1. A “perda de chance”, em processo executivo, por ato ou omissão do agente de execução, tem como pressuposto a existência de bens de valor suficiente para proporcionar o pagamento coercivo do crédito dado à execução.
2. Inexistindo estes, não ocorre um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual - o dano.
- O solicitador/agente de execução “é um misto de profissional liberal e funcionário público, cujo estatuto de auxiliar da justiça implica a detenção de poderes de autoridade no processo executivo”, com consequente “desempenho de um conjunto de tarefas, exercidas em nome do tribunal, sem prejuízo da possibilidade de reclamação para o juiz dos atos e omissões por ele praticados” [4];
- Para além dos deveres a que está sujeito, por estar inscrito como solicitador, o solicitador/agente de execução deve, nomeadamente, praticar, de forma diligente, os atos processuais de que seja incumbido, com observância escrupulosa dos prazos legais ou judicialmente fixados, e submeter a decisão do juiz os atos que dependam de despacho ou autorização judicial e cumpri-los nos precisos termos fixados[5];
- Em sede de responsabilidade civil extracontratual, são vários os pressupostos que condicionam a obrigação de indemnizar imposta ao lesante, a saber: facto objetivamente controlável ou dominável pela vontade (facto); violação de direitos sobre as coisas ou de norma destinada proteger interesses alheios (ilicitude); censurabilidade do agente, por, sendo titular de discernimento e liberdade de determinação, ter agido de determinado modo, quando, face às circunstâncias concretas do caso, podia e devia ter agido de outro modo (imputação do facto ao lesante); prejuízo in natura que o lesado sofreu, com o consequente reflexo na sua situação patrimonial ou no campo dos valores de ordem moral (dano); aptidão abstrata e condicionalidade concreta entre o facto e o dano (nexo de causalidade entre o facto e o dano)[6];
- A “perda de chance” corresponderá à extinção da possibilidade de se obter um determinado resultado (favorável), situação que poderá assumir relevo para o Direito caso seja imputável a um terceiro, estando preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil[7];
- A particularidade que ocorre na situação de “perda de chance” numa ação judicial, consiste em saber como determinar a certeza do dano e o respetivo montante quando o advogado descuida o processo e a falta é contrária aos interesses do seu cliente, sendo certo que quem demanda ou é demandado tem à sua frente um resultado incerto[8];
-“O dano da perda da oportunidade de ganhar uma ação não pode ser desligada de uma probabilidade consistente de a vencer. Para haver indemnização a probabilidade de ganho há-de ser elevada” [9];
-“A perda de chance deve ser considerada como um dano atual, autónomo, consubstanciado numa frustração irremediável (dano), por ato ou omissão de terceiro, de verificação de obtenção de uma vantagem que probabilisticamente era altamente razoávell supor que fosse atingida, ou na verificação de uma desvantagem que razoavelmente seria de supor não ocorrer não fosse essa omissão (nexo causal). Para haver indemnização, o dano da perda de oportunidade de ganhar uma ação não pode ser desligado de uma consistente e séria probabilidade de a vencer” [10];
- Na doutrina da perda de chance, o direito à indemnização decorre de o ato omitido estar dependente da probabilidade real, séria e considerável de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, ou seja, que a probabilidade que a vítima dispunha de alcançar tal vantagem não era desprezível, “antes se qualificando como sérias e reais” [11];
- A atribuição da indemnização está dependente da ”demonstração de certa consistência da oportunidade perdida”, opção “que tem vindo a ser seguida pelos tribunais portugueses, nomeadamente, pelo STJ, há uma aproximação ao nexo de causalidade dos tribunais ingleses e estado-unidenses, que preservam o respeito pela conditio sine quo non, bastando-se com uma certeza de 50%”[12];
- Para a realização da probabilidade de sucesso no litígio em questão, deve o juiz ”realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo”[13];
- Deve impor-se ao lesado o “ónus de provar, além do ato ilícito, a verificação do dano final (o único a indemnizar) e uma considerável probabilidade de obtenção de ganho de causa na ação originaria que se frustrou, não fora a falta cometida pelo mandatário, o que seja, exatamente, essa considerável probabilidade é algo que, necessariamente, dependerá da prudência dos julgadores, parecendo-nos acertado, como orientação geral, o limiar dos 50%.. Na verdade, abaixo do referido limiar (…) o cliente acabaria por ser ressarcido, pelo seu mandatário forense e ainda que parcialmente, pela frustração de pretensões cujo êxito, relativamente à verdadeira contraparte, não se acharia minimamente assegurado”[14];
- “O contrato de seguro é aquele pela qual uma pessoa se obriga, mediante ao pagamento por outra de determinado prémio, a indemnizá-la ou a terceiro pelos prejuízos decorrentes da verificação”[15].
C - Aplicação do direito aos factos
Se a responsabilidade civil extracontratual, decorrente da “perda de chance”, tem uma configuração especial, quanto ao elemento dano, nas ações declarativas, o mesmo já não sucede nas executivas.
Nestas, é bem mais fácil “determinar a certeza do dano e o respetivo montante”, quando, nomeadamente, o agente de execução “descuida o processo” e esta sua conduta é, em princípio, contrária aos interesses do exequente.
Na verdade, traduzindo-se o processo executivo na apreensão de bens do devedor e sua venda para, com o produto desta, pagar ao credor, o seu fim típico depende, como é evidente, da existência de bens a penhorar.
Ou seja: a “frustração irremediável (dano)”, por ato ou omissão do agente de execução tem como pressuposto a existência, no património do executado, de bens de valor suficiente para proporcionar o pagamento coercivo do crédito dado à execução.
No caso dos autos, onde está em causa o pagamento coercivo da quantia de €12.838,6, ao único bem penhorado - veículo automóvel do ano de 2004 -, mas não apreendido, por não ter sido encontrado - foi dado o valor, com referência a 2016, de €100,00.
Não tendo sido encontrado o automóvel, o processo executivo instaurado não atingiria o seu fim útil - a apreensão material de bens, para, com o produto da sua venda, se pagar ao exequente.
Equivale isto a dizer que os recorrentes CC e DD não obteriam “ganho de causa”, mesmo que a recorrida BB, por admitido lapso, não tivesse desencadeado, culposamente ou não, a extinção da ação executiva nº 3234/09.9 TBSTR.
Assim sendo, não se verifica um dos pressupostos do facto ilícito gerador da obrigação de indemnizar imposta ao lesante - o dano.
O mesmo acontece que aptidão abstrata e condicionalidade concreta entre o facto e o dano ou nexo de causalidade entre o facto e o dano - outro dos pressupostos.
Não se verificando, no critério desta Relação, estes pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, é irrelevante a questão da natureza culposa ou não do “lapso” da recorrido BB - outro dos pressupostos -, ao promover a extinção da citada ação executiva, razão pela qual dela não se toma conhecimento.
Não é, pois, de subscrever, ainda que por outro fundamento, a pretensão dos recorrentes CC e DD.
Em síntese[16]: a “perda de chance”, em processo executivo, por ato ou omissão do agente de execução, tem como pressuposto a existência de bens de valor suficiente para proporcionar o pagamento coercivo do crédito dado à execução; inexistindo estes, não ocorre um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual - o dano.
Decisão
Pelo exposto, decidem os Juízes desta Relação, julgando o recurso improcedente, manter a sentença impugnada.
Custas pelos recorrentes.
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Évora, 14 de setembro de 2017
Sílvio José Teixeira de Sousa
Maria da Graça Araújo
Manuel António do Carmo Bargado
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[1] Devido ao seu falecimento, a ação prosseguiu com os seus herdeiros, CC e DD.
[2] Foi admitida a intervenção, nos autos, de Companhia de Seguros ..., nos termos do artigo 322º., nº 2 do Código de Processo Civil.
[3] Conclusão elaborada por esta Relação, a partir das longas (23) e prolixas “conclusões” dos recorrentes.
[4] José Lebre de Freitas, in A Ação Executiva Depois da Reforma da Reforma, 5ª edição, págs. 26 e 27( no mesmo sentido, Fernando Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 10ª edição, págs. 131 a 139) e artigo 723º., nº 1, c) do Código de Processo Civil.
[5] Artigo 123º., nº 1, a) e b) do Estatuto da Câmara dos Solicitadores (Decreto-Lei nº 88/2003 de 26 do abril).
[6] Artigo 483º., nºs 1 e 2 do Código Civil e Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 3ª edição, págs. 417 e segs..
[7] Sara Lemos de Meneses, in Perda de Oportunidade: uma mudança de paradigma ou um falso alarme?, Universidade Católica Portuguesa, 2013, 1.
[8] Acórdão da Relação do Porto, de10 de setembro de 2012 (processo nº 275/09.0 TVPRT), in www.dgsi.pt..
[9] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de março de 2013 (processo nº78/09.1 TVLSB, L1.S1). in www.dgsi.pt..
[10] Revista nº 614/06.5 TVLSB.L1.S1, 6ª secção, in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça.
[11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de fevereiro de 2013 (processo nº 2035/05.8 TVLSB.l1.S1), in www.dgsi.pt..
[12] Sara Lemos de Meneses, in Perda de Oportunidade: uma mudança de paradigma ou um falso alarme?, Universidade Católica Portuguesa, 2013, 73.
[13] Luís Medina Alcoz, in Revista de Responsabilidade Civil e Seguro, disponível em http://www.asociacionabogadosrcs.org//doctrina/Luis%20Medina.pdf?phpMyAdmin=9 eb1fd7fe71cf931d588191bc9123527
[14] Rui Cardona Ferreira, in A Perda de Chance Revisitada (a propósito da responsabilidade do mandatário forense), disponível em http://www.oa.pt/upl/%7Bc8303c60-83ae-4dbf-af6a-cf29f1c61ba4%7D.pdf
[15] Artigo 426º do Código Comercial e Acórdãos do STJ de 17 de novembro de 2005, in C.J., ano de 2005 vol. III, pág.. 120, e da Relação de Évora de 29 de março de 2007, in www.dgsi.pt.
[16] Artigo 663º., nº 7 do Código de Processo Civil