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MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
DETENÇÃO
SUBSTITUIÇÃO
Sumário
I. É admissível o pedido de substituição da detenção mantida por despacho judicial aquando da audição do detido (art. 18º da Lei 65/2003), sendo competente para dele conhecer o juiz relator a quem foi distribuído o processo (ou quem o substitua, nomeadamente durante as férias judicias, como se verifica in casu), uma vez que é ao juiz relator que o art. 18.º atribui competência para decidir da manutenção da detenção ou a sua substituição por medida de coação.
II. Não estamos perante verdadeiras medidas de coação mas antes perante medidas especificamente destinadas a assegurar a detenção e entrega de pessoa, determinada por uma autoridade judiciária de outro Estado, donde pode afirmar-se que o risco de fuga do detido constitui o fundamento específico da detenção ou outra medida cautelar que a substitua, pelo que o tribunal de execução apenas deve libertar provisoriamente o detido quando puder concluir que medida de coação prevista no CPP português menos gravosa que a detenção é adequada e suficiente para prevenir aquele mesmo risco, em conformidade com a regra estabelecida no artigo 12.º da Decisão-Quadro MDE.
Texto Integral
1 – Em cumprimento de Mandado de Detenção Europeu emitido pelo “Tribunal de Magistrados de Liverpool e Knowsley”, Reino Unido, inscrito no Sistema de Informação Schengen, que deu origem à abertura dos presentes autos de MDE em 27.07.2017, a Polícia Judiciária, Diretoria do Sul, procedeu à detenção do cidadão de nacionalidade britânica, D, nascido a 23.01.1959.
2. Na audição a que a que se refere o art. 18º da Lei 65/2003 de 23 de agosto que teve lugar em 28.07.2017, o detido declarou não consentir na sua entrega e renunciar à regra da especialidade, após o que foi proferido despacho judicial que lhe concedeu o requerido prazo de 10 dias para deduzir oposição e, confirmando a detenção, decidiu mantê-la por considerar que “fundado é o receio de que em liberdade o detido se furte à ação da justiça e se coloque em fuga, atenta a facilidade de deslocação no espaço europeu” (cfr fls 59-60).
3. Pelo requerimento de 3.08.2017 que constitui fls 77 a 80 (e documentos que o integram), o detido vem pedir “a revogação da medida de coação de prisão preventiva e a sua substituição por outra menos gravosa”, nomeadamente Obrigação de Permanência na Habitação com recurso aos meios eletrónicos, juntando documentação e alegando, no essencial, que:
- Vive em Portugal há 2 anos e 2 meses mantendo, desde então, todo o seu centro familiar, social e profissional na Rua…, Quinta Madeira, Almancil, Loulé, onde reside;
- Desde então tem morada fiscal em Portugal, contratos em seu nome, relativos a seguros, compras, serviços bancários, operador MEO e outros;
- Tem uma empresa a trabalhar no Algarve com colaboradores portugueses a seu cargo, fornecendo máquinas alimentares para cafés e restaurantes e construção civil em habitações e campos de golfe;
- Celebrou, juntamente com sua mulher, contrato promessa para aquisição de um terreno em Faro para iniciar a construção da sua nova casa de família;
- Tem vários contratos de empreitada em execução neste momento, inclusive em “Pinheiros Altos Golf Club”, onde foi detido no âmbito deste MDE;
Conclui que a documentação agora junta permite uma nova reapreciação da medida de coação aplicada, julgando o detido que a sua situação pessoal, residência certa e inserção profissional em Portugal permite que a medida de coação mais gravosa seja revogada e a sua substituição por outra menos gravosa.
O detido refere no presente requerimento que durante a audição do detido pediu para lhe ser permitido aguardar os ulteriores termos do processo em liberdade e que o MP promoveu que a detenção dever ser mantida até que o requerido possa provar o que alega, mas no auto de audição do detido que, para além do mais, foi assinado pelo seu mandatário (cfr fls 59-60), apenas se menciona que o senhor Mandatário e a senhora Procuradora-Geral Adjunta pronunciaram-se sobre a situação em que o detido deve aguardar os ulteriores termos do processo, sendo certo que a sua alegação sempre seria irrelevante do ponto de vista da admissibilidade e mérito do presente requerimento.
4. Notificado deste requerimento, o MP nesta Relação entende não dever ser alterada a medida de coação aplicada.
5. Entretanto, o detido apresentou de fls 115 a 127, a sua oposição ao presente MDE a que o MP nesta Relação respondeu de fls 191 a 196.
Vejamos
6. No que se reporta à decisão de manter a detenção da pessoa contra a qual foi emitido MDE e à possibilidade de substituir a detenção por medida de coação, dispõe o art. 18º nº3 da Lei 65/2003 - que regula os termos da audição do detido -, que “ O juiz relator procede à audição do detido, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, e decide sobre a validade e manutenção desta, podendo aplicar-lhe medida de coacção prevista no Código de Processo Penal”.
Como referido, foi decidido manter a detenção do detido aquando da sua audição nos termos do citado art. 18º, mas pretende agora o arguido que se substitua aquela por medida de coação menos gravosa em atenção a factos relativos à sua situação pessoal e familiar no nosso país, que só agora foi possível documentar.
Ora, embora a Lei 65/2003 não se refira expressamente à modificação da situação cautelar do detido em momento posterior à sua audição preliminar (art. 18º), a admissibilidade da pretendida modificação resulta do artigo 12º da Decisão Quadro MDE, segundo o qual “ … A libertação provisória é possível a qualquer momento de acordo com o direito nacional do Estado-Membro de execução, na condição de a autoridade competente deste Estado-Membro tomar todas as medidas que considerar necessárias a fim de evitar a fuga da pessoa procurada”. .Para além disso, sempre é o que resulta da aplicação subsidiária do Código de Processo Penalao processo de execução do mandado de detenção europeu (art. 34.º da Lei 65/2003), pois a revogação e substituição das medidas de coação encontra-se prevista no art. 212º do CPP.
É, pois, admissível o pedido de substituição da detenção mantida por despacho judicial aquando da audição do detido (art. 18º da Lei 65/2003), sendo competente para dele conhecer o juiz relator a quem foi distribuído o processo (ou quem o substitua, nomeadamente durante as férias judicias, como se verifica in casu) uma vez que é ao juiz relator que o art. 18º atribui competência para decidir da manutenção da detenção ou a sua substituição por medida de coação.
7. Os pressupostos da substituição da detenção por medida de coação são os que resultam da especial natureza, finalidade e regime do MDE, com especial destaque para a condição imposta ao Estado de execução pelo art. 12º da Decisão-Quadro MDE de tomar todas as medidas que considerar necessárias a fim de evitar a fuga da pessoa procurada ao libertar provisoriamente o detido, que éconforme com o dever geral previsto no art. 17º nº5 da citada Decisão-quadro, cujo teor é o seguinte:
- “5. Enquanto não for tomada uma decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu pela autoridade judiciária de execução, o Estado-Membro de execução deve zelar por que continuem a estar reunidas as condições materiais necessárias para uma entrega efectiva da pessoa.”
Conforme se diz no Ac STJ de 02-02-2005, relator, Henriques Gaspar, « I - A possibilidade de aplicação de medida de coacção de entre as previstas no CPP prevista no art. 18.º, n.º 3, da Lei 65/03, de 23-08, pressupõe um juízo que, embora autónomo na competência da autoridade de execução do mandado de detenção europeu, não pode deixar de estar mutuamente intercondicionado pela natureza do mandado e pelos fundamentos que determinaram a sua emissão - para procedimento penal ou para execução de uma pena após a condenação no Estado da emissão (…) II - E o procedimento de execução do mandado tem de decorrer de modo a que o Estado da execução possa entregar a pessoa procurada, e detida, ao Estado da emissão; para tanto, a entidade de execução deve acautelar o cumprimento efectivo de tal obrigação. (….)».
Também no acórdão do STJ de 9-08-2013 (parcialmente transcrito do site da PGD de Lisboa) se diz que “ (…) III.A detenção, para efeitos de MDE (…) como categoria jurídico-processual autónoma, de âmbito internacional para efeitos de extradição, não equivale, não tem a mesma natureza, fundamento e finalidade que a figura da detenção em processo penal português e não corresponde à medida de coacção prisão preventiva. IV. A detenção, para efeitos de execução de MDE, é menos exigente quanto aos requisitos que a prisão preventiva, até pelos prazos mais curtos previstos no art. 30.º da Lei 65/2003, de 23-08. A sua aplicação é de aferir nas circunstâncias objectivas em que o mandado foi emitido, o qual pressupõe o perigo de fuga da pessoa visada, desde logo em face da gravidade do crime, e da sua naturalidade e residência”.
8. Resulta, pois, das disposições normativas e da jurisprudência, citadas, que não estamos perante verdadeiras medidas de coação mas antes perante medidas especificamente destinadas a assegurar a detenção e entrega de pessoa, determinada por uma autoridade judiciária de outro Estado, donde pode afirmar-se que o risco de fuga do detido constitui o fundamento específico da detenção ou outra medida cautelar que a substitua, pelo que o tribunal de execução apenas deve libertar provisoriamente o detido quando puder concluir que medida de coação prevista no CPP português menos gravosa que a detenção é adequada e suficiente para prevenir aquele mesmo risco, em conformidade com a regra estabelecida no artigo 12.º da Decisão-Quadro MDE.
9. No caso presente, o requerente alega que vive com a esposa no nosso País há cerca de dois anos e que desde então tem aqui o seu centro de vida, tanto do ponto de vista profissional e económico como pessoal, sendo certo que o modo de vida que descreve é próprio de um cidadão integrado e mesmo ativo no meio social onde agora se encontra inserido.
A verdade, porém, é que a integração e modo de vida do ora detido não se apresentam como obstáculo sério a que o arguido decida furtar-se à execução do presente MDE e, desse modo, ao cumprimento da pena de privação da liberdade por 10 anos que o esperará no reino Unido.
O requerente alega ainda que apesar de o presente MDE ter sido emitido em 21.07.2017, foi logo detido a 25 do mesmo mês no campo de golfe onde estava a renovar o terreno de jogo. Ora, embora tal indicie que o requerente fazia a sua vida de forma pública, sem tomar cuidados para se ocultar das autoridades policiais, tal não contraria a atualidade e intensidade do perigo de fuga verificado, precisamente porque só agora tem conhecimento do Mandado de Detenção emitido contra si.
Por último, é sabido que a OPH com vigilância Eletrónica não constitui medida de coação vocacionada para fazer face a perigo de fuga, na medida em que só depois de consumada os serviços competentes podem tentar localizar o detido.
10. Deste modo, os fundamentos invocados pelo detido não permitem concluir que a OPH com vigilância eletrónica ou outra medida menos gravosa é adequada e suficiente para evitar a fuga do detido, pelo que se indefere a pretendida substituição da detenção, cuja manutenção foi decidida aquando da audição a que respeita o art. 18º da Lei 65/2003 que, assim, se mantem.
Notifique
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Uma vez que não é possível apreciar a oposição apresentada pelo detido no turno que hoje termina, abra conclusão aos Exmos colegas que asseguram o próximo turno.
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(António João Latas
relator de turno)