I- A perda de benefício do prazo para o mutuário em razão do não pagamento de uma das prestações do capital mutuado confere ao credor o direito de exigir de imediato a totalidade do capital (cujo reembolso estava outrora convencionado ser fraccionado em prestações) à luz do disposto no artº 871º do Código Civil mas para tanto é necessário que tal direito (potestativo) seja pelo mesmo exercido, levando tal manifestação de vontade ao devedor, interpelando-o para cumprir a totalidade da obrigação.
II- O credor pode, ao invés, optar por aguardar pelo decurso temporal convencionado de acordo com o programa contratual inicialmente estabelecido, procedendo então à cobrança da integralidade das prestações em dívida.
III- Nesse caso, não se pode deixar de considerar que o crédito reclamado está contemplado na alínea e) do art.º 310º do Código Civil e, por conseguinte, sujeito ao prazo de prescrição de cinco anos.
IV- Não tendo os demais RR – condevedores solidários - contestado a acção e aí invocado a prescrição da obrigação cujo pagamento lhes estava (também) a ser reclamado, a procedência da excepção invocada pelo Réu contestante não se lhes aproveita, não podendo ter sido, por isso, absolvidos do pedido, no despacho saneador, com tal fundamento.
BANCO ..., S.A. inconformado com o despacho saneador que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição e absolveu todos os Réus - AA, BB e CC - do pedido que aquele havia formulado (de condenação dos Réus a pagar-lhe, solidariamente, a quantia de € 19.961,09 correspondente ao capital, juros vencidos e respectivo imposto, contados pelo prazo de cinco anos, à taxa legal de 4% ao ano) dele interpôs recurso de apelação formulando, para tanto, as seguintes conclusões :
1. No dia 01/09/2015, o Banco ..., S.A. , moveu contra AA e BB e CC, um acção declarativa de condenação, porquanto, concedeu, em 16/05/2000, um empréstimo bancário, no valor de € 23.707,98 ( 4.753.023$00) de capital, tendo ficado convencionado, inter partes no referido contrato, que o reembolso do citado empréstimo, seria efectuado, através de 60 prestações, mensais, iguais e sucessivas, por débito da conta à ordem, que os Réus se comprometeram a manter devidamente provisionada, o que deixou de se verificar, a partir de 16103/2002, pelo que, o Autor, viu-se, obrigado a denunciar o mesmo, tendo remetido cartas registadas com AIR aos Réus, datadas de 20/10/2014 e 03/07/2015.
2. O Banco ..., S.A. peticionou na presente acção, o capital em dívida, no valor de €16.522,52, juros e respectivo imposto vencidos, à taxa legal de 4% ao ano, pelo período de apenas e tão somente CINCO ANOS, no valor de 8.438,57.
3. Citados os Réus, apenas o Réu CC. veio contestar alegando entre, outras coisas, "que o direito do credor (Banco) à restituição do valor peticionada já prescreveu, atento o decurso do prazo de mais de 3 anos, (o valor foi "emprestado" em 16/05/2000 – cfr. artigo 4" da p. i., - e só com esta ação o Banco reclamou do ora R., a sua restituição).
4. A Audiência Prévia, realizou -se, no dia 04/11/2016, tendo ali, de imediato, sido proferida a douta sentença recorrida que julgou procedente a excepcão da prescrição alegada pelo Réu contestante CC, e absolveu todos os Réus do pedido, sentença com a qual o Banco ..., S.A., aqui Recorrente, não se conforma.
5. A douta sentença recorrida, deveria, desde logo, ter julgado, a acção totalmente procedente, em relação aos Réus não contestantes AA e BB, prosseguindo, em relação ao Réu contestante, CC, para julgamento dos factos controvertidos, dado que, a excepção da prescrição, não se verifica, quer em relação ao Réu contestante, quer em relação aos Não Contestantes, no que diz respeito ao capital, e aos respetivos juros peticionados.
6. A douta sentença recorrida, citando jurisprudência, justifica a sua decisão, de absolver os Réus do pagamento não só dos juros, mas também do capital, por aplicação, ao caso concreto do disposto no art." 310º/d)/e) do Código Civil, ignorando, completamente, o que foi peticionado, no caso concreto, nos autos pelo Autor.
7. A douta sentença recorrida, transcreve parcialmente o citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, considerando que as razões justificativas das prescrições de curto prazo do art.3l0° do CC, são precisamente, obstar a situações de ruína económica por parte do devedor.
8. No entanto, o que habitualmente acontece, é precisamente o contrário, o credor ainda que peticione juros superiores a 5 anos, o devedor poderá sempre alegar a prescrição dos mesmos, e o sacrificado passará a ser precisamente o credor que disponibilizou um capital por um período temporal superior a 5 anos e que não pode ver esse capital remunerado pelo período temporal que exceder os 5 anos.
9. E foi precisamente, porque o Autor, não desconhece o disposto no art.º 310º/d) do CC, que o Autor neste caso muito concreto, peticionou apenas o capital em dívida, no valor de € 16.522,52 acrescido dos juros legais de CINCO ANOS, à taxa de 4% ao ano, não tendo, sequer, peticionada a taxa de juros remuneratórios convencionada que era de 12,5 % (vidé Doc.5 junto com a p.i.) !
10. De há uns tempos a esta parte, já não são só os juros, que estão a ser sacrificados/retirados ao credor, é também o capital, o que poder-se-á considerar como um verdadeiro locupletamento do devedor à custa alheia, do credor. O art." 3l0º/e) do C.C. está em vigor há décadas continuadamente e sempre foi interpretado no sentido de que não se aplicava aos mútuos bancários ...
11. E nem se diga que estamos, agora, na presença de uma norma ESPECIAL, para justificar o injustificável, que é o credor ficar impossibilitado de cobrar até o seu capital do devedor. Todas as disposições que estão no Código Civil, gozam da mesma prevalência, umas não são mais especiais que outras.
12. O que nós temos no Código Civil, na lei substantiva, são prazos de 2 anos, 5 anos, 20 anos, etc ... de prescrição. O legislador não quis, como parece, agora, com as interpretações que vão sendo dadas àquela disposição legal, nem favorecer o credor, nem prejudicar o devedor.
13. Entre Réus e Autor foi celebrado um contrato de mútuo, denominado "Crédito ao Consumo …", entregando o ultimo uma quantia aos primeiros que estes se comprometeram a devolver-lhe, acrescida da respectiva renumeração, em 60 prestações, mensais e sucessivas, de capital e juros, prestações essas que correspondem ao fraccionamento da obrigação da restituição do capital mutuado ( art.º 1l14º e 781º do CC ) e compreendem parte do capital e respectivos juros remuneratórios ( artigos 1145° do CC e 395° do Código Comercial).
14. Os Réus não satisfizeram as prestações a partir de 16/03/2002, o que determinou o vencimento das restantes, nos termos do disposto no art." 781° do C.C que estabelece que: " Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.
15. Estamos perante obrigações com prazo certo pelo que o devedor se constitui em mora independentemente de interpelação, ex vi alínea a) do n" 2 do art." 805° do Código Civil, o seu vencimento é imediato.
16. A partir daí, fica sem efeito o plano acordado, deixando de "quotas de amortização de capital", passando a falar-se apenas de capital e juros, sujeitos aos prazos prescricionais de 20 anos ( art.º 309° do C.C.) para o capital e de 5 anos, ( artº 310º/d) do C.C) para os juros. ( Neste sentido, veja-se, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc.? 525114.0TBMGR-A.Cl, disponível em www.dgsi.pt)
17. O art.º 310° do Código Civil só pode ser interpretado como aplicável aos frutos civis ou rendimentos ou a créditos inerentes ao gozo continuado de uma coisa, isto é, às prestações periódicas, dependentes do factor tempo. ( Neste sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 16/09/2008, processo n04693/2008-l, disponível em www.dgsi.pt, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 15/10/2013, processo n03992/l2.3TBPRD.Pl, disponível em www.dgsi.pt.)
18. Interpretar o art.º310° do CC como aplicável ao capital, restringindo, o prazo de 20 anos, para 5 anos, como fez a douta sentença recorrida, constitui, salvo o devido respeito, um absurdo, tendo em conta, a própria natureza do contrato de mútuo, que tem inerente a obrigação de restituição de capital(art.º l142°do CC).
19. Cabe ao julgador interpretar a lei, tendo em conta os interesses do devedor, não o onerando, excessivamente, mas, também os interesses do credor que tem direito à restituição do capital e à compensação pelo tempo, em que disponibilizou o mesmo, ao devedor (art.º 9° do C.C.)
20. A interpretação feita na douta sentença recorrida, levaria a que os contratos de mútuo, passassem a prescrever todos no prazo de 5 anos, passando, a ser essa a regra, ao arrepio do que prescreve a lei a esse respeito - 20 anos !
2]. Os mútuos bancários, todos os mútuos bancários, independentemente, das mais variadas formas que possam revestir ( Crédito ao consumo, Crédito à Habitação, Aberturas de Crédito, etc ... ) nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 anos, é a chamada "prescrição ordinária" ( art. o 3090 do Código Civil).
22. Todos os empréstimos bancários, têm como regra, o reembolso em prestações mensais e sucessivas de capital, juros e demais encargos, pelo que, a ser acolhida a tese defendida na douta sentença recorrida, a regra para os empréstimos bancários. passaria a ser a da prescrição do capital, no prazo de 5 anos!
23. Passar-se ia, então, do "8 ao 80", pois, com a preocupação de proteção "à parte dita mais fraca", o consumidor, aproveitar-se-ia este da inércia do credor, durante 5 anos, para se ver dispensado de pagar uma dívida de capital que podia ser de 100, 200, 300 mil euros, e não foi isso seguramente que o legislador quis, o que poderia levar a uma mina, não do devedor, mas do credor.
24. No nosso caso, temos um mútuo, no valor de €23.707,98, a reembolsar em 60 meses, mas, o mesmo empréstimo poderia também ser reembolsado de uma só vez, passados seis meses, um ano, etc ... dependendo daquilo que fosse ajustado entre as partes e o reembolso seria sempre constituído pelo capital e os juros remuneratórios, dado que os empréstimos bancários são todos onerosos.
25. Não podemos confundir, a dívida de capital, com a dívida da remuneração do capital, os juros, dado que, uma prescreve, a de capital, no prazo de 20 anos (art." 309° do CC) e a outra - os juros - no prazo de 5 anos {art." 310° do CC).
26. Aliás, o princípio da autonomia do crédito a juros, consagrado no art," 561 ° do CC diz nos que" Desde que se constitui, o crédito de juros, não fica necessariamente dependente do crédito principal , podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro. " Assim, nada impedia, por exemplo que, o mutuante cedesse a outrem o direito aos juros correspondentes a certo período de tempo, continuando o mutuante, na titularidade do direito, fundamental à restituição do capital.
27. O tempo de duração do contrato e a inerente remuneração do capital mutuado fazem parte da actividade social do apelante, o qual empresta capital com o propósito de receber os juros respectivos e, com isso, realizar lucros.
28. O decurso do prazo de duração do contrato e o percebimento dos juros fazem parte desse mesmo contrato. E assim é que, reconhecendo essa realidade contratual, o art," 1147° do CC dispõe que: " No mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar o pagamento, desde que, satisfaça os juros por inteiro. " E também o art.º 9° do Decreto-Lei nº 359/91 estabelece a obrigação do pagamento de juros remuneratórios (embora cm termos substancialmente diversos do disposto no art." 1147° do CC) para o caso de antecipação de reembolso.
29. No caso dos autos, o Autor, apesar de ter direito aos juros remuneratórios, acrescidos, dos juros moratórias, peticionou, apenas o capital em dívida, e os juros legais, à taxa de 4% ao ano, correspondente a 5 anos, pelo que, as razões que levam à interpretação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, citado na douta sentença recorrida, interpretação essa, com a qual o aqui Recorrente não concorda, nem sequer se verificam
30. Antes pelo contrário, a douta sentença recorrida, ao aplicar o art." 310° do CC, indiscriminadamente, ao capital e juros, absolvendo os Réus do pedido, penaliza o aqui Autor, que peticionando aquilo a que tem direito, capital em dívida e juros, temporalmente limitados, a 5 anos, vê os devedores serem absolvidos, até do capital que prescreve no prazo de 20 anos!
31. A interpretação acolhida, na douta sentença recorrida, aplicada de forma generalizada, levaria à ruína na, não do consumidor, mas das Instituições Bancárias, que concedem crédito, e se vêem, depois, em caso de incumprimento, impedidos de reaver, até o capital que emprestaram!
32. Apesar de na douta sentença recorrida, reconhecer que: A prescrição, enquanto facto que impede o efeito jurídico dos factos articulados pelo Autor, constitui uma excepção peremptória, que não é de conhecimento oficioso, e que importa, no caso da sua procedência a absolvição do Réu do pedido (art.576. n. Os 1 e 3 e art.579. ': ambos do C.P.C. e art.303º do CC)", O Tribunal" a quo", absolveu, não só o Réu contestante, mas também os demais Réus, que regularmente citados, optaram por não contestar!
33. O art.º 303° do CC estatui que: "O tribunal não pode suprir, de oficio, a prescrição, esta necessita para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público. " , pelo que, não se tratando de uma excepção dilatória o tribunal só pode conhecer oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não tome dependente da vontade do interessado, conforme resulta do art. 579º do CPC.
34. Assim, também o art.º 608°/2 do CPC~ diz nos que: "O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ; não pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras ."
35. Acresce que, nos termos do disposto no artº567°/1 do CPC: "Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se, confessados os factos articulados pelo Autor." , pelo que, impunha-se, face à ausência de contestação dos Réus AA e BB, que o Tribunal" a quo" desse como provados os factos articulados pelo Autor na p.i., , pois se os mesmos regularmente citados optaram por não contestar, não se vislumbra, como são absolvidos.
36. A douta sentença recorrida, padece, assim, de excesso de pronúncia, pois como é sabido, nos termos do disposto no art." 609°/1 do CPC " A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir. "
37. Ao considerar prescrita a dívida peticionada pelo Autor, a douta sentença recorrida, fez, uma errónea aplicação das regras de direito substantivo aos factos, e ao absolver os três Réus, do pedido, incorreu também a douta sentença recorrida, em errónea aplicação das regras de direito processual, o que acarreta a nulidade da sentença, nos termos do art.? 6l5°/lIc) do CPC.
38. Violou, assim, a douta sentença recorrida, o disposto, designadamente, nos artigos 9°,303°, 309°~ 310°,781° e 1142° do C.C. e artºs 567°, 579", 608°/2 e 609°/1 do CPC.
Nestes termos,
E nos do mui Douto e sempre invocado suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso de Apelação ser julgado procedente, por provado, e, outrossim, a douta sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que julgue a excepção da prescrição improcedente, quer no que diz respeito ao capital, quer no que diz respeito aos juros, em relação a todos os Réus, devendo, sempre, em qualquer dos casos, os Réus Não Contestantes, serem sempre condenados no pedido, com todas as demais consequências legais, no que farão V.Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, a vossa habitual JUSTIÇA! “.
2. Não houve contra-alegações.
3. Dispensaram-se os vistos.
4. OBJECTO DO RECURSO
Delimitado que está o objecto do recurso pelas alegações do apelante, o mesmo circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:
- Se o crédito reclamado prescreveu à luz do disposto no nº2 do art.º 323º do Código Civil;
- Se a excepção de prescrição suscitada pelo Réu contestante CC aproveita aos demais Réus que não contestaram a acção.
II- FUNDAMENTAÇÃO
i) O Tribunal a quo fixou os seguintes factos com relevância para o conhecimento da excepção de prescrição, os quais não foram postos em crise pelo apelante:
“1) Em 16/05/2000, por acordo celebrado entre o Banco …, S.A. e os réus, a pedido destes, o primeiro concedeu aos segundos um empréstimo, sob a forma de crédito ao consumo, no montante de 4.753.023$00 (23.707,98€).
2) O montante financiado, acrescido dos respectivos juros, deveria ser reembolsado pelos réus ao Banco …, S.A. em 60 prestações, mensais, iguais e sucessivas, com 0 meses de carência.
3) Mais acordaram que a importância de cada uma das referidas prestações seria entregue pelos réus ao autor, por débito na conta de depósitos à ordem n.º n.º521/00541/000.7.
4) O pagamento das prestações encontra-se em incumprimento desde 16/03/2002.
Mais se apurou que:
5) A presente acção foi intentada em 01/09/2015.
6) Os dois primeiros réus foram citados em 08/09/2015.
7) O terceiro réu foi citado em 02/10/2015.”.
ii) Do mérito do recurso
1. O Tribunal “ a quo” seguiu o entendimento, sufragado em vários doutos arestos que cita, de que “as prestações de capital devidas pelos réus integram-se na alínea e) do art.310.º do CC por se tratar de situação que se reporta a uma única obrigação cujo cumprimento é efectivado em prestações fraccionadas no tempo, e os juros integram-se na alínea d) do mesmo art.310.º, aplicando-se a ambos a prescrição de cinco anos (neste sentido, Acórdão do STJ, de 04/05/1993, Acórdão da Relação do Porto de 24/03/2014 e Acórdão da Relação de Lisboa de 09/05/2006, todos in www.dgsi.pt.), reportando-se o início do prazo de prescrição à data do vencimento de cada uma das prestações”. (…)Assim, estando perante um contrato alegadamente celebrado em 16/05/2000, cujo empréstimo deveria ser reembolsado em 60 prestações mensais e sucessivas, o qual entrou em incumprimento em 16/03/2002, conclui-se que a última das prestações de capital e os juros deveria ter ocorrido, caso fosse pontualmente cumprido, em 16/05/2005, pelo que, quer o capital, quer os juros, prescreveram em Maio de 2010, procedendo, assim, a invocada excepção de prescrição alegada pelo réu, devendo os réus, em consequência, ser absolvidos do pedido.”.
Vejamos então.
Como se viu, o crédito reclamado pelo Banco nesta acção emerge de um contrato de crédito ao consumo celebrado com os Réus, contrato esse que à data da sua celebração – 16 de Maio de 2000 - era regido pelo Dec.-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, o qual procedeu à transposição para o direito interno das Directivas do Conselho das Comunidades Europeias n.ºs 87/102/CEE, de 22.12.1986, e 90/88/CEE, de 22-02-1990.
Tal diploma regulava um fenómeno característico da sociedade hodierna que permite ao consumidor recorrer ao crédito para fazer face à maioria das aquisições que pretenda efectuar.
Aliás, o crédito é uma operação que permite a uma pessoa obter imediatamente uma prestação e pagar o respectivo valor mais tarde.
O reembolso do crédito é efectuado com acréscimo da remuneração (juros remuneratórios) e outros encargos, regra geral segundo um plano prestacional de restituição acordado entre as partes.
O crédito ao consumo caracteriza-se por estar afecto a necessidades pessoais ou familiares – de aquisição de produtos ou serviços – por oposição ao que é concedido para fins profissionais ou empresariais.
Por seu turno, o mútuo enquanto modalidade de contrato de crédito ao consumo, é celebrado com o intuito único de providenciar financiamento ao consumidor tendente à aquisição de determinado bem ou serviço de consumo.
Expostas estas brevíssimas considerações, resulta da factualidade enunciada terem os RR se comprometido a proceder à restituição faseada do capital mutuado durante um designado lapso temporal, mediante o pagamento de determinado número de prestações, de valor previamente acordado com o Banco.
Para cada uma destas prestações acordadas, as partes convencionaram que a respectiva liquidação se faria mensalmente.
Alegou o Banco na petição inicial que os R.R. deixaram de liquidá-las a partir de 16/03/2002 (no decurso da vigência do contrato em apreço) subsistindo por pagar, nessa data, do capital mutuado a quantia de € 16.522,52 que na presente acção reclamou.
Só em sede de apelação referiu que por os RR. não terem satisfeito as prestações a partir de 16.3.2002, as demais se venceram de imediato de acordo com o disposto no art.º 781º do Cód. Civil.
E acrescentou: A partir daí, fica sem efeito o plano acordado, deixando de se falar em “quotas de amortização do capital”, passando a falar-se apenas de capital e juros, sujeitos aos prazos prescricionais de 20 anos para o capital (art. 309º do C.C.) e de 5 anos para os juros (art.º 310º d) do C.C.).
Apreciando.
Como referimos, o regime jurídico do crédito ao consumo aplicável ao contrato subjudice era o constante do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro[1].
Nesse diploma não se disciplinavam as consequências do incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, pelo que era supletivamente aplicável o regime geral do Código Civil, nomeadamente o art.º 781º que rege sobre “ dívida liquidável em prestações” estatuindo que: “ Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
Como proficientemente se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 9.7.2003[2] : “ O artigo 781º do Código Civil tem em vista as obrigações de prestação fraccionada ou repartida que se não confundem com as chamadas obrigações duradouras. Nas obrigações duradouras a prestação é satisfeita ou continuadamente (v.g. fornecimento de electricidade) ou renova-se em prestações sucessivas ou parcelares (v.g. obrigações do locatário).
As obrigações de prestação fraccionada ou repartida são aquelas em que “ apesar do seu cumprimento se prolongar no tempo, não podem ser consideradas obrigações duradouras. Com efeito, a obrigação de pagar o preço a prestações cumpre-se em fracções sucessivas durante um certo período de tempo, mas o tempo não exerce influência no seu montante - o que é nota característica das obrigações duradouras” (Teoria Geral do Direito Civil, Mota Pinto, 3ª edição, Coimbra Editora, pág 638).
E prossegue o ilustre professor: “ tanto as relações duradouras como as de prestação instantânea ou de prestação fraccionada têm um princípio e um fim, uma existência entre dois pólos temporais; a duração em si não constitui nota distintiva de ambas as espécies, mas é diversa a sua estrutura temporal específica, isto é, o sentido que toma a sua existência entre o ponto inicial e o momento final. As obrigações não duradouras ( de prestação instantânea ou de prestação fraccionada) existem em função ou em ordem a um fim; têm por objecto uma só prestação, a realizar de uma só vez ou em fracções... para o credor quanto mais curta for a sua existência, tanto melhor.
As obrigações duradouras não são criadas em vista da sua extinção, mas em vista da sua duração, da sua existência no tempo...Estes deveres de prestação duradoura cumprem a sua função, na medida em que existem e enquanto existem; o termo da sua existência é uma rotura que não está em conexão essencial com a função e o significado da obrigação; para o credor, quanto mais durarem, tanto melhor.
E esta distinção - entre obrigações duradouras (de execução continuada ou de prestação periódica) e obrigações de prestação fraccionada ou repartida - toma especial relevância, desde logo, no artigo 781º, segundo o qual o não-cumprimento de uma prestação importa o vencimento de todas as outras, regime que não diz respeito às obrigações duradouras, mas às de prestação fraccionada” loc. cit, pág 640:”.
Por conseguinte, a perda de benefício do prazo para o mutuário, dado o não pagamento de uma das prestações do capital mutuado confere ao credor o direito de exigir de imediato a totalidade do capital [3] (cujo reembolso estava outrora convencionado ser fraccionado em prestações) à luz do disposto no citado normativo.
Mas, para tanto é necessário, que tal direito (potestativo) seja pelo mesmo exercido.
Como explica o Professor Antunes Varela[4], o art.º 871º ao determinar o vencimento imediato das restantes prestações deve ser interpretado no sentido de que o inadimplemento do devedor gera o direito do credor de exigir dele a satisfação daquelas prestações e não no sentido de que o não pagamento de uma das prestações no prazo acordado determina, por si só, a entrada em mora do devedor quanto ao cumprimento das demais.
Querendo lançar mão de tal direito, deverá o credor levar tal manifestação de vontade ao devedor, interpelando-o para cumprir a totalidade da obrigação.
O credor pode, ao invés, optar por aguardar pelo decurso temporal convencionado de acordo com o programa contratual inicialmente estabelecido, procedendo então à cobrança da integralidade das prestações em dívida, i.e. incluídos os juros remuneratórios, já que nessa hipótese se mantém a disponibilidade de capital que deverá ser remunerada nos termos ajustados.
Ora, em momento algum da petição inicial o Banco Réu alega ter accionado o disposto no art.º 781º do Código Civil, i.e. que tenha interpelado os RR nos moldes assinalados, o que obstaculiza a conclusão que retira na alegação de que o plano prestacional se convolou noutra obrigação.
Em consequência , o resultado que se alcança é o de que o valor que é peticionado nesta acção instaurada em 1.9.2015 não pode deixar de corresponder à soma das prestações vencidas a partir de 16/03/2002 até ao termo do contrato (acrescidas dos respectivos juros de mora dos últimos cinco anos) mercê da imutabilidade do contratualmente ajustado.
Por esse motivo, não se pode deixar de considerar que o crédito reclamado está contemplado na alínea e) do art.º 310º do Código Civil (e por conseguinte sujeito ao prazo de prescrição de cinco anos).
A lei alude a “ quotas de amortização do capital pagáveis com juros”.
Tem sido entendimento do STJ [5] que : “ (…) no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações.
Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que – por explicita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.
Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º.
Ora, no caso dos autos, como decorre da matéria de facto apurada, as partes estipularam efectivamente, no âmbito da operação de crédito que gerou a dívida da executada, o pagamento da mesma em 60 prestações mensais sucessivas, de montante predeterminado, que incluíam, quer a amortização fraccionada do capital mutuado, quer o pagamento dos respectivos juros remuneratórios, o que dita a aplicação do estatuído na referida al. e) do art. 310º - e, consequentemente, do prazo prescricional de 5 anos à totalidade de tais prestações globais e parceladas (a última das quais se venceria em 15/8/07, conforme refere a exequente a fls. 50).
Em suma: neste segmento, a apelação improcede.
2. Mas quanto à segunda questão que nos propusemos apreciar - se a excepção de prescrição suscitada pelo Réu contestante CC aproveita aos demais Réus que não contestaram a acção – é manifesto que o decidido não se pode manter.
Como é consabido, o tribunal não pode suprir, de ofício a prescrição, carecendo esta excepção de ser invocada, uma vez que se trata de um meio de defesa pessoal, por quem dela se pretende aproveitar (art.º 303º do Cód.Civil).
Estando em presença de uma obrigação solidária, pelo lado passivo, rege o disposto no artº521º do mesmo código, donde resulta, aliás, que o devedor que não haja invocado a prescrição não goza do direito de regresso contra os condevedores cujas obrigações tenham prescrito, desde que estes aleguem a prescrição. ( cfr. nº2).
Por conseguinte, não tendo os demais RR – condevedores solidários - contestado a acção e aí invocado a prescrição da obrigação cujo pagamento lhes estava (também) a ser reclamado, a procedência da excepção invocada pelo Réu CC não se lhes aproveita, não podendo ter sido, por isso, absolvidos do pedido, no despacho saneador, com tal fundamento.
Em face do que fica exposto, o saneador sentença nesse segmento não se pode manter, impondo-se que pelo Tribunal “ a quo “ face à ausência de contestação dos Réus AA, BB, que se constituíram em revelia absoluta, seja dado cumprimento ao disposto no art.º 567º do CPC (visto não se prefigurar a situação vertida na alínea a) do art.º 568º que seria passível de o obstaculizar[6]).
III- DECISÃO
Julga-se a apelação parcialmente procedente e em consequência :
a) Revoga-se o saneador sentença na parte em que absolveu os Réus AA, BB do pedido em razão da procedência da excepção peremptória invocada pelo Réu CC, determinando-se que quanto aqueles seja dado cumprimento ao disposto no art.º 567º do CPC , seguindo-se os demais termos do processo;
b) Mantém-se o demais decidido no saneador sentença ( absolvição do Réu CC do pedido pela procedência da excepção de prescrição pelo mesmo invocada).
Custas pelo apelante e pelos apelados AA e BB.
Évora, 8 de Junho de 2017
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Bernardo Domingos
__________________________________________________
[1] Mais tarde revogado pelo Decreto-Lei 133/2009, de 2 de Junho.
[2] Rel.Salazar Casanova e acessível na Base de Dados do IGFEJ.
[3] Aludimos a “capital “ porque , como se sabe, o AUJ nº 7/2009 do STJ veio fixar a seguinte jurisprudência : No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações , o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao art.º 781º do Código Civil, não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”. Nesta senda ocorrendo incumprimento do contrato de crédito imputável ao consumidor , pode o credor promover o encurtamento do período de disponibilização de capital, exigindo a totalidade das prestações, sendo as vincendas despidas dos juros remuneratórios.
[4] In “ Das Obrigações em Geral”, Vol.II, 6ª ed., pag.53
[5] Cfr. Designadamente o recente Acórdão de 29.9.2016 relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, consultável na Base de Dados do IGFEJ.
[6] A eficácia desta norma limita-se aos factos de interesse para o réu revel que tenham sido impugnados pelo réu contestante.