I - A natureza urgente do processo por crime de violência doméstica só cessa com o trânsito em julgado da respectiva sentença, pelo que o prazo para interposição de recurso da sentença condenatória não se suspende no período de férias.
A natureza urgente atribuída aos processos por crime de violência doméstica implica que os prazos processuais corram durante os fins-de-semana, férias e feriados para todos os sujeitos e intervenientes processuais e para a secretaria, mesmo que não haja arguidos presos.
O prazo de interposição do recurso conta-se a partir do depósito da sentença na secretaria como resulta expressamente do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 411.º do CPP, bem como do preceituado no artigo 372.º, n.º 4 do mesmo diploma legal.
O depósito da sentença proferida nos presentes autos ocorreu em 17-03-2017.
O prazo para interposição de recurso é de 30 dias, contados ininterruptamente, durante fins-de-semana, feriados e férias judiciais.
Tal prazo terminou no dia 17 de Abril de 2017, sem a contagem da possibilidade de o recurso ser interposto até ao 3º dia posterior ao términus do prazo acrescido de multa.
O presente recurso do arguido foi apresentado em 27 de Abril de 2017, manifestamente fora de prazo.
Face ao exposto, por manifestamente extemporâneo, rejeito o recurso ora apresentado.»
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Cumpre apreciar e decidir.
Em matéria de recursos dispõe o artigo 411.º, n.º 1, b) do CPP que o prazo para a respectiva interposição é de 30 dias e conta-se, tratando-se de sentença ou acórdão, do respectivo depósito na secretaria.
Como resulta do disposto no artigo 28.º da Lei n.º 112/2009, de 16/9, os processos por crime de violência doméstica têm, ope legis, natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, sendo que a natureza urgente implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal.
A natureza urgente atribuída aos processos por crime de violência doméstica implica que os prazos processuais, nomeadamente a interposição de recurso de decisões nele proferidas, corram durante os fins-de-semana, férias e feriados para todos os sujeitos e intervenientes processuais e para a secretaria, mesmo que não haja arguidos presos (como é o caso), como estipula o artigo 104.º, n.º2 do CPP, não se suspendendo, pois, no decurso dos períodos de férias judiciais, como é entendimento jurisprudencial uniforme.
Aliás, à mesma solução chegamos se tivermos presente que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 104.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 138.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (artigo 144.º do anterior CPC), se aplicam à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei do processo civil, o que significa que o prazo processual não se suspende durante as férias judiciais, tratando-se de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes, como é o caso, pois o artigo 28.º, n.º 1 da Lei n.º 112/2009, estatui expressamente que os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos.
Neste sentido se tem pronunciado uniformemente a jurisprudência ( cfr., entre outros, os Acórdãos desta Relação de Évora de 28-06-2011 e 20-01-2015, da Relação do Porto de 19/1/2011 e de 16/3/2011 e decisões de Reclamações de 7/6/2010 e 10-03-2014, acórdãos da Relação de Coimbra de 24-09-2014 e 11-02-2015, da Relação de Guimarães de 04-04-2016 e do Supremo Tribunal de Justiça de 29/1/2007, disponíveis em www.dgsi.pt.).
O legislador, in casu, quis repercutir o fundamento de celeridade do prazo para a prática de ato no seio do processo, e não em função dos intervenientes processuais, da sua pluralidade ou da diversidade das questões que nele se possam colocar.
Como decidiu o STJ no seu aresto de 03-03-2016 a natureza urgente do processo por crime de violência doméstica deve cessar com o trânsito em julgado da respectiva decisão, até porque esta se torna exequível desde esse momento.
Compulsados os autos verifica-se que:
a) A sentença foi proferida em 16-03-2017 e depositada em 17-03-2017;
b) Conforme resulta da ata de audiência em que se procedeu à leitura da sentença estiveram presentes, além do mais, o arguido e o seu ilustre defensor, que foram devidamente notificados;
c) O arguido apresentou o seu recurso em 26 de Abril de 2017, via e-mail, tendo o original dado entrada no dia seguinte.
Uma vez que o prazo para a interposição de recurso se iniciou no dia 18 de Março de 2017, o prazo de 30 dias a que se refere o n.º 4 do artigo 411.º do CPP esgotou-se no dia 17 de Abril de 2017, podendo, no entanto, mediante o pagamento de uma multa, o recurso ser apresentado nos três dias úteis subsequentes, isto é, até 20 de Abril de 2017 – artigo 139.º, nºs 5 e 6 do CPC ex vi artigo 107.º, n.º 5 do CPP.
Por conseguinte, há-de concluir-se que o recurso apresentado pelo arguido no dia 26 de Abril de 2017 foi interposto fora do prazo legal, assim como dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, quando já havia transitado em julgado a decisão condenatória cuja impugnação se visava.
Como o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de dizer Acórdão n.º 158/2012, in D.R. n.º 92, Série II de 2012-05-11, não são inconstitucionais as normas do artigo 28.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, quando interpretadas no sentido de que os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, não se suspendendo no período de férias judiciais o prazo para interposição de recurso de decisões neles proferidas.
Foi referido em tal aresto, “tem de reconhecer-se, no entanto, que o facto de a contagem do prazo de recurso não se suspender no período de férias judiciais tem um efeito prático ou indireto de encurtamento do tempo disponível para o exercício do direito, no sentido de que o termo do prazo vem a ocorrer em momento anterior àquele em que se verificaria se a contagem beneficiasse da suspensão em férias judiciais. Porém, não pode considerar-se este efeito violador das garantias de defesa. O interessado continua a dispor do período de tempo em geral considerado adequado para optar esclarecidamente por acatar ou impugnar a sentença e interpor e motivar o respetivo recurso. Apenas é privado da possibilidade de não ter de praticar tais atos no período de férias judiciais, rectius, deixa de obter a neutralização do período de férias judiciais mediante a suspensão da contagem do prazo nesse período. Esse efeito – consequência geral inerente ao facto de o período de férias judiciais não significar a paralização total da atividade dos tribunais – poderá ter reflexos negativos na organização do trabalho do advogado ou defensor do arguido (do mesmo modo que o terá no dos demais sujeitos processuais), mas não atinge e muito menos restringe, o direito ao recurso, cujos pressupostos, âmbito, formalidades e prazo para o exercício dos poderes processuais competentes se mantém intocados.”
As dificuldades que tal aspecto possa criar no direito ao descanso, nos períodos de férias judiciais, dos Ilustres Defensores ou advogados constituídos pelos sujeitos processuais que tenham de intervir em processos de natureza urgente, não configuram justo impedimento, ou causa para suspensão da contagem de prazos, ope judicis, nos casos em que o legislador quis a celeridade do processo de modo a salvaguardar outros interesses protegidos, pois a própria lei consagra soluções para as faltas ou impedimentos dos mesmos, o que pode passar pelo recurso ao substabelecimento dos poderes conferidos em quem possa exercer o patrocínio judiciário.
Os advogados, enquanto profissionais livres, ao contratarem a prestação de serviços com os clientes, devem garantir-lhes a continuidade do serviço até à respectiva conclusão. O advogado, trabalhador livre e por conta própria, não tem assegurado na Lei Fundamental o direito a férias e, embora tenha a faculdade de fazer férias quando entender, deve assumir os custos e as renúncias que essa liberdade implica.
Nenhuma censura a fazer à decisão reclamada, que se mantém.
Decisão:
Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, indefere-se a reclamação e confirma-se o despacho reclamado.
Custas pelo reclamante fixando a taxa de justiça em 3 UC (art. 1.º e 8.º, n.º3 do RCP, com referência à Tabela III anexa.)
Évora, 24 de Agosto de 2017
Fernando Ribeiro Cardoso (Juiz Presidente da Secção Criminal em serviço de turno)