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ACIDENTE DE TRABALHO
TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
FASE CONCILIATÓRIA
FASE CONTENCIOSA
NEXO DE CAUSALIDADE
JUNTA MÉDICA
Sumário
I - A tentativa de conciliação realizada perante o Ministério Público na acção emergente de acidente de trabalho destina-se a obter um acordo das partes que ponha termo ao processo; II – Não sendo possível o acordo total, destina-se a delimitar o objecto do litígio, a dirimir na fase contenciosa; III – Por isso, no auto de não conciliação devem constar os factos elencados no artigo 112.º do Código de Processo do Trabalho sobre os quais tenha havido ou não acordo; IV – Se na tentativa de conciliação ter havido discordância dos intervenientes apenas quanto à questão da incapacidade para o trabalho, a fase contenciosa deve incidir apenas sobre essa matéria, e não também sobre outras, como o nexo causal entre o acidente e as lesões e/ou sequelas que o sinistrado apresenta. V – Não tendo a junta médica assim procedido, pronunciando-se sobre o nexo causal entre o acidente e as lesões e/ou sequelas que o sinistrado apresenta, para concluir que do acidente não resultam sequelas, deve, em observância ao disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, ser anulada a mesma, bem como a subsequente sentença recorrida que nela se baseou. (Sumário do relator)
Texto Integral
Proc. n.º 176/14.0TTLRA.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório
Os presentes autos de acção especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistradoBB, identificado nos autos,e entidade responsávelCC, também identificada nos autos, tiveram a sua origem no acidente ocorrido em 26 de Setembro de 2013, quando o sinistrado prestava o seu trabalho a “DD, S.A.”, a qual tinha a sua responsabilidade infortunística laboral transferida para a identificada Companhia de Seguros (CC).
No âmbito do referido processo procedeu-se em 14 de Setembro de 2016 à tentativa de conciliação a que alude o artigo 108.º do Código de Processo do Trabalho (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 09-11, com as alterações decorrentes do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13-10), não se tendo logrado obter o acordo dos intervenientes.
É do seguinte teor, na parte ora relevante, o “Auto de Não Conciliação”: «1º Factos, Data e Local: No dia 26-09-2013, às 16.30horas, em …, o(a) sinistrado(a) foi vítima de um acidente que consistiu no seguinte: estava a limpar a pistola de pintura quando lhe salpicou diluente para os olhos. Resultou traumatismo do olho direito. 2º Funções e Entidade Empregadora: O acidente ocorreu quando o(a) sinistrado(a) trabalhava como montador de estruturas metálicas, sob ordens, direcção e fiscalização de “DD, S.A.”, com sede/morada em …. 3º Retribuição À data do acidente, o(a) sinistrado(a) auferia a retribuição de 550,00€ x 14 meses + 6,00€ (subsídio de alimentação) x 22 dias x 11 meses ou seja o total anual de 9.670,88€. 4º Seguro A entidade empregadora tinha a responsabilidade civil emergente de acidentes laborais totalmente transferida para a CC, pela apólice nº …, cobertura de salário integral (Metalúrgicos). 5º Lesões e Sequelas: Como consequência do acidente, resultaram para o(a) sinistrado(a) as lesões e/ou sequelas que estão descritas no Auto de Perícia Médica realizado no Gabinete Médico-Legal de Tomar em 10-09-2014 junto aos autos a fls. 61 a 62, verso; exame médico realizado em 02-05-2016 junto a fls. 81 a 82, verso que se dão por integralmente reproduzidos. 6º Incapacidade e data da “alta”: No exame, foi atribuída ao(à) sinistrado(a), a partir de 05-03-2014, data da “alta”, a I.P.P. de 14%. 7º Natureza dos Factos Os factos evidenciam a natureza de um acidente de trabalho.
(…) 10º Acordo: Com base nestes pressupostos e na legislação em vigor, o sinistrado tem direito a receber da Seguradora responsável as seguintes prestações: - Capital de remição de uma pensão anual de 1.353,92€, obrigatoriamente remível, devida desde o dia imediato ao da alta (…) - Indemnização de 32,00€ de despesas de transportes; - Prestação em espécie: óculos com lentes com graduação adequada. Instadas as partes a pronunciarem-se pontualmente sobre os pressupostos e termos do acordo proposto, disseram: O(A) sinistrado(a): que aceita os termos e pressupostos referidos nos artigos que antecedem sem excepção e conciliar-se nos termos propostos. A seguradora: que aceita os termos e pressupostos referidos nos artigos quem antecedem com excepção dos artºs 6º por considerar que o sinistrado está afectado de uma I.P.P. de 6%. A Magistrada do Ministério Público proferiu então o seguinte despacho: Atento a legitimidade, a capacidade e a posição assumida pelas partes, dou as mesmas por não conciliadas. Aguardem os autos nos termos do artigo 117º, nº 1 al. b) do CPT.
(…)».
No prosseguimento dos autos, a seguradora veio, ao abrigo do disposto no preceito legal anteriormente referido, requerer a realização de exame por junta médica.
E apresentou os seguintes quesitos: «1º. – Quais as lesões que o sinistrado sofreu no acidente de que foi vítima em 26/09/2013? 2º. – Apresenta o sinistrado sequelas em consequência dessas mesmas lesões? 3º. – Na afirmativa, quais? 4º. – São essas sequelas aptas a determinarem-lhe Incapacidade Permanente para o trabalho? Na afirmativa, de que grau?»
Realizada a junta médica em 24 de Março de 2017, pelos exmos. peritos, por unanimidade, foi considerado o sinistrado curado sem desvalorização.
No referido autos consta a seguinte resposta aos quesitos apresentados pela seguradora: «1.º Úlcera da córnea do olho direito por diluente. 2.º Em face do relatório de oftalmologia de fls. 115, no qual é relato que a (?) córnea sem lesões e segmento anterior igualmente sem lesões, conclui-se que do acidente não resultaram sequelas a ele imputáveis. Mais refere o mesmo relatório que o sinistrado é portador de diminuição muito marcada da acuidade da acuidade visual bilateral, sem relação de causa-efeito com o acidente. Nestes termos a junta médica por unanimidade considera o sinistrado curado sem desvalorização. 3.º Prejudicado. 4.º Prejudicado».
Na sequência, foi proferida sentença, cuja parte decisória, na parte relevante, é do seguinte teor: Pelo exposto, decido: a) Condenar a CC, a pagar ao sinistrado BB a quantia de € 32 de despesas de transporte; b) Absolver a CC, do proposto pagamento do capital de remição de uma pensão ao sinistrado e da prestação em espécie de óculos com lentes com graduação adequada; c) Condenar a CC, no pagamento das custas;(…)».
Inconformado com a sentença, o sinistrado, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, dela interpôs recurso, tendo a terminar as alegações formulado as seguintes conclusões: «1.º Se na tentativa de Conciliação a discordância entre as partes respeitar, apenas, ao grau de IPP de que é portador o sinistrado a fase contenciosa do processo de acidente de trabalho inicia-se mediante apresentação de requerimento para junta médica pela parte discordante nos termos do art.º 117.º, n.º 1 alinea b), conjugado com o art.º 138.º, n.º 2 do CPT. 2.º Se houvesse outras questões a decidir, nomeadamente se as sequelas de que era portador o sinistrado (e que foram aceites quer por este, quer pela seguradora), eram ou não resultantes do acidente, a fase contenciosa teria de se iniciar necessariamente mediante a apresentação de petição inicial. 3.º Não sendo esse o caso presente, tendo as sequelas resultantes do acidente sido aceites pelas partes na tentativa de conciliação têm as mesmas de considerar-se definitivamente assentes, nos termos do art.º 131.º, n.º 1 alínea c) do CPT. 4.º O objecto da junta médica e o único ponto submetido à decisão do Sr. Juiz era, no caso vertente, o da determinação do grau de incapacidade que a hipovisão de que o sinistrado é portador lhe determina. 5.º Quando a junta Médica diz que não resultaram para o sinistrado sequelas imputáveis ao acidente e que a diminuição da acuidade visual que apresenta não tem relação de causa e efeito com o acidente está, manifestamente, a “meter a foice em seara alheia”- cfr. douto acórdão da Relação de Lisboa de 24-09-1997, disponível em www.dgsi.pt. 6.º Não havendo qualquer “hierarquia “ entre a prova pericial obtida por junta médica e os exames singulares existentes no processo, devia o Sr. Juiz ter seguido estes últimos. 7.º Se dúvidas houvesse, podia determinar nova junta médica para seu esclarecimento, o que não pode é, salvo o devido respeito, considerar que o sinistrado não é portador de sequelas incapacitantes por estas não serem atribuíveis ao acidente em discussão nos autos, quando tal facto já foi aceite pelas partes. 8.º Salvo sempre o muito respeito devido, os acórdão citados pelo Exmo. Sr. Juiz na douta sentença versam sobre questões diferentes da colocada nos presentes autos, pois em qualquer um deles (Acordãos da Relação de Évora de 16-02-2017 e de 26-5-2009) não foi posto em causa o nexo de causalidade entre as sequelas apresentadas pelos sinistrado e o acidente, mas apenas, a atribuição de grau de incapacidade às sequelas apresentadas, as quais foram consideradas decorrentes do acidente. 9.º Ao decidir como decidiu violou o Sr. Juiz o disposto nos artigos 117.º, n.º 2 alínea b) conjugado com o art.º 138.º , n.º 2 do CPT. , artigo 131.º n.º 1 alínea c) do CPT e os artigos 48.º, n.º 2 e n.º 3 alinea c) , art.º 50.º, n.º 2 e art.º 75.º, n.º 1 da Lei 98/2009 de 04.09. Nestes termos e nos de direito aplicável, deve o presente recurso ser julgado procedente e a douta sentença recorrida ser substituída por outra que acolha o resultado do exame singular do G.M.L e fixe ao sinistrado a pensão e prestação em espécie por ele reclamada, ou caso persistam dívidas sobre a quantificação do grau de incapacidade permanente de que é portador, ser determinada a realização de nova junta médica, proferindo-se nova sentença, assim se fazendo J u s t i ç a».
Não tendo sido apresentadas contra-alegações, foi seguidamente o recurso admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos autos, sendo o seu efeito meramente devolutivo.
Subidos os autos a esta Relação e não havendo lugar ao cumprimento do disposto no artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho – uma vez que o Ministério Público patrocina o sinistrado –, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II. Objecto do recurso e Factos
Sabido como é que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui não se colocam (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), a questão a decidir centra-se em saber se o sinistrado/recorrente deve ser considerado curado sem desvalorização, por (alegadamente) as lesões/sequelas que o mesmo apresenta não terem relação causa-efeito com o acidente em apreciação nos autos; ou seja, está em causa saber se em consequência do acidente o sinistrado sofreu ou não sequelas valorizáveis.
Tendo em vista a questão equacionada, importa atender ao que consta do relatório supra, que aqui se tem por reproduzido, e ainda ao que foi dado como provado na sentença recorrida:
a) No dia 26/9/2013, às 16,30 horas, BB salpicou diluente para os seus olhos, quando estava a limpar a pistola de pintura, sofrendo traumatismo no olho direito;
b) Nesse dia estava a trabalhar como montador de estruturas metálicas, sob ordens, direcção e fiscalização da firma DD, S.A..;
c) Actualmente não apresenta sequelas valorizáveis;
d) Recebeu alta no dia 5/3/2014;
e) BB auferia a retribuição anual global de € 9.670,88;
f) Nasceu no dia …;
g) A CC, assumiu a responsabilidade decorrente de sinistros laborais que afectassem BB mediante apólice de seguro;
h) BB despendeu € 32 com deslocações obrigatórias a Tribunal.
III. Fundamentação de direito
Importa, antes de mais, fazer uma referência, necessariamente breve, à tramitação do processo de acidente de trabalho, visto que tal matéria, como se analisará, terá influência na decisão a proferir.
Como decorre do disposto no artigo 99.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o processo especial emergente de acidente de trabalho inicia-se por uma fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público e tem por base a participação do acidente.
Encontrando-se o sinistrado afectado de incapacidade permanente, o Ministério Público designa data para exame médico, seguido de tentativa de conciliação (n.º 1, do artigo 101.º).
Subsequentemente realiza-se a tentativa de conciliação, da qual deve constar, em caso de acordo, além da identificação completa dos intervenientes, a indicação precisa dos direitos e obrigações que lhes são atribuídos e ainda a «descrição pormenorizada do acidente e dos factos que servem de fundamento aos referidos direitos e obrigações» (artigo 111.º).
Já em caso de falta de acordo, deve constar do respectivo auto «os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída» (n.º 1 do artigo 112.); caso o interessado se recuse a tomar posição sobre cada um dos factos, estando habilitado a fazê-lo, é, a final, condenado como litigante de má fé (n.º 2 do mesmo artigo).
Deste preceito decorre que na falta de acordo, consignam-se no respectivo auto:
a) os factos sobre os quais tenha havido acordo;
b) os factos sobre os quais não tenha havido acordo.
Nos factos a consignar sobre se houve ou não acordo encontram-se (i) a existência e caracterização do acidente, (ii) o nexo causal entre a lesão e o acidente, (iii) a retribuição do sinistrado, (iv) a entidade responsável e (v) a natureza e grau de incapacidade atribuída.
As partes ao tomarem posição concreta e definida sobre cada um destes factos circunscrevem o litígio na fase contenciosa às questões acerca das quais não foi possível obter acordo, o mesmo é dizer que é essa posição assumida sobre cada um dos factos que delimita o princípio da vinculação temática.
Como se observou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2003 (Recurso n.º 2055/03, com sumário disponível em www.stj.pt), a tentativa de conciliação realizada perante o Ministério Público na acção emergente de acidente de trabalho destina-se, em primeira linha, a obter um acordo das partes que ponha termo ao processo; não sendo possível o acordo total, destina-se, numa segunda linha, a circunscrever o litígio por forma a que na fase contenciosa só se discutam as questões acerca das quais não houve acordo na fase conciliatória.
Importa notar que, como resulta expressamente da lei e tem sido afirmado pela jurisprudência, o acordo ou desacordo dos interessados que deve constar do auto na tentativa de conciliação realizada pelo Ministério Público na fase conciliatória do processo é o que incide sobre factos, e não sobre juízos de valor, conclusões ou qualificações jurídicas (cfr. artigos 111.º e 112.º do CPT e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2006 e de 02-07-2008, Recursos n.º 2880/07 e n.º 1327/08, respectivamente, encontrando-se aquele publicado em www.dgsi.pt e este com sumário disponível em www.stj.pt).
Não tendo havido acordo na tentativa de conciliação, a fase contenciosa iniciar-se-á por uma de duas formas, a determinar em função das matérias sobre que não houve acordo:
a) no caso de na tentativa de conciliação ter havido discordância apenas quanto à questão da incapacidade, através de um requerimento, fundamentado ou acompanhado de quesitos, em que é pedida a realização de junta médica tendo em vista a fixação da incapacidade para o trabalho (n.º 2 do artigo 138.º e n.ºs 1, alínea b) e n.º 2 do artigo 117.º);
b) nas restantes situações, através da apresentação de petição inicial, em que o sinistrado, doente ou respectivos beneficiários formulam o pedido, expondo os seus fundamentos (n.º 1, alínea a) do artigo 117.º).
Isto é, e em síntese:
- a fase contenciosa do processo inicia-se mediante a apresentação de requerimento, com pedido de junta médica, apenas nos casos em que a única questão controvertida que resultou da tentativa de conciliação diz respeito à fixação da incapacidade para o trabalho;
- em todos os demais casos, a fase contenciosa inicia-se mediante a apresentação de petição inicial, e caso esta não seja apresentada no prazo de 20 dias, que poderá ser prorrogado, suspende-se a instância (n.º 1 e 4 do artigo 119.º).
Feito o enquadramento legal, é o momento de regressarmos ao caso que nos ocupa.
Transcreveu-se supra o conteúdo do “auto de não conciliação”.
Também já se deixaram consignados os factos que, em conformidade com o disposto no artigo 112.º do Código de Processo do Trabalho e na falta de acordo, devem constar do auto de não conciliação.
No confronto entre o que consta do auto e o que estipula a lei, não parece ser objecto de discordância que houve acordo das partes quanto (i) à existência e caracterização do acidente, (ii) retribuição do sinistrado e (iii) entidade responsável pela reparação do acidente; mas também houve acordo das partes quanto ao nexo causal, ou se se quiser quanto às “lesões e sequelas” decorrentes do acidente, que constam do artigo 5.º da tentativa de conciliação: a discordância da seguradora incidiu, como consta do respectivo auto de conciliação, sobre o artigo 6.º do auto, ou seja, sobre a atribuição ao sinistrado da incapacidade permanente parcial (IPP) de 14%, uma vez que de acordo com a seguradora o sinistrado está afectado de uma IPP de 6%.
Recorde-se que, conforme transcrição supra, de acordo com o auto de conciliação o sinistrado apresenta as lesões e/ou sequelas descritas no auto de perícia médica realizado no Gabinete Médico-Legal de Tomar em 10-09-2014 (fls. 61 e 62 dos autos): no relatório dessa perícia, para além de se afirmar que o sinistrado apresenta “diminuição da acuidade visual, tendo passado a necessitar de usar óculos”, solicitou-se que o mesmo fosse observado pela especialidade de oftalmologia, após o que se concluiu o relatório.
O relatório dessa observação na especialidade de oftalmologia, elaborado em 24-03-2016, encontra-se a fls. 79 dos autos.
E, na sequência do mesmo, foi em 02-05-2016, concluída a perícia no Gabinete Médico-Legal e Forense do Médio Tejo (fls. 81 e 82 dos autos), onde, além do mais, é referido que de acordo com a documentação clínica da seguradora o sinistrado sofreu «[a]cidente de trabalho no dia 26-09-2013 de que resultou úlcera da córnea do olho direito provocada por diluente, tendo sido submetido a tratamento oftalmológico, tendo resultado como sequelas hipovisão do olho direito 3/10».
Acrescenta-se na mesma perícia que «[o]s elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano» e que a IPP é fixável em 14%, de acordo com o capítulo I (Oftalmologia), 2.1. (Hipovisão) f) (de um lado visão de 1 a 0,07, do outro 0,1), dentro de um coeficiente previsto na tabela de 0,10 a 0,18.
Ora, na tentativa de conciliação a seguradora aceitou o nexo causal entre o acidente e as sequelas que o sinistrado apresenta; isto é, e dito de forma algo simplista, a seguradora aceitou que em consequência do acidente o sinistrado ficou a sofrer de hipovisão.
De resto, em consonância com o que se deixa afirmado, deve notar-se que logo no boletim de alta do sinistrado, que consta a fls. 8 dos autos e que foi emitido pela seguradora, esta mencionou como sequelas do acidente sofrido pelo aqui recorrente «hipovisão do OD 3/10»: e na sequência atribuiu-lhe uma IPP de 6%, tendo por base o capítulo V (Oftalmologia), n.º 2.1. (Hipovisão), alínea d) (de um lado, visão de 1 a 0,7; do outro 0,3), dentro de um coeficiente de 0,06 a 0,07.
Nos próprios “exames objectivos” que foram efectuados por médicos especialistas de oftalmologia, a solicitação da seguradora, é mencionado que o sinistrado teve «trauma suficiente para ter nexo causal» e que «segundo o parecer de oftalmologia tem uma visão 0,3/10 no olho dto, Cap V 2.1.d) 0,06-0,07 »» 0,06» (fls. 3 a 5 dos autos).
Assim, conclui-se, mais uma vez, que a questão do nexo causal entre as lesões e/ou sequelas que o sinistrado apresenta (ao fim e ao resto hipovisão) é uma questão que ficou decidida, ”arrumada” na fase conciliatória, pelo que não podia a mesma ser novamente apreciada e decidida na fase contenciosa.
Estão em causa regras processuais que a junta médica e, naturalmente, o tribunal não poderão deixar de cumprir na referida fase contenciosa: também por isso, a relevância do juiz presidir à junta médica – como, no caso, de acordo com o respectivo auto, presidiu –, já que ele melhor se encontra habilitado a respeitar e fazer cumprir essas regras processuais.
Assim, não poderia a junta médica considerar o sinistrado curado sem desvalorização e, por consequência, o tribunal a quo, com base na referida junta médica,dar como provado que o sinistrado «não apresenta sequelas valorizáveis».
Impõe-se, por isso, face ao disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, anular a junta médica realizada em 24-03-2017, bem como a subsequente sentença recorrida, devendo proceder-se a nova junta médica onde, respeitando a matéria já assente no auto de conciliação quanto ao nexo causal entre o acidente e as lesões/sequelas constantes do auto de conciliação, fixe a incapacidade ao sinistrado.
Após, sem prejuízo da observância do disposto no artigo 139.º, n.º 7, do Código de Processo do Trabalho, se for o caso, será proferida nova sentença.
Uma última nota apenas para referir que a questão analisada, e relevante para a decisão da causa – no sentido de que o nexo causal entre o acidente e as lesões e/ou sequelas que o sinistrado apresenta é uma matéria que já ficou decidida da fase conciliatória do processo –, é claramente distinta da convocada na sentença recorrida, no sentido de que ainda que a seguradora tenha aceite determinada incapacidade na fase conciliatória do processo, nada impede que no termo da fase contenciosa o juiz fixe um grau de incapacidade ao sinistrado inferior àquele que havia sido aceite pela seguradora na fase conciliatória: embora este último entendimento venha sendo sufragado neste tribunal (vide, neste sentido, para além do acórdão deste tribunal de 16-02-2017, referido na sentença recorrida, os acórdãos de 15-03-2011 e de 28-06-2012, Procs. n.ºs 531/09.T2SNS.E1 e 232/11.6TTPTM.E1, respectivamente, disponíveis em www.dgsi.pt e ambos relatados pelo ora relator), não é esta questão que está aqui em causa, mas sim, volta-se a sublinhar, de a questão do nexo causal já ter sido decidida por acordo na fase conciliatória e não poder agora ser posta em causa na fase contenciosa.
2. As custas do recurso serão fixadas a final em função da parte vencida.
IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em anular a junta médica realizada em 24-03-2017 e, consequentemente, a sentença recorrida, devendo proceder-se a nova junta médica que fixe a incapacidade do sinistrado e onde se tenha em consideração que a questão do nexo causal entre o acidente e as lesões e/ou sequelas que o sinistrado apresenta já ficou definitivamente assente na tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória do processo, após o que, sem prejuízo do disposto no artigo 139.º, n.º 7, do Código de Processo do Trabalho, será proferida nova sentença.
Custas pela parte vencida a final.
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Évora, 26 de Outubro de 2017 João Luís Nunes (relator) Paula do Paço Moisés Pereira da Silva __________________________________________________
[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Paula do Paço, (2) Moisés Silva.