PROCESSO SUMÁRIO
FALTA DO ARGUIDO
NOTIFICAÇÃO DA SENTENÇA
Sumário

Não tendo o arguido comparecido na audiência de julgamento, em processo sumário, para a qual foi notificado com a expressa advertência de que o julgamento se faria “na data designada, mesmo que não compareça, sendo representado por defensor – art.º 382 n.ºs 5 e 6, do C.P.Penal”, e sendo julgado na sua ausência – não deve considerar-se notificado da sentença lida no final da audiência na presença do seu defensor.

Texto Integral

Proc. 161/16.7GTABF.E1

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Tribunal da Comarca de Faro (Silves, Instância Local, J1) corre termos o Processo Sumário n.º 161/16.7GTABF, no qual foi decidido rejeitar o recurso interposto pelo arguido por, em síntese, ter sido “interposto antes da notificação da sentença” e, por isso, ser extemporâneo (mais consta dessa decisão:
- que o arguido “não compareceu na audiência de julgamento, nem requereu que o julgamento decorresse na sua ausência, apenas tendo comunicado a impossibilidade de comparência”;
- que não consta dos autos “que o arguido já tenha sido notificado da decisão condenatória, pois que a tentativa efetuada para o efeito se frustrou – 45 a 47”;
- que o “prazo para interposição de recurso é de 30 dias a contar da data da notificação da sentença ou do seu depósito se posterior – art.º 411 n.º 1 al.ªs a) e b) do Código de Processo Penal”;
- que o arguido, em face do que antecede, não pode “considerar-se notificado da sentença… neste sentido acórdão da Relação de Guimarães de 23-03-2009”).
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2. Recorreu o Ministério Público desse despacho, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
1 - Resulta dos autos que o arguido foi detido em 17 de junho de 2016, em flagrante delito, pela eventual prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292 n.º 1 do Código Penal.
2 - Nesse momento foi constituído arguido, e prestou TIR do qual consta, entre outras coisas:
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art.º 333”.
3 - Foi nesse ato o arguido notificado pessoalmente para comparecer no dia 20 de junho de 2016, pelas 9 horas e 30 minutos, nos Serviços do Ministério Público do Tribunal de Silves, tendo sido advertido que “a audiência de julgamento em processo sumário se realizará, mesmo que não compareça sendo representado pelo seu defensor” - veja-se fls. 10.
4 - Mais, depois de o arguido solicitar a concessão de prazo para preparar a sua defesa, foi designado o dia 1 de julho, pelas 14 horas, para realização da audiência de julgamento, do que este foi devidamente notificado, tendo sido expressamente advertido “de que este se realizará na data designada, mesmo que não compareça, sendo representado por defensor – art.º 382 n.ºs 5 e 6, do C.P.Penal– veja-se fls. 24.
5 - Porém, naquele data o arguido não compareceu e a audiência de julgamento realizou-se na ausência do arguido, tendo sido, no final desta, lida a douta sentença proferida, sempre na presença da Ilustre Defensora Oficiosa do arguido, e a falta deste foi, posteriormente, considerada injustificada.
6 - Ora, a partir daí dever-se-ia ter entendido, como entendemos, que não mais seria necessário proceder a nova notificação do arguido, porque este, para todos os efeitos, se devia considerar notificado na pessoa da sua defensora.
7 - Perante tais termos processuais deveria, como se deve, entender que o arguido foi devidamente notificado na pessoa da sua Ilustre Defensora no dia 1 de julho de 2016, pelo que não tem qualquer sentido o despacho de “precocidade do requerimento de interposição de recurso” proferido a fls. 59.
8 - Foram violados os art.ºs 196, 385 n.ºs 1 e 2 e 382 n.º 7, todos do CPP.
9 - Termos em que deverá dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se, consequentemente, o douto despacho ora recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outro que considere o arguido devidamente notificado da douta sentença proferida nos autos na pessoa da sua Ilustre Defensora desde o dia 1 de julho de 2016 e, consequentemente, tempestivamente interposto o recurso apresentado pelo arguido.
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3. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (fol.ªs 20 a 25), dizendo, em síntese, que a regra do art.º 382 n.º 6 do CPP não invalida aqueloutra prevista do art.º 113 n.º 10 do CPP, no que respeita à notificação da sentença ao arguido (invoca nesse sentido os acórdãos deste tribunal de 13.05.2014, Proc. 1632/12.0PAPTM-B.E1, e de 03.03.2015, Proc. 136/13.8GBLSG.E1 - cujo relator e adjunto são os mesmos destes autos - da RG de 8.10.2012, Proc. 441/10.5PABCL.G1, e de 23.03.2009, Proc. 2546/08-2, e da RP de 10.03.2010, Proc. 1138/9.4PTPRT.P1, e ainda - concretamente, no que respeita à extemporaneidade do recurso interposto antes da notificação pessoal do arguido - os acórdãos da RC de 6.02.2013, Proc. 93/12.8PFLRA.C1, e de 21.03.2012, Proc. 83/08.5JAGRD.C1, da RP de 10.03.2010, Proc. 1138/09.4PTPRT.P1, e de 22.10.2012, Proc. 585/09.6GBVVD.P1).
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4. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do Código de Processo Penal e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª b) do CPP), atenta a questão colocada pelo recorrente, que é a de saber se - não tendo o arguido comparecido na audiência de julgamento, em processo sumário, para a qual foi notificado com a expressa advertência de que o julgamento se faria “na data designada, mesmo que não compareça, sendo representado por defensor – art.º 382 n.ºs 5 e 6, do C.P.Penal”, e sendo julgado na sua ausência - deve considerar-se notificado da sentença lida no final da audiência na presença do seu defensor.
Esta é a questão a decidir.
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Preliminarmente, duas notas se impõem:
- uma, para dizer que o meio próprio para impugnar a decisão que rejeita o recurso é a reclamação, que não o recurso, ex vi art.º 405 n.º 1 do CPP;
- outra, para dizer que temos alguma dificuldade em compreender as razões invocadas pelo recorrente para justificar a apresentação do recurso em benefício do arguido (art.º 401 n.º1 al.ªa) do CPP), pois que, a vingar a tese do recorrente, o direito de defesa do arguido, ao contrário do alegado, ficaria bem mais limitado se se considerasse notificado da sentença nos termos pretendidos pelo recorrente, pois não lhe reconheceria o direito a ser notificado pessoalmente da sentença e, consequentemente, obrigá-lo-ia a recorrer da mesma ainda antes de ter conhecimento efetivo da mesma.
Não obstante, por uma questão de economia processual, sendo que o conhecimento em conferência da questão de fundo suscitada em nada colide com as garantias de defesa do arguido, que desse modo, aliás, ficarão melhor salvaguardadas, passa a conhecer-se da mesma.
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Entende o recorrente, em síntese, que, pelo facto do arguido ter prestado TIR e ter sido notificado pessoalmente para julgamento, com a advertência de que o mesmo se realizaria mesmo que não comparecesse, sendo representado pelo seu defensor, deve considerar-se notificado da sentença na pessoa do seu defensor, que esteve presenta na leitura da mesma.
Esta questão foi já por nós apreciada e decidida em sentido contrário ao pretendido pelo recorrente (acórdão de 03.03.2015, Proc. Sumário n.º 136/13.8GBLGS.E1, publicado in www.dgsi.pt), basicamente com os seguintes fundamentos:
“… não obstante a lei, neste tipo de processo, dispensar a presença do arguido em julgamento… tal não permite concluir que o mesmo não deva ser notificado da sentença que vier a ser proferida.
De facto, não resulta das regras do processo sumário, designadamente, do art.º 385 n.º 2 al.ª a) do CPP, que o arguido, em tais situações, se considera notificado da sentença na pessoa do seu defensor.
Por um lado, essa conclusão não se retira do facto de ser representado por defensor – do que foi advertido – sendo que, independentemente do sentido que se dê à expressão “para todos os efeitos legais”, utilizada no art.º 382 n.º 6 do CPP, o arguido não foi notificado com essa advertência, mas apenas de que seria “representado por defensor”, o que, se quisermos ser rigorosos, não é a mesma coisa.
Por outro lado, a representação do arguido por defensor na audiência de julgamento, sempre que aquele se encontre ausente, é uma obrigatoriedade legal, imposta pelo art.º 64 n.º 1 al.ª f), sem que por isso se deva considerar notificado da sentença na pessoa do defensor, como se vê pelos art.ºs 333 e 334 do CPP.
Por outro lado, o art.º 386 n.º 1 do CPP remete para as disposições relativas ao julgamento em processo comum naquilo que não esteja regulado no título respeitante ao processo sumário, onde se inclui o art.º 333 do CPP, onde se estabelece que, “havendo lugar a audiência na ausência do arguido (quando este é notificado para a mesma e não comparece), a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para interposição do recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença”, devendo o arguido ser “expressamente informado do direito de recorrer da sentença e do respetivo prazo” (n.º 6 desse preceito), sendo - nesse caso – representado, para todos os efeitos possíveis, pelo defensor.
Este regime em nada colide com as regras do processo sumário – que não o afasta (e prevê até a sua aplicação subsidiária) – por outro lado, harmoniza-se com o direito de defesa do arguido, constitucionalmente garantido, direito que só poderá ser plenamente exercido se tiver conhecimento do desfecho do processo, ou seja, da sentença proferida.
Não deixará de se trazer à colação o disposto no art.º 32 n.º 6 da CRP, que veio – 4.ª Revisão Constitucional – permitir (o que até então era proibido, por se entender que a presença do arguido era essencial para assegurar os seus direitos de defesa) que a lei definisse os casos em que podia ser “dispensada a presença do arguido ou acusado em atos processuais, incluindo a audiência de julgamento” (sic), mas desde que “salvaguardados os direitos de defesa”, direitos de defesa que – dizemos nós – ficariam seriamente comprometidos se ao arguido não fosse dado a conhecer o teor da sentença proferida na sequência de um julgamento em que não esteve presente.
Neste sentido pode ver-se, também, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª edição, 982, nota 12, e – para além do acórdão deste tribunal de 13.05.2014, in www.dgsi.pt – o acórdão do TRL de 18.06.2013, in www.dgsi.pt, onde outras decisões dos tribunais superiores no mesmo sentido vêm identificadas e onde se faz a distinção entre as situações em que o arguido esteve presente na audiência de julgamento, mas dela se ausentou (caso em que o arguido se considera notificado da sentença com a sua leitura perante o defensor, ex vi art.º 373 n.º 3 do CPP), e as situações – como a presente – em que o arguido esteve ausente desde o início do julgamento, situação em que lhe deve ser dado conhecimento pessoal da sentença, nos termos consignados no art.º 333 n.ºs 5 e 6 do CPP”.
E não vemos razões, em face dos argumentos ali utilizados, para não manter a posição que aí subscrevemos - que tem acolhimento, além do mais, na jurisprudência invocada no parecer do Ministério Público a que acima se fez referência - e, consequentemente, para não manter a decisão recorrida, que não nos merece qualquer censura
Improcede, por isso, o recurso.
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5. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, em manter a decisão recorrida.
Sem tributação.
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(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado).
Évora, 27/06/2017
Alberto João Borges (relator)
Maria Fernanda Pereira Palma