CADUCIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
INQUÉRITO PRÉVIO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVER DE OBEDIÊNCIA
DEVER DE ASSIDUIDADE
Sumário

I – Em regra o procedimento disciplinar inicia-se com a comunicação da nota de culpa, já que é esta que interrompe os prazos de prescrição e caducidade daquele;
II – Mas pode também iniciar-se com o procedimento prévio de inquérito desde que o mesmo se mostre necessário para fundamentar a nota de culpa;
III – Nesta situação, o procedimento prévio de inquérito interrompe os prazos de prescrição e de caducidade previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho o seu inicio interrompe os referidos prazos desde que (a) ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, (b) o procedimento seja conduzido de forma diligente e (c) a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do procedimento prévio (artigo 352.º);
IV – Configura justa causa de despedimento o comportamento de um trabalhador, com cerca de 15 anos de antiguidade na empregadora, que, ao contrário do que lhe havia sido determinado, pelo menos em dois dias não utilizava nas funções luvas anti-corte, em determinado dia não realizou o trabalho que lhe foi ordenado, só o fazendo no dia seguinte e após nova ordem nesse sentido, que com frequência chegava alguns minutos atrasado ao trabalho e que faltou injustificadamente ao trabalho alguns períodos (em numero inferior a 5 dias), sendo que já anteriormente havia sido sancionado disciplinarmente por factos idênticos (com excepção da não utilização das luvas anti-corte).
(Sumário do relator)

Texto Integral

Proc. n.º 1758/16.0T8EVR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB (Autor/recorrente), devidamente identificado nos autos, instaurou na Secção do Trabalho da Instância Central da Comarca de Évora, contra CC, Lda. (Ré/recorrida), também devidamente identificada nos autos, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, requerendo, a final, que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do seu despedimento, com as legais consequências.

Designada e realizada a audiência de partes, na mesma não se logrou obter o acordo destas, após o que veio a Ré apresentar articulado a motivar o despedimento, alegando, para tanto e muito em síntese, que ao seu serviço o Autor não cumpriu as regras de saúde e segurança (ao não utilizar as luvas anti-corte), desobedeceu a ordens que lhe deu (ao não proceder à troca de placas de cartão de paletes), revelou falta de pontualidade e de produtividade (na véspera de um feriado faltou ao trabalho da parte da tarde, não prestou trabalho suplementar nesse feriado e faltou no dia seguinte), comportamentos esses que, na sua globalidade, tornaram impossível a subsistência da relação de trabalho, assim justificando o despedimento com justa causa.

O Autor contestou o articulado da Ré/empregadora, alegando, também muito em síntese; (i) por excepção, a caducidade do procedimento disciplinar, por inobservância do prazo previsto no n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho; (ii) por impugnação, ou negando a prática dos factos, ou afirmando que ocorreram de forma diversa, ou ainda que os mesmos não têm a gravidade que a Ré lhes imputa.
Concluiu, por consequência, que o despedimento deve ser declarado ilícito e, em reconvenção, pediu a declaração dessa ilicitude e a condenação da Ré a reintegrá-lo na empresa, ou a pagar-lhe uma indemnização de antiguidade caso pela mesma venha a optar, bem como a pagar-lhe todas as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença que declare o despedimento ilícito, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Respondeu a Ré, a sustentar a improcedência da excepção de caducidade do procedimento disciplinar, e a reafirmar, no essencial, o constante do articulado motivador do despedimento, assim concluindo pela improcedência da acção e da reconvenção.

Os autos prosseguiram os trâmites legais, e em 20-03-2017 foi proferida sentença, na qual se respondeu à matéria de facto e se motivou a mesma, que declarou a regularidade e licitude do despedimento e julgou improcedente o pedido reconvencional.

Inconformado com o assim decidido, o Autor interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
(…)
5 - A atitude dos trabalhadores, incluindo naturalmente a do próprio A., em relação ao (não) uso das luvas anti-corte, era assim perfeitamente legítima e até plenamente justificada em virtude de as luvas fornecidas pela Ré não se revelarem adequadas para o tipo de trabalho exercido por esses trabalhadores, uma vez que tais luvas eram feitas de material que não permitia a circulação de ar e por isso originava a permanente transpiração das mãos, com as nocivas consequências que isso provoca na pele, como igualmente veio a ser dado como provado no nº 45 dos Factos Provados, e mais tarde, já depois do despedimento do A., a ser finalmente reconhecido pela Ré, ao haver implementado um modelo alternativo de luvas anti-corte, de acordo com a escolha dos próprios trabalhadores - cf. nº 48 dos Factos Provados.
6 - O episódio referente ao serviço de troca de placas de cartão aludido no nº 10 da nota de culpa, e replicado no artigo 35º do articulado da Ré, foi desmedidamente empolado uma vez que não só não teve quaisquer consequências gravosas para a Ré ou para o seu cliente Daimler, como afinal resultou simplesmente de um conjunto de factores que lamentavelmente potenciaram a não execução daquela tarefa em virtude de as novas placas não terem sido pessoalmente entregues ao A., e só terem chegado à secção depois das 15:30H, quando ele já estava ocupado a carregar o camião TNT, que tinha prioridade absoluta por o produto acabado que transporta se destinar a seguir para o cliente de avião, e em razão disso o A. se haver esquecido de realizar aquele serviço, o qual passou assim para o dia seguinte e por isso reconhecido também esse seu erro, e a seguir, como já se disse, tal serviço da troca de placas sido então executado pelo próprio A., e a palete sido também cintada por si, até porque, enquanto não se encontrasse cintada essa palete, nunca ela poderia seguir para o cliente, e só sairia, como saiu, no dia seguinte.
7 - Os insignificantes atrasos de entrada do A. nos dias assinalados no nº 59 dos Factos Provados, que no seu conjunto perfazem apenas 26 minutos, são também manifestamente inidóneos para justificar a aplicação da decisão de despedimento.
8 - Quanto aos períodos de falta indicados no nº 25 da nota de culpa, replicado no artigo 51º do articulado da Ré e elencados no nº 61 dos Factos Provados e à falta do dia 26 de Maio, o seu número está até muito longe de atingir o limite legal de faltas injustificadas pelo que nunca poderiam por isso servir ou serem atendíveis para validar o despedimento do A.
9 - Neste quadro, mesmo que por absurdo se entendesse que a conduta do A. poderia ser passível de alguma censura, de modo nenhum assumiria, porém, a gravidade e a relevância disciplinar que a Ré imponderadamente lhe atribuiu, pelo que jamais poderia assim justificar a sanção do despedimento que sempre terá, pois, de se considerar totalmente inadequada, por afinal se mostrar manifestamente excessiva em relação aos verificados comportamentos do A.
10 - Deste modo, a sentença impugnada de fls., nos termos em que o fez, decidiu com total desacerto, tendo violado, entre outras disposições legais, os artigos 353º, nº3, 357º, nº 4, 382º, nº 1, 389º, 390º e 410º, nº 3 do Código do Trabalho.
Nestes termos, e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao recurso e consequentemente ser alterada a decisão da matéria de facto, nos termos acima requeridos, e revogada a sentença recorrida e esta ser ainda substituída por outra decisão que declare a ilicitude do despedimento do A. realizado pela Ré nas condições referidas, e por via disso condene a Ré a pagar ao A. o valor de todas as retribuições intercalares ou de tramitação vencidas desde a data do despedimento e das vincendas que lhe forem devidas até à data do trânsito em julgado da decisão final, acrescidas dos correspondentes juros de mora à taxa anual de 4% contados desde o vencimento de cada uma delas, e bem assim a reintegrar ao seu serviço o A., com a categoria e a antiguidade que lhe competem, bem como nas custas, o que, aliás, se espera por ser de inteira JUSTIÇA!».

A Ré respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência.
(…)

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação.

Remetidos os autos a este tribunal e aqui recebidos, neles a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no qual se pronunciou pela improcedência do recurso.

Foi remetido projecto de acórdão aos exmos. juízes desembargadores adjuntos.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso
Sabido como é que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi dos artigos 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso colocam-se à apreciação deste tribunal duas questões essenciais:
- saber se se verifica a caducidade do procedimento disciplinar;
- saber se existe fundamento para alterar a matéria de facto;
- apreciar da licitude ou ilicitude do despedimento.

III. Factos
A) 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1 - O trabalhador foi admitido ao serviço da empregadora em 26 de Abril de 2001 para, sob a autoridade e direcção da empregadora lhe prestar a sua actividade profissional.
2 - Ultimamente estava classificado com a categoria profissional de operador especializado de 1ª.
3 - À data da cessação do contrato em 3 de Outubro de 2016 auferia a remuneração mensal base de € 699,00 acrescida de € 62,37 de duas diuturnidades.
4 - Em 23 de Fevereiro de 2016 enviado por … para … comunicando "... Tivemos as seguintes situações de carácter disciplinar com o BB:
EPI`s
1. No dia 14. 1. 2014 o operador foi informado da obrigatoriedade do uso de luvas na expedição - ver pdf anexo - onde assinou como teve conhecimento
2. Hoje estava a trabalhar sem usar luvas e quando o chefe de equipa o informou que tinha de usar luvas disse ter sido informado pelo EHS - … - numa formação que estava dispensado
3. Clarifiquei com a … que diz quee sclareceu que durante a formação mencionou que o uso de luvas é obrigatório nas tarefas da expedição. No abastecimento às linhas é que não (o que não é o caso)
4. Já não é a primeira vez que foi alertado para usar as luvas no local de trabalho …
1. O … deu instruções ao BB para trocar as placas de cartão de paletes de produto acabado para cliente …
2. O operador não só não cumpriu as instruções como também não informou o …, o chefe de equipa ou os colegas do turno seguinte que não tinha feito a tarefa
3. Por sorte a situação foi detectada por um colega antes das paletes serem recolhidas pelo cliente
4. A passar para o cliente a falta de cumprimento desta instrução directa resultaria em reclamação do cliente e dos respectivos custos para a fábrica pois inviabilizaria o uso de material nas linhas automáticas do mesmo
Falei com o operador da gravidade destas questões. (...).
5 - Em 18 de Março de 2016 foi dado conhecimento à gerência da empregadora pelo Instrutor … dos factos constantes do mail de 23 de Fevereiro de 2016.
6 - Em 19 de Março de 2016 a gerência da empregadora mandou instaurar processo disciplinar ao trabalhador e nomeou instrutores do processo …e ….
7 - Em 1 de Abril de 2016 o instrutor … proferiu o seguinte despacho "... Por se considerar relevante para efeitos de melhor fundamentação da nota de culpa a formular nos presentes autos, determina-se a abertura de Inquérito Prévio, nos termos e para os efeitos do disposto no artº. 352º do Código do Trabalho ...".
8 - Em 5 de Abril de 2016 foi determinada a inquirição das testemunhas … no dia 12 de Abril de 2016, pelas 11horas e … no dia 12 de Abril de 2016, pelas 12 horas.
9 - Em 12 de Abril de 2016 por indisponibilidade de agenda da testemunha … para o dia anteriormente designado foi designado para inquirição desta testemunha o dia 20 de Abril de 2016, pelas 12horas.
10 - Em 19 de Abril de 2016 foi enviado novo email ao departamento de recursos humanos, pelo … imputando novos factos ao trabalhador susceptíveis de constituirem infracções de natureza disciplinar, os quais foram em 20 de Abril admitidos em sede do inquérito prévio a decorrer.
11 - Em 21 de Abril de 2016 foi determinada a inquirição em inquérito prévio da testemunha … no dia 27 de Abril de 2016, pelas 10horas e 30minutos.
12 – Em 6 de Maio foi determinada a junção do registo de Produtividade Semanal relativo ao trabalhador com vista a aferir dos seus níveis de produtividade.
13 – Em 11 de Maio de 2016 foi decidido admitir neste inquérito prévio os factos comunicados via email, com data de 9 de Maio de 2016, ao departamento de recursos humanos da empregadora por Alexandre Paiva.
14 – Em 12 de Maio de 2016 foi determinada a inquirição da testemunha … no dia 17 de Maio de 2016, pelas 11horas e 30minutos.
15 – Em 20 de Maio de 2016 foi emitido relatório final no inquérito prévio no qual se entendeu dever ser instaurado processo disciplinar contra o trabalhador por se entender existirem indícios suficientes da prática de infracções disciplinares por parte do trabalhador.
16 - Em 23 de Maio de 2016 foi determinado pela gerência da empregadora a elaboração de nota de culpa e a sua notificação ao trabalhador arguido.
17 – Por despacho de 30 de Maio de 2016 foi determinado que os factos descritos em novo email de …, datado de 27 de Maio de 2016, fossem igualmente considerados na nota de culpa.
18 - Por despacho de 2 de Junho de 2016 foi determinada a junção aos autos de listagem de entradas e saídas do trabalhador BB, desde 1 de Abril de 2016 a 2 de Junho de 2016.
19 - Por despacho de 3 de Junho de 2016 foi junto aos autos o registo disciplinar do trabalhador.
20 - Ainda nesse mesmo dia 3 de Junho de 2016 foi ordenada a junção aos autos de cópia certificada relativamente a mensagens de telemóvel trocadas entre os trabalhadores … e BB, bem como das respectivas imagens dessas mensagens.
21 - Em 6 de Junho de 2016 foi deduzida a nota de culpa com intenção de despedimento a qual foi notificada ao trabalhador em 7 de Junho de 2016.
22 - Em 8 de Junho de 2016 foi recebida pelo SIESI cópia da nota de culpa enviada ao trabalhador.
23 - Em 20 de Junho de 2016 o trabalhador respondeu à nota de culpa e não requereu quaisquer diligências probatórias.
24 - Em 14 de Julho de 2016 foi elaborado aditamento à nota de culpa notificado ao trabalhador em 20 de Julho de 2016 e ao SIESI em 18 de Julho de 2016.
25 - O trabalhador não ofereceu resposta nem requereu a realização de quaisquer diligências.
26 – Anteriormente, ao trabalhador já tinham sido instaurados três outros processos disciplinares.
27 - No primeiro desses processos disciplinares o trabalhador foi acusado de realizar pausas não autorizadas, tendo-lhe sido aplicada como sanção disciplinar uma repreensão registada, da qual foi notificado por carta datada de 26 de Outubro de 2016; no segundo processo disciplinar foi acusado de falta de assiduidade e pontualidade, bem como de ausência de registo de ponto na sua pausa para o almoço, tendo sido punido com nova repreensão registada da qual foi notificado por carta datada de 22 de Agosto de 2014; e, no terceiro processo disciplinar foi punido com a sanção disciplinar de 30 dias de suspensão da qual foi notificado por carta de 30 de Abril de 2015, pela prática de infracções disciplinares de diferentes naturezas, atrasos reiterados, faltas injustificadas e não cumprimento de instruções superiores.
28 - Em 14 de Setembro de 2016 foi elaborado relatório final no qual foi aplicada ao trabalhador a sanção disciplinar de despedimento com justa causa. (este facto é alterado infra).
29 - Por comunicação datada de 19 de Setembro de 2016 foi enviada cópia integral, ao Sindicato SIESI, dos documentos constantes do processo disciplinar para que emitisse parecer no prazo legal de 5 dias úteis.
30 - O Sindicato recebeu aquela comunicação em 20 de Setembro de 2016 e não emitiu nenhum parecer.
31 - Em 3 de Outubro de 2016 foi proferida decisão de despedimento com invocação de justa causa.
32 - Nesse mesmo dia, 3 de Outubro de 2016, foi entregue cópia do relatório final e da decisão ao trabalhador e nessa mesma data comunicada ao Sindicato SIESI.
33 - O trabalhador exerce funções na área de expedição.
34 - O trabalhador encontra-se colocado na área da expedição praticando o horário fixo desde que a empregadora tomou conhecimento de que o trabalhador se havia filiado no Sindicato SIESI.
35 - Por decisão de 13 de Outubro de 2006, deste ao tempo Tribunal do Trabalho de Évora, hoje Juízo do Trabalho foi proferida decisão homologatória do acordo celebrado entre a empregadora e o Sindicato SIESI, mediante o qual a empregadora se obrigou a não aplicar aos trabalhadores filiados no SIESI os horários concentrados definidos no Regulamento Interno de 26 de Junho de 2006.
36 - Este acordo mantém-se, ainda nesta data, em vigor.
37 - No armazém azul não há trabalhadores em horário fixo, sendo o horário concentrado praticado em todos os turnos do armazém azul.
38 - Na expedição é obrigatório o uso de luvas anti-corte para todos os trabalhadores que aí exercem funções sempre que manipulem caixas ou cartões (seja a empacotar, seja a transportar ou fornecer); quando usem o X-Ato, ou outra ferramenta de corte autorizada; sempre que manipulem paletes.
39 - Nos dias 23 de Fevereiro e 9 de Maio de 2016 o trabalhador estava a trabalhar na área da expedição sem fazer uso das luvas anti-corte.
40 - O trabalhador tomou conhecimento em 14. 1. 2016 da obrigatoriedade do uso de luvas anti-corte.
41 - O trabalhador é habitual não usar as luvas anti-corte quando está a desempenhar as suas funções.
42 - Estas luvas anti-corte são usadas pelos demais colega do trabalhador nas tarefas para que são obrigatórias e sempre que chamados a atenção para o seu uso pelos superiores hierárquicos.
43 - O trabalhador DD colega do trabalhador é o único na área da expedição que usa as luvas anti-corte desde que entra ao serviço até que acaba o seu turno de trabalho.
44 - As luvas anti-corte são seleccionadas pelo Departamento de Higiene e Segurança da empregadora (EHS).
45 - As luvas anti-corte são quentes e provocam uma sudação excessiva das mãos dos trabalhadores.
46 - Os trabalhadores sugeriram utilizar luvas alternativas mais leves no Verão.
47 - Em acção conjunta do departamento " EHS" e dos trabalhadores foram testados, modelos alternativos de luvas.
48 - Já após o despedimento do trabalhador foi implementado um modelo alternativo de luvas anti-corte de acordo com a escolha dos trabalhadores.
49 - No dia 23 de Fevereiro de 2016, …, da parte da manhã, deu instruções ao trabalhador para trocar placas de cartão de paletes de produto acabado para o cliente ….
50 - O trabalhador ao final da manhã, já perto da hora de almoço, deslocou-se à recepção do armazém para requisitar as novas placas e em seguida foi almoçar.
51 - Na recepção nesse momento não se encontrava nenhum dos dois trabalhadores que aí estão habitualmente e o trabalhador deixou aí a requisição.
52 - Só após o almoço cerca das 15horas e 30minutos chegaram as placas.
53 - O trabalhador não procedeu à troca das placas e chegado ao final do turno abandonou o seu posto de trabalho sem informar nenhum colega do turno seguinte da necessidade de proceder à troca das placas na palete.
54 - Aquela troca foi efectuada no dia seguinte por outro trabalhador. (este facto é alterado infra).
55 - A palete só segue para o cliente depois de cintada com duas cintas e aquela apenas estava cintada com uma cinta.
56 - A … é um dos clientes mais importantes da empregadora.
57 - Os trabalhadores afectos ao carregamento dos camiões, desempenham outras tarefas quando não têm camiões para carregar.
58 - O camião TNT que chega por volta das 16horas é o único cujo carregamento tem de ser feito sem qualquer interrupção por a sua carga se destinar a seguir para o cliente de avião nesse mesmo dia.
59 - No dia 19 de Abril o trabalhador picou o ponto às 8horas e 4minutos e chegou ao seu posto de trabalho pelas 8horas e 10minutos.
60 - No dia 4 de Abril de 2016 entrou às 8horas e 2minutos; nos dias 5 de Abril, 10, 17 e 24 de Maio de 2016 entrou às 8horas e 1minuto; nos dias 11 e 13 de Abril entrou às 8horas e 2minutos; nos dias 18 de Abril de 2016 e 19 de Maio de 2016 entrou às 8horas e 3minutos; e, nos dias 5 e 6 de Maio de 2016 entrou às 8horas e 5minutos.
61 - O trabalhador faltou injustificadamente nos dias 1 de Março de 2016 - 1hora e 2minutos; 12 de Abril de 2016 - 1hora e 14minutos; 21 de Abril de 2016 - 52minutos; 27 de Abril de 2016 - 24minutos; 5 de Maio de 2016 - 1hora e 10minutos; e, 25 de Maio de 2016 - 3horas e 56minutos.
62 - O trabalhador não justificou os seus atrasos ou faltas ao trabalho.
63 - No início da semana anterior à do dia 26 de Maio de 2016 foi convocada pelo chefe de equipa para realizar trabalho suplementar no feriado de 26 de Maio de 2016.
64 - A empregadora no dia 18 de Maio de 2016 pelo … reforçou essa convocatória e nessa ocasião explicou a necessidade de tal trabalho suplementar porquanto aquela secção precisava de recuperar os atrasos verificados nas encomendas.
65 - No dia 25 de Maio de 2016, véspera do feriado o trabalhador faltou ao serviço da parte da tarde pelo que foi contactado telefonicamente pelo chefe de equipa para confirmar a necessidade do trabalhador prestar trabalho suplementar, nada tendo oposto à sua comparência no dia seguinte.
66 - Posteriormente o trabalhador enviou ao chefe de equipa um SMS onde se pode ler "... Como já tinha dito ao chefe … ñ contes comigo para ir trabalhar pois quem sabe da minha vida privada sou e ñ andam a brincar com a minha vida pessoal agora se continuam a fazer o que me andam a fazer vou dar conhecimento ao tribunal ...".
67 - O trabalhador faltou nesse dia 26 de Maio e não deu qualquer justificação nem antes nem posteriormente.
68 - A falta dada pelo trabalhador no dia 27 de Maio de 2016 foi dado como justificada pela empregadora com perda de retribuição.

IV. Fundamentação
Delimitadas supra, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de analisar e decidir cada uma delas.

1. Da caducidade do procedimento disciplinar
Sustenta o recorrente que em relação aos factos constantes da nota de culpa que se reportam à sua não utilização das luvas anti-corte e não troca de placas de cartão de paletes se verifica a caducidade do procedimento disciplinar, uma vez que os mesmos se verificaram mais de 60 dias sobre a nota de culpa.
Vejamos.

De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho, o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção.
Nos termos do n.º 1 do artigo 353.º do compêndio legal em referência, no caso de se verificar algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos; a notificação da nota de culpa ao trabalhador interrompe, no que ora releva, o prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 329.º.
Ou seja, em regra o procedimento disciplinar inicia-se com a comunicação da nota de culpa, já que é esta que interrompe os prazos de prescrição e caducidade daquele, constantes do artigo 329.º, n.ºs 1 e 2, respectivamente (353.º n.ºs 1 e 3 do CT).
Porém, no caso do procedimento prévio de inquérito se mostrar necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu inicio interrompe os referidos prazos desde que: a) ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares; b) o procedimento seja conduzido de forma diligente; c) a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do procedimento prévio (artigo 352.º).
Em tais casos o procedimento disciplinar contra o trabalhador inicia-se com o inquérito prévio necessário.
Assim, nos termos do artigo 352.º e do n.º 3 do artigo 353.º, a contagem dos prazos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 329.º, interrompem-se com o procedimento prévio de inquérito para fundamentar a nota de culpa ou com a notificação desta.
Como assinala Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2012, Principia, págs. 200-201), «[e]m rigor, o procedimento não se inicia com a nota de culpa, nem com a respectiva elaboração, nem com a sua comunicação ao trabalhador, embora seja este último momento que a lei toma como referência para a contagem.
(…)
Pensamos que o ato que marca o início do procedimento de despedimento é a decisão do empregador – ou do superior hierárquico com competência disciplinar – de promover a abertura do procedimento contra dado trabalhador.
É certo quer se pode dizer que esta decisão em si não faz parte do procedimento, pois parece situar-se a montante do mesmo, só tendo o procedimento início quando é praticado algum ato subsequente, como por exemplo a nomeação do instrutor ou a realização por este de alguma diligência preparatória da nota de culpa. Contudo, tendo presentes as razões que estão por detrás da imposição dos prazos do procedimento – evitar que a inação do empregador se mantenha, depois de ter conhecimento que certo trabalhador praticou determinada infracção grave, suscetível de inviabilizar a prossecução da relação de trabalho –, julgamos que se deve entender que, em regra, este se inicia no momento em que é tomada a decisão de instaurar o procedimento.
Note-se que a instauração de um procedimento prévio de inquérito, nos termos do artigo 352.º, também pressupõe que o procedimento de despedimento se iniciou. Assim o indica a letra do preceito, ao referenciar ao inquérito a elaboração da nota de culpa. E o mesmo sucede com a decisão de suspender preventivamente o trabalhador quando tomada antes da notificação da nota de culpa, nos termos do artigo 354.º, 2 []».

No caso, como resulta da matéria de facto, em 18 de Março de 2016 foi dado conhecimento à Ré dos factos (alegadamente) praticados pelo trabalhador, referentes à não utilização das luvas anti-corte e à não troca de placas de cartão de paletes.
Logo no dia seguinte, 19-03-2016, a Ré mandou instaurar procedimento disciplinar ao trabalhador, nomeando para tanto instrutores.
Estes, em 01 de Abril seguinte, tendo em vista a fundamentação da nota de culpa, determinaram a abertura de processo prévio de inquérito, nos termos do artigo 352.º; e designaram para dos dias 5 e 12 do mesmo mês a inquirição de testemunhas.
Após a realização de outras diligências, foi em 20 de Maio de 2016 emitido relatório final no inquérito prévio no qual se entendeu dever ser instaurado processo disciplinar contra o trabalhador por se entender existirem indícios suficientes da prática de infracções disciplinares por parte do trabalhador; e em 23 de Maio seguinte foi determinado pela gerência da empregadora a elaboração de nota de culpa e a sua notificação ao trabalhador arguido.
Entretanto, para além da realização de outras diligências, tendo em vista, designadamente o apuramento de novos factos, em 6 de Junho de 2016 foi deduzida a nota de culpa com intenção de despedimento a qual foi notificada ao trabalhador/Autor em 7 de Junho de 2016.
Do que fica dito, decorre que, em cumprimento do disposto no artigo 352.º do Código do Trabalho:
(i) o inquérito ocorreu nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares por parte do Autor (o conhecimento dessa suspeita ocorreu em 18 de Março de 2016 e o início do inquérito ocorreu em 1 de Abril seguinte);
(ii) o procedimento foi conduzido de forma diligente, como resulta dos n.ºs 7 a 14 da matéria de facto (note-se que embora não estando fixado o prazo do inquérito, este deve ser conduzido de modo célere, pois só assim se poderá considerar que essa condução foi diligente);
(iii) a nota de culpa foi notificada dentro dos 30 dias posteriores à última diligência probatória no inquérito (esta ocorreu em 12 de Maio – data que aqui consideramos relevante, em que houve lugar à inquirição de uma testemunha – e a nota de culpa foi notificada ao Autor em 7 de Junho seguinte).
A questão que se coloca, diremos a montante, e que parece ser aquela em que o recorrente coloca o acento tónico da caducidade do procedimento disciplinar, diz respeito à necessidade ou não do inquérito prévio para fundamentar a nota de culpa.
Recorde-se que o referido artigo 352.º determina a interrupção do prazo de caducidade do procedimento disciplinar «[c]aso o procedimento prévio de inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa».
O empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço, enquanto vigorar o contrato de trabalho (artigo 98.º do Código do Trabalho).
Esse poder disciplinar pode ser exercido directamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele (n.º 4 do artigo 329.º).
No caso em apreciação, em 19 de Março de 2016 a empregadora mandou instaurar processo disciplinar ao trabalhador e nomeou dois instrutores; ou seja, o que a empregadora fez foi manifestar a intenção de actuar disciplinarmente sobre o trabalhador.
Com vista a essa “actuação” competia aos instrutores a recolha dos elementos necessários para tal efeito, incluindo por isso, se necessário fosse, a elaboração de inquérito prévio.
Ora, na comunicação que o superior hierárquico do trabalhador fez à empregadora de factos susceptíveis de infracção disciplinar aludia-se a que este teria invocado a justificação para alguns factos, maxime com o não uso de luvas anti-corte, por a tal estar dispensado (cfr. n.º 4 da matéria de facto).
Por isso, antes de se avançar logo para a nota de culpa ao trabalhador, compreende-se que se procedesse a um inquérito/apuramento prévio de forma a verificar se teria ou não acorrido alguma dispensa do trabalhador em relação ao uso das referidas luvas e, assim, se seria ou não manifestamente improcedente qualquer acusação/nota de culpa ao trabalhador.
Nesta sequência, somos a concluir que se mostrou justificada a instauração de um inquérito prévio, e que face ao mesmo se interrompeu o prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho e, por consequência, não se verifica a alegada caducidade do procedimento disciplinar.
Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

2. Da impugnação da matéria de facto
2.1. Nas conclusões das alegações de recurso, o Autor/apelante afirma impugnar diversa factualidade.
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 640.º, do Código de Processo Civil, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
E nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, quando os meios probatórios tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Em tal situação, o tribunal superior procede então à reanálise dos meios de prova concretamente indicados (e quanto ao segmento indicado, se for o caso) para concluir pela verificação ou não do erro ou vício de apreciação da prova e, daí, pela alteração ou não da factualidade apurada (cfr. artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Sem prejuízo de, conforme se analisará infra, em relação a alguns dos factos não se tratar de uma verdadeira e própria impugnação de matéria de facto nos termos referidos, analisemos em detalhe a impugnação feita pelo recorrente.
(…)

2.2.7. Assim, e em síntese, quanto à matéria de facto:
(i) o facto n.º 28 passará a ter a seguinte redacção:
«Em 14 de Setembro de 2016 foi elaborado relatório final, no qual foi proposto que fosse aplicada ao trabalhador a sanção disciplinar de despedimento com justa causa»;
(ii) o facto n.º 54 passará a ter a seguinte redacção:
“A troca foi efectuada no dia seguinte pelo Autor, cerca das 11.00 horas, após ter sido detectada a sua não realização pelo Autor e este ter recebido novamente instruções de um superior hierárquico para realizar a mesma”.
Procedem, por consequência, mas apenas parcialmente e nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

2. Da licitude ou ilicitude do despedimento
A sentença recorrida concluiu pela verificação da justa causa de despedimento e, por conseguinte, ser o mesmo lícito.
Para tanto, escreveu-se na mesma:
«A empregadora fundamenta a sua decisão pela violação por parte do trabalhador dos seus deveres de "... Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade; ... Realizar o trabalho com zelo e diligência; ... Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias; Promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa; Cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho, nomeadamente por intermédio dos representantes dos trabalhadores eleitos para esse fim; e, Cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho que decorrem da lei ou instrumento de regulamentação colectiva do trabalho..." previstos no artº. 128º nº 1 alíneas b), c), e), h), i) e j).
Da matéria de facto provada resultou que o trabalhador sistematicamente e sem qualquer justificação conhecida da empregadora pica o ponto para além da sua hora de entrada e falta injustificadamente por períodos de alguns dias, sem autorização dos superiores hierárquicos ou dar qualquer justificação, como foi a situação da falta do dia feriado de 26 de Maio de 2016, o não cumprimento da obrigatoriedade da utilização de luvas anti-corte se bem que também tenha resultado provado que as luvas são quentes e causam desconforto a maioria dos trabalhadores da expedição usa as luvas nas operações para as quais as mesmas são obrigatórias, havendo mesmo um trabalhador que as usa permanentemente desde que entra às 8horas até que sai às 17horas.
Os factos provados da nota de culpa são só por si graves, reveladores da impossibilidade da continuação da relação laboral, ainda para mais reforçada com as anteriores sanções disciplinares aplicadas ao trabalhador por factos de idêntica natureza aos constantes da nota de culpa com excepção da não utilização das luvas anti-corte.
Este comportamento do trabalhador não revela que realize o trabalho com zelo e diligência nem com o intuito de promover ou executar actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, bem pelo contrário coma sua atitude levou a que um colega desnecessariamente tivesse de acabar o seu trabalho com o risco de não terem sido trocadas as placas e sair para o cliente com as placas erradas com as consequências que daí certamente adviriam para a empregadora.
Dispõe o artº. 330º nº 1 que "... A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade o infractor ...".
Ora no caso dos autos a sanção aplicada afigura-se proporcional à gravidade dos factos e à culpa do trabalhador pelas razões já acima subeijamente aduzidas, (neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14. 1. 2016, proferido no processo nº 642/15.0T8EVR.1).
Em consequência deve ser o despedimento considerado lícito e como tal improceder o pedido reconvencional por não se provar a ilicitude do despedimento».

O recorrente rebela-se contra tal entendimento, argumentando, ao fim e ao resto, (i) que o comportamento que adoptou quanto ao uso ou não das luvas anti-corte é o que era adoptado pela maioria dos trabalhadores, (ii) que o episódio referente ao serviço de troca de placas foi “desmedidamente empolado”, uma vez que não teve quaisquer consequências gravosas para a Ré, nem para o seu cliente, (iii) e que os atrasos de entrada do Autor ao serviço são insignificantes, assim como número de faltas; e daí conclui que não se verifica justa causa de despedimento, sendo que ainda que se verifique algum infracção disciplinar a mesma não justifica a aplicação daquela sanção mais gravosa.
Por sua vez, a recorrida, bem como a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer, aplaudem a decisão recorrida.
Analisemos, então, a questão.

De acordo com o n.º 1 do artigo 351.º do Código do trabalho, constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Esta noção de justa causa corresponde à que se encontrava vertida no artigo 9.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) e, posteriormente, no n.º 1, do artigo 396.º, do Código do Trabalho de 2003 e pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: (i) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, grave em si mesmo e nas suas consequências; (ii) a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho; (iii) a verificação de um nexo de causalidade entre o referido comportamento e tal impossibilidade.
A ilicitude consiste na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado, seja por acção, seja por omissão.
Relativamente à culpa, a mesma deve ser apreciada segundo o critério do artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, ou seja, pela diligência de um bónus pater família, em face das circunstâncias de cada caso, o mesmo é dizer, de acordo com “um trabalhador médio, normal” colocado perante a situação concreta em apreciação.
Quanto à impossibilidade de subsistência do vínculo, a mesma deve reconduzir-se à ideia de inexigibilidade da manutenção do contrato por parte do empregador, tem que ser uma impossibilidade prática, no sentido de que deve relacionar-se com o caso em concreto, e deve ser imediata, no sentido de comprometer, desde logo, o futuro do vínculo.
Verifica-se a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
Como assinala a propósito Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, pág. 559), «[n]ão se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo(...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante a realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo (termo aposto ao contrato, sanções disciplinares conservatórias)”.
Ou, como afirma João Leal Amado (Contrato de Trabalho, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 383) a justa causa de despedimento assume um «(…) carácter de infracção disciplinar, de incumprimento contratual particularmente grave, de tal modo grave que determine uma perturbação relacional insuperável, isto é, insusceptível de ser sanada com recurso a medidas disciplinares não extintivas».
No dizer do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-02-2008 (disponível em www.dgsi.pt, sob doc. 07S3906), «[a] aferição da não exigibilidade para o empregador da manutenção da relação de trabalho, deve, aquando da colocação do problema em termos contenciosos, ser perspectivada pelo tribunal com recurso a diversos tópicos e com o devido balanceamento entre os interesses na manutenção do trabalho, que decorre até do postulado constitucional ínsito no art. 53.º do Diploma Básico, e da entidade empregadora, o grau de lesão de interesses do empregador (que não deverão ser só de carácter patrimonial) no quadro da gestão da empresa (o que inculca também um apuramento, se possível, da prática disciplinar do empregador, em termos de se aquilatar também da proporcionalidade da medida sancionatória imposta, principalmente num prisma de um tanto quanto possível tratamento sancionatório igualitário), o carácter das relações entre esta e o trabalhador e as circunstâncias concretas – quer depoentes a favor do infractor, quer as depoentes em seu desfavor – que rodearam o comportamento infraccional».
Importa ter presente, volta-se a acentuar, que se deverá proceder a uma apreciação em concreto da situação de facto, seleccionando os factos e as circunstâncias a atender e valorando-os de acordo com critérios de muito diferente natureza – éticos, organizacionais, técnico-económicos, gestionários, de ordem sócio-cultural e até afectiva -, designadamente atendendo, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostre relevantes, e aferindo a culpa e a gravidade do comportamento do trabalhador e o juízo de prognose sobre a impossibilidade de subsistência da relação laboral em consonância com o entendimento de “um bom pai de família” ou de um empregador normal ou médio, em face do caso concreto, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade (cfr. n.º 3 do artigo 351.º).
Na referida ponderação não poderá deixar de se atender que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor (n.º 1 do artigo 330.º).
Como escreve Monteiro Fernandes (Obra citada, pág. 580), «[a] ideia de que o despedimento constitui uma saída de recurso para as mais graves «crises» de disciplina – justamente aquelas que, pela sua agudeza, se convertem em crises do próprio contrato – implica que o uso de tal medida seja balanceado, face a cada caso concreto, com as restantes reacções disciplinares disponíveis. A justa causa só pode ter-se por verificada quando – repete-se – não seja exigível ao empregador o uso de medida disciplinar que possibilite a permanência do contrato».

No caso em apreciação, resulta, no essencial, da matéria de facto:
- o trabalhador/Autor desempenhava ao serviço da Ré as funções no sector de expedição, onde era obrigatório o uso de luvas anti-corte (n.ºs 33, 38 e 40): no entanto, nos dias 23 de Fevereiro e 9 de Maio de 2016 não usava as luvas, sendo que, ao contrário de outros trabalhadores da secção, era usual não usar as luvas anti-corte (n.ºs 40, 41 e 42);
- No dia 23 de Fevereiro de 2016, um superior hierárquico do Autor deu-lhes ordens para trocar placas de cartão de paletes de produto acabado de um importante cliente (n.ºs 49 e 56: tendo chegado as paletes para troca pelas 15.30h desse dia, o trabalhador não procedeu à troca, quando terminou o turno e abandonou o posto de trabalho não informou um colega de turno da necessidade dessa troca, e apenas no dia seguinte, pelas 11.00h, após a insistência de um superior hierárquico para realizar o trabalho, acabou por fazer a troca (n.ºs. 49, 52, 53 e 54);
- sendo o seu horário de entrada às 8.00h (é o que resulta de forma unânime dos autos), vários dias do mês de Abril e Maio de 2016 o trabalhador entrou alguns minutos atrasado (n.ºs 59 e 60);
- e vários dias do mês de Março, Abril e Maio de 2016 faltou injustificadamente mais de uma hora em cada um desses dias (n.º s61 e 62);
- e faltou no dia 26 de Maio de 2016, não tendo dado qualquer justificação, nem antes em posteriormente.
Ora, perante a referida factualidade não parece oferecer dúvidas que o Autor infringiu alguns deveres laborais, pois:
(i) ao não usar as luvas anti-corte não só desobedeceu a ordens da empregadora, mas, sobretudo, pôs em causa a sua própria segurança no trabalho [artigo 128.º, n.º 1, alíneas e), i) e j) do Código do Trabalho];
(ii) ao não substituir as placas de cartão quando podia (atente-se que as placas chegaram cerca das 15.30h do dia 23 de Fevereiro e apenas pelas 16.00h teria que carregar o camião: no entanto não só realizou o trabalho nesse dia, como apenas o fez no dia seguinte, pelas 11.00h, e depois de lhe ser novamente dada ordem para o fazer) desobedeceu às ordens da empregadora [alínea e) do referido n.º 1 do artigo 128.º];
(iii) ao chegar com frequência atrasado ao trabalho e faltar injustificadamente revelou falta de assiduidade e pontualidade, falta de zelo e diligência no trabalho e de promover e executar actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa [alíneas b), c) e h) da referida alínea e n.º].
É certo que o desvalor da conduta do trabalhador em alguns desses actos – como seja a não utilização das luvas anti-corte – não assume particular gravidade, dado o incómodo que causava a utilização das luvas e a necessidade de ser encontrado, como foi, um modelo alternativo, e daí que por si só, o mesmo é dizer tomado isoladamente, não justificava aplicação da sanção mais severa ao trabalhador.
Contudo, como se viu, estão em causa várias infracções praticadas pelo trabalhador: e o que resulta das mesmas é, no essencial, um desinteresse, falta de empenho do trabalhador pelo cumprimento da sua prestação laboral: esse desinteresse manifesta-se na falta de assiduidade, de pontualidade, nas faltas injustificadas ao trabalho, etc.
E esse desinteresse já vinha de trás, tanto assim que o trabalhador tinha anteriormente por isso sido punido disciplinarmente (cfr. facto n.º 27), o que significa que essas punições não tiveram a suficiente eficácia para levar o trabalhador a arrepiar caminho e a cumprir os seus deveres laborais.
Por isso, não obstante o trabalhador ter alguns anos de antiguidade na empresa empregadora (mais de 15 anos à data do despedimento, sendo que foi admitido em 26 de Abril de 2001), tendo em conta os antecedentes disciplinares e o conjunto de infracções praticadas e analisadas, entende-se que com a conduta adoptada pelo trabalhador pôs irremediavelmente em causa a relação que confiança que nele depositava a empregadora e, assim, a subsistência da relação de trabalho.
Conclui-se, pois, que a conduta do trabalhador justifica a aplicação da sanção de despedimento com justa causa, sendo este, por consequência, lícito.
Nesta sequência, aqui chegados, impõe-se afirmar a improcedência das conclusões das alegações de recurso e, por consequência, pela improcedência deste.

Porque o recorrente ficou vencido no recurso, as custas deveriam ser da sua responsabilidade (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil): isto tendo em conta que a alteração da matéria de facto não interfere com a decisão final.
Deve atentar-se, contudo, que o recorrente se encontra isento de custas, atento o disposto no art. 4.º, n.º 1, al. h), do Regulamento das Custas Processuais; a isenção não abrange, todavia, a responsabilidade do Autor pelos encargos a que tenha dado origem, nos termos do artigo 4.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais, uma vez que a sua pretensão foi totalmente vencida, nem pelos reembolsos previstos no artigo 4.º, n.º 7, do mesmo Regulamento.

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em:
1. alterar a matéria de facto nos termos supra descritos;
2. negar provimento ao recurso interposto por BB, e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Sem custas, atenta a isenção de que goza o recorrente, sem prejuízo da sua responsabilidade pelos encargos a que tenha dado origem, ou pelos reembolsos previstos no artigo 4.º, n.º 7, do RCP.

Évora, 13 de Julho de 2017
João Luís Nunes (relator
Mário Branco Coelho
Paulo Amaral
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Mário Coelho, (2) Paulo Amaral.