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ACIDENTE DE TRABALHO
CONVERSÃO DA INCAPACIDADE TEMPORÁRIA EM PERMANENTE
SUBSÍDIO POR SITUAÇÃO DE ELEVADA INCAPACIDADE
Sumário
I – Em processo emergente de acidente de trabalho, o subsídio por elevada incapacidade é devido desde que ao sinistrado seja fixada, entre outras, incapacidade permanente absoluta, independentemente desta resultar da alta clínica ou da conversão da incapacidade temporária. II – O referido subsídio é devido, na totalidade, pela seguradora, tendo em conta que o mesmo tem montante fixo, sendo, pois, independente da retribuição do sinistrado, e que a LAT (artigo 79.º, n.º 5) e a própria apólice uniforme (cláusula 32.ª), aprovada pela Portaria nº 256/2011, de 05 de Julho, não prevêm que esse pagamento seja efectuado na proporção da responsabilidade transferida. (Sumário do relator)
Texto Integral
Proc. n.º 4205/15.1T8STB-A.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório BB, devidamente identificado nos autos, intentou, na Comarca de Setúbal (Juízo do Trabalho de Setúbal – J2) e com o patrocínio do Ministério Público, acção especial, emergente de acidente de trabalho, contra Companhia de Seguros CC, S.A., (actualmente …, S.A) e DD, S.A., ambas também devidamente identificadas nos autos.
No âmbito do referido processo, e no que ora releva, foi em 22-03-2017 proferida decisão, cuja parte decisória é do seguinte teor: «Pelos fundamentos expostos, julgo procedente o presente incidente para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho e, em consequência: a) Declaro que o Sinistrado BB se encontra, em virtude do acidente de trabalho objeto deste processo, afetado de Incapacidade Permanente Absoluta, desde 09/11/2016; b) Condeno as Entidades Responsáveis “Companhia de Seguros CC, S.A.” e DD, SA. na respectiva[] proporção, a pagarem ao Sinistrado BB uma pensão anual e vitalícia no montante de € 11.236,21 sendo da responsabilidade da seguradora o montante de € 9.786,74 (87,10%) e da entidade empregadora o montante de € 1.449,47 (12,90%), devida desde 09/11/2016, a ser paga na proporção de 1/14 até ao 3.º dia cada mês, sendo os subsídios de férias e de Natal, na mesma proporção, pagos em junho e em novembro, a compensar com os valores já pagos pelas Entidades Responsáveis a título de indemnização por Incapacidade Temporária Absoluta ao Sinistrado a partir de 09/11/2016, valores sujeitos às actualizações legais; c) Condeno as Entidades Responsáveis “Companhia de Seguros CC, S.A.” e DD, SA. na respectiva[] proporção, a pagarem à filha e companheira do sinistrado as pensões de € 1.223,35 x 2 por parte da seguradora e € 181,18 x 2 por parte da entidade empregadora; d) Condeno a Entidade Responsável “Companhia de Seguros CC, S.A.” a pagar ao Sinistrado BB um subsídio por situações de elevada incapacidade permanente no valor de € 5.533,68 (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e sessenta e oito cêntimos), devido desde 09/11/2016; e) Condeno as Entidades Responsáveis “Companhia de Seguros CC, S.A.” e DD, SA. na respectivas proporção, a pagarem ao Sinistrado BB juros de mora sobre as prestações pecuniárias supra atribuídas e em atraso, vencidos e vincendos à taxa legal, até integral pagamento».
A referida decisão ancorou-se, também no que aqui releva, na seguinte fundamentação: «Ora, temos que o Sinistrado ficou afetado, em resultado de um acidente de trabalho e como se verificou nestes autos, com Incapacidade Temporária Absoluta de 10/5/2014 a 09/11/2016, data até à qual foi prorrogado o prazo de tratamento do Sinistrado e em que, pelo menos, após essa data, a Incapacidade Temporária Absoluta converteu-se em Incapacidade Permanente Absoluta, tendo o Sinistrado direito às prestações legalmente previstas para essa Incapacidade Permanente Absoluta. Efetivamente, o Art. 22º da Lei n.º 98/2009 prescreve que “1 - A incapacidade temporária converte-se em permanente decorridos 18 meses consecutivos, devendo o perito médico do tribunal reavaliar o respetivo grau de incapacidade. 2 - Verificando-se que ao sinistrado está a ser prestado o tratamento clínico necessário, o Ministério Público pode prorrogar o prazo fixado no número anterior, até ao máximo de 30 meses, a requerimento da entidade responsável e ou do sinistrado”, pelo que, em 09/11/2016, a Incapacidade Temporária Absoluta que afetava o Sinistrado, converteu-se, ope legis, em Incapacidade Permanente Absoluta, tendo o Sinistrado direito às prestações legalmente previstas para essa Incapacidade Permanente Absoluta. Quanto à questão relativa ao pagamento do subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, não se desconhece que se trata de uma questão ainda controvertida na jurisprudência, havendo acórdãos no sentido, nomeadamente (v., por todos, o Acórdão da Relação de Lisboa de 23 de fevereiro de 2005, CJ I, p. 158, e o Acórdão da Relação de Lisboa de 14 de setembro de 2011, retirado de www.dsgi.pt), mas que se afiguram não corresponder à jurisprudência maioritária, não havendo qualquer referência legal quanto a este subsídio não ser devido quando ocorre a conversão automática da incapacidade do Sinistrado, não podendo o intérprete distinguir entre as duas situações (até pelo brocado ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus). Sucintamente, diremos estar de acordo com a jurisprudência que entende não estabelecer o normativo legal qualquer distinção entre a origem da elevada incapacidade permanente, pelo que há lugar à atribuição do dito subsídio, mesmo no caso de conversão de ITA pelo decurso dos prazos previstos no art. 22.º da LAT/2009».
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Inconformada com o assim decidido, a seguradora interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões: «A. Emerge o presente Recurso da douta sentença do Tribunal a quo que, em resultado da análise dos elementos que definem legalmente o acidente de trabalho, e da verificação do prazo máximo de tratamento do sinistrado, condenou a Recorrente a pagar ao Sinistrado BB um subsídio por situações de elevada incapacidade permanente no valor de € 5.533,68. B. Não podendo a Recorrente conformar-se com tal decisão, tem o presente recurso a finalidade de obter uma revogação dessa parte da decisão condenatória. C. A aplicação da norma ao caso vertente, sustenta-se no facto de a Incapacidade Temporária Absoluta se ter convertido em Incapacidade Permanente Absoluta, nos termos do artigo 22.º da L.A.T. D. No que toca ao subsídio por elevada incapacidade, a lei determinantemente estabelece como condição de atribuição o reconhecimento de que o sinistrado padece de uma incapacidade permanente, absoluta ou superior a 70%. E. No caso dos presentes autos, o Autor não se encontra, no plano fáctico, numa situação de incapacidade permanente, porquanto ainda se encontra em recuperação e tratamento das lesões sofridos. F. Trata-se de realidades distintas a situação de incapacidade permanente consoante provenham, ou não, de conversão de incapacidades temporárias, uma vez que neste caso último caso se está perante uma ficção legal. G. Não sendo possível determinar situação clínica permanente do Recorrido, não se verificam os pressupostos estabelecidos pela lei quanto à atribuição do subsídio de elevada incapacidade. H. Face ao exposto, sob pena de se incorrer numa interpretação excessiva da norma, não deverá ser atribuído ao Sinistrado o direito ao subsídio em causa, sendo, em consequência, revogada esta parte da sentença. Sem prescindir, I. Não pode ainda a Recorrente os termos em que foi proferida a decisão condenatória, que é objecto do presente recurso. J. A Recorrente é responsável nos termos da proporção da responsabilidade transferida pela entidade empregadora, o que, nos presentes autos, representa a percentagem de 87,10%. K. A L.A.T. estabelece no n.º 5 do artigo 79.º um elenco meramente exemplificativo, sendo hoje assente o entendimento que a regra da proporção da responsabilidade abrange o subsídio de elevada incapacidade. L. Nestes termos, responde o empregador pelas diferenças não transferidas, uma vez que a retribuição declarada para efeitos de prémio de seguro foi inferior à real. M. Face ao exposto, sem prejuízo da matéria supra exposta, e caso não se considera a mesma procedente, deverá a Recorrente ser condenada no pagamento do aludido subsídio, nos termos na proporção da sua responsabilidade. Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com douto suprimento de V. Exas., deverá ser procedente o presente Recurso, nos termos supra expostos, com todas as legais consequências daí decorrentes, assim se fazendo a costumada Justiça!».
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Contra-alegou o recorrido, ainda com o patrocínio oficioso do Ministério Público, assim concluindo: «1 A Lei dos Acidentes de Trabalho – Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, não estabelece qualquer diferenciação entre a incapacidade resultante da alta clínica (artº 35º, nº2) e a resultante da conversão da incapacidade temporária em permanente (artº 22º); 2. A incapacidade permanente, isto é, seja a resultante da alta clínica ou da conversão de ITA em IPA, só pode ser alterada mediante exame médico de revisão; 3. A enumeração do artº 79º, nº 5 da LAT (Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro) é uma enumeração taxativa; 4. O cálculo do referido subsídio não pressupõe o recurso à componente retributiva, mas sim ao indexante de apoios sociais (IAS); 5. A seguradora, mesmo na situação em que se encontra transferida a totalidade da retribuição, efectua o pagamento do subsídio de elevada incapacidade permanente, pelo mesmo montante. Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, entende-se que não deve ser concedido provimento ao recurso, e, em consequência, deve manter-se a decisão recorrida, com as consequências legais. Assim decidindo, Vossas Excelências farão, J U S T I Ç A».
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O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata e nos autos.
Todavia, se bem se extrai da promoção do Ministério Público de 12-09-2017 e do subsequente despacho judicial de 21-09-2017, face à morosidade na subida do recurso, e atendendo à cindibilidade das questões objecto do mesmo, foi determinada a subida daquele de imediato, em separado, sendo o seu efeito suspensivo, face à caução prestada.
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Recebidos os autos neste tribunal, foi elaborado projecto de acórdão.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II. Objecto do recurso e factos
Sabido como é que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui não se detectam (cfr. artigos 635.º, n.ºs 3 e 4 e 639.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso colocam-se à apreciação deste tribunal duas questões essenciais, a saber:
1. se tendo a incapacidade temporária absoluta de que o Autor/sinistrado padecia sido convertida em incapacidade permanente absoluta, por virtude do decurso dos 30 meses a que alude o artigo 22.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09 (LAT), é devido ao mesmo Autor o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, previsto no artigo 67.º da mesma lei;
2. em caso afirmativo, apurar a quem incumbe a responsabilidade pelo pagamento desse subsídio.
A matéria a atender é a que consta do relatório supra, que aqui se dá por reproduzido, sendo de realçar que em 10-05-2014 o sinistrado, aqui recorrido, sofreu um acidente de trabalho tendo estado com incapacidade temporária até 09-11-2016, data em que a mesma se converteu em incapacidade permanente absoluta por virtude da aplicação do disposto no artigo 22.º, n.º 1 da LAT.
Mais se extrai da decisão recorrida, bem como da certidão que a acompanha, que o sinistrado auferia a retribuição anual de € 14.045,26, mas para a seguradora apenas se encontrava transferida a responsabilidade pela retribuição anual de € 12.233,34.
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III. Fundamentação 1. Do subsídio por situação de elevada incapacidade permanente
Como se afirmou, a primeira questão centra-se em saber se tendo a incapacidade temporária absoluta de que o sinistrado padecia se convertido em permanente, por força do disposto no artigo 22.º da LAT, é devido ou não àquele o subsídio por elevada incapacidade referido no artigo 67.º da mesma lei.
A questão em causa não é nova, tendo já sido analisada e decidida neste tribunal, designadamente no acórdão de 14-02-2012 (Proc. n.º 207/09.0TTPTM.E1, disponível em www.dgsi.pt), também relatado pelo ora relator e convocado na decisão recorrida.
Refira-se que embora tal análise e decisão tenha sido feita no domínio de anterior legislação, ela mantém plena actualidade.
Escreveu-se no referido acórdão: Antes de mais, importa atentar no disposto no artigo 42.º, do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30-04 (que corresponde, no essencial ao actual artigo 22.º da LAT): «1. A incapacidade temporária converte-se em permanente decorridos 18 meses consecutivos, devendo o perito médico do tribunal reavaliar o respectivo grau de incapacidade. 2. Verificando-se que ao sinistrado está a ser prestado o tratamento clínico necessário, pode o Ministério Público prorrogar até ao máximo de 30 meses, a requerimento da entidade responsável, o prazo fixado no número anterior». Como tem sido afirmado pela doutrina e jurisprudência (por todos, Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, 2.ª Edição, pág. 225, e na anterior lei – artigo 48.º do Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto –, Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª Edição, Petrony, pág. 242), esta norma visa evitar delongas excessivas na atribuição das pensões e demais direitos aos sinistrados, em consequência da dilação dos tratamentos que lhes estejam a ser prestados enquanto vítimas de acidente de trabalho. Porém, do citado preceito não decorre que a conversão do grau de incapacidade temporária em permanente seja automática. Como estabelece o n.º 1 do artigo 42.º (actual n.º 1 do artigo 22.º da LAT), a incapacidade converte-se em permanente decorrido o aludido prazo, «(…) devendo o perito médico do tribunal reavaliar o respectivo grau de incapacidade». Tal significa que se é certo que quanto à natureza da incapacidade (de temporária para permanente) se converte por força do decurso do prazo, o mesmo já não se verifica em relação ao grau de incapacidade: este será o fixado pelo perito médico do tribunal na reavaliação e, não havendo acordo quanto ao mesmo na tentativa de conciliação, e requerida e realizada junta médica, não se vislumbra obstáculo legal a que seja o fixado pelo juiz após aquela. Dito de forma mais directa: o que se converte por força do regime estabelecido o citado artigo 42.º é a natureza da incapacidade (que passa de temporária a permanente), mas não o grau dessa incapacidade; este será agora o fixado pelo perito médico e homologado em tentativa de conciliação ou, posteriormente, no caso do processo prosseguir, o fixado a final pelo juiz. Assim, e ao contrário do sustentado pela recorrente não pode considerar-se a existência de uma incapacidade permanente “ficcionada” ou “provisória”: ao invés, a incapacidade é a fixada nos termos que se deixaram explicitados, podendo, contudo, ser posteriormente alterada por virtude do incidente (próprio) de revisão. (…) Ora, a reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho compreende prestações em espécie e em dinheiro (artigo 10.º da Lei n.º 100/97) [artigo 23.º da actual LAT]; de entre essas prestações em dinheiro inclui-se o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente [alínea b) do referido artigo]. Este é devido em (i) situações de incapacidade permanente absoluta, seja para todo e qualquer trabalho, seja para o trabalho habitual, (ii) ou incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70% (artigo 23.º da mesma lei) [artigo 67.º, n.º 1 da actual LAT]. Trata-se de um subsídio, com um valor pré-determinado, pago numa única vez, que não existia no anterior regime jurídico dos acidentes de trabalho (Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, e Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto) e que visa facilitar a adaptação do sinistrado à sua situação de desvalorização funcional com perda de capacidade de ganho, permitindo-lhe porventura efectuar uma aplicação económica que lhe proporcione outros proventos ou reorientar a sua vida profissional para outro tipo de actividade (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-02-2006, Proc. 05S3820). No caso em apreciação, tendo sido fixada ao sinistrado a incapacidade permanente absoluta, mostra-se preenchido o requisito da atribuição do aludido subsídio. E, realce-se, nos pressupostos de atribuição do subsídio prevista no artigo 23.º, não se estabelece qualquer diferenciação numa incapacidade permanente, conforme advenha ou não da conversão de uma incapacidade temporária. Ou seja, e dito de outra forma: a interpretação literal da norma aponta no sentido da atribuição do referido subsídio desde que se trate de uma incapacidade permanente absoluta ou de uma incapacidade parcial igual ou superior a 70%, independentemente da incapacidade permanente ter ou não advindo da conversão de uma incapacidade temporária. Mas também a ratio legis aponta no mesmo sentido. Se, como se afirmou, o que se converte é a natureza da incapacidade (de temporária para permanente), e não propriamente o grau da incapacidade (embora este possa coincidir em ambas as naturezas de incapacidade), e se feita a conversão da natureza da incapacidade e fixado o grau desta, qualquer posterior alteração terá que ser efectuada através do incidente de revisão da pensão, tal significa que não estamos perante uma incapacidade “ficcionada”, mas sim uma incapacidade real, ainda que a mesma, tal como qualquer incapacidade permanente, possa vir a ser alterada através do incidente de revisão (desde que, naturalmente, para tanto se verifiquem os respectivos pressupostos). E, como é sabido, em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa: assim, haverá que atender ao enunciado linguístico da norma, por representar o ponto de partida da actividade interpretativa, na medida em que esta deve procurar reconstituir, a partir dele, o pensamento legislativo (n.º 1) – tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada –, sendo que o texto da norma exerce também a função de um limite, porquanto não pode ser considerado entre os seus possíveis sentidos aquele pensamento que não tenha na sua letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2 do mesmo artigo). Para a correcta fixação do sentido e alcance da norma, há-de, igualmente, presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º). Pois bem: como se deixou assinalado, seja a interpretação literal do artigo 23.º da Lei n.º 100/97, sejam a ratio da norma (como se disse supra, trata-se de uma norma inovadora, que não existia no anterior regime jurídico dos acidentes de trabalho, pelo que não é possível fazer apelo ao elemento interpretativo histórico) apontam no sentido de não ser feita qualquer distinção entre as incapacidades permanentes, consoante provenham ou não de conversão de incapacidades temporárias. E assim sendo, como se entende, considerando que o Autor/sinistrado se encontra afectado de uma incapacidade permanente absoluta, tem jus ao subsídio por situações de elevada incapacidade permanente».
O mesmo entendimento veio a ser reafirmado no acórdão deste tribunal de 20-03-2012 (Proc. n.º 520/07.6TTPTM.E1, disponível em www.dgsi.pt), onde, a este propósito, se escreveu: «Numa primeira leitura, pode considerar-se que a norma, além desta conversão de incapacidade temporária em permanente, consagra também uma conversão automática do grau de incapacidade. Este entendimento não se afigura correcto, na medida em que, nos termos da própria norma, o perito médico do tribunal procede à reavaliação do respectivo grau de incapacidade, sem que esteja vedado o recurso aos procedimentos legalmente previstos na eventualidade de, na tentativa de conciliação, não se obter o acordo dos interessados quanto à incapacidade que afecta o sinistrado, onde se inclui a sua fixação pelo juiz. Em face disso, não pode falar-se em incapacidade ficcionada. Por outro lado, também não pode qualificar-se a incapacidade permanente resultante de tal conversão como sendo provisória: sendo fixada nos termos que antes se deixaram mencionados, a sua posterior alteração pressupõe a aplicação das regras gerais referentes ao incidente de revisão, de acordo com o artigo 25.º da Lei n.º 100/97 e os artigos 145.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro».
Mais recentemente, em acórdão de 20-04-2017 (Proc. n.º 334/13.4TTPTM.E1, disponível em www.dgsi.pt), também deste tribunal, foi reafirmado o mesmo entendimento, tendo, de relevante na matéria, aí se sumariado: «1. Em processo emergente de acidente de trabalho, a incapacidade permanente resultante da conversão de incapacidade temporária, por força do art.º 22º da Lei nº 98/2009, de 4/9, apenas pode ser alterada por decisão proferida em sede de incidente de revisão. 2. À pensão devida por uma incapacidade permanente absoluta, resultante de semelhante conversão, devem acrescer o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente (…)».
A jurisprudência mais recente do Tribunal da Relação de Lisboa tem também reafirmado este entendimento, designadamente no acórdão de 14-09-2016 (Proc. n.º 19741/12.3T2SNT.L1-4), em cujo sumário se escreveu: «I- A conversão da ITA em IPA por virtude do decurso do tempo previsto no art.º 22.º da LAT confere ao sinistrado os mesmos direitos que resultariam da declaração da alta, quer porque a lei não distingue entre a alta convertida e a declarada, quer porque essa é a ratio legis da norma (que determina que a conversão seja da natureza da incapacidade, de temporária para permanente e, não, do grau da incapacidade. II- Em consequência, assiste-lhe o direito a receber da seguradora um subsídio por situação de elevada incapacidade permanente (art.os 23.º, al. b) e 47.º, n.º 1, al. d) da LAT).
(…)».
No caso, a recorrente não questiona que ao sinistrado tenha sido atribuída a IPA por virtude da conversão da incapacidade temporária, decorridos que foram os 30 meses previstos no artigo 22.º da LAT.
Ora, se o subsídio por elevada incapacidade é devido, entre outras situações, se ao sinistrado for fixada incapacidade permanente absoluta – sem que a lei distinga se essa incapacidade permanente absoluta provem da alta clínica ou da conversão da incapacidade temporária absoluta – e, no caso, foi fixada ao sinistrado essa incapacidade permanente absoluta, não se vê como possa afastar-se a atribuição ao sinistrado do referido subsídio.
Nesta sequência, sem desdouro pela argumentação da recorrente, a mesma não pode proceder, sendo, pois, de confirmar, nesta parte, a decisão recorrida.
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2. Da responsabilidade pelo pagamento do subsídio por elevada incapacidade
A decisão recorrida condenou a recorrente/seguradora no pagamento da totalidade do subsídio por elevada incapacidade.
Esta rebela-se contra tal condenação, argumentando que, caso se entenda que o subsídio é devido, deve ser condenada apenas na proporção da responsabilidade transferida.
Também quanto a esta questão, ressalvado o devido respeito, não podemos acompanhar o entendimento da recorrente.
Expliquemos porquê.
Resulta do disposto no artigo 79.º, n.ºs 4 e 5 da LAT, que quando a retribuição declarada para efeitos de prémio de seguro for inferior à real, o empregador responde pela diferença relativas às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pela hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção.
Nessa responsabilidade, na proporção da responsabilidade transferida, não se encontra, pois, incluído o subsídio por elevada incapacidade.
Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-03-2016 (Proc. n.º 1715/12.2TTCBR.E1, disponível em www.dgsi.pt), «[s]e, no domínio da LAT/1997 se levantavam dúvidas no que toca à natureza taxativa ou meramente exemplificativa – veja-se, por todos, o Ac. do STJ de 17/12/2014, in www.dgsi.pt. - das individualizações aí previstas no artº 37º, nº 3, a redacção ora adoptada pelo nº 5 do artº 79º da LAT/2009 veio, em nossa opinião, resolver essa dúvida, no sentido de optar por uma enumeração taxativa, dado que, para além de incluir prestações que não pressupõem, para o seu cálculo, o recurso à componente retributiva, bastando-se com o valor concreto das despesas respectivas, como é caso das “despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica”, individualiza expressamente prestações que dependem do cálculo com referência à componente retributiva- “diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas”, sendo que esta última invidualização não era feita no artº 37, nº 3, º da LAT/1997. Esta interpretação é reforçada pela análise do referido, a propósito, na Apólice Uniforme, aprovada pela Portaria nº 256/2011, de 05 de Julho, na sua cláusula 32ª: “Insuficiência da retribuição segura I - No caso de a retribuição declarada ser inferior à real, o tomador do seguro responde: a) Pela parte das indemnizações por incapacidade temporária e pensões correspondente à diferença; b) Proporcionalmente pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica”. Como se vê, as prestações aqui previstas são exactamente as mesmas contidas no nº 5 do artº 79º da LAT/2009, o que, salvo melhor opinião, afasta a argumentação adoptada no referido Ac. do STJ de 17/12/2014 a propósito das prestações incluídas no artº 12º da Apólice Uniforme aprovada pela Norma 12/99-”, de 30 de Novembro (publicada no D. R., II Série, de 30/11/99), onde se escrevia: “No caso de a retribuição declarada ser inferior à efectivamente paga (...), o tomador de seguro responderá: i) pela parte excedente das indemnizações e pensões; ii) proporcionalmente, pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes e estadas, despesas judiciais e de funeral, subsídios para situações de elevada incapacidade permanente e de readaptação, prestação suplementar por assistência de terceira pessoa e todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado.” Como se vê, uma diferença significativa em relação à redacção do artº 37º, nº 3, da LAT/1997, o que, em nossa opinião, afasta o entendimento seguido no citado Ac. do STJ no sentido de considerar a proporcionalidade da responsabilidade pelo pagamento das prestações expressa e taxativamente, (entendemos nós) previstas na Nova LAT, já que, contrariamente ao que acontecia anteriormente, a Apólice Uniforme em vigor não inclui na sua previsão outras prestações não individualizadas no artº 79º, nº 5, da LAT/2009.».
Subscreve-se integralmente o citado entendimento, sendo ainda de referir que, como se extrai do artigo 67.º, n.º 2, da LAT, o subsídio em causa tem montante fixo, sendo, pois, independente da retribuição auferida pelo sinistrado.
Por isso, em razão dos fundamentos referidos, apresenta-se coerente que seja a seguradora a suportar, na totalidade, o subsídio por elevada incapacidade, assim improcedendo, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.
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3. Vencida no recurso, a recorrente/seguradora deverá suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
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V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto por CC, S.A., e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.
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Évora, 26 de Outubro de 2017 João Luís Nunes (relator) Paula do Paço Moisés Pereira da Silva
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Paula do Paço; (2) Moisés Silva.