos, transcritos), cumprindo desta forma o ónus de impugnação especificada constante do artigo 412º, ns. 3 e 4 do C.P.P. e da jurisprudência obrigatória pertinente (acórdão de uniformização de jurisprudência nº 3/2012).
E pela ordem indicada pelo recurso do assistente – porque mais abrangente - serão as questões conhecidas.
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B.2– A primeira questão suscitada pelo recorrente assistente é a nulidade da “sentença” por omissão do exame crítico das provas.
É sabido o enquadramento normativo da exigência de fundamentação das decisões judiciais e renunciamos, por isso, a percorrer a via-sacra da argumentação sobre a fundamentação da decisão judicial. Recordemos só o básico vertido no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, que dispõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Regulamentando o princípio com dignidade constitucional o nº 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal (requisitos da sentença) estatui que a sentença deve conter fundamentação que consiste na “enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. Em caso de inobservância do indicado, rege o nº 1, al. a) do artigo 379.º do mesmo diploma, cominando com “nulidade” a sentença que “não contiver as menções referidas no artigo 374.º, n.º 2 e 3, alínea b)”.
Ora, que se passa no caso dos autos, no entender deste tribunal?
Que o tribunal recorrido fundamentou de facto mas com exclusão de prova por razões de direito inatendíveis, com uma apreciação factual discutível na medida em que se esgotou na procura da prova perfeita, individualizada, autónoma, e nesse caminho foi descartando por imprestável prova de vária natureza pelas imperfeições quase absolutas que entendeu imputar-lhes e olvidou – porque sempre imperfeitas – uma sua análise conjunta e racional de provas, razões, regras de experiência social comprovada, presunções simples e desprezou meios de prova sem razão bastante (a perícia).
Resta saber por que razão o tribunal recorrido, excluindo prova por ilícita, a analisou (reconstituições e depoimentos de inspectores da PJ).
Por isso que a questão deva ser retirada de uma sede – a nulidade - que já se viu não ser adequada à solução do caso sub iudicio na medida em que a insatisfação se centra na impugnação factual com a qual os recorrentes não concordam e o entendimento do tribunal recorrido quanto ao conceito de exame crítico da prova é limitativo.
Como os autos dispõem dos elementos necessários a uma decisão conscienciosa, se for caso de provimento se decidirá em conformidade com a prova produzida.
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B.3 –Da exclusão de meios de prova por razões de direito.
O tribunal recorrido excluiu, liminarmente, meios de prova produzidos, referindo tal exclusão apenas em decisão final e sediando tal exclusão em sede de proibição de valoração, mas tratando a matéria como fundamentação de facto.
No primeiro caso excluiu as reconstituições realizadas em inquérito, no segundo excluiu os depoimentos de Inspectores da PJ que participaram nas reconstituições, não obstante ter permitido a produção dessa prova por depoimentos. Em ambos os casos situou a fundamentação dessa exclusão em sede de fundamentação de facto quando é certo que essas decisões nada têm a ver com uma decisão de facto, sim com a aplicação de normas de direito probatório aos factos.
Haverá que analisar separadamente essas exclusões. E o seu conhecimento deve ser prévio à apreciação da impugnação factual.
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B.3.1 – Da reconstituição e do privilégio contra a auto-incriminação.
Quanto à insatisfação dos recorrentes relativamente à valoração da prova, comecemos pela afiançada imprestabilidade das reconstituições como meio de prova, matéria comum nos recursos e que deve ser abordada em primeiro lugar, na medida em que o tribunal recorrido as afastou como prova válida.
Afirma o artigo 150.º do Código de Processo Penal (Pressupostos e procedimento da reconstituição do facto): “1 — Quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma, é admissível a sua reconstituição. Esta consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo”.
Isto é, a reconstituição é uma aproximação ao real acontecido, através de uma tentativa de reconstrução do facto ilícito praticado, com intuitos indiciários ou probatórios. É um meio de prova e, como tal, com objectivos potencialmente incriminatórios. Repetimos: a reconstituição é um meio de prova, como tal inserido no CapítuloV (de um só artigo) do Título II do Livro III, da Parte I do Código de Processo Penal.
Partindo do nº 1 do artigo 150º do C.P.P quando afirma que a reconstituição tem um único objetivo, o de “determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma”, o tribunal recorrido conclui que «Tal significa, desde logo, que o meio de prova “reconstituição do facto” não se destina a descobrir um facto, a obter prova sobre ele e muito menos a determinar a autoria de dado facto. Para isso existem outros meios de prova.»
E, dito isto e para estar de acordo com tal afirmação, é de espantar que o C.P.P. preveja a reconstituição como “meio de prova” já que ela não apresenta qualquer utilidade, a crer na tese exposta. A ser assim a reconstituição não seria um meio de prova, sim um mero prolegómeno psicológico para agentes policiais em início de investigação.
Não poderíamos estar mais em desacordo com esta aparência de verdade inatacável. A reconstituição também serve, através da análise da forma ou formas como o ilícito poderá ter sido praticado, para o provar e para consolidar ideias sobre o modo de execução e adjuvar de forma importante outras provas “a descobrir um facto, a obter prova sobre ele e a determinar a autoria de dado facto”. Neste último caso a ajudar, inclusivé, a formar convicção sobre o número de agentes intervenientes.
Ou seja, o tribunal recorrido olvidou que uma “prova” tem por função a “demonstração da realidade dos factos” – artigo 341º do Código Civil –e que “determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma” é uma maneira de produzir prova.
Como joga a pretensão punitiva do Estado através do uso deste meio de prova e o privilégio contra a auto-incriminação? Desde logo, e ao contrário do que acontece no reconhecimento onde a permanência na linha de identificação é obrigatória - na medida em que não exige, para a maioria dos casos, um facere do arguido - a reconstituição não é uma diligência em que o arguido tenha a obrigação de colaboração. E, precisamente, na medida em que supõe uma participação activa do arguido na reconstrução do ilícito, um facere que pode contrariar o privilégio contra a auto-incriminação, privilégio este que se não limita aos meios de prova “declarativos”.
Aliás, neste campo foi já lavrada variada jurisprudência. Na essência, a ideia central foca-se na característica de prova (meio de prova) autónoma da reconstituição, no balanço a estabelecer com o exercício do direito ao silêncio em audiência de julgamento.
Ou seja, a reconstituição pode fazer prova de que os factos se processaram de determinada forma e com a intervenção de certos agentes. É aliás prova que, para além de autónoma, é em regra pré-constituída (em momento anterior à audiência de julgamento) e não faz sentido excluí-la devido a facto futuro incerto, o saber se o arguido vai ou não exercer o seu direito ao silêncio.
Mas essa parece ser a intenção do tribunal recorrido quando veicula a ideia de que as reconstituições não são admissíveis como prova porque os arguidos exerceram o direito ao silêncio em audiência de julgamento. Esta ideia – e esta constatada consequência na inadmissibilidade de valoração da prova no caso concreto – é rotundamente de afastar.
Ou seja, uma prova que é autónoma e que está pré-constituída no processo é riscada dos autos de uma penada por vontade do arguido. Isto significa a criação de um novo direito dos arguidos: sempre que uma reconstituição seja incómoda o arguido pode neutralizá-la com efeitos rectroactivos. Não se trata de privilégio contra a auto incriminação, trata-se de privilégio de decretar a inutilidade de prova incómoda já constante dos autos.
As questões controversas a este respeito têm-se colocado na destrinça a fazer entre “reconstituição” e “declarações” dos arguidos, prestadas em actos de reconstituição, quando se torna evidente que a polícia, quase exclusivamente, “aproveita” as reconstituições para fixar/formalizar declarações confessórias.
Ou nos casos em que os arguidos ainda o não são e intervêm na reconstituição como testemunhas por ainda não terem sido constituídos arguidos – devendo sê-lo - aquando da realização da reconstituição. Eram testemunhas, logo eram obrigados a participar e a agir e depor de acordo com a verdade e estava-lhes vedado o exercício do privilégio contra a auto-incriminação. O que sempre remeteria para o disposto nos artigos 58º e 59º do C.P.P.
Não é o que ocorre no caso dos autos em que as reconstituições foram meio de prova essencial para encontrar o rumo da investigação, parada muitos anos por ausência de elementos.
Relativamente à relação entre “reconstituição” e “declarações” dos arguidos convém fazer então uma afirmação excludente, um reparo e uma ressalva.
A excludente passa pela afirmação de que o privilégio contra a auto-incriminação, ideia geral que inclui o direito ao silêncio, não significa que o arguido tenha o privilégio de impedir que seja efectuada prova contra si. Esse sempre seria um enviesado privilégio.
O reparo vale para realçar que há um elemento da realidade e de racionalidade que foi olvidado pelo tribunal recorrido. Não há reconstituição sem linguagem, assim como não há processo sem linguagem. E exigir que a reconstituição feita exclusivamente por arguidos não tenha “declarações” é exigir que as reconstituições sejam mudas, despidas da linguagem, característica essencial da humanidade. A ideia é interessante mas abertamente pouco eficaz.
A ressalva surge depois de se reconhecer que uma reconstituição com arguidos contém, necessariamente, “declarações” dos mesmos na medida em que têm que verbalizar o conhecimento que tiveram do facto ocorrido para que o mesmo seja “reconstituído”. A cautela constante da ressalva impõe-se só e apenas se as forças policiais utilizarem a reconstituição como forma abusiva de obter uma declaração confessória por coacção ou ameaça, declarações estranhas ao objecto da reconstituição ou uso de expediente processual de não constituição como arguido, devendo ser.
Por isso que, não ocorrendo tal nos autos – as “declarações” dos arguidos limitaram-se ao objecto das reconstituições - e sendo as reconstituições prova autónoma pré-constituída, se deva concluir que as mesmas reconstituições têm, necessariamente, de fazer parte das provas a valorar livremente. Aliás o próprio tribunal recorrido é claro quando afirma: Mas, II e JJ referiram-se ainda, nos seus depoimentos, às diligências de “reconstituição dos factos”. Demonstraram conhecer bem o que ocorreu em tais diligências (II esteve presente em ambas, JJ este presente apenas numa) e esclareceram que as diligências (que foram presididas por Exmª Procuradora Adjunta) se realizaram por indicação dos arguidos (eles é que indicavam os locais, os percursos e os acontecimentos que estão relatados nos autos acima referidos sem qualquer interferência ou sugestão de qualquer pessoa que estava presente). De acordo com os referidos inspetores da Polícia Judiciária, as duas diligências de reconstituição (que foram feitas separadamente e com brigadas da polícia diferentes – tendo apenas como elemento policial comum o inspetor chefe IIa) permitiram obter detalhes probatórios e factos que até então eram absolutamente desconhecidos da polícia.
O que nega a tese de que as reconstituições são mera formalização de “declarações” dos arguidos. Não podem, pois, ser liminarmente excluídas. E muito menos com uma argumentação que é negada por uma ponderação sustentada da ideia de prova e pela jurisprudência.
Por toda essa jurisprudência tomamos como exemplo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 Janeiro 2005 (Rel. Cons. Henriques Gaspar, Processo 3276/04). [1] 1. A reconstituição do facto, autonomizada como um dos meios de prova típicos (artigo 150° do Código de Processo Penal), consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo. 2. A reconstituição do facto, prevista como meio de prova autonomizado por referência aos demais meios de prova típicos, uma vez realizada e documentada em auto ou por outro vale como meio de prova, processualmente admissível, sobre os factos a que se refere, isto é, como meio válido de demonstração da existência de certos factos, a valorar, como os demais meios, «segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente» - artigo 127° do CPP. 3. Pela sua própria configuração e natureza, a reconstituição do facto, embora não imponha nem dependa da intervenção do arguido, também a não exclui, sempre que este se disponha a participar na reconstituição, e tal participação não tenha sido determinada por qualquer forma de condicionamento ou perturbação da vontade, seja por meio de coação física ou psicológica, que se possa enquadrar nas fórmulas referidas como métodos proibidos enunciados no artigo 126° do CPP. 4. A reconstituição do facto, uma vez realizada no respeito dos pressupostos e procedimentos a que está vinculada, autonomiza-se das contribuições individuais de quem tenha participado e das informações e declarações que tenham co-determinado os termos e o resultado da reconstituição, e as declarações (rectius, as informações) prévias ou contemporâneas que tenham possibilitado ou contribuído para recriar as condições em que se supõe ter ocorrido o facto, diluem-se nos próprios termos da reconstituição, confundindo-se nos seus resultados e no modo como o meio de prova for processualmente adquirido. 5. O privilégio contra a auto-incriminação, ou direito ao silêncio, significa que o arguido não pode ser obrigado, nem deve ser condicionado a contribuir para a sua própria incriminação, isto é, tem o direito a não ceder ou fornecer informações ou elementos que o desfavoreçam, ou a não prestar declarações, sem que do silêncio possam resultar quaisquer consequências negativas ou ilações desfavoráveis no plano da valoração probatória. 6. Sendo, porém, este o conteúdo do direito, estão situadas fora do seu círculo de protecção as contribuições probatórias, sequenciais e autónomas, que o arguido tenha disponibilizado ou permitido, ou que informações prestadas tenham permitido adquirir, possibilitando a identificação e a correspondente aquisição probatória, ou a realização e a prática e actos processuais com formato e dimensão própria na enumeração dos meios de prova, como é a reconstituição do facto. 7. ….
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B.3.2 – Da exclusão dos depoimentos dos inspectores II e JJ quanto às reconstituições.
É na fundamentação de facto do tribunal recorrido que nos deparamos com a exclusão total dos depoimentos dos inspectores da PJ, II e JJ, nos seguintes termos: «Os depoimentos do inspetor chefe II e do inspetor JJ apenas podem ser valorados na parte em que não se referem às diligências que foram denominadas de “auto de reconstituição”. Ora, na parte em que podem ser valorados pelo Tribunal, o depoimento daquelas testemunhas refere-se apenas às diligências de investigação que foram levadas a cabo em 1998 que nada adiantam ao que já foi dito.»
Trazemos de novo à colação o acórdão do STJ acabado de citar que na sua proposição 7 afiança: «Vista a dimensão da reconstituição do facto como meio de prova autonomamente adquirido para o processo, e a integração (ou confundibilidade) na concretização da reconstituição de todas as contribuições parcelares, incluindo do arguido, que permitiram, em concreto, os termos em que a reconstituição decorreu e os respectivos resultados, os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a reconstituição podem prestar declarações sobre os modos e os termos em que decorreu; tais declarações referem-se a elementos que ganham autonomia, e como tal diversos das declarações do arguido ou de outros intervenientes no acto, não estando abrangidas na proibição do artigo 356º, nº 7 do CPP.»
Concluindo neste ponto – já que o essencial da fundamentação já consta do ponto anterior - haverá que asseverar ser lícito o recurso às reconstituições e aos depoimentos dos referidos inspectores da PJ nos autos, o que será devidamente ponderado infra.
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B.4 – Da fundamentação de facto. B.4.1 – Das regras de experiência comum.
O conceito de “regras de experiência comum” não é habitualmente tratado na praxis judicial portuguesa. É conceito muito referido mas pouco elaborado. No entanto já há um número razoável de decisões do STJ sobre o mesmo nos últimos anos, o que se referirá infra. Importa, pois, tentar preencher esse “conceito indeterminado”:
O tribunal recorrido refere-as em sede de fundamentação factual – e a matéria, aqui, já é de fundamentação de factos – nos seguintes termos: “o que ensinam as regras da experiência comum é que os crimes passionais são cometidos pela pessoa que tem ciúme sobre a namorada/esposa ou companheira e não sobre o namorado/esposo ou companheiro desta» Prima facie são duas regras e não uma (o género por referência ao caso concreto):
1ª - Os crimes passionais são cometidos pela pessoa que tem ciúme sobre a namorada/esposa ou companheira;
2ª - Os crimes passionais não são cometidos pela pessoa que tem ciúme sobre o namorado/esposo ou companheiro da namorada do agente.
Depois não são uma (duas) regra(s) de experiência comum. Poderão ser regras de convencimento (legítimo) do tribunal recorrido. Mas não são de experiência, nem comuns, ao menos para este tribunal e para a generalidade das pessoas. Por isso que aquelas duas regras nem são de experiência, nem comuns. Poderão ser, o que se aceita, regras da experiência concreta do tribunal recorrido. Mas isso não as torna comuns à generalidade das pessoas.
Isto apenas sugere que o tribunal recorrido não terá experienciado qualquer caso que se integre na segunda regra, a formulada na negativa. Mas não ocorre o mesmo com este tribunal que já comprovou a ausência de verdade da regra número dois. E não são de experiência porquanto não é possível ao tribunal recorrido fundamentar a máxima, pela negativa, ou seja, a segunda regra, por observação empírica ou estatística que se possa generalizar à maioria das pessoas.
Mas mesmo considerando que não é regra de experiência comum, trata-se de regra com amplo espectro, com grande extensão, tornando arriscado fazer assentar nela uma presunção que permita a extracção, por presunção, de um facto determinante para a sorte do processo.
Mas foi sobre a regra nº 2 que o tribunal recorrido fez assentar uma presunção. A presunção de que ela excluía a imputação dos factos ao arguido BB e, consequentemente, aos outros dois arguidos. Ou seja, nem a regra é aplicável a todos os arguidos, acusados pela co-autoria.
Como é evidente o tribunal recorrido construiu um silogismo nos seguintes termos:
Premissa maior: “o que ensinam as regras da experiência comum é que os crimes passionais são cometidos pela pessoa que tem ciúme sobre a namorada/esposa ou companheira e não sobre o namorado/esposo ou companheiro desta»;
Premissa menor: a vítima era namorado da ex-companheira do arguido BB;
Conclusão: o arguido BB não matou a vítima.
Como se constata, nem a regra é de experiência muito comum e comprovada, nem o silogismo sai escorreito. Ao menos o ex complica, já que a regra se deve presumir não aplicável ao ex. Haver a possibilidade de co-autoria quando os co-autores não namoram com ninguém abrangido pela premissa maior estraga tudo.
Isto revela uma patente confusão entre “regras de experiência comum” e presunções simples ou factuais. As regras de experiência comum autorizam a apreciar um comportamento determinado em função da cultura e comportamento social de um determinado povo, num tempo determinado. As presunções permitem partir de um facto conhecido para um facto desconhecido.
A presunção vive e gera factos. A regra de experiência comum é uma generalização, decorrente de observação empírica de factos anteriores, bastas vezes confundindo-se com pré-juízos, mesmo preconceitos, daí a necessária cautela no seu uso. Dar como provados, ou não, factos em função de regras de experiência comum – para mais com a largueza exposta - tal como feito pelo tribunal recorrido, é admissível mas arriscado.
Afirmar que “o que ensinam as regras da experiência comum é que os crimes passionais são cometidos pela pessoa que tem ciúme sobre a namorada/esposa ou companheira e não sobre o namorado/esposo ou companheiro desta» é arriscar ser desmentido com facilidade pela realidade. A regra mais aceitável é quase o contrário dessa: «do que era (é) publicamente percebido, os crimes passionais eram (são) cometidos pela pessoa que tem ciúme contra o/a namorado(a)/esposo(a) ou companheiro(a), também eventualmente sobre o namorado/esposo ou companheiro desta e/ou sobre ambos». Assim a possibilidade de errar é, de facto, menor.
Mas a regra serve de nada. É uma mera abstração. A regra de “experiência comum” proposta é, pela sua amplitude, não convertível em facto útil. E isto acarreta, necessariamente, a sua imprestabilidade como regra de experiência comum. Não serve para incriminar nem para exculpar.
Poderia o seu teor – de cariz necessariamente estatístico – ser objecto de aturado estudo sociológico com base na análise exaustiva de todos, realmente todos, os casos das três hipóteses – as duas regras mais o ambos – ocorridos no país mas nem o estudo foi feito, nem é verosímil que não seja (como sabemos que será) encontrado o caso que contraria a regra e a esvazia de conteúdo e prestabilidade. Aqui a excepção não confirma a regra. Afunda-a. Torna-a uma não-regra.
Nas presunções de facto algo de diferente ocorre. E aí os factos não podem ser analisados, como faz o tribunal recorrido, em rede de malha larga. Exige-se uma fina filigrana de análise dos factos e da prova. Algo que faltou na motivação do tribunal recorrido.
Para tanto não se pode partir, para uma presunção simples, de uma regra tão geral como “este tipo de pessoa não mata este género de pessoa”. É puro non sense. A base de partida tem que ser uma regra concretamente verificável.
Mas fez operar uma presunção a partir de uma “regra” excessiva, não verificada, não resultante da experiência comum, não para presumir um facto mas para presumir uma conclusão que tem tanto de factual como de normativa (não pode ter praticado o crime).
Uma afirmação se impõe então: só é possível presumir factos com ancoragem no caso concreto e não a partir de uma duvidosa generalização. Já o afirmámos no acórdão da Relação de Évora de 25-06-2013 (proc. 35/09.0TAOLH.E1): I. Tomada isoladamente uma “regra de experiência comum” é inoperante em qualquer processo. Isto é, uma regra de experiência comum não pode isoladamente fazer prova num processo, a não ser que haja uma aproximação ao acontecido, o que se opera por via de uma presunção hominis».
Idêntica ideia fora afirmada no acórdão da Relação de Coimbra de 22-05-2013 (proc. 40/11.4TASRE.C1, rel. Jorge Jacob): I - Na apreciação e valoração da prova produzida em julgamento, a lógica resultante da experiência comum não pode valer só por si. Efectivamente, a realidade do quotidiano desmente muitas vezes os padrões de normalidade, que não constituem regras absolutas. II - De outro modo, seríamos conduzidos, a coberto de um suposta “normalidade”, resultante da “experiência comum”, para um sistema de convenções apriorísticas, equivalente a uma espécie de prova tarifada, resultado que o legislador não quis e que a própria razão jurídica rejeita, pois equivaleria à definitiva condenação do princípio da livre apreciação da prova.
As regras de experiência comum (ou técnicas e científicas de conhecimento generalizado) ou máximas da experiência, são juízos ou normas de comportamento social de natureza geral e abstracta, sem ligação a factos concretos sobre que há que decidir, mas concretamente observáveis pela experiência anterior de casos semelhantes. E não são resultantes de uma ciência pessoal, mas de um conhecimento que é partilhado (comum) pela generalidade das pessoas de um país, de uma região, de uma classe de pessoas e concretizam-se na ideia de que certos factos geralmente ocorrem associados a outros. De forma mais sucinta, se os factos costumam ocorrer de certa forma, isso permite um raciocínio indutivo que conclua que, em iguais circunstâncias, voltarão a ocorrer dessa forma. Assim, é aceite que uma “regra de experiência comum” ou máxima da experiência não passa de uma lei social constatada de forma empírica por observação de factos anteriores.
No dizer do acórdão do STJ de 06-07-2001 «As regras da experiência são “ou o resultado da experiência da vida ou de um especial conhecimento no campo científico ou artístico, técnico ou económico e são adquiridas, por isso, em parte mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, em parte mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou indústria”[1], que permitem fundar as presunções naturais, não abdicando da explicitação de um processo cognitivo, lógico, sem espaços ocos e vazios, conduzindo à extracção de facto desconhecido do facto conhecido, porque conformes à realidade reiterada, de verificação muito frequente e, por isso, verosímil”[2] – Proc. 3612/07.6TBLRA.C2.S1, rel. o Cons. Helder Roque, citando [1] Castanheira Neves (Sumários de Processo Criminal, 1967/68, 48) e [2] Vaz Serra (citando Nikisch, in “Provas, Direito Probatório Material”, BMJ nº 110, 97).
Na valoração da prova e sua fundamentação o seu papel essencial é o de fornecerem a premissa maior de um silogismo, sendo a premissa menor o facto conhecido (o comummente chamado indício) e a conclusão o resultado da presunção, o facto obtido.
A laboração sobre o tema já teve no STJ, pelo menos, as seguintes contribuições: Acórdão de 01-07-1998 (rel. Cons. Augusto Alves, Processo 98P548) I - As regras da experiência são juízos hipotéticos do conteúdo genérico assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, mas para lá dos quais têm validade.
Acórdão de 09-02-2005 (rel. Cons. Henriques Gaspar, Processo 04P4721 ) (Também o Acórdão de 06-10-2010, processo 936/08.JAPRT) 7.As presunções naturais são o produto das regras de experiência que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido, quando um facto é a consequência típica de outro. (…) 9. O afastamento das regras das presunções naturais integra o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410º, n° 2, alínea c), do CPP.
Acórdão de 27-05-2010 (rel. Cons. Santos Cabral, 58/08.4JAGRD.C1.S1) (Também os Acórdãos de 23-02-2011, proc. 241/08.2GAMTR.P1.S2 e de 07-04-2011, proc. 936/08.0JAPRT.S1) VI - A actividade probatória é constituída pelo complexo de actos que tendem a formar a convicção da entidade decidente sobre a existência ou inexistência de uma determinada situação factual. Na formação da convicção judicial intervêm provas e presunções, sendo certo que as primeiras são instrumentos de verificação directa dos factos ocorridos, e as segundas permitem estabelecer a ligação entre o que temos por adquirido e aquilo que as regras da experiência nos ensinam poder inferir. VII - Dentro das regras da experiência que vigoram na nossa sociedade podem identificar-se dois grandes grupos: por um lado, as leis científicas e, por outro, todas aquelas ilações que não são mais que regras de experiência quotidiana. As primeiras formam-se a partir dos resultados obtidos pelas investigações das ciências, a que se atribui o carácter de empíricas, enquanto as outras assentam na denominada experiência quotidiana que surge através da observação, ainda que não exclusivamente científica, de determinados fenómenos ou práticas e a respeito das quais se pode estabelecer consenso. VIII - A máxima da experiência é uma regra que exprime aquilo que sucede na maior parte dos casos, mais precisamente é uma regra extraída de casos semelhantes. A experiência permite formular um juízo de relação entre os factos, ou seja, é uma inferência que permite a afirmação que uma determinada categoria de casos é normalmente acompanhada de uma outra categoria de factos. Acórdão de 27-05-2010 (rel. Cons. Soares Ramos, 86/08.0GBPRD.P1.S1) II - Deve procurar-se aceder, pela via do raciocínio lógico e da adopção de uma adequada coordenação de dados, sob o domínio de cauteloso método indutivo, a tudo quanto decorra, à luz das regras da experiência comum, categoricamente, do conjunto anterior circunstancial. Pois que, sendo admissíveis, em processo penal, “… as provas que não foram proibidas pela lei” (cf. art. 125.º do CPP), nelas se devem ter por incluídas as presunções judiciais (cf. art. 349.º do CC). III -As presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indirecta, mediante o qual o julgador adquire a percepção de um facto diverso daquele que é objecto directo imediato de prova, sendo exactamente através deste que, uma vez determinado, usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objecto de prova). Acórdão de 06-07-2011 (rel. Cons. Hélder Roque3612/07.6TBLRA.C2.S1 III - As regras da experiência não são meios de prova, mas antes raciocínios, juízos hipotéticos de conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, com validade, muitas vezes, para além do caso a que respeitem, adquiridas, em parte, mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, e, noutra parte, mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou indústria, permitindo fundar as presunções naturais, mas sem abdicar da explicitação de um processo cognitivo, lógico, sem espaços ocos e vazios, conduzindo à extracção de facto desconhecido do facto conhecido, porque conformes à realidade reiterada, de verificação muito frequente e, por isso, verosímil.
De onde decorre a plena aceitação das regras de experiência comum ou máximas da experiência pela jurisprudência.
E aquilo que estes arestos não permitem é dar um tratamento indiferenciado entre regras de experiência comum e “presunções” tout court. Não há identidade nos conceitos.
A regra de experiência comum não é uma prova, sim um “juízo hipotético de conteúdo genérico, assente na experiência comum” (Acórdão de 06-07-2011). A presunção é uma “prova” reconhecida pelo ordenamento jurídico português, enquanto ilação que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – artigos 349º e 351º do Código Civil, incluídos na Secção II do Capítulo II (Provas), do Sub-título IV, do Livro I do Código Civil. [2]
Também é jurisprudência assente que o não-uso de regras de experiência comum e presunções simples quando elas se impõem – como no caso dos autos – gera o vício de erro notório na apreciação da prova previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, - Acórdão de 06-10-2010.
E esse vício verifica-se no acórdão recorrido na medida em que o tribunal recorrido não retirou óbvias ilações de vária prova existente nos autos.
Desde logo desprezando a perícia de ADN, não retirando a inferência de que, ao menos o arguido DD, esteve entre o sequestro da vítima e o abandono da viatura em Espanha, no interior da dita viatura da vítima.
Também não atribuindo nenhum valor às reconstituições que igualmente permitem outras deduções, desde logo que o sequestro da vítima na data indicada pelos três arguidos e sua sequente morte logo após, a deslocação do corpo e viatura para locais que se pretendiam em Espanha, dão bem a ideia de que a vítima não poderia ter sido morta por outrém, já que sequestrada e no domínio de, ao menos, um dos arguidos.
As reconstituições, por si só permitem afirmar, por óbvia e necessária presunção hominis, a presença dos três arguidos durante o sequestro e o homicídio. E aqui apenas resta saber se a teoria da autoria única pelo arguido BB e a distracção dos outros dois arguidos no momento dos disparos é sustentável.
Há, pois, dois erros notórios na apreciação da prova, um deles concretizado na ausência de várias presunções que se impunham. Mas o vício também se verifica no uso abusivo de uma “regra” que nem é da experiência, nem é comum, como premissa maior de um silogismo probatório obviamente arrevesado e demasiado genérico e que conduz a um resultado desapropriado.
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B.3.4 – Das presunções simples.
Como acabámos de ver a jurisprudência reconhece o papel essencial das presunções no direito probatório. Falamos naturalmente da possibilidade de fazer operar uma presunção natural, de facto, simples, de experiência, hominis ou judicial (praesumptiones facti ou hominis) [V. g. Manuel Domingues de Andrade, “Noções elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pag. 215; Também Baptista Machado, in “Introdução ao Direito e ao discurso legitimador”, Almedina, 1983, pag. 112].
Isto mais não é que o reconhecimento de que as presunções assumem um essencial papel probatório, chegando a afiançar-se que “as presunções são o centro de gravidade de todo o sistema probatório” (Serra Dominguez, M – “Comentários al Código Civil y Compilaciones Forales”, pag. 554, apud, Carlos Climent Durän, “La Prueba Penal”, Tirant lo Blanche, 2ª ed. Tomo I, pag. 865).
Os autos permitem fazer operar presunções simples e tal será feito tendo presente o por nós relatado no acórdão desta Relação de 21-06-2011 (proc. 1273/08.6PCSTB-A.E1), a saber: “7 – A função das regras da experiência e das regras de convivência social é o de fornecerem um conhecimento empírico que suporte uma presunção. 8 - A argumentação lógica a desenvolver numa presunção simples supõe o estabelecimento de um nexo causal entre o facto conhecido e o facto desconhecido, supõe a existência de regras da experiência, de convivência social, observadas empiricamente e que permitam relacionar os dois factos. 9 - Essa relação deve assentar num juízo lógico seguro, causal, sequencial, preciso, directo e unívoco, logo necessário. Não basta, pois, a mera verosimilhança, o provável, o plausível, para que se permita operar de forma capaz uma presunção hominis. 10 - Essa presunção fortalecer-se-á se houver concordância de juízos no caso de pluralidade de factos que conduzam à mesma conclusão.”
A operatividade da presunção deve, no entanto, apresentar alguns requisitos metodológicos básicos. Em sede de desenvolvimento dos requisitos metodológicos referidos devemos ter presente que o facto provado (factumprobatum) a base da presunção, a sua premissa inicial, nem sempre permite concluir pelo factumprobandum (o facto desconhecido a provar), o que exige maior desenvolvimento fundamentador.
A argumentação lógica a desenvolver numa presunção simples supõe o estabelecimento de um nexo causal entre o facto conhecido e o facto desconhecido, supõe a existência de regras da experiência, de convivência social, observadas empiricamente e que permitam relacionar os dois factos. Ou seja, partindo-se de um facto conhecido e fazendo operar uma máxima da experiência conclui-se logicamente pela existência de um facto desconhecido.
A doutrina brasileira, [3] na sequência da previsão do artigo 1.353º do Código Civil francês, impõe como condições de operatividade das presunções o serem “graves”, “precisas” e “concordantes”. [4] São graves quando “as relações do fato desconhecido com o facto conhecido são tais que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro”, precisas quando “as induções, resultando do fato conhecido, tendem a estabelecer direta e particularmente o facto desconhecido …” e concordantes quando “tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem pelo conjunto e harmonia, a firmar o fato que se quer provar”. [5]
Por seu turno, o artigo 1253º do Código Civil espanhol assevera que essa relação deve ser precisa e directa. Não custa aceitar a aplicação desses dois critérios epistemológicos de tão óbvia adequação e tão reveladores daquele juízo de causalidade. Assevera a doutrina que essa relação deve ser unívoca e precisa, logo necessária. Deve evitar-se atribuir força probatória a uma relação que seja contingente, porque equívoca (“Los hechos en el derecho - Bases argumentales de la prueba”, Marina Gáscon Abellán, Filosofia y Derecho, Marcial Pons, 3ª Ed. 2010, pag. 139). Essa presunção fortalecer-se-á se houver concordância de juízos no caso de pluralidade de factos que conduzem à conclusão.
Em resumo - aglutinando todos esses requisitos, na ausência de critério legal probatório no ordenamento jurídico português - a presunção com base no factum probatum permite a ligação ao factum probandum se a presunção se basear num juízo lógico seguro, causal, sequencial, preciso, directo e unívoco. Não basta, pois, a mera verosimilhança, o provável, o plausível, para que se permita operar de forma capaz uma presunção hominis.
Permitirão os factos provados nos autos por prova directa ser a base de presunções de facto? Pode afirmar-se que aos elementos de prova directa ou indirecta do factum probatum se segue a possibilidade de imputação dos factos aos arguidos com base na prova obtida, seja por reconstituição, escutas telefónicas e depoimentos? Trata-se de aplicar ao caso o brocardo id quod plerumque accidit (“É o que geralmente acontece”)? Entendemos claramente que sim. É possível estabelecer um juízo lógico seguro, causal, sequencial, preciso, directo e unívoco entre a actividade percepcionada, com prova directa ou indirecta da autoria dos factos pelos arguidos em alguns dos factos e a imputação de outros factos aos arguidos no mesmo período temporal.
As reconstituições, a perícia ao ADN, as escutas e o depoimento de GG demonstram o sequestro, a posse do cartão da vítima e os levantamentos com o mesmíssimo cartão num limite temporal bem delimitado e em território próximo do local onde foi encontrado o carro da vítima demonstram o domínio do facto entre o sequestro e o surgimento do corpo e da viatura. Podem, pois, imputar-se aos arguidos os factos ocorridos entre o sequestro e o detectar do cadáver da vítima e da sua viatura.
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B.4 – Da apreciação da prova. B.4.1 – Introdução
Para este desiderato – apreciar a prova produzida - impõe-se seriar os elementos probatórios de que os autos dispõem e ter presentes as balizas delimitadoras do recurso de facto do Ministério Público. Haverá que ponderar as consequências da existência do recurso do assistente e sua invocação de existência de erro notório na apreciação da prova. E entrar em linha de conta com a perícia realizada e apurar se há justificação para a desprezar.
Considerando que o recurso do Ministério Público impugnou devidamente a matéria de facto o tribunal cumprirá o estabelecido no nº 6 do artigo 412º do Código de Processo Penal, não apenas dos fragmentos de prova indicada mas também “de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa”, procedendo à audição integral do depoimento indicado (GG) mas também dos depoimentos dos inspectores da Policia Judiciária JJ e HH, aquele para ter uma simples aproximação a uma das reconstituições e, ambos, para apurar do acerto do depoimento da testemunha GG.
Mas, antes de mais, haverá que tornar claro o iter processual que justifica um processo com quase dezanove anos de pendência e, simultâneamente chamar a atenção para o relevo de um depoimento. Existem realidades de cariz processual que devem ser realçadas ab initio e que são muito relevantes na demonstração da importância do depoimento da testemunha GG. A realidade temporal e a sequência de actos processuais ganham um peso inabitual ao comum dos processos.
Aqui, a um homicídio ocorrido em 02-02-1998, seguiu-se um período de investigação policial que aparenta, pelo estudo dos autos na totalidade, ter sido intenso. O número e densidade de volumes e apensos constantes dos autos com listagens várias a dar conta de pesquisas em diversas direcções e busca de suspeitos demonstram o labor intenso da investigação. Todo esse trabalho resultou na impossibilidade de apurar o modus faciendi do ilícito e a identidade do ou dos suspeitos. Tudo era desconhecido e todas as linhas de investigação resultaram infrutíferas.
Tanto assim que foi lavrado despacho a determinar o arquivamento dos autos.
Até esse momento apenas o arguido BB fora referido e unicamente como testemunha e o estudo dos autos confirma que até essa altura nenhum elemento apontava seriamente para a imputação dos factos a esse arguido por se ter considerado que um episódio com a sua ex-namorada – ocorrida no interior do veículo desta – não assumia relevo.
Dos arguidos CC e DD não havia notícia.
O despacho de arquivamento consta dos autos a (vol. e fls.) VII.1500-1503 e em 15-07-2008, precisamente 10 anos, 5 meses e 13 dias após os factos.
Seguem-se duas reclamações hierárquicas, indeferidas, e só a VIII-1652, em 16-06-2011 - quase 13 anos depois dos factos e 3 após o arquivamento - surgem novos elementos indiciários com a informação do agente HH de uma conversa tida com uma sua conhecida sobre uma confidência feita por namorado ou companheiro desta. Trata-se de GG, namorada do arguido CC - a quem fora por este revelado que tinha participado num homicídio – que se viu compelida a aconselhar-se com namorado de amiga sua que sabia agente da Policia Judiciária. Este desconhecia o caso ocorrido 13 anos antes e só em contacto com colegas mais antigos e sabedores do que ocorrera, vem a dar informação nos autos do que lhe fora comunicado.
Que rapidamente leva à reabertura do inquérito em 16-06-2011 (VIII-1664) e ao depoimento da dita pessoa. Inquirida a referida testemunha esta confirma com pormenores o que lhe havia sido confidenciado pelo companheiro, o arguido CC.
E que revela esse depoimento (VIII.1676-1680)? Que o arguido CC, seu namorado, …, lhe revelou ter participado num homicídio (“eu matei uma pessoa”) a pedido do arguido BB, amigo de infância. Refere a intervenção possível de um terceiro, que não identifica, o seguimento da vítima, que sequestrou. Simularam cenário de roubo e efectuaram levantamentos com o cartão bancário da vítima.
Ou seja. De uma penada são dadas informações de enorme relevo que patenteiam: a motivação criminosa, a assunção da prática dos factos, a relação de longa amizade entre um suposto agente imediato e o agente da motivação.
Iniciam-se as escutas telefónicas (despacho autorizativo a VIII.1707-1709 em 01-07-2001)
Por isso que o depoimento desta testemunha em audiência de julgamento assuma enorme relevo. E sendo depoimento per auditur ele é perfeitamente lícito por duas razões: o arguido referido, CC, teve oportunidade de o contraditar; em audiência de julgamento (o mesmo se aplica aos outros dois arguidos). O CC não era arguido nesse momento – em que livremente declara o que entende - nem houve intervenção de forças policiais ou judiciais a obrigar à constituição de arguido antes ou durante o momento em que foram feitas as confidências.
O relevo desta introdução centra-se – e apenas nisso tem saliência – na importância a atribuir ao depoimento desta testemunha. Nada mais, já que se não valora o seu depoimento em inquérito. Apenas será valorado o seu depoimento em audiência de julgamento.
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B.4.2 – Das reconstituições.
É mister recordar o dito pelo tribunal recorrido a propósito das reconstituições em sede de fundamentação factual: «Analisados os autos (eles próprios denominados de “auto de reconstituição”) não há qualquer razão para duvidar da veracidade dos mesmos, quer do ponto de vista formal, quer do ponto de vista material, isto é, não há motivos para crer que os autos em referência não tenham sido lavrados e assinados tal como eles se apresentam nem existe razão para crer que o seu conteúdo foi elaborado de modo não correspondente á verdade. A questão que se coloca consiste em saber como podem os mesmos ser valorados pelo Tribunal.»
À questão constante do segundo parágrafo já nós respondemos supra; as reconstituições podem ser valoradas como um meio de prova que não apresenta restrições. Pode tal meio de prova indicar a forma de actuação dos arguidos. Designadamente indicar os percursos seguidos pelos arguidos no seguimento que fizeram à vítima, local onde o abordaram simulando acidente, forma de sequestro, local para onde foi levada e local do homicídio.
Quanto ao primeiro parágrafo concordamos com a afirmação do tribunal recorrido. No essencial as duas reconstituições são coincidentes, o que demonstra que os arguidos não se afastaram do real acontecido e, pela análise dos autos, ocorreram em momentos diferentes e sem contacto entre os arguidos.
Assim, há coincidência nas reconstituições:
- na indicação do Parque onde se situa o local de trabalho da vítima, LL (CC – foto 2 de fls 1765 / DD – foto 1 de fls. 1781);
- na indicação do edifício do…, local de trabalho da vítima, LL (CC – foto 3 de fls 1766 / DD – fotos 2 e 3 de fls. 1781-1782);
- na indicação essencial do local de estacionamento das viaturas (CC – fotos 5, 6 e 7 de fls 1767-1678 / DD – fotos 4, 5 e 6 de fls. 1782-1783);
- na indicação do local da casa dos pais do arguido BB (CC – fotos 14 e 15 de fls 1772 / DD – fotos 16 e 17 de fls. 1788-1789);
- na indicação do local onde foi morto o LL (CC a indicação precisa – foto 12 de fls. 1771 / DD a indicação aproximada mas coincidente – foto 13 de fls. 1787. [6]
Isto demonstra claramente o modus operandi dos dois arguidos no sequestro do LL no local indicado e até ao encontro com o arguido BB. No restante a reconstituição do arguido CC (com a confirmação da participação do arguido BB pelo arguido DD) também permite seguir o percurso das viaturas até ao local de encontro com o BB e sequente ida dos três arguidos mais o LL até ao local dos disparos.
O estarem os arguidos CC e DD de acordo em vários aspectos das reconstituições que permitem concluir que o seu teor substancial, no essencial, é verdadeiro, não invalida que se apontem as discrepâncias existentes entre ambas.
A reconstituição orientada pelo arguido CC mostra-se muito mais precisa em termos geográficos. Já o arguido DD se mostra mais avesso à geografia e revela – consta do auto – dificuldade de orientação face às mudanças urbanísticas.
Há igualmente discrepância quanto ao uso das viaturas e ao teor do diálogo entre o DD e o LL. Neste particular ponto é mais crível a versão deste arguido, DD, porque o dialogante e também porque a sua versão permite a condução com o acordo da vítima (dispensa a violência).
A atenção aos pormenores de diferente natureza – pormenores geográficos e de diálogo – são explicados por dois factores inultrapassáveis: as características pessoais dos arguidos e o longo tempo decorrido entre os factos e as reconstituições (13 anos, 5 meses e 10 dias).
A apreciação em termos probatórios sustenta a asserção de que na sua quase totalidade as reconstituições permitem fazer prova da forma como decorreu o sequestro de LL, a sua morte à mão do arguido BB e o transporte do seu corpo para o local onde foi encontrado, bem como a condução do seu veículo para Espanha.
E, note-se, a simples localização pelos dois arguidos dos locais e percursos – prescindindo de verbalizações – já seria de imenso relevo probatório. É que os arguidos indicam: o local de trabalho do LL, o local onde esperaram por ele; o local onde estava a viatura da vítima, o trajecto seguido por esta; o local aproximado da abordagem; o trajecto seguido já com a vítima sequestrada; o local onde o BB esperava por eles; o local para onde levaram a vítima, isto é, o local dos disparos.
E este valor das reconstituições igualmente permite outras deduções, desde logo o sequestro da vítima na data indicada pelos arguidos que nelas tiveram intervenção, sua sequente morte logo após, a deslocação do corpo e viatura para locais que se pretendiam em Espanha. Permitem também concluir que a vítima não poderia ter sido morta por outrém, já que sequestrada e os factos – e seu destino - domínio dos três arguidos (questão que resta em aberto é a de saber se havia domínio do facto pelos três arguidos no momento da morte).
As reconstituições, por si só permitem afirmar, por óbvia prova directa, a presença dos três arguidos no decurso do sequestro e no momento da morte. A circunstância de o arguido BB ter ficado à espera que os outros dois arguidos chegassem com o LL não afasta a co-autoria no primeiro. Demonstra-a. O que sempre será irrelevante dada a consumpção pelo homicídio.
É grande, portanto, o relevo das reconstituições e os factos que elas demonstram permitem a operatividade de presunções simples restritivas (no sentido de assentarem em factos precisos) mas bem fundadas, como supra referido.
Permitem também confirmar que os levantamentos efectuados pelo cartão bancário da vítima só podem ter sido feitos pelos três arguidos ou por eles permitidos, apesar de esta ser matéria sem relevo no crime imputado.
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B.4.3 – Das intercepções telefónicas.
Nos três apensos de escutas telefónicas relevantes existem mais indícios com relevo.
Comecemos por afirmar que não se espera que as escutas transcritas sejam a demanda da prova perfeita, em que os arguidos contam toda a história do sequestro e do homicídio a um qualquer interlocutor. Espera-se, apenas, apurar se há elementos indiciários nos diálogos travados que esclareçam factos e participações dos arguidos neles.
A apreciação introdutória feita pelo tribunal recorrido é elucidativa daquilo que espera que a prova revele: «Resulta claramente dos autos de transcrição (analisados no seu conjunto) que os arguidos CC e DD estiveram envolvidos num caso que pode ter relevância criminal (podendo mesmo ser um homicídio). Aqueles dois arguidos e os seus interlocutores não revelam, contudo, com um mínimo de precisão, de que caso estão a falar: o que fez cada um dos arguidos, quando os factos ocorreram, onde ocorreram, quem foi a vítima. De resto, se bem se reparar, quem se refere ao facto com relevância criminal não é nenhum dos arguidos mas sim os seus interlocutores.
Esperar que as escutas revelem todos aqueles elementos referidos pelo tribunal recorrido - de que caso estão a falar: o que fez cada um dos arguidos, quando os factos ocorreram, onde ocorreram, quem foi a vítima - é esperar que as mesmas sejam perfeitas e que os arguidos sejam exemplares colaboradores, indirectos e involuntários, da justiça. É uma crença indefensável. Por outro lado revela que a prova obtida pelas escutas, tendo o valor relativo que evidentemente têm, não foi sopesada pelo tribunal recorrido em concatenação com a restante prova produzida. Esperar que a prova obtida por via de escutas telefónicas seja autonomamente bastante é esperar por Godot.
As escutas não existem penduradas no etéreo mundo perfeito da produção e apreciação probatórias, sim na visão forçosamente estilhaçada de muitos meios probatórios que necessitam que sobre eles se exerça o raciocínio típico de apreciação judicial dos factos. Juntar as peças e atribuir-lhes um valor final conjunto, essa é a tarefa do tribunal.
Por isso que os elementos do crime e a identidade dos agentes devem ser apreciados através de uma análise com as reconstituições, com as escutas, com o exame de ADN do arguido DD e com depoimentos. E com presunções. Até com a circunstância de os arguidos, naquele momento, serem arguidos no processo e, em determinado momento, o arguido CC ter acabado de ser detido (escutas).
Os elementos objectivos do crime já estavam definidos. Aliás, pelo menos já havia a suspeita de que os arguidos CC e DD não eram os únicos a saber do crime e de seus possíveis autores pelo que surge natural que alguns interlocutores, designadamente KK, já disso sabiam, assim como sabiam sobre quem recaíam as suspeitas.
Aquilo que o tribunal recorrido diz que não foi revelado com perfeição era um conhecimento suposto pelos interlocutores que não se sentiram – o que é natural – na obrigação de o reproduzir pelo telefone. Esse é que seria um comportamento estranho, que um dos arguidos resolvesse usar as comunicações telefónicas para resumir perante um interlocutor já conhecedor, todos os pormenores de um sequestro e um homicídio. E mesmo que não fosse conhecedor.
Seria no mínimo estranho que o arguido CC, acabado de ser detido pela PJ, usasse o telefonema a que tinha direito para fazer um resumo telefónico – nas instalações da PJ – do homicídio e seus autores a uma interlocutora que já disso sabia. Surgiria como desajustada a exigência de que o dito arguido revelasse à KK “a verdade que tinha contado”. [7]
E nos restantes apensos, B e C, os intervenientes falam entre si de factos – crimes, vítima, suspeitos – de todos sabidos. Não podem, portanto, fazer resumos telefónicos para elucidar quem já sabe.
A descrição das escutas feita pelo tribunal recorrido está correcta, excepto no lapso de ter indicado o interlocutor do apenso como BB, quando na verdade se trata de CC. Reproduzimos o resumo de tais apensos onde se refere acertadamente que a testemunha KK se estava a referir ao arguido BB: No terceiro auto do mesmo apenso (sessão 817, folhas 13 e seguintes), a KK diz ao arguido DD que, de acordo com a advogada, ainda há muito por esclarecer e que “vocês não fizeram mal a ninguém, vocês não mataram ninguém”. Na mesma conversação, a KK, referindo-se a um terceiro (não identificado), observa que ele matou à vossa frente e alude ao perigo de ele poder “fazer a folha” ao DD, ao CC e à própria KK. Embora não se diga expressamente, infere-se desta conversação (e tendo em conta o que os mesmos interlocutores tinham dito na conversação a que se refere o primeiro auto do apenso A) que KK se estava a referir ao arguido BB. O apenso C contém também várias comunicações entre KK e o arguido CC. Nota-se, em todas as comunicações que constam deste apenso que as mesmas foram estabelecidas numa altura em que aqueles dois estavam desavindos (muito provavelmente por ciúmes, tal como flui da SMS que constitui as sessões 1966 a 1968, transcrita a folhas 3 e 4). Considerando o que foi dito pela mesma KK nas conversações transcritas no apenso A, não pode deixar de se considerar que expressões como “tou a falar com o CC que é o autor de um homicídio de um rapaz que se chama LL” (sessão 1376 do apenso C), “assassino, assassino! Vais parar à cadeia, vais! Vais apodrecer lá” (sessão 1308 do mesmo apenso) ou “pessoa que tiveste envolvida no homicídio” (sessão 1338 do mesmo apenso) foram muito motivadas pela referida desavença. Isto mesmo é salientado pelo teor da conversação transcrita a folhas 1363 do processo principal. Do apenso B constam conversações entre os arguidos DD e CC. Estes, para além de falarem na confiança e desconfiança no sistema judicial (polícias, Ministério Público e juízes) referem-se ao modo como deverá ser organizada a defesa de ambos: um deporá a favor do outro (sessão 875). DD refere ainda que se for de “cana” por chegar atrasado a uma apresentação periódica então todos vão “de cana”. Esta expressão é dita como desabafo de alguém que receia ser preso por não se apresentar em posto policial em execução de medida de coação por não ter dez euros para fazer a deslocação (sessão 913).»
As conclusões extraídas pelo tribunal recorrido e sublinhadas não são admissíveis na sua definitividade na medida em que outras interpretações são possíveis, desde logo porque a “desavença” entre KK e CC não afasta a verdade da afirmação e o “desabafo” do arguido DD não afasta a ameaça de revelar algo de incriminador dos outros dois arguidos.
No que é determinante é que todos sabem que estão a falar do homicídio de LL, se incluem dois deles no rol dos participantes em - ao menos - parte dos actos que levaram ao seu sequestro e morte e na identificação do arguido BB como motivador e agente material do homicídio.
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B.4.4 – Depoimentos.
O depoimento de GG é assaz simples de apreciar.
As transcrições indicadas pelo Digno Procurador recorrente são exactas e correspondem ipsis verbis a parte do depoimento. Assim;
01,58: “a primeira vez que eu falei com o CC sobre o assunto que nos traz a este tribunal hoje, foi uma confissão que ele me fez, em que uma pessoa tinha morrido para ele ajudar um amigo ... ”;
05,24: “ele disse-me que (...) as informações que eu fui recolhendo, foi que tinham esperado a pessoa, porque eu sabia que o rapaz trabalhava no Instituto…, quando fiz as minhas procuras na Internet eu procurei por um desaparecimento de uma pessoa que trabalhava no Instituto… de Loulé, sabia que lhe tinham feito uma espera e sabia que o tinham levado para qualquer lugar, ele disse-me que no dia ele tentou impedir (...) no dia em que tudo sucedeu que ele tinha tentado impedir que as coisas acontecessem, falou-me que tinham desaparecido com a arma que tinham utilizado, que o corpo nunca tinha sido encontrado”;
07,10: “ele disse-me que foi a pedido do amigo de infância de quem já me tinha falado, o BB”;
07,30: “ele tinha-lhe pedido para o ajudar a fazer um ajuste de contas com a vítima, porque a vítima tinha um relacionamento com a ex-namorada do BB e que ele próprio, CC, tinha elaborado todo o plano e que o BB veio só ter com ele no fim”;
08,32: “ele disse-me que tinham alvejado a vítima a tiro”.
Para além disto o depoimento confirma o dito supra sobre o momento em que esta testemunha veio aos autos dar conhecimento de novos elementos indiciários.
Assim como a informação de que a arma foi atirada ao rio a caminho de Espanha, que foi o CC quem preparou a estratégia, que ao menos duas vezes depois dos factos pediu dinheiro ao arguido BB e nunca referiu o nome do arguido DD. O depoimento, por outro lado, revelou que o arguido CC não disse quem disparou a arma.
Considerando a forma calma e assertiva como o depoimento foi prestado, o seu conteúdo racionalmente fundado e a própria afirmação do tribunal recorrido de que “… não tem qualquer razão para suspeitar que o depoimento de GG foi produzido com qualquer outro intuito que não o de revelar a verdade; o seu depoimento foi – relativamente aos factos de que afirmou ter conhecimento – completo, coerente e isento de contradições”, o seu teor é quase tão fundamental quanto o foi o contributo para a investigação. E claramente confirmativo e adjuvante dos restantes meios de prova supra referidos.
Aliás, KK foi, igualmente, objecto de confidências idênticas (a partir de Novembro de 2010) por parte do arguido CC, o que reforça o peso dessas confidências e fortalece o depoimento da testemunha GG (confidências entre 2004 e 2010).
Não se pode, também relativamente ao depoimento desta testemunha, assumir uma postura de exigência de um depoimento exaustivo quanto a todos os pormenores dos factos, nem a necessidade de um depoimento com uma precisão tal que exonere o tribunal recorrido de fazer uma sua apreciação crítica.
Essa exigência do tribunal recorrido surge clara neste trecho da sua motivação: «A versão dos factos que relatou (que são os factos de que tomou conhecimento através do arguido CC) não é completa (não refere detalhes do homicídio, da identificação da vítima, da motivação dos arguidos – de todos os arguidos – do comportamento específico de uns e de outros) e não coincide, em muitos pontos, com o que consta da acusação e o que resulta de outros meios de prova (v.g. nada indica que a vítima tenha sido assassinada em Espanha, mas sim em Portugal; diversamente do que foi dito, o corpo foi encontrado pouco tempo após o homicídio).»
Mais uma vez o tribunal recorrido exige características de plenitude, exaustão, autonomia e completude a um só meio de prova, o que não é aceitável.
A única dúvida relevante que se mantém diz respeito à co-autoria do homicídio já que se a definição da estratégia da actuação pode ser imputada ao CC (admitindo-a quanto ao sequestro, apesar das características imaginativas da personalidade do arguido, como dito pela testemunha) certo é que isso não afasta a possibilidade de essa estratégia não prever o homicídio mas apenas o sequestro.
Os depoimentos de II (Inspector-Chefe da PJ), JJ e HH (Inspectores da PJ) foram ouvidos apenas para confirmar aspectos procedimentais relativos à reabertura do inquérito e à execução das reconstituições. Quanto à reabertura do inquérito pretendia-se confirmar que a testemunha GG não tinha obtido da PJ qualquer informação que afectasse o seu depoimento. Relativamente às reconstituições pretendia-se confirmar que tinham sido feitas em diferentes momentos e sem que os arguidos se apercebessem do contributo do co-arguido na respectiva reconstituição. O que se confirmou. Esses depoimentos revelaram-se sucintos, claros, calmos e elucidativos.
Ouviu-se, igualmente, o depoimento de QQ que confirmou a motivação dos arguidos CC e DD. E, apesar das condições pessoais dessa testemunha – aparentemente debilitado fisica e psiquicamente – a mesma tornou clara a motivação, que não era aparente, desses dois arguidos. Afirmou que o CC a tinha convidado para ir “dar umas porradas” numa pessoa.
Este depoimento, que seria adjuvante indiciário para o sequestro, acaba por não confirmar o domínio do facto no homicídio por estes dois arguidos.
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B.4.5 – Outra prova.
Outra prova relevante que não foi devidamente sopesada pelo tribunal recorrido diz respeito à perícia do ADN nas amostras recolhidas na viatura de LL, a vítima.
Se dúvidas houvesse sobre a presença, ao menos, do arguido DD na viatura da vítima, as conclusões dessa perícia constante de fls. XII.2896-2897 são claras: «De acordo com a análise de ADN, para o conjunto de loci de STRs autossómicos estudados: - há identidade de polimorfismos dos vestigios biológicos existentes na ponta de cigarro descrita na alínea 11.4.3 do relatório do Exame nº 7420/98-B e a zaragatoa bucal recolhida a DD» - Exame 2011154-48-BBG.
Resta recordar que as autoridades espanholas recolheram, de entre outros vestígios, no interior da viatura da vítima, “três beatas de cigarros Marlboro Lights” – informação a fls. I.71, rogatória a fls. I-221.
Por outro lado, já se tinha constatado anteriormente que havia identidade de polimorfismos dos vestigios biológicos existentes nas pontas de cigarro descritas nas alíneas 11.4.1 e 11.4.2 e a amostra de sangue recolhida ao cadáver de LL - do relatório do Exame n° 1530/98-B – Exames nº 1530/98-B e 7420/98-B a fls. IV.778-780 e IV.782-791.
Ora, o tribunal recorrido não retira daqui qualquer ilação nem explica por que razão uma das beatas encontradas no interior da viatura da vítima tinha o ADN de um dos arguidos, sendo certo que a viatura é encontrada em Espanha com as portas fechadas e não danificadas por arrombamento apenas dois dias após o desaparecimento da vítima.
Esta circunstância também permite presumir que os levantamentos nas ATM em Portugal (B.P.S.M. em Faro, pelas 20h59 de 02-02-1998, sete tentativas e um levantamento em Huelva, Espanha, em 03-02-1998), foram efectuados pelos arguidos mas o tribunal recorrido não atribuiu ao facto qualquer relevância. Nem atribuiu qualquer relevo ao facto de em Espanha (Villarasa, Huelva), no dia seguinte e próximo do local das tentativas e do levantamento nas ATMs espanholas ter sido abandonado o veículo da vítima.
Mas de entre as várias possíveis e legítimas presunções uma se impõe: por que razão – nas circunstâncias supra referidas - nada se deduziu dos vestígios de ADN do arguido DD no interior da viatura da vítima? Esta é, claramente, uma manifestação do erro notório na apreciação da prova.
Naturalmente não se permite este tribunal presumir a co-autoria no homicídio. Mas permite-se presumir a actuação do arguido DD no sequestro de LL. E, como o DD foi contactado pelo arguido CC para o acto, é lícito presumir a actuação de ambos nesse sequestro.
Ou seja, confirmam-se os dados probatórios já fornecidos pelas reconstituições e pelo depoimento de GG.
O Relatório de Autópsia (I.11-14) e as fotos de fls. I.52-55 e I.60-61 permitem comprovar a morte da vítima com dois tiros na nuca (percurso de trás para a frente), sem orifícios de saída (os projécteis encontravam-se no interior da caixa craniana).
Parecendo algo deslocados os considerandos do tribunal recorrido sobre a possibilidade de negligência nos disparos, o que se nota imediatamente para quem tenha o mínimo de experiência no disparo de armas de fogo ou na análise dos seus vestígios é que (Relatório a fls. I.13 e foto a fls. I-61) os dois “orifícios de entrada são parcialmente coincidentes” (não estão, portanto, a 1,5 cm um do outro, como se oríficios destacados fossem), o que revela mão firme e experiente (não treme nem é afectada pelo recuo da arma) e dolo directo na execução. Aliás, a técnica corresponde a uma “execução”.
Este relatório de autópsia revela igualmente – hábito externo – lesões (escoriações) reveladoras de agressões à vítima.
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B.5.1 – Conclusões de facto. A - Em todos os elementos probatórios, exceptuadas as perícias, está expressa a motivação do ilícito, está aceite que a motivação se centra no arguido BB e na sua relação com a namorada da vítima, sua ex-namorada.
Como se disse supra o recurso do Ministério Públicoimpugnou especificadamente os factos descritos de X a XXIV e de XXVI a XXIX - os 3 últimos de forma limitada, só na parte que respeita ao arguido BB - dos “factos não provados” do acórdão.
O assistente, por seu turno, não impugnando especificadamente pretende, sustentado no vício de conhecimento oficioso erro na apreciação da prova, que esta Relação dê como provados os factos dados como não provados em VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXI, XXII, XIII, XXIV, XXV, XXVI, XXVII, XXVIII e XXIX.
Assim sendo, a diferença relevante nos factos pretendidos impugnar centra-se nos factos não provados VII, VIII, IX e XXV acrescentados pelo assistente.
Naturalmente que a delimitação do objecto do recurso do Ministério Público à participação exclusiva do arguido BB não permite que se altere – enquanto resultado da sua impugnação factual – a matéria de facto quanto aos arguidos CC e DD, o que só poderia ocorrer como consequência do recurso do assistente e por via da revista alargada, o que quer significar que tal alteração da matéria de facto só pode assentar no vício de conhecimento oficioso, o erro notório na apreciação da prova, com recurso exclusivo ao texto da decisão recorrida e às regras de experiência comum. Mas também, necessariamente, ao já adquirido no processo neste momento em termos de factos.
Em razão do fundamentado até agora, tendo presentes o conteúdo das reconstituições em que os arguidos CC e DD participaram, o depoimento de GG, o teor das escutas telefónicas, o relatório de autópsia e o exame ao ADN do arguido DD, é total a procedência do recurso do Ministério Público, pelo que haverá que dar como provados os factos objecto de impugnação especificada ali indicados - de X a XXIV e de XXVI a XXIX - com a restrição subjectiva indicada quanto aos factos XXVII, XXVIII e XXIX, a numerar infra para permitir uma sequência lógica.
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B – Incluídos na pretendida impugnação factual do assistente estão os factos não provados em VII, VIII, XI e XXV. Destes factos é certo que nada permite afirmar a prova do facto dado como não provado em XXV e nenhuma regra de experiência comum ou presunção o induz.
E apesar de a impugnação do assistente não ter sido cumprida nos termos do disposto no artigo 412º, nsº 3 e 4 do C.P.P., não podemos no mesmo processo, havendo dois recursos, proceder como eles tivessem uma vivência isolada e a prova indicada pelo Ministério Público não pudesse, para este efeito limitado (o conhecimento dos factos indicados, por apelo a regras de experiência comum, mesmo se resultantes da alteração factual proposta pelo MP), ser extensível ao recurso do assistente. Seria permitir a existência de contradições e a contraditoriedade com as regras de experiência comum resultantes da matéria de facto apurada em atenção a um valor processual adjuvante que se erigiria como valor supremo. Seria permitir o alinhamento de duas “matérias de facto” (possívelmente contraditórias) em função das características de dois recursos.
Assim, quanto aos factos VII a IX já o provado nos autos permite que se conclua que, antes da colaboração dos arguidos para o sequestro (mais que demonstrado nos autos), o arguido BB tenha previamente solicitado a ajuda do arguido CC e este a colaboração do arguido DD. O sequestro, tal como evidenciado posteriormente, permite o estabelecimento de um nexo de causalidade “histórico”, para o passado, que cumpre os requisitos de causalidade supra indicados quanto às presunções hominis, sem olvidar que estes arguidos (BB/CC e DD) se conheciam bem. Por isso – e sem necessidade de reenvio por dispormos de todos os elementos - que se possam dar como factos provados 7, 7-a) e 7-b): 7 – (VII) - Em data não concretamente apurada o arguido BB contactou o arguido CC e pediu-lhe a colaboração para sequestrar LL; 7-a) – (VIII) - O arguido CC concordou em colaborar com o BB e contactou o arguido DD, o qual também acordou na execução do plano. 7-b) (IX) - Para concretizar este desígnio conjunto dos três arguidos os arguidos CC e DD passaram a monitorizar a atividade diária de LL, a fim de conhecerem o percurso habitual do mesmo, bem como os seus hábitos e, desse modo, escolherem o momento e o local para o interceptarem;
Em consequência, os factos excluídos deverão continuar a dar-se como não provados, como segue:
VII - Nutrido pelo sentimento de ciúme e vingança, e com o desígnio de pôr termo à vida de LL, foi em data que se situa entre 1 e 15 de Janeiro de 1998, em Tunes, que o arguido BB contactou o arguido CC e pediu-lhe a colaboração para matar LL;
VIII - O arguido CC concordou em colaborar com o BB, mediante a promessa de uma recompensa monetária, e que o arguido DD, agiu também no pressuposto de receber uma quantia em dinheiro;
IX - Para concretizar o desígnio conjunto dos três arguidos de pôr termo à vida de LL, foi nas duas semanas imediatamente anteriores ao dia 2 de fevereiro de 1998, os arguidos CC e DD passaram a monitorizar a atividade diária de LL.
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C – Quanto ao resultado da impugnação do Ministério Público passam a provados os factos indicados como não provados de X a XXIV e XXVI (mantendo-se entre parêntesis esta numeração romana para melhor orientação), com numeração sequencial a partir de 7-c) a 7-o) e 9-a) a 9-c).
Como consequência o facto dado como provado pelo tribunal recorrido em 8) será adaptado.
De notar, no entanto, que o facto ora dado com o provado em 9–c) [o anterior facto dado como não provado em XXVI] deverá assumir uma redacção restritiva na medida em que se deve referir unicamente ao sequestro. Assim assumirá a seguinte redacção: «Os três arguidos agiram em conjunto, na execução do sequestro através de plano que previamente haviam delineado e sobre o qual refletiram e em cuja execução persistiram durante mais de 24 horas».
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D - Quanto aos factos XXVII, XXVIII e XXIX eles só poderão ser alterados, com o indicado fundamento, nos seguintes termos e assumindo a numeração de 11 a 11-b): 11 - (XXVII) - O arguido BB planeou a morte de LL e agiu, na concretização do plano delineado, de modo calculista, frio, com reflexão sobre os meios empregados, premeditação, calmo na preparação e execução, e persistente na resolução ao longo de cerca de um mês. 11-a) - (XXVIII) - O arguido BB, com a conduta descrita, quis e conseguiu causar a morte de LL; 11-b - (XXIX) - Agiu o arguido BB livre, voluntaria e conscientemente, ciente de que a sua conduta era, como é, proibida e punida por lei.
Naturalmente estes factos devem continuar a ser declarados como não provados relativamente aos arguidos CC e DD, o que só não ocorreria se viessemos a considerar a existência do dito erro notório na apreciação da prova com reflexo concreto nestes factos por existência de prova bastante
Assim, mantêm-se como não provados tais factos com adequada redacção, alterando a numeração romana para lhes dar sequência:
XII - (XXVII) - Os arguidos CC e DD planearam a morte de LL e agiram, na concretização do plano delineado, de modo calculista, frio, com reflexão sobre os meios empregados, premeditação, calmo na preparação e execução, e persistente na resolução ao longo de cerca de um mês;
XIII - (XXVIII) - Os arguidos CC e DD, com a conduta descrita, quiseram e conseguiram causar a morte de LL;
XIV - (XXIX) - Agiram os arguidos CC e DD livre, voluntaria e conscientemente, cientes de que as suas condutas descritas em XXVII e XXVIII eram, como são, proibidas e punidas por lei.
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E – É tarefa deste tribunal impedir a existência de contradições entre factos e sua fundamentação e a contraditoriedade com regras de experiência comum.
Por isso que limitarmo-nos a dirimir o dissídio com uma interpretação restritiva do objecto do recurso, com base na natureza de remédio jurídico dos recursos no ordenamento processual penal português, conduziria a resultados indesejados naquilo que se pretende seja uma exposição factual escorreita e compreensível.
Olhar agora para os factos não provados a partir dos factos ora dados como provados é constatar que algumas alterações se impõem como naturais, obrigatórias até.
Referimo-nos aos factos dados como não provados no acórdão recorrido em:
XXXV - Entre o momento do sequestro e o da morte, a vítima foi assustada, violentada na sua liberdade e integridade física;
XXXVI - A vítima teve medo e receio pela sua integridade e pela sua vida;
XXXVII - A vítima anteviu a sua morte como possível, e por isso tentou a fuga, o que lhe causou grande medo e pânico (até morrer), e a angústia natural de se sentir perdido;
XLI - Após a morte de LL, os arguidos ou alguém a quem eles forneceram os cartões bancários do falecido, procedeu ao levantamento com os cartões bancários que àquele pertenciam, de uma quantia de 30 000$00 (correspondente a € 149,64) e outra de 30 637$20 (correspondente a € 152,81).
A prova recolhida quanto à forma como decorreu o sequestro, a chegada a um local ermo, as agressões do BB sobre a vítima, a exibição deste de uma arma, a tentativa de fuga provada, os disparos, exibem de forma clamorosa e notória prova dos três primeiros factos indicados.
Que mais seria necessário para demonstrar a violência, o afectar da liberdade e integridade física, o medo, o pânico e a angústia?
E quanto aos levantamentos nas ATM já o tribunal se pronunciou supra quanto à inevitabilidade da imputação aos arguidos – ou a alguém deles conhecido – dos levantamentos bancários, sendo certo que o cartão se encontrava com a vítima, sequestrada em dia certo, com os levantamentos a ocorrerem num curtíssimo período de tempo logo após o sequestro.
Por isso que tais factos devam ser dados como provados, acrescentando-se a seguir ao facto 18 (que se mantém) os factos provados 18-a) a 18-c) e alterando-se o facto provado sob 42).
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F - Concretizando, será esta a matéria de facto provada que substituirá os factos dados como provados de 7ª a 18 c) e 42), como segue (aqui se incluindo os factos 9 e 10 que não são alterados mas são incluídos apenas para manter uma sequência compreensível): 7 – (VII) - Em data não concretamente apurada o arguido BB contactou o arguido CC e pediu-lhe a colaboração para sequestrar LL; 7-a) – (VIII) - O arguido CC concordou em colaborar com o BB e contactou o arguido DD, o qual também acordou na execução do plano. 7-b) - (IX) - Para concretizar este desígnio conjunto dos três arguidos os arguidos CC e DD passaram a monitorizar a atividade diária de LL, a fim de conhecerem o percurso habitual do mesmo, bem como os seus hábitos e, desse modo, escolherem o momento e o local para o interceptarem; 7–c) - (X) - Assim, no dia 2 de fevereiro de 1998, no período compreendido entre as 19:30 e as 21:00 horas, numa estrada utilizada por LL, na deslocação entre o seu local de trabalho, sito …em Loulé, e a sua casa, sita … em Faro, o arguido CC, tripulando um automóvel Renault Clio e acompanhado pelo arguido DD, bateu com a frente do veículo na traseira da viatura Rover, matrícula …, conduzida por LL; 7–d) - (XI) - LL, convicto de que se tratava de um acidente de viação, abrandou a marcha, encostou o Rover à berma e saiu do carro; 7–e) - (XII) - Ato contínuo, o arguido DD foi ao encontro de LL e obrigou-o a entrar no Rover; 7–f) - (XIII) - Então, o arguido CC abandonou o Renault Clio, entrou para o banco traseiro do Rover; 7–g) - (XIV) - O arguido DD passou para o volante do carro e LL sentou-se no banco dianteiro direito da viatura; 7–h) - (XV) - Os três seguiram para as imediações de…, em Faro, onde se encontraram com o arguido BB; 7–i) - (XVI) - Em sequência, o arguido BB no seu veículo, e DD ao volante do Rover juntamente com o arguido CC e LL, seguiram até a um lugar sito nas imediações da casa dos pais do arguido BB, em …Faro, local esse desprovido de qualquer habitação e afastado de toda a zona urbanizada da referida localidade; 7–j) - (XVII) - Aí chegados, os arguidos CC e DD imobilizaram o Rover e apearam-se com LL; 7–l) - (XVIII) - Também o arguido BB abandonou a sua viatura e dirigiu-se a LL; 7–m) - (XIX) - O arguido BB começou a desferir socos e pontapés em LL; 7–n) - (XX) - LL procurou a fuga; 7–o) - (XXI) - No momento em que LL procurou a fuga, o arguido BB munido com uma arma de fogo calibre 6,35 mm, deflagrou a mesma, efetuando dois disparos dirigidos à base da nuca de LL, atingindo-o na metade inferior da região occipital; 8 - (XXII) - A supra descrita conduta do arguido BB provocou, direta e necessariamente, em LL; a -No hábito externo: ferida perfurante de forma ovalar, de bordos regulares, dirigida no sentido transversal, com 1,3 cm no seu maior diâmetro e 0,6 no menor, localizada na região occipital na sua metade inferior, a cerca de 1,5cm para a esquerda da linha média; orla de contusão com cerca de 2 mm de altura, rodeando todo o orifício descrito; escoriação de forma circular com cerca de 1cm de diâmetro na região da bossa frontal direita; tumefacção de forma circular com cerca de 8cm de diâmetro, com diversas escoriações, na face esquerda, junto ao ângulo da mandíbula; algumas escoriações na região malar esquerda e arcada zigomática; b - No hábito interno: hematoma subcutâneo de toda a metade inferior da região occipital; hematoma subcutâneo da região frontal, em toda a sua metade esquerda; dois orifícios com 0,9 cm de diâmetro cada, separados um do outro cerca de 1cm no sentido vertical, localizados na occipital na sua metade esquerda e inferior, a cerca de 1,5 cm para a esquerda da linha média; lesão cerebral perfurante em toda a extensão do hemisfério cerebral esquerdo, no sentido postero-anterior; hemorragia cerebral extensa em ambos os hemisférios cerebrais e região cerebelosa; fratura cominutiva, esquirolosa, do osso frontal, na sua metade esquerda, a cerca de 3 cm da arcada supra ciliar do mesmo lado;
9 - As fraturas cranianas descritas, bem como a lesão cerebral e a hemorragia cerebral resultaram, também direta e necessariamente dos disparos efetuados, os quais causaram a morte de LL; 9–a) - (XXIII) - Imediatamente após os disparos, os arguidos colocaram o cadáver de LL no automóvel do arguido BB e abandonaram-no no local referido em 10 da matéria de facto julgada provada; 9–b) - (XXIV) - O arguido BB agiu por ciúme, motivado por um sentimento de vingança em relação a LL, porquanto este mantinha uma relação de namoro com MM, a qual o arguido queria reconquistar para si. 9–c) - (XXVI) - Os três arguidos agiram em conjunto, na execução do sequestro através de plano que previamente haviam delineado e sobre o qual refletiram e em cuja execução persistiram durante mais de 24 horas.
10 - O cadáver de LL foi encontrado no sítio dos…, concelho de Castro Marim, numa ribanceira da estrada nacional nº 122, a cerca de 4 km da fronteira com Espanha; 11 - (XXVII) - O arguido BB planeou a morte de LL e agiu, na concretização do plano delineado, de modo calculista, frio, com reflexão sobre os meios empregados, premeditação, calmo na preparação e execução, e persistente na resolução ao longo de cerca de um mês. 11-a) - (XXVIII) - O arguido BB, com a conduta descrita, quis e conseguiu causar a morte de LL; 11-b - (XXIX) - Agiu o arguido BB livre, voluntaria e conscientemente, ciente de que a sua conduta era, como é, proibida e punida por lei. 18-a – (XXXV) - Entre o momento do sequestro e o da morte, a vítima foi assustada, violentada na sua liberdade e integridade física; 18-b – (XXXVI) - A vítima teve medo e receio pela sua integridade e pela sua vida; 18-c – (XXXVII) - A vítima anteviu a sua morte como possível, e por isso tentou a fuga, o que lhe causou grande medo e pânico (até morrer), e a angústia natural de se sentir perdido; 42 – (XLI) - Após a morte de LL, os arguidos ou alguém a quem eles forneceram os cartões bancários do falecido, procedeu ao levantamento com os cartões bancários que àquele pertenciam, de uma quantia de 30 000$00 (correspondente a € 149,64) e outra de 30 637$20 (correspondente a € 152,81);
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E como não provados os seguintes factos (entre parêntesis a anterior numeração e a bold os factos alterados):
I. (I) - A relação de namoro entre o arguido BB e BB tenha terminado em data anterior a 1 de novembro de 1997;
II. (II) - A relação de namoro de BB com LL se tenha iniciado em Novembro do ano de 1997;
III. (III) - O facto descrito em 4 dos factos provados tivesse ocorrido no período compreendido entre 1 de Novembro de 1997 e 31 de Janeiro de 1998;
IV. (IV) - Na mesma circunstância, o arguido BB esperou MM na porta da residência da avó desta, em Loulé, mas sim num dos locais referidos na matéria de facto julgada provada;
V. (V) - O arguido BB tenha dado o murro a que se refere a matéria de facto julgada provada logo que se dirigiu ao veículo automóvel em que MM se fazia transportar mas sim no circunstancialismo fáctico descrito na matéria de facto julgada provada;
VI. (VI) - A partir de então, o arguido BB, nutrindo ciúmes pela relação de MM com LL, decidiu envidar esforços no sentido de recuperar a sua antiga namorada, nem que para tanto, tivesse de causar a morte a LL;
VII. (VII) - Nutrido pelo sentimento de ciúme e vingança, e com o desígnio de pôr termo à vida de LL, foi em data que se situa entre 1 e 15 de Janeiro de 1998, em Tunes, que o arguido BB contactou o arguido CC e pediu-lhe a colaboração para matar LL;
VIII. (VIII) - O arguido CC concordou em colaborar com o BB, mediante a promessa de uma recompensa monetária, e que o arguido DD, agiu também no pressuposto de receber uma quantia em dinheiro;
IX. (IX) - Para concretizar o desígnio conjunto dos três arguidos de pôr termo à vida de LL, foi nas duas semanas imediatamente anteriores ao dia 2 de fevereiro de 1998, os arguidos CC e DD passaram a monitorizar a atividade diária de LL.
X. (XXV) - Os arguidos CC e DD agiram sob a égide da promessa de uma recompensa monetária que lhes seria entregue pelo arguido BB;
XI. (XXVI) - Os três arguidos agiram em conjunto, na execução de um plano que previamente haviam delineado e sobre o qual refletiram e em cuja execução persistiram durante mais de 24 horas;
XII. (XXVII) - Os arguidos CC e DD planearam a morte de LL e agiram, na concretização do plano delineado, de modo calculista, frio, com reflexão sobre os meios empregados, premeditação, calmo na preparação e execução, e persistente na resolução ao longo de cerca de um mês;
XIII. (XXVIII) - Os arguidos CC e DD, com a conduta descrita, quiseram e conseguiram causar a morte de LL;
XIV. (XXIX) - Agiram os arguidos CC e DD livre, voluntaria e conscientemente, cientes de que as suas condutas descritas em XII e XIII (XXVII e XXVIII) eram, como são, proibidas e punidas por lei.
XV. (XXX) - O arguido BB, pouco tempo antes do homicídio, havia abordado a então namorada da vítima, MM, dizendo de modo irado que se ela não abandonasse o namorado (LL) e reatasse a relação com ele, arguido, mataria o LL;
XVI. (XXXI) - O que disse, dando ao mesmo tempo murros no tejadilho do automóvel onde MM (por lapso, na acusação particular se referiu “a namorada”) então se encontrava;
XVII. (XXXII) - Os demandantes, frequentemente sofrem pesadelos que muito os abalam física e psiquicamente;
XVIII. (XXXIII) - Os demandantes vivem um sentimento de medo e insegurança que muito os afeta;
XIX. (XXXIV) - A demandante, que até então sempre fora segura e calma tornou-se muito insegura, sendo que tal insegurança, que até aos factos não existia, tem aumentado a sua instabilidade emocional e afetiva;
XX. (XXXV) - A tristeza, angústia e as saudades do filho aumentam nos períodos de lazer, como fins-de-semana e outros, em que família mais se encontrava;
XXI. (XXXVI) - LL ajudava nas despesas da casa, dando metade do que auferia aos pais;
XXII. (XL) - O valor da camisa da vítima seja de € 25,00;
XXIII. (XLI) - O valor das calças e do casaco da vítima seja de € 100,00;
XXIV. (XLII) - O valor do calçado seja de € 50,00;
XXV. (XLIV) - LL auferia, à data do óbito, uma remuneração mensal líquida de € 880,00.
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B.5.2 – Conclusões sobre o objecto dos recursos.
Em jeito de conclusão em sede factual sempre se afirma que, mesmo a considerar os restantes elementos probatórios dos autos, não seria possível dar como provado o domínio do facto do homicídio por parte dos arguidos CC e DD por ausência de elementos incriminatórios que afastassem aquilo que resulta das reconstituições e depoimentos. Que – sendo evidente a sua participação no sequestro – foram surpreendidos com os disparos. Ir para além disto seria mera conjectura tão provável como não e, aqui, em sede de imputação penal, a teoria do balanço de probabilidades (“mais provável do que não”) é sabidamente de afastar.
Exige-se – para um juízo de imputação suficiente para uma condenação penal, mesmo com recurso a presunções hominis - a certeza judicial exigível para uma condenação penal, o recurso a um juízo expresso em duas frases que se entendem não permitirem melhor explanação, a continental europeia “probabilidade que roça a certeza” e a anglo-saxónica “beyond reasonable doubt”, ambas expressando idêntica realidade, o mais exigente standard de prova.
Ambas exigem a formulação de um juízo que deve assentar em elementos concretos, objectivos, existentes no processo e que conduzam a um elevado grau de probabilidade de que os factos ocorreram de determinada forma e não de outra. [8]
Assim e quanto ao recurso do assistente, lida a decisão recorrida, é patente que ocorre o vício de erro notório na apreciação da prova mas dela não resultam elementos probatórios que permitam a imputação dos factos do homicídio aos arguidos CC e DD. Não há motivação pessoal para a prática do facto, prova de intento pré-estabelecido entre todos os arguidos e domínio do facto por estes dois arguidos no momento do disparo.
Por isso que o recurso do assistente seja procedente na parte em que se declara a existência de erro notório na apreciação da prova mas um dos remédios consequentes a tal vício, o reenvio para análise de parte da decisão, seja ultrapassado pela circunstância de ser procedente o recurso do Ministério Público quanto ao arguido BB e o tribunal dispor de todos os elementos de prova que permitem concluir que o reenvio seria um acto inútil por não haver possibilidade de fazer prova de co-autoria no homicídio relativamente aos arguidos CC e DD.
De qualquer forma o recurso do assistente beneficia da procedência do recurso do Ministério Público, salvo quanto ao facto XXV. Mas o recurso do assistente é beneficiado também na parte cível, na medida em que provada a ilicitude, a culpa e o nexo de causalidade entre estes e os danos. Nessa parte deve ser considerado procedente em termos analisados infra.
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B.6 – De direito.
Vêm os arguidos acusados, em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível hoje pelos artigos 26º, 131º e 132º, nº 1 e 2, alíneas. e), h) e j) do Código Penal [e) Ser determinado por motivo torpe ou fútil; h) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas; j) Agir com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas].
À data dos factos era previsto e punível pelos artigos 26º, 131º e 132º, nº 1 e 2, alíneas c) e g) do Código Penal na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março [c) Ser determinado por qualquer motivo torpe ou fútil; g) Agir com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas]. A qualificativa “juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas” só vem a ser introduzida pela al. g) na versão da Lei n.º 65/98, de 02 de Setembro.
Como determina o artigo 2.º nº 1 do Código Penal, “as penas … são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem”, não sendo aplicável no caso o nº 4 do mesmo preceito pois que sendo diferentes as disposições penais vigentes no momento da prática do facto das estabelecidas em leis posteriores, estas últimas não se mostram concretamente mais favoráveis ao agente pois que fazem acrescer uma qualificativa, o que redunda num regime menos favorável ao agente.
Os factos provados originam a exclusão dos arguidos CC e DD da comparticipação criminosa no homicídio, pelo que só é possível imputar a esses dois arguidos a prática de um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º, nº 1 do C.P., com pena de prisão até 3 anos, já que se não verifica qualquer das circunstâncias qualificativas do nº 2.
Nem se verifica a preterintencionalidade do nº 3 (“Se da privação da liberdade resultar a morte da vítima o agente é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos”) na medida em que a ocorrência dos disparos – não lhes podendo ser assacada a título de dolo - lhes não pode também ser imputada a título negligente.
Como tal o procedimento criminal está prescrito relativamente a esse crime pois que o prazo respectivo é de 5 (cinco) anos e a prescrição – contando com a metade do prazo prevista no nº 3 do artigo 121º do Código Penal e acréscimo do prazo de suspensão máxima eventualmente aplicável pelo nº 2 do artigo 120º do mesmo código (3 anos) - sempre ocorreria em Julho de 2009.
O mesmo se diga quanto à ocultação de cadáver em que os dois arguidos, CC e DD, comparticiparam, crime p. e p. pelo artigo 254º, nº 1 do Código Penal e punível com pena de prisão até dois anos, que se encontra igualmente prescrito.
Resta-nos, portanto, o crime de homicídio imputável ao arguido BB, p. e p. pelos artigos 131º, 132º, nsº 1 e 2, als. c) e g) do Código Penal na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, isto é, qualificado pelo motivo fútil e pela premeditação (reflexão sobre os meios empregues e persistência da intenção), com pena de 12 a 25 anos de prisão.
Sempre cairia a qualificativa da prática do facto juntamente com mais duas pessoas face à não-prova da co-autoria.
Quanto à fixação da pena reza o acórdão de uniformização de jurisprudência nº4/2016 do STJ que «Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal.» - rel. Cons. Isabel Pais Martins (publicado no DR-36 SÉRIE I de 2016-02-22).
É afirmação habitual da doutrina, com seguimento jurisprudencial, que a prevenção geral positiva ou de integração, com o intuito de tutela dos bens jurídicos é a finalidade primeira da aplicação de uma pena, não fazendo esquecer a prevenção especial ou de socialização, a reintegração do agente na sociedade - art. 40.º, n.º 1, do CP. Funcionando em “ambivalência” com as necessidades de prevenção, a culpa, a vertente pessoal do crime, o cunho da personalidade do agente tal como vertida no facto, funciona como um limite às exigências de prevenção geral.
Apuremos, então, quais os elementos de facto determinantes para a determinação da pena concreta, nos termos do artigo 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
Desde logo se deve levar em conta a elevadíssima ilicitude dos factos e a necessidade de tutela efectiva do bem jurídico protegido, vida. Haverá que relembrar que o arguido agiu com dolo directo e que a sua culpa é intensissima.
A prevenção geral ganha aqui contornos de grande premência. A prevenção de futuros crimes nesta área de extrema violência contra as pessoas exige maior rigor e severidade. É prática que, por imposição de defesa da sociedade, se impõe reprovar séria e efectivamente. As circunstâncias atinentes ao facto, a elaborada e premeditada forma de execução e a personalidade do agente expressa nos factos determinam que a pena a aplicar cumpra cabalmente a “função contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada”, na terminologia de Jakobs.
Por outro lado, o arguido apresenta poucas atenuantes gerais e a invocada inserção social não é panaceia que aqui possa ser esgrimida.
Assim, apenas o tempo já decorrido entre a prática dos factos – 1998 – e a presente data poderia ser ponderado numa eventual tolerância. Mas esse tempo – se é suficiente para funcionar como atenuante geral - não é suficiente para funcionar como atenuante especial.
O tempo não fez diminuir as necessidades de prevenção que se revelam elevadíssimas no caso, considerando a forma de execução do crime, com sequestro. Foi a forma de execução - a conduta do arguido, com a ocultação do cadáver em local distante - que provocou o atraso do processo e a passagem do referido tempo, pelo que do mesmo não deve beneficiar.
Como se afirmou, as necessidades de prevenção e de reprovação da conduta quando se trata da prática de crimes com uso de violência, impõem rigor de punição, critério que, nos dias que correm, deve ser erigido como um expoente de defesa social. Ainda a gravidade das consequências do acto como circunstância agravante geral desaconselha uma visão tolerante.
Entende-se, pois, que se enquadra na culpa do arguido a pena de 18 (dezoito) anos de prisão.
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B.7 – Do pedido cível.
EE e esposa, FF deduziram – a folhas XII.3026-3036 - pedido de indemnização civil contra BB, CC e DD, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização de € 160.477,46 pelos danos morais que os demandantes sofreram em virtude da morte de seu filho (causada por acto doloso do demandado), pelos danos próprios, da vítima, pelo dano morte e por danos patrimoniais. Sustentam o pedido na acusação pública e particular e em factos por si alegados.
Os danos peticionados assentam nos seguintes invocados danos:
Danos não patrimoniais próprios – 50.000 € para cada um dos demandantes;
Dano morte – 90.000 €;
Danos não patrimoniais próprios da vítima – 20.000 €;
Danos patrimoniais dos requerentes – 2.000 €;
Danos patrimoniais da vítima – 175 €;
Danos patrimoniais dos levantamentos bancários – 302,46 €;
Num total de 212.477,46
Reembolsos e pagamentos recebidos – 52.000 €
Seguro de vida – … – 50.000 €;
Seguro cartão crédito – … – 500 €;
Subsídio funeral SS – 1.500 €;
O tribunal recorrido considerou não provados os seguintes factos (os mais relevantes) relativos a danos alegados (anteriormente factos XXXII a XLIII):
a) Os demandantes, frequentemente sofrem pesadelos que muito os abalam física e psiquicamente;
b) Os demandantes vivem um sentimento de medo e insegurança que muito os afeta;
c) A demandante, que até então sempre fora segura e calma tornou-se muito insegura, sendo que tal insegurança, que até aos factos não existia, tem aumentado a sua instabilidade emocional e afetiva;
d) A tristeza, angústia e as saudades do filho aumentam nos períodos de lazer, como fins-de-semana e outros, em que família mais se encontrava;
e) LL ajudava nas despesas da casa, dando metade do que auferia aos pais;
f) Entre o momento do sequestro e o da morte, a vítima foi assustada, violentada na sua liberdade e integridade física;
g) A vítima teve medo e receio pela sua integridade e pela sua vida;
h) A vítima anteviu a sua morte como possível, e por isso tentou a fuga, o que lhe causou grande medo e pânico (até morrer), e a angústia natural de se sentir perdido;
i) O valor da camisa da vítima seja de € 25,00;
j) O valor das calças e do casaco da vítima seja de € 100,00;
k) O valor do calçado seja de € 50,00;
l) Quem procedeu aos levantamentos das quantias referidas na matéria de facto julgada provada foram os arguidos ou alguém a quem eles forneceram os cartões bancários do falecido.
Em razão desta postura do tribunal recorrido resultaram não provados os peticionados danos patrimoniais da vítima no montante de 175 €. Os danos resultantes dos levantamentos bancários (302,46 €) foram compensados pelo seguro recebido pelo que não podem ser considerados, nem se pode operar a compensação pelo excesso.
As despesas do funeral no montante de 1.436,39 € foram cobertas pela Segurança Social, o mesmo não ocorrendo com as despesas com a despesa com o gavetão no Cemitério Municipal de Faro, no montante de 498,80 €, que deve ser ressarcido.
Tendo sido alterada a matéria de facto e resultando provados os factos supra ditos em f) a h), haverá que atribuir o dano peticionado e referente ao dano não patrimonial da vítima, no montante de 20.000 €, que se entende moderado.
Assim, o peticionado e reembolsado relevante contém-se nos seguintes montantes:
- um pedido subsistente de 210.498,80 € (50.000+50.000+90.000+20.000+498,80);
- reembolso relevante de 50.000€ (excluindo seguro e subsídio já compensados);
- pedido efectivo potencial subsistente – 160.498,80 €;
- pedido formulado – 160.477,46 €.
O cometimento pelo arguido de um crime de homicídio qualificado preenche a ilicitude e culpa necessárias à operatividade da responsabilidade extra-contratual assente no cometimento de facto ilícito e culposo devendo entender-se preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade aquiliana contidos no n.º 1 do artigo 483º do Código Civil que, como sabido, dispõe que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Daqui se apuram os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: o facto do agente, a ilicitude do facto, a violação de um direito alheio ou de uma disposição destinada a proteger interesses alheios (aqui o direito à vida do art. 70º do CC), o nexo de imputação do facto ao lesante, a culpa, o nexo de causalidade (adequada) entre o facto praticado e o dano sofrido e a existência de dano ou prejuízo.
Os danos peticionados contêm-se em montantes habituais da praxis judiciária pelo que se não vêm razões para os alterar ou diminuir.
Em função disso haverá que declarar o pedido cível procedente no montante de 160.477,46 €.
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C - Dispositivo Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em: A - Conceder parcial provimento ao recurso do Assistente e, em consequência (mantendo-se entre parêntesis a anterior numeração romana para melhor orientação): A.1 – Dão como provados os factos provados7, 7-a) e 7-b): 7 – (VII) - Em data não concretamente apurada o arguido BB contactou o arguido CC e pediu-lhe a colaboração para sequestrar LL; 7-a) – (VIII) - O arguido CC concordou em colaborar com o BB e contactou o arguido DD, o qual também acordou na execução do plano. 7-b) - (IX) - Para concretizar este desígnio conjunto dos três arguidos os arguidos CC e DD passaram a monitorizar a atividade diária de LL, a fim de conhecerem o percurso habitual do mesmo, bem como os seus hábitos e, desse modo, escolherem o momento e o local para o interceptarem; A.2 – Alteram a redacção (mantendo a numeração) dos factos não provados VII, VIII e IX, da seguinte forma: VII - (VII) - Nutrido pelo sentimento de ciúme e vingança, e com o desígnio de pôr termo à vida de LL, foi em data que se situa entre 1 e 15 de Janeiro de 1998, em Tunes, que o arguido BB contactou o arguido CC e pediu-lhe a colaboração para matar LL; VIII – (VIII) - O arguido CC concordou em colaborar com o BB, mediante a promessa de uma recompensa monetária, e que o arguido DD, agiu também no pressuposto de receber uma quantia em dinheiro; IX – (IX) - Para concretizar o desígnio conjunto dos três arguidos de pôr termo à vida de LL, foi nas duas semanas imediatamente anteriores ao dia 2 de fevereiro de 1998, os arguidos CC e DD passaram a monitorizar a atividade diária de LL. B - Conceder total provimento ao recurso do Ministério Público e, em consequência: B.1 – Dão como provados os factos indicados como não provados de X a XXIV e XXVI, com numeração sequencial a partir de 7-c) a 7-o) e 9-a) a 9-c); 7–c) - (X) - Assim, no dia 2 de fevereiro de 1998, no período compreendido entre as 19:30 e as 21:00 horas, numa estrada utilizada por LL, na deslocação entre o seu local de trabalho, … em Loulé, e a sua casa, … em Faro, o arguido CC, tripulando um automóvel Renault Clio e acompanhado pelo arguido DD, bateu com a frente do veículo na traseira da viatura Rover, matrícula …, conduzida por LL; 7–d) - (XI) - LL, convicto de que se tratava de um acidente de viação, abrandou a marcha, encostou o Rover à berma e saiu do carro; 7–e) - (XII) - Ato contínuo, o arguido DD foi ao encontro de LL e obrigou-o a entrar no Rover; 7–f) - (XIII) - Então, o arguido CC abandonou o Renault Clio, entrou para o banco traseiro do Rover; 7–g) - (XIV) - O arguido DD passou para o volante do carro e LL sentou-se no banco dianteiro direito da viatura; 7–h) - (XV) - Os três seguiram para as imediações de … em Faro, onde se encontraram com o arguido BB; 7–i) - (XVI) - Em sequência, o arguido BB no seu veículo, e DD ao volante do Rover juntamente com o arguido CC e LL, seguiram até a um lugar sito nas imediações da casa dos pais do arguido BB, em …, Faro, local esse desprovido de qualquer habitação e afastado de toda a zona urbanizada da referida localidade; 7–j) - (XVII) - Aí chegados, os arguidos CC e DD imobilizaram o Rover e apearam-se com LL; 7–l) - (XVIII) - Também o arguido BB abandonou a sua viatura e dirigiu-se a LL; 7–m) - (XIX) - O arguido LL começou a desferir socos e pontapés em LL; 7–n) - (XX) - LL procurou a fuga; 7–o) - (XXI) - No momento em que LL procurou a fuga, o arguido BB munido com uma arma de fogo calibre 6,35 mm, deflagrou a mesma, efetuando dois disparos dirigidos à base da nuca de LL, atingindo-o na metade inferior da região occipital; 9–a) - (XXIII) - Imediatamente após os disparos, os arguidos colocaram o cadáver de LL no automóvel do arguido BB e abandonaram-no no local referido em 10 da matéria de facto julgada provada; 9–b) - (XXIV) - O arguido BB agiu por ciúme, motivado por um sentimento de vingança em relação a LL, porquanto este mantinha uma relação de namoro com MM, a qual o arguido queria reconquistar para si. 9–c) - (XXVI) - Os três arguidos agiram em conjunto, na execução do sequestro através de plano que previamente haviam delineado e sobre o qual refletiram e em cuja execução persistiram durante mais de 24 horas». B.2 – Como consequência o facto dado como provado pelo tribunal recorrido em 8) foi adaptado a facto 8-a) e 8-b) como supra B.5.1-F (fls. 67); B.3 – Os factos não provados XXVII, XXVIII e XXIX passam a factos provados com redacção alterada, assumindo a numeração 11) a 11-b): 11 - (XXVII) - O arguido BB planeou a morte de LL e agiu, na concretização do plano delineado, de modo calculista, frio, com reflexão sobre os meios empregados, premeditação, calmo na preparação e execução, e persistente na resolução ao longo de cerca de um mês. 11-a) - (XXVIII) - O arguido BB, com a conduta descrita, quis e conseguiu causar a morte de LL; 11-b - (XXIX) - Agiu o arguido BB livre, voluntaria e conscientemente, ciente de que a sua conduta era, como é, proibida e punida por lei. B.4 – Os factos não provados XXXV a XXXVII e XLI são dados como provados a seguir ao facto 18 como factos 18-a) a 18-c) e alterando-se o facto provado sob 42), como segue: 18-a) – (XXXV) - Entre o momento do sequestro e o da morte, a vítima foi assustada, violentada na sua liberdade e integridade física; 18-b) – (XXXVI) - A vítima teve medo e receio pela sua integridade e pela sua vida; 18-c) – (XXXVII) - A vítima anteviu a sua morte como possível, e por isso tentou a fuga, o que lhe causou grande medo e pânico (até morrer), e a angústia natural de se sentir perdido; 42 – (XLI) - Após a morte de LL, os arguidos ou alguém a quem eles forneceram os cartões bancários do falecido, procedeu ao levantamento com os cartões bancários que àquele pertenciam, de uma quantia de 30 000$00 (correspondente a € 149,64) e outra de 30 637$20 (correspondente a € 152,81); B.5 – Os factos não provados XXVII, XXVIII e XXIX passam a ter a seguinte redacção e numeração; XII - (XXVII) - Os arguidos CC e DD planearam a morte de LL e agiram, na concretização do plano delineado, de modo calculista, frio, com reflexão sobre os meios empregados, premeditação, calmo na preparação e execução, e persistente na resolução ao longo de cerca de um mês; XIII – (XXVIII) - Os arguidos CC e DD, com a conduta descrita, quiseram e conseguiram causar a morte de LL; XIV - (XXIX) - Agiram os arguidos CC e DD livre, voluntaria e conscientemente, cientes de que as suas condutas descritas em XII e XIII (XXVII e XXVIII) eram, como são, proibidas e punidas por lei. C.1 –Condenar o arguido BB pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º, 132º, nsº 1 e 2, als. c) e g) do Código Penal na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, na pena de 18 (dezoito) anos de prisão; C.2 – Absolver os arguidos CC e DD da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nsº 1 e 2 do Código Penal; C.3 – Declarar prescrito o procedimento criminal relativamente ao crime de sequestro, p. e p. pelo artigo158º, nº 1 do Código Penal e ao crime de ocultação de cadáver, p. e p. pelo artigo 254º, nº 1. al. a) do CP; D.1 – Declarar o pedido cível procedente e, consequentemente, condenam o arguido BB a pagar a EE e esposa, FF, o montante global de 160.477,46 € (cento e sessenta mil quatrocentos e setenta e sete euros e quarenta e seis cêntimos). D.2 –Declarar o pedido cível improcedente quanto aos demandados CC e DD. Sem tributação crime. Custas do pedido cível pelo arguido BB. Independentemente do trânsito, comunique de imediato ao tribunal recorrido, via correio electrónico ou fax.
Évora, 06 de Junho de 2017 (elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).
João Gomes de Sousa (relator)
António Condesso
[3] - Carlos Maluf, in “As presunções na teoria da prova”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, vol. 79, 1984 (192-223), pag. 207.
[4] - Artigo 1.353º do Código Civil francês: «Les présomptions qui ne sont point établies par la loi, sont abandonnées aux lumières et à la prudence du magistrat, qui ne doit admettre que des présomptions graves, précises et concordantes, et dans les cas seulement où la loi admet les preuves testimoniales, à moins que l'acte ne soit attaqué pour cause de fraude ou de dol.» - http://www.legifrance.gouv.fr/.
[5] - Carvalho Santos in “Código de Processo Interpretado”, pag. 403, apud Carlos Maluf, ob. e loc. cit..
[6] - Apesar da incapacidade do arguido DD identificar com precisão o local onde ocorreu o homicídio, a foto de fls. 1787 localiza esse local na Estrada… e nela é visível a estrada a passar sob o pontão daquela. As duas fotos das duas reconstituições de fls. 1771 e 1787 parecem não coincidir porque a segunda está mais “puxada” à esquerda e tem maior elevação. Mas detendo-se o olhar sobre a única rotunda rodoviária que aparece na foto de fls. 1787 (na de fls. 1771 aparecem duas rotundas) verifica-se que a geografia é idêntica imediatamente a sul da rotunda e mais distante a norte junto ao local de maior concentração urbana e de um quarto de circulo de aparente terraplanagem. O local da morte, à esquerda na foto de fls. 1771, aparece mais centrado e não assinalado na foto de fls. 1787. Mas em ambas as fotos é visível a estrada que atravessa a … à esquerda da rotunda e, desta forma, o local da morte.
[7] - Da fundamentação do tribunal recorrido: «Assim, o primeiro auto de transcrição constante do apenso A (sessão 519, folhas 3) refere-se a uma conversa entabulada entre o arguido CC e KK quando aquele estava detido nas instalações da Polícia Judiciária em Faro por causa do “assunto do BB”. Ao tomar conhecimento da detenção, a KK perguntou pelo “DD”. No decurso da conversa, o arguido CC referiu à sua interlocutora que tinha contado toda a verdade (verdade essa que não revelou na conversação que então mantinha) e referiu que a polícia diz que o BB está numa situação diferente da “nossa” pois foi o BB“que deu os tiros, que matou o gajo”. Anote-se que, nesta parte, o arguido se está a referir ao que a polícia diz e não ao que ele próprio referiu à polícia.»
[8] - Tema já por nós desenvolvido no acórdão desta Relação de 11-11-2014 no processo n. 331/12.7JALRA.E1.