CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Sumário

I – A conversão da pena de multa em prisão subsidiária só tem lugar se estiverem reunidos três pressupostos: (i) a pena de multa não ter sido substituída por prestação de trabalho, (ii) a pena de multa não ter sido paga voluntariamente nem coercivamente, isto é, não ter sido executada e (iii) o incumprimento da pena de multa ser culposo.
II – É pressuposto da suspensão da execução da prisão subsidiária que o não pagamento da multa tenha ocorrido por motivo não «imputável» ao condenado;
III – Recai sobre este o dever de provar que o não pagamento da multa aconteceu por motivo que não lhe é imputável.
IV – Mas tal não significa que o Tribunal face aos elementos factuais constantes dos autos não possa – e deva - concluir pela não culpa do pagamento da multa por parte do condenado e, consequentemente, decrete a suspensão da execução da prisão subsidiária.
V – É de concluir que o não pagamento da multa não ocorreu por motivo imputável ao condenado e, por consequência, deve suspender-se a execução da pena de prisão subsidiária, se o tribunal a quo afirma a impossibilidade de deitar mão ao pagamento coercitivo da multa, tendo em conta a inexistência de bens penhoráveis por banda do condenado, bem como pela não possibilidade de substituir a multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, por se encontrar preso.

Texto Integral

Recurso n.º 542/14.0GBSLV.

Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.
Nos autos de Processo Comum com intervenção de Tribunal Singular, com o n.º 542/14.0GBSLV, que correm termos pela Comarca de Faro - Instância Local de Silves- Juízo de competência Genérica- J2, foi o arguido BB julgado e condenado, por Sentença transitada em julgado em 30 de Setembro de 2016, pela prática como autor material de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º, n.º1, al. b), do Cód. Pen., na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 5.00, perfazendo um total de € 600,00.
O Condenado não procedeu ao pagamento voluntário da pena de multa, mas requereu a substituição desta por trabalho.
O Ministério Público promoveu que tal pena fosse convertida na correspondente prisão subsidiária.
Notificado o condenado para se pronunciar sobre a eventual conversão da pena de multa em prisão subsidiária limitou-se a requerer a suspensão da prisão subsidiária.
Por despacho judicial, datado de 2 de Março de 2017, foi determinada a conversão da pena de multa de 120 (cento e vinte) dias em 80 (oitenta) dias de prisão subsidiária, indeferindo-se a requerida suspensão.

Inconformado com o assim decidido traz o condenado BB o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões:
1- O presente recurso vem interposto da decisão que determinou a conversão da pena de multa de 120 (cento e vinte) dias em 80 (oitenta) dias de prisão subsidiária e indeferiu o pedido de suspensão da execução da prisão subsidiária.
2- A decisão proferida não valorou devidamente os elementos de facto constantes dos autos e depois não efetuou uma correta aplicação do direito.
3- Face aos elementos constantes dos autos é notório que o arguido não procedeu ao pagamento da multa por não dispor de meios económicos e financeiros para o poder fazer, tendo também por razões alheias à sua vontade (encontra-se a cumprir pena de prisão) se visto impossibilitado de momentaneamente poder prestar trabalho a favor da comunidade conforme solicitou.
4- Os factos notórios não carecem de alegação nem de prova.
5- O arguido tem como cumprir a pena em que foi condenado de outra forma que não pela prisão subsidiária desde que lhe seja dada essa oportunidade.
6- A suspensão da execução da pena de prisão subsidiária conforme foi solicitado permitirá que o arguido possa cumprir a pena sem privação da sua liberdade, conforme determina o artigo 70.º do Código Penal.
7- O mecanismo previsto no artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal, de suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, é um meio que deve ser utilizado com vista a que se atinja o propósito de que as penas não sejam privativas da liberdade.
8- O tribunal “a quo” ao não ter permitido a suspensão da execução da pena de oitenta dias de prisão subsidiária violou os artigos 49.º, n.º 3, e 70.º, do Código Penal.

Nestes termos, e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e em consequência ser revogada a decisão recorrida e ser ordenada a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária.

Respondeu ao recurso a Magistrada do Ministério Público, dizendo:
1 - O arguido, ora recorrente foi condenado, por sentença transitada em julgado em 30.09.2016, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punível pelo artigo 348º/1 al. b) do Código Penal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), perfazendo o total de €600,00.
O recorrente requereu a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade, mas, porque se encontrava a cumprir pena de prisão, a prestação de trabalho a favor da comunidade não foi exequível. Verificou-se ainda que a cobrança coerciva do património do recorrente não foi possível face à inexistência de bens e de rendimentos do mesmo – vide fls. 150 a 152, 157, 158 e 160.
Notificado o recorrente da promoção do Ministério Público - vide promoção com referência 105300880 -, o recorrente limitou-se em requerer a suspensão da prisão subsidiária – sublinhado nosso.
Ora, diz a M.ma Juiz a quo que : “o arguido não alegou, nem resulta dos autos que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, razão pela qual, salvo melhor entendimento, é inaplicável o disposto no artigo 49º/3 do Código Penal.”
Assim, a M.ma Juiz a quo converteu a pena de multa do recorrente em 80 (oitenta) dias de prisão subsidiária, indeferindo-se a requerida suspensão.
2 - Inconformado, o arguido, ora recorrente, interpôs desta decisão recurso, alegando em síntese, que “face aos elementos constantes dos autos é notório que o arguido não procedeu ao pagamento da multa por não dispor de meios económicos e financeiros para o poder fazer”, devendo assim a M.ma Juiz a quo ter determinado a suspensão da sua prisão subsidiária, nos termos do disposto no artigo 49º/3 do Código Penal.
3 - Contudo, salvo o devido respeito, o presente recurso não merece provimento.
4 - O artigo 49º/1 do Código Penal estabelece que se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntaria ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo de um mês de prisão.
5 - Por sua vez, o artigo 49º/3 do Código Penal dispõe que a pena de prisão subsidiária é susceptível de ser suspensa por um período de 01 a 03 anos, nos casos em que o condenado prove que o não pagamento da multa não lhe é imputável, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico.
6 - O artigo 49º/3 do Código Penal exige ao condenado a demonstração por provas de que o não pagamento da multa não lhe é imputável.
7 - Assim, em harmonia com o disposto no artigo 49º/3 do Código Penal e o disposto nos artigos 489º a 491ºA do Código de Processo Penal, o arguido deve demonstrar que não tem meios para proceder ao pagamento da multa no momento em que apresenta o seu requerimento de suspensão da pena de prisão subsidiária, uma vez que o artigo 49º/2 do Código Penal permite o pagamento da multa a qualquer altura como forma de evitar total ou parcialmente a prisão.
8 - No caso dos autos, o condenado, ora recorrente limitou-se em requerer a suspensão da sua pena de prisão subsidiária, sem demonstrar que o não pagamento da multa não lhe era imputável.
9 - Consta dos autos que o recorrente não tem bens nem rendimentos suficientes para a execução coerciva do seu património para o pagamento da multa,
10 - Bem com consta que o recorrente esteve detido,
11 - Mas só por si, estes factos são insuficientes para concluir que o não pagamento da multa não foi imputável ao recorrente.
12 - É ao condenado que incumbe a prova de que o não pagamento da multa não lhe é imputável, devia o condenado fundamentar o seu pedido de suspensão da pena de prisão subsidiária,
13 - Pois, se assim não fosse, nunca haveria cumprimento da pena de prisão subsidiária – pois, esta é aplicada em ultima ratio, quando não se consegue obter o pagamento da pena de multa, pela execução coerciva do património do condenado.
14 - Assim, a M.ma. Juiz a quo fez uma correcta aplicação dos critérios legais, nomeadamente do disposto nos artigos 49º/3 do Código Penal,
15 - Não merecendo quaisquer reparos deverá, pois, ser mantida, nos seus precisos termos, o douto despacho ora recorrido.

Termos em que, em nosso entender, deverá ser negado provimento ao recurso e confirmado o douto despacho judicial nos seus precisos termos.

Nesta Instância o Sr. Procurador Geral-Adjunto é de entendimento que o recurso deve improceder.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

É do seguinte teor o despacho recorrido:
Por decisão, transitada em julgado em 30 de Setembro de 2016, foi BB condenado pela prática como autor material de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º n.º1 al. b) do Código Penal na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5.00, perfazendo um total de €600.
O Condenado não procedeu ao pagamento voluntário da pena de multa, mas requereu a substituição desta por trabalho. Todavia, e uma vez que o Arguido encontra-se a cumprir pena de prisão não é exequível a prestação de trabalho a favor da comunidade.
Não se torna possível a sua cobrança coerciva, face à inexistência de bens penhoráveis. (cfr. Folhas 150 a 152, 157 e 158 e 160).
O Ministério Público promove que essa pena seja convertida na correspondente prisão subsidiária (cfr. fls.162).
O Arguido notificado para se pronunciar sobre a eventual conversão da pena de multa em prisão subsidiária limitou-se a requerer a suspensão da prisão subsidiária.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o artigo 49.º n.º1 do Código Penal que se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo de um mês de prisão.
Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 49.º n.º 3 Código Penal, a pena de prisão subsidiária e susceptível de ser suspensa, por um período de um a 3 anos, nos casos em que o condenado prove que o não pagamento da multa não lhe é imputável, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico.
Ora, o Arguido não alegou, nem resulta dos autos que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, razão pela qual, salvo melhor entendimento, é inaplicável o disposto no artigo 49.º n.º3 do Código Penal.
No caso vertente, a multa não foi paga voluntariamente e não é possível a sua cobrança coerciva devido à inexistência de bens.
Pelos fundamentos aduzidos, determina-se a conversão da pena de multa de 120 (cento e vinte) dias em 80 (oitenta) dias de prisão subsidiária, indeferindo-se a requerida suspensão.
Notifique, sendo o Arguido pessoalmente, por órgão de polícia territorialmente competente, com a advertência de que pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado no total de €600 (seiscentos euros) [cfr. artigo 49.º n.º2 do Código Penal].

Como consabido, são as conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação de recurso que definem o objecto do recurso e bem assim os poderes de cognição do tribunal ad quem.
O que se discute nos presentes autos prende-se em saber se era, ou não, possível ao tribunal recorrido ter deitado mão do art.º 49.º, n.º 1, do Cód. Pen., e proceder, como procedeu, à conversão da pena de multa em correspondentes dias de prisão subsidiária.
O recorrente de tal discorda, e, daí, a justificação para o presente recurso, porquanto é notório que (…) não procedeu ao pagamento da multa por não dispor de meios económicos e financeiros para o poder fazer, tendo também por razões alheias à sua vontade (encontra-se a cumprir pena de prisão) se visto impossibilitado de momentaneamente poder prestar trabalho a favor da comunidade conforme solicitou.
Entendendo, dessa feita, ter como cumprir a pena em que foi condenado de outra forma que não pela prisão subsidiária desde que lhe seja dada essa oportunidade, deitando-se mão da suspensão da execução da pena de prisão subsidiária conforme foi solicitado permitindo-se-lhe que possa cumprir a pena sem privação da sua liberdade.
Diferentemente opina a Magistrada recorrida.
Dispõe-se no art.º 49.º, n.º 1, do Cód. Pen., que se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido de dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, a conversão da pena de multa em prisão subsidiária só tem lugar se estiverem reunidos três pressupostos:
1) A pena de multa não ter sido substituída por prestação de trabalho;
2) A pena de multa não ter sido paga voluntariamente nem coercivamente, isto é, não ter sido executada,
3) O incumprimento da pena de multa ser culposo.
Verificados estes pressupostos, o tribunal deve ordenar o cumprimento da prisão subsidiária pelo tempo correspondente á pena de multa reduzida de dois terços.
A conversão da multa não paga em prisão subsidiária tem lugar mesmo no caso dos tipos puníveis com penas de multa exclusivas.
O mesmo é dizer que findos tais prazos - de substituição do pagamento da multa por dias de trabalho a favor da comunidade ou de pagamento em prestações-, ou gorando-se o pagamento voluntário dessa multa, integralmente ou de modo faseado, segue-se a sua cobrança coerciva, mediante execução do património do arguido, que seguirá os termos do processo por custas, ver art.º 491.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Pen., podendo aqui requerer-se o pagamento em prestações da dívida exequenda, ver art. 882.º, do Cód. Proc. Civ.
Só então e perante a falta ou a insuficiência de bens executáveis é que se passará à fase última para apreciação da aplicação da pena de prisão subsidiária, a qual não é automática, mas que deve observar o contraditório e ter intervenção judicial, que tanto pode conduzir à suspensão de tal pena de prisão (art.ºs 491.º, n.º 3, do Cód. Proc. Pen. e 49.º, n.º 3, do Cód. Pen.), como à sua execução (art.º 49.º, n.º 1, do Cód. Pen.).
Sendo que para obstar ao cumprimento da pena de prisão subsidiária, na sua totalidade ou parcialmente, sempre o arguido poderá proceder ao seu pagamento integral ou parcial.
O aqui recorrente o que põe em crise é que se tenha avançado para a conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária, quando tudo indicava ter de se suspender a execução, em razão da sua situação pessoal e patrimonial.
No caso em apreço, dúvidas inexistem de que a multa não foi paga voluntária, nem coercitivamente, porquanto no património do condenado inexistem bens penhoráveis. Assim o entendeu quer o M.P., quer a M.ma juíza do processo.
Como não podia vir a multa ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, por o condenado se encontrar a cumprir pena de prisão.
Restava, pois, aquilatar da suspensão da execução da pena subsidiária, de harmonia com o disposto no art.º 49.º, n.º 3, do Cód. Pen.
O aqui condenado notificado que foi para se pronunciar sobre a eventual conversão da pena de multa em prisão subsidiária, no seguimento do promovido pelo M.P., veio requerer a suspensão da prisão subsidiária.
O que lhe foi indeferido, por se ter entendido que o Arguido não alegou, nem resulta dos autos que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, razão pela qual, salvo melhor entendimento, é inaplicável o disposto no artigo 49.º n.º3 do Código Penal.
Razão pela qual se veio determinar a conversão da pena de multa de 120 (cento e vinte) dias em 80 (oitenta) dias de prisão subsidiária, indeferindo-se a suspensão da execução da pena subsidiária.
No sentido do acabado de mencionar, vemos o Acórdão da Relação de Guimarães, de 19.05.2014, no Processo n.º 355/12.4GCBRG-A.G1, onde se deu nota de que é pressuposto da suspensão da execução da prisão subsidiária que o não pagamento da multa tenha ocorrido por motivo não «imputável» ao condenado (art. 49 nº 3 do CPP). Recai sobre este o dever de provar que o não pagamento da multa aconteceu por motivo que não lhe é imputável. Não é ao tribunal que incumbe, em primeira linha, tal prova.
De facto, determina o n.º 3, do art.º 49.º, do Cód. Pen., que se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.
O que não quer significar que o Tribunal face aos elementos factuais constantes dos autos não possa – e deva - concluir pela não culpa do pagamento da multa por parte do condenado e, consequentemente, vir decretar a suspensão da execução da prisão subsidiária.[1]
No caso em apreço, é o próprio Tribunal que conclui pela impossibilidade de deitar mão ao pagamento coercitivo da multa, tendo em conta a inexistência de bens penhoráveis por banda do condenado, bem como pela não possibilidade de substituir a multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, por se encontrar preso. E tudo isto, após diligências no sentido de tudo apurar, em obediência ao mais elementar princípio da investigação.
Face a tal, o salto lógico só pode ser a conclusão de o não pagamento da multa se ficar a dever a esses factores concretos que não à culpa do condenado, pois outros elementos inexistem que apontem em sentido diverso.
A não ser que se venha entender como o fez este Tribunal de recurso ser imputável ao arguido a falta de pagamento de multa de substituição quando invoca não ter outros rendimentos em virtude de se encontrar a cumprir pena de prisão em estabelecimento prisional.
Com o argumentário de:
Em primeiro lugar, a falta de pagamento da multa aplicada em substituição nos presentes autos em virtude de o arguido não poder obter rendimentos que o permitam por se encontrar a cumprir pena de prisão em estabelecimento prisional, pode considerar-se ser-lhe ainda imputável, dado que apesar de não depender da sua vontade a prestação de qualquer atividade remunerada por força da reclusão, a condenação que lhe deu origem pressupõe a culpa do arguido pela sua conduta ilícita.
Em segundo lugar, o regime exigente da multa de substituição, que não contempla sequer o respetivo pagamento coercivo, justifica-se em boa medida pela necessidade de assegurar a credibilidade daquela pena como alternativa efetiva às penas curtas de prisão (até um ano) – art. 43º do C. Penal -, o que seria posto em causa se o cumprimento de pena de prisão implicasse a exclusão da responsabilidade do condenado por aquele mesmo pagamento.
Em terceiro lugar, do ponto de vista de política legislativa sempre seria dificilmente aceitável que a situação de reclusão do condenado em cumprimento de pena afastasse a culpa do arguido pelo não cumprimento de pena pecuniária, pois conforme diz o MP em 1ª instância, tal solução poderia ser vista como um prémio para o condenado em prisão efetiva que tivesse pena pecuniária por cumprir, tanto mais que não é possível sujeitar a suspensão da prisão a verdadeiras condições, como imposto pelo nº3 do art. 49º do C. Penal, dado o regime prisional a que está sujeito.[2]
No mesmo sentido, ver o Acórdão da Relação do Porto, de 10.05.2017, no Processo n.º 262/05.7PIPRT-A.P1.
Com o que não podemos concordar, porquanto e sem que se averigue o que conduziu o condenado a não pagar a multa, seja por iniciativa do Tribunal, seja por parte do condenado, não se poderá vir assacar a este culpa pelo não pagamento da multa, sob pena de se estar a criar uma verdadeira presunção de culpa, o que viola, claramente, o princípio da culpa.
Como consabido, o princípio da culpa significa que a pena se funda na culpa do agente pela sua acção ou omissão, isto é, em um juízo de reprovação do agente por não ter agido em conformidade com o dever jurídico, embora tivesse podido conhecê-lo, motivar-se por ele e realizá-lo.
Princípio com assento constitucional, decorrendo da dignidade da pessoa humana e do direito à liberdade – cfr. arts. 1.º e 27.º, n.º 1, da C.R.P.
São consequências desta consagração constitucional, entre outras, a exigência de uma culpa concreta (e não ficcionada) como pressuposto necessário da aplicação de qualquer pena, e inerente proscrição da responsabilidade objectiva.[3]
Como vem tornar mais frequente o cumprimento da pena de prisão subsidiária, o que contraria quer o espírito da lei ao criar o inciso normativo vazado no art.º 49.º, do Cód. Pen., mormente o seu n.º 3, em que a pena de prisão sempre haverá de ser tida como a ultima ratio das medidas punitivas.
Razões são para que se conclua pela não culpa do condenado no não pagamento da multa, devendo, em consequência, decretar-se a suspensão da execução da pena subsidiária.

Termos são em que Acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que ordene a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, observando-se o que se dispõe no n.º 3, do art.º 49.º, do Cód. Pen.

Sem custas, por não devidas.

(texto elaborado e revisto pelo relator).
Évora, 24 de Outubro de 2017
José Proença da Costa (relator)
António Clemente Lima
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[1] No mesmo sentido, ver o Acórdão da Relação de Coimbra, de 06.02.2013, no Processo n.º 1038/98.11TBVIS.C1.
[2] Ac., de 09.09.2014, no Processo n.º 295/09.4GDSTB-A.E1.
[3] Ver, José de Sousa e Brito, «A lei penal na Constituição», in Estudos sobre a Constituição, 2º vol., Lisboa, 1978, págs. 199-200 e 234 e Acórdão do Tribunal Constitucional, de 13.03.2001, no Processo n.º 95/2001.