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ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO
DISPENSA DE PENA
IRRECORRIBILIDADE
Sumário
I - O despacho de arquivamento em caso de dispensa de pena, quer o proferido no inquérito pelo Ministério Público, quer o proferido em instrução pelo juiz, é inimpugnável, o que se justifica pelo carácter consensual da decisão, de cujo processo de formação apenas é afastado o assistente.
II - Esse afastamento justificar-se-á pelas razões de política criminal em que se funda o instituto, que são razões de ordem pública que não podem ser prejudicadas por interesses privados.
III - Não pode assim o assistente impugnar o despacho de arquivamento, apesar de ele não ter intervenção no processo decisório. Ao determinar a inimpugnabilidade dessa decisão, a lei veda não só a possibilidade de recurso jurisdicional, que aliás não teria sentido, uma vez que a decisão é do Ministério Público, como também a possibilidade de impugnação, quer por via hierárquica, quer através da abertura de instrução.
Texto Integral
DECISÃO SUMÁRIA – arts. 417º, nº 6, al. b), 420º, nº 1, al. b) e 414º, nº 2, do CPP.
1. Nos autos de inquérito n.º 409/17.0T9EVR, da Comarca de Évora, em que são arguidos JL e JS, foi proferido despacho judicial de concordância com o arquivamento do inquérito por dispensa de pena, relativamente a crime de ofensa à integridade física simples, do art. 143.º, n.º 1 do CP.
Inconformado com o decidido, recorreu JS, enquanto assistente, concluindo da forma seguinte:
“a) O assistente tem legitimidade e pode impugnar por via de recurso o despacho de concordância com o arquivamento, proferido pelo Juiz de Instrução, por falta dos pressupostos do art. 280, nº 1 do CPP;
b) Como se alegou no pedido cível e consta da prova produzida e dos exames médicos juntos aos autos, o arguido JL agrediu o assistente com diversos socos e murros na cara e na cabeça, impedindo-o de se defender e batendo-lhe violentamente, tendo na mão um molho de chaves, deixando-o incapacitado e de rosto transfigurado durante cerca de 20 dias, sujeito a internamento hospitalar e a mudanças de pensos bi-diárias no Centro de Saúde, com grandes padecimentos;
c) A culpa do arguido JL é elevada, o dano que provocou não foi reparado e razões sérias de prevenção opõem-se à dispensa de pena, por falta dos pressupostos do art. 74 do CP;
d) A integridade física das pessoas individualmente consideradas é um bem constitucionalmente protegido, fundamento radical da paz e da civilidade, mormente quando não se reconduz a simples empurrões ou toques inopinados mas a violência extrema, que afeta a segurança e a saúde - como nos autos;
e) O douto despacho de concordância não atende aos pressupostos do art. 74 do CP, nem os pondera, pelo que viola o disposto no art. 280 do CPP e deve ser revogado.”
O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo:
“I- Em nosso entendimento é irrepreensível o despacho da Mma Juiz de Instrução que manifestou a concordância com o arquivamento dos autos por dispensa de pena.
II- Estavam reunidos os pressupostos do art.º 280.º do Código de Processo Penal.
III- Resultou do inquérito que o aqui recorrente e JL se envolveram, mutuamente, em agressões físicas, no dia 25/08/2015, entre as 16H00 e as 16H15, na Praça da República, em Viana do Alentejo.
IV- Resultaram indícios suficientes da prática, por cada um dos arguidos, JL e JS, de um crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.º do C.P..
V- Contudo, apesar de não existirem dúvidas que os arguidos se envolveram em agressões mútuas, das quais resultaram lesões para ambos os arguidos, a verdade é que não foi possível apurar quem iniciou a contenda.
VI- As testemunhas inquiridas em sede de inquérito foram unânimes em referir que não sabem quem deu início à contenda e qual o motivo da mesma.
VII- Igualmente se entende, que de acordo com o regime estabelecido no Código Penal, para o arquivamento em caso de dispensa de pena, este despacho é irrecorrível.
VIII- Com efeito, o art. 280º do Cód. de Proc. Penal, sob a epígrafe «arquivamento em caso de dispensa da pena», dispõe da seguinte forma:
«1 - Se o processo for por crime relativamente ao qual se encontre expressamente prevista na lei penal a possibilidade de dispensa da pena, o Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução, pode decidir-se pelo arquivamento do processo, se se verificarem os pressupostos daquela dispensa.
2 - Se a acusação tiver sido já deduzida, pode o juiz de instrução, enquanto esta decorrer, arquivar o processo com a concordância do Ministério Público e do arguido, se se verificarem os pressupostos da dispensa da pena.
3 - A decisão de arquivamento, em conformidade com o disposto nos números anteriores, não é susceptível de impugnação» (sublinhado nosso).
IX- Ora, se a decisão de arquivamento, que foi proferida pelo Ministério Público, é insusceptível de recurso
X- Logo, por maioria de razão, o despacho de concordância da Mma Juiz de Instrução Criminal, também o será.
XI- Com efeito, conforme decidiu o Tribunal da Relação do Porto em Acórdão de 19 de Junho de 2013, «a declaração de concordância ou não concordância do juiz de instrução no arquivamento do processo é (…) irrecorrível, como se depreende dos artºs 399º e 400º do CPP», continuando mais adiante nos seguintes termos: «posto que não cabe recurso dos despachos proferidos pelo Mº Público (…), a única possibilidade de fiscalização ao dispor do assistente, caso entenda que não se verificam em concreto os pressupostos e requisitos materiais que determinaram o arquivamento do inquérito com dispensa de pena, seria a reclamação hierárquica» (in www.dgsi.pt – Proc. 765/11.4GDVFR.P1).
XII- Em idêntico sentido já decidiu também o Tribunal da Relação de Coimbra em decisão sumária datada de 22 de Janeiro 2014: «O despacho judicial de concordância com o arquivamento do inquérito em caso de dispensa da pena, é um ato não decisório do juiz de instrução que constitui uma mera formalidade essencial de controlo da legalidade da futura decisão de arquivamento do Ministério Público, a proferir nos termos do artº. 280º, nº 1 do C. Processo Penal; Não sendo um ato decisório do juiz, o despacho de concordância não é recorrível» (in www.dgsi.pt – Proc. 148/13.1GCVIS.C1).
XIII- E bem se compreende que assim seja.
XIV- É que a decisão de arquivamento não cabe ao juiz, mas sim ao Ministério Público, havendo meios próprios para reagir às decisões do Ministério Público que se entenda serem infundadas.
XV- Nomeadamente a já referida intervenção hierárquica.”
Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer acompanhando a resposta do Ministério Público em 1ª instância.
2. O despacho recorrido tem o seguinte teor:
“Resulta das diligências de prova realizadas em inquérito que JL e JS se envolveram, mutuamente, em agressões físicas, no dia 25/08/2015, entre as 16H00 e as 16H45, na Praça da República, em Viana do Alentejo.
No despacho de fls. 215 e ss., o Ministério Público conclui pela existência de indícios suficientes da prática, por cada um dos arguidos, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal.
Pugna, todavia, pela aplicação ao caso vertente de dispensa de pena, já que os arguidos se envolveram mutuamente em agressões físicas e não foi possível apurar conveniente quem iniciou a contenda.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 280.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o Ministério Público, desde que obtida a concordância do Juiz de Instrução, pode decidir-se pelo arquivamento do processo quando se verificarem os pressupostos para a dispensa de pena.
No que concerne ao crime de ofensa à integridade física simples, preceitua o artigo 143.º, n.º3 do Código Penal que: “O tribunal pode dispensar de pena quando: a) tiver havido lesões recíprocas e se não tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro; ou b) O agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor.”
Tendo presente a factualidade carreada para os autos em sede de inquérito - a que é feita referência no despacho acima mencionado - conclui-se que se verificam os requisitos constantes do artigo 143.º, n.º 3 alínea a) do Código Penal.
A ilicitude dos factos e a culpa dos agentes não assume particular gravidade, as lesões não são significativas e, de acordo com os autos, não existem razões de prevenção geral e especial que obstem à aplicação do instituto.
Deste modo, e por entender que se encontram reunidos os pressupostos necessários à dispensa de pena, manifesto a minha concordância com o despacho do Ministério Público, no sentido de se proceder ao arquivamento do presente procedimento criminal, por dispensa de pena.
Devolvam-se os autos ao DIAP.”
3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão a apreciar respeita à sindicância do despacho judicial de manifestação de concordância com o arquivamento do inquérito por dispensa de pena, relativamente aos arguidos JL e JS, e a crime de ofensa à integridade física simples do art. 143.º, n.º 1 do CP.
Desta decisão interpôs recurso JS, mas enquanto (ou na posição de) assistente, cumprindo determinar se tem legitimidade para interpor recurso do despacho que pretende ver alterado.
A questão da recorribilidade do despacho de manifestação de concordância proferido pelo juiz de instrução no inquérito surge como prévia e prejudicial ao conhecimento do objecto do recurso. E ela tem merecido tratamento divergente por parte da jurisprudência, existindo vários acórdãos nos dois sentidos.
Assim, e por todos, sufragando a posição da recorribilidade pode ler-se o acórdão desta Relação de Évora, de 15.10.2013 (Rel. Sérgio Corvacho), que passa a transcrever-se na parte mais relevante aqui, na exaustão do alinhamento dos argumentos que a sustentam.
“O art. 280º do CPP, no qual se fundamentou o arquivamento propugnado pelo MP e ao qual o Exmº Juiz de instrução negou a sua concordância, através do despacho recorrido, é do seguinte teor integral:
1 - Se o processo for por crime relativamente ao qual se encontra expressamente prevista na lei penal a possibilidade de dispensa da pena, o Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução, pode decidir-se pelo arquivamento do processo, se se verificarem os pressupostos daquela dispensa.
2 - Se a acusação tiver sido já deduzida, pode o juiz de instrução, enquanto esta decorrer, arquivar o processo com a concordância do Ministério Público e do arguido, se se verificarem os pressupostos da dispensa da pena.
3 - A decisão de arquivamento, em conformidade com o disposto nos números anteriores, não é susceptível de impugnação.
O normativo agora transcrito não faz condicionar o arquivamento do procedimento criminal nele previsto ao regime procedimental do crime ou dos crimes que estejam em causa, nomeadamente, no sentido de o excluir, quando se proceder por um ilícito criminal particular, pelo que, à partida, nada impediria a aplicação da referida providência aos crimes desta categoria.
Contudo, as normas do citado artigo do CPP terão de ser interpretadas em conjugação com outras disposições da lei de processo criminal, mormente, aquelas que delimitam reciprocamente o poderes do MP e do assistente, em matéria de impulso processual.
O art. 48º do CPP atribui ao MP legitimidade para promover o processo penal, com as restrições previstas nos arts. 49º a 52º.
De acordo com o disposto no nº 1 do art. 50º do CPP, torna-se necessário que, nos casos em a lei faça o procedimento depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, estes se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular.
Sobre os pressupostos do arquivamento do inquérito, dispõe o art. 277º do CPP:
1 - O Ministério Público procede, por despacho, ao arquivamento do inquérito, logo que tiver recolhido prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento.
2 - O inquérito é igualmente arquivado se não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os agentes.
Em matéria de dedução de acusação, rege o art. 283º do CPP:
1 - Se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de 10 dias, deduz acusação contra aquele.
2 - Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
Por sua vez, o nº 1 do art. 284º do CPP estatui:
Até 10 dias após a notificação da acusação do Ministério Público, o assistente pode também deduzir acusação pelos factos acusados pelo Ministério Público, por parte deles ou por outros que não importem alteração substancial daqueles.
Acerca dos casos em que é exigida, para a prossecução do procedimento criminal, acusação particular, o art. 285º do CPP estabelece:
1 - Findo o inquérito, quando o procedimento depender de acusação particular, o Ministério Público notifica o assistente para que este deduza em 10 dias, querendo, acusação particular.
2 - O Ministério Público indica, na notificação prevista no número anterior, se foram recolhidos indícios suficientes da verificação do crime e de quem foram os seus agentes.
3 - É correspondentemente aplicável à acusação particular o disposto nos n.os 3 e 7 do artigo 283.º
4 - O Ministério Público pode, nos cinco dias posteriores à apresentação da acusação particular, acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles.
Do conjunto das normas legais agora evocadas resulta claro que, quando se proceder por crime particular, as posições recíprocas do MP e do assistente, em relação ao poder de impulsionar o processo, se encontram a bem dizer invertidas, relativamente ao paradigma dominante nos restantes casos.
Assim, no caso em que o procedimento dependa de acusação particular, o MP, uma vez findo o inquérito, nunca poderá determinar o respectivo arquivamento, com fundamento na verificação dos pressupostos previstos nos nºs 1 e 2 do art. 277º do CPP, mesmo que se convença que não foram recolhidos indícios suficientes da existência do crime ou de que foi o arguido o seu agente, que os factos indiciados não constituem crime ou que subsiste algum obstáculo legal ao procedimento criminal.
Tudo o que é permitido ao MP fazer, nessa hipótese, é não acompanhar a acusação que o assistente deduza, o que, por si só, não obsta a que o processo avance para as fases subsequentes ao inquérito.
Em face da latitude de poderes que o CPP reconhece ao assistente, nos processos relativos a crimes de natureza procedimental particular, e da posição claramente subordinada ocupada pelo MP, nesses casos, torna-se pelo menos problemática a interpretação das normas do art. 280º do CPP no sentido de permitirem ao MP arquivar o processo, com a concordância do Juiz de Instrução, quando tenha por objecto crime da referida natureza, sem intervenção do assistente e sem lhe conceder, no mínimo, meio processual de reacção contra o arquivamento.
No outro prato da balança, deverão ser pesadas as razões que levaram à consagração do arquivamento previsto no art. 280º do CPP e que são, sobretudo de celeridade e economia processuais, procurando-se através dele obstar ao prosseguimento do processo para julgamento, por uma acusação factual e juridicamente fundada, mas que se sabe não poder conduzir à imposição de uma pena, e também relacionadas com a integração social do arguido, visando-se evitar a estigmatização do arguido, por via da sua sujeição a julgamento público.
Ao contrário do MP, cuja intervenção processual se subordina ao princípio da legalidade, os assistentes são sujeitos processuais particulares e a sua actuação pauta-se necessariamente pela realização dos interesses próprios (obviamente, dentro dos limites que a lei impõe), pelo que não será de esperar deles, pelo menos na maioria dos casos, especial receptividade para a possibilidade de dispensa de pena.
De todo o modo, a circunstância de a lei conferir ao assistente, nos processos relativos a crimes sujeitos a regime procedimental particular, o poder de deduzir a acusação desacompanhado do MP, ou mesmo com a discordância deste, não lhe garante, por si só, a sujeição do arguido a julgamento, pelo objecto da acusação particular, pois o arguido sempre poderá reagir contra esta requerendo a abertura de instrução, nos termos do art. 286º do CPP e, eventualmente, lograr obter a prolação de uma decisão de não pronúncia.
Todo visto, afigura-se-nos que poderiam ficar satisfatoriamente acautelados quer os direitos do assistente quer a realização dos interesses que presidiram à instituição do arquivamento em caso de dispensa de pena, desde que se assegurasse ao assistente a possibilidade de ver reapreciada por um órgão judicial a decisão de arquivamento.
A solução não é líquida, em sede de jurisprudência.
No sentido de que o assistente, não obstante o disposto no nº 3 do art. 280º de CPP, pode reagir contra o arquivamento previsto neste artigo, por meio da interposição de recurso, e não do pedido de abertura de instrução, decidiram os Acórdãos (disponíveis na base de dados do ITIJ) da Relação do Porto de 14/12/05, documento RP200512140544322 e relatado pelo Exmº Desembargador Dr. António Gama, da Relação de Lisboa de 21/4/09, proferido no processo 1771/07.9PBFUN-A.L1-5 e relatado pela Exmª Desembargadora Dra. Filomena Clemente Lima, e de 7/10/05, proferido no processo 1771/07.9PBFUN-A.L2-5 e relatado pelo Exmº Desembargador Dr. Fernando Estrela, e da Relação de Évora de 27/3/12, proferido no processo 3/10.7GCRDD.E1 e relatado pelo Exmº Desembargador Dr. Sénio Alves.
Concordamos, em geral, com a aludida orientação jurisprudencial.
Antes de mais, a disposição do nº 3 do art. 280º do CPP, que declara insusceptível de impugnação a decisão que determine o arquivamento em caso de dispensa de pena, deverá ser entendida como restrita ao MP, de cuja vontade concordante o arquivamento sempre depende, e ao arguido, que não tem interesse em impugná-lo, por lhe ser, em última análise, favorável.
Além disso, importa distinguir com rigor entre o arquivamento, que tenha como fundamento as situações previstas nos nºs 1 e 2 do art. 277º do CPP e aquele que seja determinado na eventualidade tipificada no nº 1 do art. 280º do CPP.
No primeiro caso, temos uma decisão que releva da exclusiva responsabilidade do MP e contra a qual o assistente pode reagir através da reclamação hierárquica a que se refere o art. 279º do CPP ou requerendo a abertura de instrução, nos termos do art. 286º do CPP, sendo a jurisprudência quase unânime no sentido de que o accionamento de um desses meios de defesa faz precluir a utilização do outro.
No segundo caso, a decisão de arquivamento, proferida no termo do inquérito, tem de ter necessariamente a concordância do Juiz de Instrução.
Neste contexto, carece de sentido suscitar apreciação judicial da decisão de arquivamento por um órgão judicial (Juiz de Instrução), que já se pronunciou sobre a questão, pelo que o controle judicial da referida decisão só poderá ser viabilizado por meio da interposição de recurso para um Tribunal Superior.
Por fim, dado que só as decisões de órgãos judiciais e não as do MP são susceptíveis de impugnação recursiva, a decisão, que constitui o objecto de recurso a interpor pelo assistente da decisão que determine o arquivamento em caso de dispensa de pena, é sempre o despacho pelo qual o Juiz de Instrução declare a sua concordância, nos termos do nº 1 do art. 280º do CPP, com tal arquivamento, na sequência de iniciativa do MP nesse sentido.
Ao arrepio da orientação jurisprudencial que vimos enunciando, o Acórdão da Relação do Porto de 19/6/13, proferido no processo nº 765/11.4GDVFR.P1 e relatado pela Exmª Desembargadora Dra. Eduarda Lobo (disponível na base de dados do ITIJ) decidiu que os despachos proferidos pelo Juiz de Instrução, nos casos previstos no nº 1 do art. 280º do CPP, não são susceptíveis de impugnação por meio de recurso, por não se tratar de verdadeiros actos decisórios.
Tal decisão apoiou-se explicitamente na doutrina consagrada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para fixação de jurisprudência nº 16/2009, publicado em DR, I série, nº 248, 24/12/09, o qual decidiu firmar jurisprudência no seguinte sentido:
«A discordância do juiz de instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo, nos termos e para os efeitos do nº 1 do artigo 281º do Código de Processo Penal, não é passível de recurso».
Como pode verificar-se, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência em que se apoia o Acórdão da Relação do Porto acima identificado tratou do despacho através do qual o Juiz de Instrução tenha manifestado a sua discordância em relação à suspensão provisória do processo prevista no nº 1 do art. 281º do CPP, questão diversa da que agora tratamos.
Assim sendo, o poder vinculativo do Acórdão de Fixação de Jurisprudência em causa fora do processo em que é proferido, o qual, nos termos do nº 3 do art. 445º do CPP, não é absoluto, mas apenas tendencial, não vigora no tratamento da questão que presentemente nos ocupa.
Ainda assim, importará investigar se a doutrina subjacente àquele Acórdão Uniformizador deve valer também para os despachos proferidos pelo Juiz de Instrução nos casos previstos no nº 1 do art. 280º do CPP, conforme se entendeu no Acórdão da RP de 19/6/13.
Muito sinteticamente, o mesmo Acórdão Uniformizador concluiu pela irrecorribilidade dos despachos do Juiz de Instrução, que manifestassem discordância da suspensão provisória do processo, com fundamento na asserção de que não se trata de um acto decisório, pois não se enquadra no elenco destes actos definido pelo nº 1 do art. 97º do CPP e na situação prefigurada no nº 1 do art. 281º do CPP o verdadeiro poder decisório incumbe ao MP.
O nº 1 do art. 97º do CPP dispõe:
Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de:
a) Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo;
b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior.
O preceito legal agora reproduzido não contém uma definição material do que seja um acto decisório, limitando-se a dispor sobre a forma que devem assumir os actos decisórios dos Juízes.
Não nos aventuraremos, pela nossa parte, a tentar elaborar uma definição material abrangente do que seja um acto decisório.
Contudo, afigura-se-nos que, no domínio dos actos praticados por Juízes, não poderão deixar de ser considerados decisórios aqueles que correspondam ao exercício material da função jurisdicional, ou seja, os actos através dos quais o Tribunal «diz o direito», relativamente a qualquer questão ou situação que lhe seja submetida.
Parece-nos ser de aceitação pacífica, incluindo pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 16/2009 e pelo Acórdão da RP que nele se apoiou, que a concordância do Juiz de Instrução, exigida pelo nº 1 do art. 280º e pelo nº 1 do art. 281º ambos do CPP para a viabilização do arquivamento em caso de dispensa de pena ou da suspensão provisória do processo, respectivamente, que o MP tenha preconizado no final do inquérito, tem por finalidade assegurar o controlo da legalidade da providência.
Dito por outras palavras, aquilo que se pretende do Juiz de Instrução, nos evocados contextos, é que verifique se se mostram ou não reunidos os requisitos formais e materiais do arquivamento ou da suspensão, conforme for o caso, prescritos pela lei de processo, e tome posição sobre a admissibilidade jurídica da providência.
Caso o Juiz de Instrução se pronuncie em sentido discordante, o arquivamento ou a suspensão ficará irremediavelmente comprometido.
Não se trata, pois, de um acto livre do Juiz, nem orientado por considerações de oportunidade, nem correspondente ao exercício de um poder discricionário ou confiado pela lei ao prudente arbítrio do julgador.
De acordo com a sugestiva expressão utilizada pelo Exmº Conselheiro Dr. Maia Costa, na sua declaração de voto de vencido ao Acórdão de Fixação Jurisprudência nº 16/2009, a concordância do Juiz de Instrução com o arquivamento ou a suspensão «outorga ao subsequente despacho do MP aquele suplemento de jurisdicionalidade que o legitima materialmente» (itálicos no original).
Nesta conformidade, afigura-se-nos que o despacho proferido pelo Juiz de Instrução, nos termos e para o efeito previsto no nº 1 do art. 280º do CPP, não pode deixar de consubstanciar, à luz do critério adoptado, o exercício material da função jurisdicional e, consequentemente, de assumir natureza decisória.
É certo que, neste caso, para que a decisão se forme, não é suficiente a vontade decisória do Juiz, mas antes se exige uma convergência de vontades entre o órgão judicial e uma entidade, o MP, que é o titular da acção penal e, nessa qualidade, sujeito processo, mas cuja intervenção processual, por imposição estatutária e constitucional, tem de se pautar por critérios de legalidade estrita.
No entanto, tal circunstância não retira natureza decisória à intervenção do Juiz de Instrução, antes devendo configurar-se o procedimento em causa como uma co-decisão, envolvendo o Juiz e o MP, conforme salientou, também em declaração de voto de vencido ao Acórdão Uniformizador a que vimos aludindo, o Exmº Conselheiro Dr. Souto de Moura.
Por conseguinte, teremos de concluir que a intervenção do Juiz de Instrução prescrita pelo nº 1 do art. 280º do CPP reveste as características de um acto decisório daquele órgão judicial, o qual, na falta de alguma norma que o declare irrecorrível, fora do âmbito específico de vigência do nº 3 do mesmo artigo, que acima tentámos delimitar, recai na regra geral da recorribilidade, estabelecida pelo art. 399º do CPP.
Dado que, de acordo com entendimento expresso supra, a cláusula de inimpugnabilidade prevista pelo nº 3 do art. 280º do CPP não vincula o assistente, fica em aberto para este sujeito processual a possibilidade de impugnar por via de recurso os despachos de concordância proferidos pelo Juiz de Instrução, nos casos regulados pelo nº 1 do referido artigo.
Uma vez assegurada a possibilidade da interposição de semelhante recurso, impõe-se concluir que a defesa dos direitos do assistente contra um arquivamento com o qual não concorde se mostra suficientemente acautelada, mesmo quando esteja em causa crime cujo procedimento dependa de acusação particular.”
Em sentido oposto ao do acórdão transcrito, e também por todos, pode ler-se o acórdão da Relação de Coimbra de 22.01.2014 (Rel.Vasques Osório), que passa a transcrever-se atenta igualmente a clareza no alinhamento dos argumentos que sustentam esta posição contrária à primeira.
“No actual quadro processual penal, o Ministério Público é o dominus do inquérito e este constitui a única e verdadeira fase de investigação criminal. Com efeito, dispõe o art. 262º, nº 1 do C. Processo Penal que, o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação, cabendo a sua direcção ao Ministério Público (art. 263º, nº 1 do mesmo código).
Neste figurino, no âmbito do inquérito, ao juiz de instrução compete apenas assegurar que os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos são respeitados pelas medidas investigatórias que com eles possam interferir, actuando sempre de forma circunstancial, tipificada e provocada.
A abertura do inquérito dá-se logo que haja notícia de um crime (art. 262º, nº 2 do CPP) isto sem prejuízo das regras relativas à queixa nos crimes semi-públicos e das regras relativas à queixa e à constituição de assistente nos crimes particulares. No seu desenvolvimento são realizados os actos e as diligências necessárias à investigação dos factos, dos seus agentes e das provas. E o seu encerramento ocorre por despacho de arquivamento, por despacho de acusação do Ministério Público, pela notificação ao assistente nos crimes particulares, ou pela suspensão provisória do processo.
Para a questão sub judice releva o arquivamento em caso de dispensa de pena, regulado no art. 280º do C. Processo Penal. Dispõe este artigo:
1 – Se o processo for por crime relativamente ao qual se encontre expressamente prevista na lei penal a possibilidade de dispensa da pena, o Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução, pode decidir-se pelo arquivamento do processo, se se verificarem os pressupostos daquela dispensa.
2 – Se a acusação tiver sido já deduzida, pode o juiz de instrução, enquanto esta decorrer, arquivar o processo com a concordância do Ministério Público e do arguido, se se verificarem os pressupostos da dispensa da pena.
3 – A decisão de arquivamento, em conformidade com o disposto nos números anteriores, não é susceptível de impugnação.
O transcrito artigo admite o arquivamento do processo em dois momentos processuais distintos: no inquérito e na instrução.
No inquérito, a decisão de arquivar o processo é da competência do Ministério Público, e tem como pressupostos:
- A recolha de indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente;
- A expressa previsão legal da possibilidade da dispensa da pena para esse crime;
- A verificação dos pressupostos da dispensa da pena; e
- A concordância do juiz de instrução.
Na instrução, a decisão de arquivar o processo é da competência do juiz de instrução, e tem como pressupostos:
- A dedução de acusação;
- A expressa previsão legal da possibilidade da dispensa da pena para esse crime;
- A verificação dos pressupostos da dispensa da pena; e
- A concordância do Ministério Público e do arguido.
A decisão de arquivamento quanto ao juízo de oportunidade do arquivamento, não é, nos termos do nº 3, susceptível de impugnação, independentemente de ter sido proferida pelo Ministério Público ou pelo juiz de instrução.
Mas sê-lo-á já, com fundamento em violação de lei designadamente, quando o impugnante entenda não estarem verificados os pressupostos substantivos da dispensa da pena. Nestes casos, se o despacho de arquivamento tiver sido proferido pelo Ministério Público, a sua impugnação revestirá a forma de reclamação hierárquica, se tiver sido proferido pelo juiz de instrução, revestirá a forma de recurso ordinário.
Posto isto.
2. Nos autos, o despacho de arquivamento foi proferido pela Digna Magistrada do Ministério Público, evidentemente, na fase do inquérito, depois de a Mma. Juíza de instrução ter manifestado a sua concordância.
O recorrente, que entretanto se constituiu assistente, com fundamento na não verificação dos pressupostos substantivos da dispensa da pena, recorreu, não do despacho de arquivamento do Ministério Público – sendo certo que não o poderia fazer pois das decisões do Ministério Público não cabe recurso – mas da prévia manifestação de concordância da Mma. Juíza de instrução.
Será recorrível esta concordância judicial, este despacho de concordância? Cremos que não.
O princípio geral encontra-se estabelecido no art. 399º do C. Processo Penal segundo o qual, é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei.
O art. 97º do mesmo código define sentença como o acto decisório do juiz que conhece a final do objecto do processo, despacho como o acto decisório do juiz que conhece de qualquer questão interlocutória ou põe termo ao processo sem conhecer do objecto do mesmo, e acórdão como os actos decisórios, sentenças ou despachos, proferidos por um tribunal colegial.
Assim, só os actos decisórios do juiz são recorríveis. E só são actos judiciais decisórios os que tiverem por finalidade ou o conhecimento, a final, do objecto do processo, ou a sua finalização, ainda que sem tomar conhecimento do respectivo objecto (Acórdão nº 16/2009, DR, I, nº 248, de 24 de Dezembro de 2009).
Na situação de que cuidamos, a decisão que põe termo à relação jurídica processual penal, mesmo não conhecendo do mérito, é a decisão de arquivamento proferida pelo Ministério Público, nos termos do art. 280º, nº 1 do C. Processo Penal e não, a concordância judicial. Esta assume, formalmente, a categoria de «despacho», de despacho de concordância mas, substancialmente, não é um acto decisório [nem todos os actos do juiz são actos decisórios], pois não extingue aquela relação. A concordância judicial é apenas uma formalidade essencial, de conformação ou de controlo da legalidade da projectada decisão do Ministério Público.
Em síntese conclusiva:
- O despacho judicial de concordância com o arquivamento do inquérito em caso de dispensa da pena, é um acto não decisório do juiz de instrução que constitui uma mera formalidade essencial de controlo da legalidade da futura decisão de arquivamento do Ministério Público, a proferir nos termos do art. 280º, nº 1 do C. Processo Penal;
- Não sendo um acto decisório do juiz, o despacho de concordância não é recorrível.”
É esta segunda posição a que se considera ser de sufragar.
Reconhecendo a pertinência de parte dos argumentos alinhados no primeiro acórdão, em sentido contrário ao da posição que se adopta, na nossa perspectiva e com todo o respeito, a congruência dessa argumentação não cobre toda a decisão.
Concretizando a nossa divergência, disse-se ali que “em face da latitude de poderes que o CPP reconhece ao assistente, nos processos relativos a crimes de natureza procedimental particular, e da posição claramente subordinada ocupada pelo MP, nesses casos, torna-se pelo menos problemática a interpretação das normas do art. 280º do CPP no sentido de permitirem ao MP arquivar o processo, com a concordância do Juiz de Instrução, quando tenha por objecto crime da referida natureza, sem intervenção do assistente e sem lhe conceder, no mínimo, meio processual de reacção contra o arquivamento”.
Esta seria uma das razões para decidir positivamente a questão da recorribilidade, ou seja, o considerar-se que o Ministério Público, nos crimes particulares, poderia arquivar o processo por dispensa de pena, sem que ao assistente fosse depois dada qualquer possibilidade de reacção.
Sucede que em matéria de crimes particulares rege o art. 285º do CPP e não o art. 280º do CPP.
A disciplina do art. 285º do CPP afasta a aplicação do art. 280º do CPP. O regime do art. 280º do CPP não se aplica aos crimes de natureza particular e o argumento utilizado perde assim utilidade.
Aliás, assim foi entendido (e correctamente) no inquérito presente, não tendo o juiz de instrução opinado sobre o crime de natureza particular conexionado com o de ofensas à integridade física (que deixou fora do seu despacho), nem o Ministério Público decidido pelo arquivamento.
Na verdade, quanto ao crime particular, o Ministério Público deu cumprimento ao art. 285º, nº 1 do CPP.
Aliás, o arguido JL foi até já julgado por esse crime de difamação, que lhe foi imputado na acusação particular deduzida nos autos pelo assistente, ora recorrente.
Outro dos argumentos avançados no primeiro acórdão, e que, na nossa perspectiva, também não colhe é o de que “a disposição do nº 3 do art. 280º do CPP, que declara insusceptível de impugnação a decisão que determine o arquivamento em caso de dispensa de pena, deverá ser entendida como restrita ao MP, de cuja vontade concordante o arquivamento sempre depende, e ao arguido, que não tem interesse em impugná-lo, por lhe ser, em última análise, favorável”.
Não se percebe de onde resulta a afirmada restrição.
Ela não se encontra plasmada na letra da lei, nem pode retirar-se do seu espírito.
Em matéria de impugnação e de recorribilidade de decisões judiciais, as normas que a restringem ou excluem (que decretam a irrecorribilidade ou a insusceptibilidade de impugnação) têm naturalmente como destinatários os afectados por essa decisão; não os beneficiados por ela, ou seja, aqueles que não têm qualquer interesse em agir, como seriam, no caso, o Ministério Público e o arguido.
Como elegê-los então como destinatários únicos do nº 3 do art. 280º do CPP?
Por último, referiu-se no mesmo acórdão que as razões do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 16/2009, no qual se decidiu que «A discordância do juiz de instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo, nos termos e para os efeitos do nº 1 do artigo 281º do Código de Processo Penal, não é passível de recurso» não seriam transponíveis para o caso presente.
Mais uma vez manifestamos a discordância.
Se é certo que a situação ali resolvida não é a mesma que se mostra colocada aqui, não se afigura correcto deixar de acolher (e, logo, transpor) o fundamento que esteve na base daquela uniformização de jurisprudência, dada a similitude de fundamentos que justificam a decisão também aqui.
Trata-se da asserção, feita no acórdão do Supremo, de que não se trataria (ali, na manifestação de discordância com a suspensão provisória do processo) de um acto decisório, por não se enquadrar no elenco desses actos definido pelo nº 1 do art. 97º do CPP, e na situação prefigurada no nº 1 do art. 281º do CPP o verdadeiro poder decisório incumbiria ao Ministério Público. O acto decisório seria o do Ministério Público e não o do juiz.
No que à estrita natureza de tais despachos judiciais diz respeito, não vislumbramos diferenças (que existirão segundo o acórdão da Relação de Évora) entre os dois despachos de concordância proferidos pelo juiz de instrução – o previsto no art. 280º, nº 1 e o previsto no art. 281º, nº 1, do CPP.
Nas duas situações, o verdadeiro poder decisório incumbe sempre ao Ministério Público, dominus do inquérito, e não ao juiz. Nas duas situações tratar-se-ia de despachos que “não se enquadram no elenco desses actos definido pelo nº 1 do art. 97º do CPP”.
Não se vislumbra por isso qualquer razão para não acolher, aqui também, aquele fundamento do acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça.
Assim sendo, fica a carecer de suficiente sustentação o acórdão da Relação de Évora, afigurando-se mais coerente a posição sufragada pelo acórdão da Relação de Coimbra, igualmente transcrito, a que se adere.
E para além dos fundamentos neste aduzidos, que se acolhem, registe-se ainda a posição manifestada por Maia Costa, no Código de Processo Penal Comentado pelos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça (António Henriques Gaspar e outros, 2004, p. 979), em sentido idêntico ao que se adopta:
“O despacho de arquivamento, quer o proferido no inquérito pelo Ministério Público, quer o proferido em instrução pelo juiz, é inimpugnável, o que se justifica pelo carácter consensual da decisão, de cujo processo de formação apenas é afastado o assistente.
Esse afastamento justificar-se-á pelas razões de política criminal em que se funda o instituto, que são razões de ordem pública que não podem ser prejudicadas por interesses privados.
Não pode assim o assistente impugnar o despacho de arquivamento, apesar de ele não ter intervenção no processo decisório. Ao determinar a inimpugnabilidade dessa decisão, a lei veda não só a possibilidade de recurso jurisdicional, que aliás não teria sentido, uma vez que a decisão é do Ministério Público, como também a possibilidade de impugnação, quer por via hierárquica, quer através da abertura de instrução.
(…) Não se poderá considerar que a norma é inconstitucional, interpretada desta maneira, por deixar sem protecção a posição do assistente. (…) É que a exclusão da intervenção do assistente no processo de decisão assenta, como se explicitou, nos propósitos de política criminal que justificam o instituto do arquivamento em caso de dispensa de pena, acima enunciados. Por outro lado, a defesa da legalidade fica assegurada com a intervenção fiscalizadora do juiz. A subalternização dos interesses do assistente tem, pois, sustentação material.”
E se o assistente não pode impugnar o despacho de arquivamento proferido nos termos do art. 280º do CPP, ficaria também por explicar a (in)coerência da solução defendida em recurso, no sentido da viabilidade de impugnação da concordância prévia do juiz de instrução.
Em suma e para concluir, tendo sido o recurso do assistente interposto de um despacho judicial que é, assim, irrecorrível, e não estando a Relação vinculada ao despacho que admitiu o recurso (art. 414º, nº 3, do CPP), impõe-se a rejeição por decisão sumária, nos termos dos arts. 414º, nº 2, 420º, nº 1, b) e 417º, nº 6, b), do CPP.
4. Face ao exposto, decide-se rejeitar o recurso do assistente face à irrecorribilidade do “despacho de concordância” que se pretendia impugnar.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs (arts. 420º/3 e 513º/3, CPP).