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SENTENÇA
ENUMERAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS
EXTRAÇÃO DE CERTIDÃO PARA EFEITOS DE PROCEDIMENTO CRIMINAL
Sumário
I – O procedimento de consignar na sentença, em sede de factos provados, factos que correspondem a uma tradução negativa dos vertidos na acusação, não é aquele que deve ser normalmente adoptado, uma vez que, por um lado, o objecto do julgamento versa, em primeira linha, a acusação e, esta, como no caso sucede, oferece narrativa de factos expressa em termos positivos, tratando de imputação da sua prática com vista à tipologia criminal em causa e, por outro, é manifesto que a ausência de prova desses factos não significa a prova do seu contrário.
II – Por outro lado, tal procedimento propicia a ambiguidade interpretativa que ficou patente na alusão aos factos não provados (“Com relevância para a decisão da causa, além dos que se encontram em oposição com a factualidade dada como assente, nenhum facto ficou por provar”), que, não fosse esse procedimento, não se colocaria.
III - Deste modo, ainda que, teoricamente, o procedimento pudesse suscitar a problemática de alteração dos factos descritos na acusação (arts. 358.º e 359.º do CPP), a ausência de concretas consequências processuais relevantes leva a concluir - sem prejuízo do que a apreciação da impugnação da matéria de facto venha a justificar quanto à modificação desta - que não se extraia qualquer vício que inquine a sentença.
IV – A extração de certidão com a finalidade de denunciar a indiciação da prática de ilícitos criminais, por parte da assistente, decorrente de imposição legal (art. 242.º, n.º 1, alínea b), do CPP), constitui decisão que ordena ato dependente da livre resolução do tribunal e, assim, é irrecorrível (art. 400.º, n.º 1, alínea b), do CPP).
Texto Integral
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
1. RELATÓRIO
Nos autos de processo comum, perante tribunal singular, com o número em epígrafe, que correu termos no Juízo Local Criminal de Setúbal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, a assistenteLR deduziu acusação particular contra o arguido ZS, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181.º, n.º 1, agravado pelo art. 183.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do Código Penal (CP).
O Ministério Público acompanhou tal acusação.
Mais deduziu, a assistente, como demandante, pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, peticionando a condenação deste no pagamento da indemnização, por danos não patrimoniais, no montante de € 3.500,00, acrescido de juros de mora desde a data dos factos e até integral pagamento.
O arguido apresentou contestação, negando a totalidade dos factos imputados.
Realizado julgamento e proferida sentença, decidiu-se:
- julgar a acusação particular totalmente improcedente e, em consequência,
- absolver o arguido da prática do crime de injúria agravado por que vinha acusado;
- julgar o pedido de indemnização civil totalmente improcedente e, em consequência,
- absolver o demandado desse pedido.
Mais se decidiu:
- condenara assistente no pagamento das custas do processo, fixando a taxa de justiça devida pela constituição como assistente em 8 UC (considerando o desfecho do processo e a concreta atividade processual ilícita da assistente) e a devida pela acusação particular em 2 UC, num total de 10 UC, ao abrigo dos arts. 515.º, n.º 1, alínea a), e 518.º do Código de Processo Penal (CPP), e art. 8.º, n.ºs 1 e 9, do Regulamento das Custas Processuais e tabela III a este anexa;
- condenara demandante nas custas do pedido de indemnização civil, em decorrência do total decaimento (arts. 377.º, n.º 4, do CPP. e 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Ainda, a final, determinou-se a extracção de certidão contendo cópia de: queixa de fls. 1 a fls. 4; acusação particular e pedido de indemnização civil (relevante para efeitos da agravação consagrada no artigo 361.º, n.º 1, alínea a) do CP, de fls. 66/69; contestação, de fls. 110/115; todas as atas de julgamento; CD contendo todas as declarações e depoimentos prestados em julgamento; e da presente sentença, e remessa ao Ministério Público junto do Tribunal para instauração de procedimento criminal contra a assistente, por existirem indícios da prática, em concurso real, de um crime de falsidade de declaração agravado, p. e p. pelos arts. 359.º, n.º 2, e 361.º, n.º 1, alínea a), do CP (a 15.12.2016) e de um crime denúncia caluniosa, p. e p. pelo art. 365.º, n.º 1, do CP (a 05.05.2015).
Inconformada com tal decisão, a assistente interpôs recurso, formulando as conclusões:
1.A ora recorrente discorda da decisão absolutória, proferida pela douta Sentença, porque a mesma dá como provados factos que manifestamente não resultaram da prova efectivamente produzida em audiência e discussão e julgamento.
2.Constata-se que o elenco dos factos dados como provados - pontos 2.1 al. a) a al. d) da douta sentençaque ora se impugnam, não encontram sustentação e fundamentação na prova produzida em audiência de discussão e julgamento nomeadamente em toda a prova testemunhal.
3. Verifica-se que o Tribunal “a quo” desvalorizou completamente o depoimento da testemunha NV que depôs a favor da versão da assistente a ora ofendida, referiu ter conhecimento directo dos factos constantes da acusação e o confirmou, sob juramento, em audiência de discussão e julgamento. O Tribunal “ a quo” veio a referir que tal depoimento se mostrou inseguro e insuficiente para formar uma convicção suficientemente segura e sólida sobre a veracidade dos factos, para além de toda a dúvida razoável, alegando que este depoimento se mostrou eivado por abundante e recorreu a detalhes oportunistas e, por isso, não se mostra ser espontâneo e objectivo, sendo antes tendencioso em prol da posição da assistente. O Tribunal “a quo” não poupou nos termos para qualificar o depoimento mas descuidou-se totalmente de os fundamentar e justificar.
4.Não poderemos concordar com a posição assumida pelo Tribunal “a quo”, uma vez que tal depoimento revelou precisamente o contrário. A decisão contraria a fundamentação ou mesmo a falta dela. O Tribunal “a quo”, ainda mesmo antes de se debruçar e proferir fundamentação da matéria de facto, que considerou como provada, revertendo o que constava da acusação, expurgou (expressão sua) factos que constavam dessa mesma acusação, sem que tivesse conseguido fundamentar suficientemente a sua posição. O Tribunal “a quo” desvalorizou, desde o início, os factos constantes da acusação.
5.Contrariamente e sem fundamentação aparente, atendeu e valorou os depoimentos das testemunhas que depuseram a favor da versão do arguido ZS que disseram não ter ouvido as expressões constantes da acusação. Foi nestes que o Tribunal “a quo” fundou a sua convicção.
6.Atenta aos depoimentos contraditórios da assistente e do arguido, deverá este condenado do crime de que vinha acusado e a assistente ser absolvida das custas processuais.
7.A própria assistente LR, prestou declarações na audiência de Discussão julgamento admitindo que estava muito nervosa e exaltada com os dois acontecimentos relatados no dia 8 de Novembro de 2014 e no dia 10 de Novembro de 2014. Sendo a primeira vez que encontrava a prestar declarações e tendo passado dois anos não se recordava de alguns pormenores, o que não quer dizer que mentiu, ou descreveu os factos de forma fantasiosa.
8.Quanto ao depoimento NV, sendo esta uma pessoa de 80 anos de idade, debilitada de locomoção e diversos problemas de saúde, esta no seu depoimento não mentiu, embora se possa admitir que não o expôs com clareza suficiente o que poderá ter influenciado o douto Tribunal.
9.Não restam dúvidas que o arguido proferiu as expressões, a assistente abalada. Teve necessidade de apoio psicológico, conforme documentação junta aos autos.
10.Os depoimentos das testemunhas FS e MH esposa de ZS, prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, não merecem credibilidade do Tribunal por indirectos, pouco ou nada consistentes entre si.
11.Houve erro grosseiro na avaliação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento. A fundamentação deveria ter conduzido a outra decisão. Há contradição entre a fundamentação e a decisão.
12.Se o Tribunal “ad quem” para o qual se recorre, não vier a entender no sentido na condenação do arguido, deverá esse tribunal rever a fixação das custas do processo e do pedido de indemnização civil, por se considerar excessivas, injustas e desadequadas à situação em concreto, tanto mais que a assistente neste momento a trabalhar como Técnica Especialista de Farmácia no Centro Hospital de Setúbal, E.P.E., ignorando por completo a situação social, familiar do arguido, sendo este um episódio esporádico na sua vida.
13.Por outro lado, relativamente à Certidão que foi mandada extrair para instauração do procedimento criminal, contra a assistente pelos crimes de falsidade de declaração agravado e de denúncia caluniosa, deverá a mesma não ser julgada.
14.Analisando ainda os depoimentos das testemunhas, na sua maioria isentam a assistente de qualquer responsabilidade na “confusão”, sendo esta uma boa mãe de família e uma pessoa calma, sempre disposta a ajudar os outros.
15.Atenta à falta de prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, a assistente deve ser absolvidadas custas do processo e das custas do pedido de indemnização civil.
Tendo em consideração todo o exposto, sem prescindir do douto suprimento de V. Exas. Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso merecer provimento e ser apreciado em conformidade:
1. Condenando o arguido ZS pelo crime de injuria p.p. art.º 181.º n.º1 e agravado pelo crime 183.º n.º 1 als. a e b),ambos do Código Penal.
2. Condenando ainda ZS no pedido de indemnização cível em que foi demandado no montante de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros), acrescido de juros de mora à taxa legal até integral pagamento.
3. Absolvendo, a ora recorrente das custas do processo e das custas do pedido de indemnização civil;
4. Arquivamento do processo a tenha dado origem a Certidão mandada extrair na douta sentença do Tribunal “a quo”.
Se assim não for entendido, devem:
5. As custas processuais em que foi condenada ser especialmente atenuadas e a execução das mesmas ser no quadro do art.º 515.º e 517.º ambos do Código de Processo Penal e artigo 3.º n.º 1 e 2 das Regulamento das Custas processuais dado a recorrente enquadra-se nos requisitos.
O recurso foi admitido na parte penal, tendo sido rejeitado na parte cível, ao abrigo do disposto nos arts. 400.º, n.º 2, 403.º, n.º 2, alínea b), e 414.º, n.º 2, do CPP.
Apresentaram resposta, concluindo:
- o Ministério Público:
1) O âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente na respectiva motivação, sem prejuízo do conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, ainda que não invocados ou arguidos pelos sujeitos processuais, pelo que não releva que algum tema não focado nas conclusões tenha sido abordado no texto da motivação.
Nesta conformidade, as questões suscitadas no recurso são as constantes das conclusões extraídas pela recorrente.
2) Na motivação de recurso que apresenta, a recorrente não especificou os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida, nem tão pouco as provas que deveriam ser renovadas.
3) A recorrente não cumpriu as devidas formalidades legais para o recurso, porquanto violou o disposto no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, pelo que o recurso interposto pela assistente deverá ser rejeitado, nos termos do disposto no artigo 420.º, n.º 1, al. c), do CPP.
4) Também não indicou as normas jurídicas que entende terem sido violadas com a Douta Sentença, não tomou posição sobre o sentido em que o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou, nem o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada.
5) Assim, não cumpriu as devidas formalidades legais para o recurso em matéria de Direito, porquanto violou o disposto no art. 412.º, n.º 2, als. a)-c), do CPP, pelo que, também por esta razão, o recurso interposto pela assistente deverá ser rejeitado, nos termos do disposto no artigo 420.º, n.º 1, al. c), do CPP.
Caso assim não se entenda, e sem prescindir, entende o Ministério Público que não assiste razão à recorrente, devendo o recurso ser julgado improcedente e, em consequência, confirmada a Douta Sentença recorrida, pelas razões que se explanarão de seguida.
6) No caso sub judice, resulta para nós com enorme clareza e segurança, que após examinar e apreciar toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, a Mma. Juiz valorou a mesma de forma crítica e acertada, e ponderou outros elementos de prova relevantes para formar a sua convicção, concluindo que o arguido não praticou quaisquer dos factos pelos quais vinha acusado.
7) O tribunal a quo apreciou correctamente o conjunto de prova produzida em audiência de julgamento, em particular, as declarações do arguido, da assistente, e os depoimentos das testemunhas inquiridas – e a motivação da decisão de facto espelhou de forma clara a ponderação efectuada, expondo de forma motivada, lógica e coerente as razões que levaram a dar os factos como provados.
8) Logo no início das suas declarações, o arguido negou peremptoriamente a prática dos factos, esclarecendo que: “não fui a essa casa desde o dia 20 de Fevereiro… foi o último dia que eu fui à casa dessa senhora, o último dia, e depois fui no dia 10 falar com o meu filho por causa do problema do jipe… isso tudo que está aí foi inventado, e eu não fui lá, não fui, nem lá passei ao pé… eu nesse dia 8, lembro-me bem, fui à pesca… não passei lá…e nem tão pouco eu ia a propósito da minha casa para ir lá … arranjar esse problema… porque eu… desejando estava eu de não ir lá a casa…porque não me sentia lá bem…ainda por cima ia lá ofender?!...isso é mentira…portanto, eu digo…e digo até morrer, eu nunca lá fui à casa dessa senhora, a não ser no dia 20 de Fevereiro que fui lá mais a minha mulher, fui buscar o cão para levar ao veterinário… que essa senhora disse que não queria saber do cão para nada…que morresse…fui buscar o cão, os dois… a partir daí nunca mais lá fui, a não ser no dia 10…foi quando fui falar com o meu filho por causa do que ele me fez… não fui mais vez nenhuma… estou a ser incriminado por uma coisa que eu não fiz…”, tendo dito aindaque seria incapaz de praticar os factos que constam da acusação particular, muito menos à frente da sua neta.
9) As declarações do arguido mereceram completa credibilidade, pela forma segura, genuína e emotiva com que foram prestadas.
10) Diferentemente, as declarações da assistente revelaram diversas contradições.
11) Quanto ao 1.º episódio, de 8 de Novembro de 2014, um sábado, a assistente referiu que estava sem falar com o arguido há cerca de um ano e meio, de relações cortadas, não tendo conseguido explicar qual a razão pela qual o arguido poderia ter ido à sua casa, para falar consigo, no dia 8 de Novembro de 2014.
12) Disse que o arguido foi lá para a insultar e que se foi embora.
13) Ora, à luz das regras da experiência comum e do juízo de normalidade social, faria sentido que a assistente tivesse suspeitado de alguma razão, que pudesse ter desencadeado uma deslocação do arguido à sua casa, mas tal não resultou das suas declarações.
14) As declarações da assistente apontam para um relato selectivo dos factos, o que tem por efeito, desde logo, ferir inevitavelmente a sua credibilidade.
15) Não é credível que, com o tocar da campainha, ainda que com insistência, o que por mera hipótese académica se pondera, e com o manifestar de vontade de falar com a assistente, o arguido tenha provocado um “estado de choque” na assistente, e feito com que a sua neta tenha começado a gritar, até porque não se falavam há aproximadamente um ano e meio.
16) A assistente referiu que, quando estava dentro do quarto, telefonou para a sua vizinha NV, nascida a 28.04.1938, para pedir ajuda, porque o seu marido (PS, filho do arguido) estava em Faro.
17) Ora, seria expectável que a assistente, perante tais factos que relatou, que lhe causaram medo, segundo a versão que trouxe, tivesse telefonado para o órgão de polícia criminal, por exemplo, e não para uma vizinha com 76 anos de idade à data dos factos denunciados e com dificuldades de locomoção.
18) Não soube dizer quanto tempo a sua vizinha demorou a chegar à sua casa, para a acudir, o que não merece credibilidade, uma vez que, se estava a necessitar de socorro, como relatou, o que seria normal é que tivesse atentado ao momento em que a sua ajuda chegou ao local.
19) A assistente prestou outras declarações incoerentes e/ ou inverosímeis, tais como: (i) disse que estava no quarto, na parte de trás da casa, no 3.º andar, tinha a janela fechada, depois corrigiu para dizer que tinha a janela entreaberta, não conseguiu perceber o que o arguido estava a gritar consigo, mas depois ouviu a vizinha, a qual chegou em seu auxílio, a falar com o arguido; (ii) respondeu que a conversa da sua vizinha NV, para acalmar o arguido, teria durado cerca de 10 minutos, mas a única expressão que a ouviu dizer ao arguido foi: “tenha vergonha”; (iii) a sua vizinha NV, que terá ido em seu auxílio, foi depois para casa, sem ir primeiro ver como a assistente estava; (iv) o arguido nunca anunciou qual o assunto que pretendia falar com a assistente, só estava aos gritos, a chamar nomes à assistente.
20) Em oposição às declarações da assistente, a testemunha NV disse que esteve a conversar com o arguido apenas uns segundos, e após o arguido sair do local, entrou na casa da assistente, esteve a conversar com a assistente, e viu a filha da assistente “toda urinada”.
21)A testemunha MS, mulher do arguido, afiançou que o mesmo não se deslocou à casa da assistente no dia 8 de Novembro de 2014, mas foi antes à pesca, que a assistente apresentou queixa contra o arguido “sem motivo”, e que o arguido seria incapaz de referir as expressões pelos quais veio acusado.
22) Quanto ao 2.º evento, de 10 de Novembro de 2014, uma segunda-feira, a assistente continuou sem qualquer explicação possível para que o arguido tenha ido à sua casa, para discutir consigo, e que, após tal data, tenham deixado de haver quaisquer situações de litígio com o arguido.
23) A assistente prestou novamente declarações contraditórias e/ ou inverosímeis, tais como: (i) disse que o arguido “avançou com o carro”, para depois responder que o arguido “vinha a conduzir em grande velocidade e com os máximos”; (ii) explicou que “não conseguia fugir” porque “tinha um carro à frente”, para de seguida afirmar que saiu da estrada, abriu o portão que estava fechado à chave, empurrou a sua filha, com dificuldades motoras, para dentro da propriedade, para a proteger, fechou o portão à chave, e refugiou-se dentro de casa, tudo “num segundo”, enquanto o arguido estava a sair do carro; (iii) relatou que “se enfiou” com a filha num quarto existente na parte de trás da casa, fechou a porta do quarto, porque a filha não parava de gritar (a filha “gritou praí uma hora”) e precisava de a acalmar, mas que ainda ouviu o arguido chamar-lhe “ladra”, “coirão”, “puta”, “vadia”, “desavergonhada”, e dizer-lhe que lhe “limpava o sebo”, enquanto pontapeava o portão, “e os vizinhos vieram todos ver”; ao mesmo tempo, disse que, dentro de casa, só ouviu barulho e que, depois, “acabou”; (iv) desta vez, não telefonou para ninguém, nem para o órgão de polícia criminal, a pedir auxílio; (v) a certa altura viu o seu marido a subir as escadas, acompanhado dos militares da GNR, e não procurou saber o que sucedeu para a GNR estar em sua casa, nem contou à GNR os factos alegadamente praticados pelo arguido, na sua pessoa, apenas porque “não teve lucidez” para o efeito.
24) A assistente “prestou declarações de modo marcadamente subjetivo, sem coerência, inverosímil, desprovidas de sentimento, não compatíveis com a natureza das declarações que verbalizava”.
25) A testemunha NV incorreu novamente em diversas contradições nas declarações que prestou, conforme seguem: (i) disse que, quando o arguido chegou, estava no quintal, para depois dizer que estava dentro de casa com tudo fechado e, numa 3.ª versão, que afinal estava na varanda; (ii) afirmou que ouviu um barulho, saiu de casa, viu os carros do arguido e do filho deste (PS) chocados um no outro, e falou com os militares da GNR (o que foi negado pela testemunha militar da GNR FS), para depois dizer que, afinal, não saiu de casa, não obstante ter ouvido o barulho; (iii) relatou que ouviu o arguido a dirigir as expressões: “coiro”, “puta”, “ladra”, e “ladrona” à assistente, a gritar e a abanar o portão, para depois dizer que afinal não ouviu o arguido a dizer nada; posteriormente, revelou que “era o prato do dia” o arguido se dirigir à casa da assistente para lhe chamar nomes.
26) A testemunha FS, militar da GNR, desmentiu a versão trazida pela assistente, na parte em que só tinha visto que os militares da GNR estavam no local quando estes entraram na sua casa para ir buscar as armas pertencentes ao seu marido (PS), que foram por este voluntariamente entregues.
27) Na verdade, a testemunha já tinha estado junto da assistente, alguns minutos antes de terem ido buscar as armas.
28) Acrescentou esta testemunha que a assistente não se queixou perante os militares da GNR de quaisquer expressões que lhe tenham sido dirigidas pelo arguido, momentos antes, o que contraria as mais elementares regras da experiência comum e juízo de normalidade social.
29) O que seria expectável era que a assistente tivesse relatado aos militares da GNR as supostas expressões que lhe foram dirigidas, o que a assistente não fez.
30) Não assiste qualquer razão, pois, à recorrente na parte em que argumentou que as testemunhas MS e FS “não presenciaram os factos, nem o antes nem o depois”.
31) Antes contribuíram para realçar as contradições das declarações prestadas pela assistente e pela testemunha NV.
32) Por fim, a recorrente veio dizer que: “relativamente à Certidão que foi mandada extrair para instauração do procedimento criminal, contra a assistente, pelos crimes de falsidade de declaração agravado e de denúncia caluniosa, deverá a mesma não ser julgada”.
33) Ora, não se consegue retirar qualquer efeito útil deste argumento final.
34) Determinada a extracção da certidão, caberá à assistente exercer a sua defesa em momento ulterior, no inquérito que vier a correr termos no DIAP de Setúbal, quanto aos indícios da prática, em concurso real, de um crime de falsidade de declaração agravado, p. e p. pelos artigos 359.º, n.ºs 1 e 2, e 361.º, n.º 1, al. a), ambos do CP (a 15.12.2016), e de um crime denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365.º, n.º 1, do CP (a 05.05.2015).
35) O tribunal a quo, e a nosso ver muito bem, em face da factualidade dada como provada, não teve dúvidas na falta de verificação dos elementos dos tipos objectivo e subjectivo do crime de injúria, pelo que aplicou o Direito de forma correcta com a decisão de absolvição do arguido.
Termos em que, e no mais que V. Exas. doutamente suprirem, deve manter-se na íntegra a Douta Sentença objecto de recurso.
- o arguido:
1ª - Como bem ressalta a douta Resposta do EMMP a declaração da assistente e o depoimento da testemunha por ela arrolada, são marcadamente contraditórios e inverosímeis, carecendo de qualquer credibilidade, como deflui das transcrições adrede feitas naquela Resposta e que aqui supra se anotaram, em X1 e X2.
2ª - Como evidencia na sentença a Mma Juíza do Tribunal ”a quo”, a assistente "prestou declarações de modo marcadamente subjectivo, sem coerência, inverosímil, desprovidas de sentimento, não compatíveis com a natureza das declarações que verbalizava", facto que a levou quanto a ela e à testemunha pela mesma arrolada a mandar extrair certidões para efeitos de eventual procedimento criminal contra ambas.
3ª - Quanto às declarações do arguido e aos depoimentos das testemunhas por este arroladas, a recorrente não indica concretas provas que imponham decisão diversa, nem indica os momentos da gravação que suportariam a impugnação deduzida, limitando-se a somar adjectivos que nada dizem.
4ª - Atenta a qualidade da Resposta do EMMP que demonstra à saciedade a falta de fundamento do recurso interposto, o arguido, ora recorrido, louva-se, com a devida vénia nas mesmas, cujo teor subscreve sem reservas.
5ª - Quanto ao pedido de indemnização civil para além de não ser admissível em função do valor, como regista o despacho que rejeitou a admissão do recurso nessa parte, também não o seria pela absoluta falta de fundamento e da violação do ónus da substanciação.
Termos em que o Recurso deve ser julgado de todo improcedente, com as legais consequências.
Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, fundamentado, no sentido que o recurso seja julgado totalmente improcedente e confirmada a sentença recorrida
Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP, nada foi apresentado.
Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso define-se pelas conclusões que a recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, como sejam, as previstas nos arts. 379.º, n.º 1, e 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, designadamente conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, in DR I-A Série de 28.12.1995.
Delimitando-o, reside em analisar:
A) - da impugnação da matéria de facto e consequente condenação do arguido;
B) - da redução das custas fixadas;
C) - do arquivamento do processo a que se refere a certidão extraída.
Ao nível da matéria de facto, consta da sentença recorrida:
Factos provados:
Discutida a causa e produzida a prova, resultaram assentes os seguintes factos, com interesse para a decisão:
Da acusação particular
a) No dia 8 de novembro de 2014, pelas 17 horas, o arguido não se deslocou à residência da assistente, não tocou à campainha da moradia, nem a assistente veio à janela acompanhada da sua filha de 10 anos de idade.
b) O arguido não trocou palavras com a assistente, nem começou a abanar o portão exterior de acesso à moradia, nem a pontapeá-lo, nem gritou as seguintes afirmações:
“És uma ladra, tens-me roubado tudo…”;
“Quando te puser as mãos em cima, limpo-te o sebo a ti e a vocês todos…”;
“És uma puta…”;
“És uma vadia e uma desenvergonhada”;
“Não passas de um coirão”.
c) Afirmações essas que não foram ouvidas por nenhuns vizinhos.
d) No referido dia, o arguido não esteve naquele local.
e) No dia 10 de novembro de 2014, pelas 19 horas, a assistente acompanhada da sua filha menor de idade, ao chegar a sua casa e estando a estacionar o veículo em frente à sua residência, não se depara com a chegada em grande velocidade de uma outra viatura, com os máximos acesos, e que se imobiliza em frente da viatura da assistente.
f) O arguido não conduzia a viatura referida na alínea precedente, nem a assistente estava assustada, nem saiu rapidamente da sua viatura com a filha, nem se refugiou no interior da sua residência, trancando o portão exterior de acesso à mesma.
g) O arguido não se dirigiu para o portão tentando abri-lo, nem começou a pontapeá-lo ou abanando-o, nem gritou as seguintes afirmações:
“Puta, vou-te limpar o sebo, vais acabar morta…”;
“És uma vadia…”;
“És uma ladra e uma desenvergonhada…”;
h) Afirmações essas que não foram ouvidas por nenhuns vizinhos, nem estes foram alertados por nenhum barulho produzido pelo arguido.
i) A assistente e a sua filha menor não sentiram medo, nem inquietação, nem receio de algum ato violento por parte do arguido.
j) O arguido não proferiu as palavras acimas referidas, nem ofendeu a assistente, nem lhe imputou factos, nem lhe dirigiu palavras que atentariam contra a sua honra, bom nome e reputação.
k) O arguido não praticou atos proibidos e punidos por lei.
Do pedido de indemnização civil
l) A assistente, em consequência de conduta do arguido, não ficou deprimida, entristecida, humilhada, nem perturbada, nem careceu de ter acompanhamento psicológico.
m) O arguido não assumiu qualquer comportamento violento, nem criou na assistente uma forte e estigmatizante perturbação do seu equilíbrio sócio psíquico emocional.
Mais se provou que
n) A assistente é casada com PS, filho do arguido.
o) O arguido vive com esposa, em casa arrendada, pagando a título de renda mensal a quantia de € 60.
p) O arguido encontra-se reformado, auferindo uma pensão de reforma, no montante de € 1.000.
q) A esposa do arguido não exerce atividade profissional, nem é titular de rendimentos.
r) O arguido despende mensalmente a quantia de € 300, com a aquisição de medicamentos.
s) A assistente é técnica superior de farmácia. Factos não provados:
Com relevância para a decisão da causa, além dos que se encontram em oposição com a factualidade dada como assente, nenhum facto ficou por provar.
Motivação da decisão de facto:
Para formar a sua decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, o Tribunal alicerçou-se na prova produzida na audiência de discussão e julgamento, mais precisamente nas declarações prestadas pelo arguido, assistente, em cotejo com a prova testemunhal e documental (designadamente, de fls. 113) –, tudo apreciado à luz das regras de experiência comum e atento o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal.
O arguido ZSprestou declarações de modo inteiramente espontâneo, coerente, seguro e franco, tendo sido merecedoras de credibilidade, em toda a sua extensão.
O arguido negou perentoriamente ter-se deslocado à residência da assistente no imputado dia 08.11.2014, confirmando, voluntariamente e de modo honesto, aí se ter dirigido no dia 10.11.2014 (segunda-feira), a fim de conversar com o seu filho PS, casado com a assistente. Quanto aos demais factos pelos quais se mostra incurso, o arguido nega-os veemente e na sua totalidade.
Afiançou que a última vez que se havia dirigido àquela residência teria sido no dia 20.02.2013 – explicando o respetivo contexto e data a partir da qual cessaram relações com a assistente –, apenas aí regressando no referido dia 10.11.2014, a fim de resolver uma situação inerente a um veículo automóvel (jipe - Nissan Terrano) e unicamente com o seu filho (não com a assistente).
Declarou que ali chegado (a 10.11.2014), imobilizou o seu veículo automóvel na rua, onde aguardou pela chegada do seu filho P. Explicou a contenda que entretanto se desenrolou com o seu filho, bem como que este foi buscar a chave do jipe (em causa), entrou neste veículo, acionou o motor e intencionalmente dirigiu-o contra o automóvel em que o arguido se tinha deslocado até ali (e que naquele momento se encontrava parqueado), destruindo ambas as viaturas – como se mostra ilustrado nos fotogramas de fls. 113, corroborando o por si declarado – bem como ainda o ameaçou que o matava.
Afirmou que em momento algum viu a nora (a aqui assistente) e a neta – nem lhe dirigiu quaisquer expressões, as imputadas ou outras, nem pontapeou o portão.
Mais disse que somente após o barulho do embate provocado pelo jipe (conduzido pelo seu filho) é que apareceram vizinhas no local.
Visivelmente sentido, o arguido manteve a negação da totalidade dos factos, revelando o forte sentimento pela sua neta, afirmando ser incapaz de praticar os atos que lhe são imputados e, muito menos, em frente à sua neta.
Prestou ainda declarações quanto aos factos referentes à sua situação pessoal, profissional e económica, nos termos dados como assentes.
A assistente LSprestou declarações, de modo marcadamente subjetivo, sem coerência, inverosímil, desprovidas de sentimento, não compatíveis com a natureza das declarações que verbalizava.
Declarou a assistente que o arguido se havia dirigido à sua casa no dia 8 de novembro (sábado), tocado insistentemente à campainha e dizendo que queria falar com a declarante mas que não identificou qual era o assunto, nem nada disse.
Referiu que, em consequência destes factos, a sua filha (de 11 anos de idade) começou a gritar, e que a assistente ficou “em choque”, estava “aterrorizada” – o que não se compreende, de acordo com as regras da normalidade, este declarado estado de pânico, com os toques na companhia, por parte do seu sogro (com quem nunca antes teria tido qualquer conflitualidade e que a fizesse recear pela sua vida ou integridade física). Acrescentou que o arguido, de seguida, abanou e pontapeava o portão, e dirigiu-lhe as seguintes expressões: “coirão”, “ladra”, “vadia”, “que lhe tinha tirado tudo”. Perante estes factos, recolheu-se dentro de casa e telefonou para a sua vizinha (a testemunha NV, nascida a 28.04.1938), a título de pedido de socorro, que não estaria em casa e que terá demorado cerca de 15 minutos.
Declarou a assistente que a sua vizinha NV, aí chegada, falou com o arguido, que permanecia no exterior da moradia, conversa essa que terá tido a duração de cerca 10 minutos, e que a assistente terá presenciado por se ter abeirado da janela, abrindo-a com maior amplitude, para ver e ouvir melhor. Dessa conversa, a assistente diz que somente ouviu a testemunha a dizer para o arguido “tenha vergonha”, acabando aquele por entrar no carro e ir-se embora – diga-se que tal descrição, além de seletiva, não é também ela compatível com as regras da normalidade, porquanto não só a assistente ouviu uma única expressão (não obstante a duração da conversa de 10 minutos), como o relatado estado de exaltação em que o arguido se encontraria não se coaduna com a alegada conversa tranquila com a referida vizinha, fazendo com que o arguido calmamente abandonasse o local.
Questionada a assistente, se após a saída do arguido do local, a sua vizinha NV entrou na sua casa (da assistente), respondeu negativamente, afirmando que a mesma se dirigiu diretamente para a própria casa (da testemunha) – o que, uma vez mais, não é compatível com as regras da experiência comum, pois, se a arguida se encontrava num estado de pânico, como relatou, fazendo um pedido de socorro à sua vizinha (à data com 76 anos de idade), o que seria expetável é que esta, no mínimo, indagasse do estado em que a assistente se encontraria.
Quanto ao outro dia por si imputado, a assistente afirmou que o arguido (que o visualizou) circulava no veículo automóvel com os máximos ligados, em grande velocidade, e na sua direção, quando esta se encontrava na estrada, junto à sua residência, a ajudar a sua filha (com dificuldades motoras) a sair do veículo automóvel e, por ter sentido medo do arguido, em ato contínuo, empurrou a sua filha para dentro do portão (para a proteger).
Questionada, referiu que para entrar no portão, teve que o abrir com a chave. Perante a dinâmica e as circunstâncias relatadas – de um veículo circular, à noite, em grande velocidade, na sua direção e com as luzes no máximo (o que necessariamente provocaria encandeamento e impossibilidade de ver), foi a assistente questionada como é que teria visto que seria o aqui arguido o condutor, referindo que o viu quando este saiu do carro, que coincidiu que o momento em que empurrou a sua filha para dentro do portão. Ora, a assistente com tal descrição fantasiosa pretendia relatar uma situação de perigo iminente criada pelo arguido, mas relata uma dinâmica totalmente incompatível com as regras da física.
Mais relatou a assistente, em tribunal, que o arguido empurrava e pontapeava o portão, bem como lhe apelidou de “ladra”, “coirão”, “puta”, “vadia”, “desenvergonhada”, bem como “que lhe limpava o sebo”. Perante tal situação, a assistente entrou dentro de casa, fechou-se no quarto com a filha, onde permaneceu durante uma hora.
Referiu a assistente que, após ter saído do quarto, apercebeu-se do seu marido a entrar em casa com um militar da GNR, informando-a aquele que iria buscar as armas, para fazer entrega à GNR – facto este que a assistente não estranhou, nem questionou o motivo – o que, de acordo com as regras da normalidade seria expetável, que não tendo a assistente presenciado qualquer situação que envolvesse o seu marido (como pretendeu fazer crer – ao declarar que esteve sempre fechada no quarto), questionasse a que título estaria a GNR dentro da sua residência, a acompanhar o seu marido, com vista à entrega das armas de fogo que o mesmo possuía.
Questionada a assistente se havia relatado ao militar da GNR, presente na sua residência, a situação que teria vivenciado com o arguido, momentos antes, aquela respondeu negativamente – o que, mais uma vez, não se coaduna com as regras da normalidade, face ao estado medo que relatou que havia sentido em consequência das imputadas condutas do arguido.
Confirmou a assistente que a própria e o arguido estavam há cerca de ano/ano e meio sem se falarem, nem se viam.
Destituída de convicção, referiu que estes factos lhe causaram medo e insónia, passando, em consequência dos mesmos, a ter acompanhamento psicológico. Assim, o teor do relatório junto pela assistente de fls. 70 e ss., datado de 06.07.2015, mostra-se destituído de qualquer relevância processual e interesse probatório, porquanto o mesmo assenta, na sua essência, no que foi relatado pela assistente (à psicóloga, que por sua vez, extrai as suas conclusões assentes em tais declarações), que como se viu não mereceu qualquer credibilidade, porque eivado de inveracidades, como melhor adiante se verificará.
Foi inquirida a testemunha NV, amiga da assistente, que prestou um depoimento visivelmente parcial, tendencioso e contraditório, impossibilitando a sua valoração positiva.
Declarou que num sábado de novembro de 2014, a assistente lhe telefonou, a pedir socorro, tendo esta se dirigido à sua residência, a fim de ver o que se passava, referindo que não era para a acudir – sendo certo que esta testemunha nasceu a 28.04.1938 (como se identificou em audiência de julgamento), de visível mobilidade reduzida (caminhando acompanhada de bengala, como visualizado pela signatária, em julgamento). Acrescentou que, aí chegada, viu o arguido a forçar o portão da residência do filho deste e da assistente (nora), empurrando-o, para entrar, e apelidando a assistente de “ladra”, “ladrona” (expressão esta nunca veiculada pela assistente). Afirmou que ouvia os gritos da assistente e da filha menor, que se encontravam dentro de casa, a dizer reiteradamente “acudam-me” (sic) – factualidade esta não relatada pela própria assistente. Referiu ter falado com o arguido, dizendo-o para se ir embora, ao que este de imediato acedeu – factualidade esta não consonante com o relatado pela assistente em tribunal.
Mais disse que após o arguido ter saído, a testemunha tocou à campainha da residência da assistente, entrou na casa desta, onde permaneceu cerca de 5 minutos, e viu que a assistente se encontrava perturbada – descrição esta em total oposição ao declarado pela assistente (que havia afirmado que a testemunha seguiu para a sua casa, não contactando a assistente, nem entrando na casa desta).
No que respeita à segunda-feira seguinte, esta testemunha iniciou o seu depoimento referindo que quando estava no quintal, o arguido apareceu novamente junto da residência da assistente, reconhecendo a depoente os gritos daquele, bem como forçava o portão, com as mãos e os pés. Afirmou ter ouvido o arguido, nessas circunstâncias, a chamar a assistente de “coiro”, “puta”, “ladra”, “ladrona”. Mais disse ouvir a assistente a responder do interior de casa, a pedir para aquele se ir embora – tal relato da testemunha mostra-se em contradição com as declarações da assistente (que tinha afirmado ter entrado em casa, fechando-se num quarto das traseiras com a filha, durante uma hora, e nada ouvindo do exterior).
Questionada respondeu que o automóvel da assistente estava no estacionado no interior do quintal, e na rua só estava o veículo do arguido – em clara oposição ao declarado pela assistente (que relatou que tinha estacionado o seu automóvel na rua, quando teria surgido o arguido em grande velocidade, com os máximos acesos).
Declarou ter telefonado para o 112 a pedir a comparência da GNR no local, por ter sentido medo, e quando chegaram, cerca de 15 minutos depois, recolheu-se para o interior da sua residência, para “fazer a sua vida”, nada mais tendo visto. Tal descrição fatual não é compatível com as regras da experiência comum, pois não só os alegados distúrbios no sábado anterior teriam cessado calmamente com a sua intervenção, como os agora relatados não revestem gravidade tal que fizessem a testemunha sentir medo e pedir a comparência de autoridade policial. E mais se estranha, que entendendo a testemunha que seria uma situação de perigo, não cuidasse de ver os desenvolvimentos respeitantes à sua amiga, a aqui assistente.
Mais à frente do seu depoimento, a testemunha afirmou que quando o arguido ali inicialmente surgiu (na referida segunda-feira) a depoente se encontrava no interior da casa – e não no quintal (como havia tão perentoriamente relatado). Contudo, irrefletidamente, a depoente mudou a versão, passando a referir que se encontraria numa varanda da sua casa (distinta do quintal).
A testemunha acabou por referir que afinal estava em casa, só saiu do seu interior após ter ouvido um estrondo, correspondente ao choque de carros, tendo visualizado o filho do arguido, o PS – marido da assistente – ao volante do veículo. Nesta senda, a depoente acabou por afirmar que não teria ouvido o arguido a dizer nada, nada tendo visto antes do choque dos carros. Estes factos agora relatados pela depoente foram os únicos que, a ver do tribunal, foram relatados com verdade, não só pelo modo constrangido com que foram relatados, sabendo que assim não estaria a beneficiar a sua amiga, a aqui assistente, como ainda em consonância com as regras da normalidade e com o teor das declarações prestadas pelo arguido (que como se viu mereceram inteira credibilidade).
No entanto, tendo a depoente a (concedida) oportunidade de se ter retratado, acabou de alterar a última versão dos factos, voltando à (inverosímil) tese primitiva, referindo ter visto o arguido a empurrar o portão, a gritar e a apelidar a assistente com as aludidas expressões.
A testemunha FS, militar GNR, prestou um depoimento isento, imparcial e objetivo, merecedor de credibilidade.
Esclareceu ter-se dirigido ao local (que identificou), no âmbito das suas funções, onde visualizou dois carros danificados (um do arguido e o outro veículo, um jipe, também supostamente do arguido, mas usado pelo seu filho). Afirmou que o automóvel do arguido – que identificou como sendo o de fls. 113 – se encontrava estacionado junto ao passeio, com danos visíveis na parte frontal, e o outro veículo estava numa zona de terra batida.
Declarou que as pessoas se encontravam visivelmente transtornadas – encontrando-se o arguido, no exterior, junto à sua viatura, e o filho deste e a aqui assistente, no interior da moradia.
Afirmou perentoriamente esta testemunha que o filho do arguido, PS lhe relatou que tinha projetado intencionalmente o jipe contra o carro do arguido, em consequência de desavenças anteriores – o que corrobora inteiramente o declarado pelo arguido, nesta sede.
Mais declarou que tanto o arguido, como o filho deste, lhe haviam relatado que aquele se havia dirigido à casa deste, para ir buscar a viatura.
Confirmou a apreensão cautelar, com entrega voluntária, das armas pelo filho do arguido.
Porque questionado, respondeu que aquando da chegada da GNR, a assistente encontrava-se no interior da residência, em local visível, tendo sido reciprocamente vistos, mais acrescentando que estiveram cerca de 30 minutos a conversar, no hall de entrada, sempre junto da assistente, afirmando não ser verdade que esta só se tivesse apercebido da presença da GNR aquando da apreensão das armas.
Porque questionado, respondeu não se recordar se a assistente lhe fez, ou não, alguma queixa. Questionado diretamente se esta lhe havia transmitido se o arguido ali tinha estado a injuriá-la, a pontapear o portão e que esta tivesse ficado com muito medo, a testemunha relatou que isso não lhe foi transmitido.
Por último, foi inquirida a testemunha MS, esposa do arguido e nora da assistente, que prestou um depoimento deveras sofrido, sentido e espontâneo. Referiu que o arguido não teria estado junto da casa do seu filho no dia 8, contrariamente ao dia 10 - facto esse que teriam conversado à hora de almoço desse mesmo dia em que o arguido se iria dirigir à casa do filho P, para resolverem a situação do veículo Nissan Terrano.
Explicou o que lhe motivou a telefonar ao arguido na noite do dia 10, tendo este, nessa senda, lhe transmitido, em síntese, que estava junto à casa do filho, que este lhe tinha “partido o carro todo”, que não teria transporte para se deslocar para casa, acalmando a depoente informando-a que ali já estaria a GNR – em total consonância com o relatado pelo arguido e pela testemunha militar da GNR, FS. Perentoriamente afirmou que nunca lhe foi transmitido pelo filho (nem pelo arguido), o proferimento das expressões injuriosas que são imputadas pela assistente. Mais descreveu a depoente as caraterísticas pessoais do arguido, seu marido, afiançando não ser pessoa para proferir tais expressões e/ou praticar os atos imputados.
Do confronto dos elementos probatórios carreados para os autos, resulta que as declarações do arguido não só foram prestadas de modo profundamente credível, como se mostram corroboradas pelos depoimentos testemunhais de FS e de MS – mais reforçando a credibilidade das suas declarações, em toda a sua extensão.
Da discussão da causa, resulta com segurança e desprovida de qualquer dúvida que o arguido não praticou nenhum dos factos descritos na acusação particular e imputados pela assistente.
A versão da assistente trazida aos autos – que originou o procedimento criminal contra o arguido e o pedido de indemnização civil também contra si deduzido – afigurou-se fantasiosa, falsa, sem qualquer correspondência com a realidade passada, pretendendo a assistente obter um proveito económico a que sabia não ter direito (no montante de € 3.500, acrescido de juros legais – fls. 69), assim como “forçar” o arguido a desistir da queixa-crime que deduziu contra o marido da assistente (como espelha a ata de julgamento de 15.12.2016, de fls. 140 – que era condição para que a assistente desistisse da queixa aqui apresentada), bem como prejudicar o arguido, fazendo com que o mesmo pudesse vir a ser condenado numa pena criminal.
Questão prévia:
Confrontando a acusação particular deduzida nos autos, constante de fls. 66 a 68, com a factualidade considerada como provada na sentença, verifica-se que esta corresponde à tradução negativa do que ali se consignara.
Tal procedimento não é aquele que deva ser normalmente adoptado, uma vez que, por um lado, o objecto do julgamento versa, em primeira linha, a acusação e, esta, como no caso sucede, oferece narrativa de factos expressa em termos positivos, tratando de imputação da sua prática com vista à tipologia criminal em causa e, por outro, é manifesto que a ausência de prova desses factos não significa a prova do seu contrário.
Tanto mais quando propicia a ambiguidade interpretativa que ficou patente na alusão aos factos não provados (“Com relevância para a decisão da causa, além dos que se encontram em oposição com a factualidade dada como assente, nenhum facto ficou por provar”), que, não fosse esse procedimento, não se colocaria.
No entanto, o sentido da decisão é suficientemente inteligível, mormente, tendo em conta a motivação que presidiu à fixação dos factos, realçando a credibilidade que foi conferida, em toda a sua extensão, às declarações do arguido, suportando a sua versão e com segurança e desprovida de qualquer dúvida, de que não praticou os factos imputados.
Deste modo, ainda que, teoricamente, o procedimento pudesse suscitar a problemática de alteração dos factos descritos na acusação (arts. 358.º e 359.º do CPP), a ausência de concretas consequências processuais relevantes leva a concluir - sem prejuízo do que a apreciação da impugnação da matéria de facto venha a justificar quanto à modificação desta - que não se extraia qualquer vício que inquine a sentença.
Apreciando, conforme ao definido objecto do recurso:
A) - da impugnação da matéria de factoe consequente condenação do arguido:
A recorrente manifesta pretender reexame da matéria de facto e de direito, o que implica, processualmente, a observância do art. 412.º, n.ºs 2 a 4, do CPP, independentemente do conhecimento, aliás oficioso, dos vícios da matéria de facto previstos no art. 410.º, n.º 2, do mesmo Código.
Dando-se por assente que as conclusões do recurso limitam a amplitude da apreciação, o Ministério Público defendeu a rejeição, decorrente de omissão do cumprimento desses requisitos.
Em síntese, refere: Sucede que, na motivação de recurso que apresenta, a recorrente não especificou os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida, nem tão pouco as provas que deveriam ser renovadas.
Limitou-se, antes, a transcrever a prova gravada.
Resolveu ainda a recorrente impugnar a globalidade da factualidade dada como provada, incluindo os factos n) a s), que dizem respeito tão-somente à condição socioeconómica da mesma e que resultaram das declarações prestadas pela própria.
E mais adiante: A recorrente não indicou as normas jurídicas que entende terem sido violadas com a Douta Sentença, não tomou posição sobre o sentido em que o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou, nem o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada.
Ora, se é certo que a recorrente não respeitou integralmente o que lhe exigível, para obter o que visa através da sua motivação, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, afigura-se, porém, que, apesar de forçosamente dentro de certos limites, se deva analisar a sua perspectiva, além do mais, não lhe cerceando desproporcionadamente a garantia de se insurgir contra o decidido.
Assim, sem que se tivesse justificado convite a esclarecimento por via do art. 417.º, n.º 3, do CPP, verifica-se:
- em matéria de facto, embora se refira na fundamentação do recurso a toda a factualidade provada - em a) a s) -, vem a concluir direccionar a impugnação aos factos provados em a) a d), mencionando (quer na fundamentação, quer nas conclusões) que ora se impugnam, sendo que apresenta passagens das declarações do arguido e de si própria e do depoimento de NV, com respectiva localização no suporte de gravação em audiência;
- em matéria de direito, apesar de decorrer não mais do que alusão a divergências probatórias e menção ao tipo de ilícito em julgamento, decorre, implicitamente, que, na senda do recurso, diferente avaliação da prova conduz à subsunção ao crime, designadamente, quanto à adequação objectiva das expressões e ao dolo na actuação.
Note-se, ainda, que, se bem que a recorrente, nas suas conclusões, se refira a erro grosseiro na avaliação da prova e a contradição entre a fundamentação e a decisão, o que afinal pretende é, sim, uma reapreciação dos factos impugnados, ao abrigo do art. 412.º, n.º 3, do CPP, de forma mais ampliada e, não, de modo restrito, em face do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, por referência a vícios de que a sentença padeça.
Passa-se, então, a analisar da impugnação com o sentido e os limites colocados.
Tem-se em conta, como se impõe, que essa vertente do recurso não implica um novo julgamento, mas apenas um remédio para os erros de julgamento, que não se destina a limitar (ou arredar) o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127.º do CPP, nem pode suprir a imediação e a oralidade de que o tribunal que julgou dispôs.
A propósito, lê-se no acórdão do STJ de 10.03.2010, in CJ Acs. STJ ano XVIII, tomo I, pág. 219: Como o Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se de um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento (…) O objeto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas, mais singelamente, a deteção e correção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento (…) A intromissão da Relação no domínio factual cingir-se-á a uma intervenção "cirúrgica", no sentido de delimitada, restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção, se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação (…) A juzante impor-se-á um último limite que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão.
Vejamos, pois, por referência aos factos, segundo a acusação, ocorridos em 8 de Novembro de 2014, reportados às alíneas a) a d) do elenco fixado pelo tribunal.
Consideram-se as passagens apresentadas pela recorrente, bem como a audição, a que se procedeu ao abrigo do n.º 6 daquele art. 412.º, desde logo resultando, contudo, que essas passagens, diferentemente do que seria expectável, não correspondem propriamente a transcrição, mas sim a súmula, ainda que relativamente extensa, do que essa prova transmitiu, implicando, como tal, diminuição do esforço exigível a quem recorre.
Feito o reparo, merecido, diga-se, também, que a recorrente, para além de menção a essas passagens, limita-se a alegar que Os depoimentos da assistente e do arguido são contraditórios pelo que o Tribunal deverá dar-lhe pouca relevância, bem como que a assistente procurou exaustivamente expressar um raciocínio lógico e motivável, mas tendo em conta a prova produzida revelou-se emocional, uma vez que o nervosismo de nunca ter ido a Tribunal não tenha permitido que fizesse um depoimento suficientemente claro relativamente os factos, prejudicando, desta forma, a apreciação correcta dos mesmos pelo Tribunal “a quo”.
Analisando as declarações do arguido, quanto ao imputado naquele dia, decorre a sua negação peremptória de se ter deslocado à residência da recorrente, sua nora, o que não fazia já, como referiu, desde 20.02.2013, sem que, durante esse período, tivesse tido contactos com a mesma, tendo manifestado a sua indignação pelo que era acusado, sem razão visível para o efeito.
A circunstância de não ter estado na residência foi também, segundo o tribunal, mencionada pela sua esposa, MS, não obstante se reconheça a sua ligação familiar, eventualmente influindo no depoimento, mas, de todo o modo, focando que aquele teria consigo conversado, no dia 10.11.2014, acerca de que se iria dirigir à residência para falar com o filho e, assim, aparentando que seria normal que, se antes isso se tivesse verificado, desse assunto saberia.
Por seu lado, as declarações da recorrente, que foram em sentido inverso, não só se revelaram, como a recorrente refere, contraditórias às do arguido, como também, em si mesmas, padecendo de certas insuficiências que, analisadas na globalidade, comportam as reservas quanto à sua aceitação, por que o tribunal enveredou.
Na verdade, resulta no mínimo estranho que, sem contactos com o arguido há mais de um ano, por um lado tivesse ficado assustada de forma tão forte como transmitiu, apenas pela circunstância daquele aí tocar à campainha e dizer que queria falar consigo e, por outro, que afinal nem sequer tivesse sabido, ou procurado saber, qual a razão dessa pretensão.
Identicamente, note-se que as alegadas expressões surgem sem contexto e, até, segundo disse, já depois desse estado de “choque” (seu e da filha) se ter desencadeado, tão-só, pela constatação de que era o arguido quem se encontrava ao portão da residência.
Admitindo-se que as declarações da recorrente denotaram alguma emotividade e nervosismo, em limites que a presença em tribunal e acerca de assunto familiar e que a terá perturbado podem explicar, já não se compreende, sem mais, que tivesse dado a entender um tal receio que não se revela congruente com a ausência de razões prévias que transmitiu.
Assim, a dificuldade de respeitar, no seu todo, a invocada lógica, foi devidamente sopesada pelo tribunal, mesmo que se tenha em conta que, em parte, as declarações vieram a ser corroboradas pelo depoimento de NV, sua vizinha, a quem, telefonicamente, teria pedido auxílio.
Se é certo que esse pedido, ainda que a pessoa, à data, com 76 anos, se devesse à circunstância da sua proximidade (morava na casa “pegada” à da recorrente), não é menos verdade que não se aceita que, como referiu a recorrente, a testemunha tenha falado com o arguido, mas não tenha sequer falado com aquela, seja nessa altura, seja depois do arguido, alegadamente, ter abandonado o local, a conselho e por intervenção da testemunha.
Conforme assinalado pelo Ministério Público, na sua resposta, Em oposição às declarações da assistente, a testemunha NV disse que esteve a conversar com o arguido apenas uns segundos, e após o arguido sair do local, entrou na casa da assistente, esteve a conversar com a assistente, e viu a filha da assistente “toda urinada”.
Tais aspectos foram contrariados pelas declarações da recorrente, quando se reportou a conversa durante cerca de dez minutos e a que a vizinha foi, de seguida, para casa.
Ora, não se trata de desvalorizar as declarações e o depoimento em função de pormenores que poderiam ser descurados, não fosse, também, a dificuldade em entender como a testemunha, por um lado, ausente da residência (estava na mercearia), mesmo que muito próximo (a cinco minutos da sua casa), ainda tivesse ouvido as expressões imputadas ao arguido e, por outro, tivesse apenas com um “vá-se embora” logrado que o arguido saísse do local.
Aliás, a testemunha denotou incertezas no que ia transmitindo, reflectindo, quiçá, o que a recorrente lhe teria dito acerca dessas expressões, sem conseguir razoavelmente transmitir conhecimento directo conducente a tradução da realidade de forma consentânea com as regras da experiência.
O tribunal, beneficiando da imediação e da oralidade, concluiu que o arguido não esteve na residência nesse dia, o que se revela fundamentado na apreciação crítica da prova a que procedeu.
E não se descortina que, através dos excertos apresentados ao recurso ou da audição efectuada, outra conclusão se imponha, sendo que não basta que a prova invocada o permitisse.
A modificação dos factos impugnados, por via do art. 431.º, alínea b), do CPP, só se justificaria se a prova convocada tivesse a virtualidade de arredar a valoração estabelecida pelo tribunal, o que não acontece.
Sabendo-se que a liberdade de apreciação (art. 127.º do CPP), conforme Castanheira Neves, in “Sumários de Processo Criminal”, 1967/68, págs. 50/51, não é nem deve implicar nunca o arbítrio, ou sequer a decisão irracional, puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação. Trata-se antes de uma liberdade para a objectividade – não aquela que permita uma “intime conviction”, meramente intuitiva, mas aquela que se determina por uma intenção de objectividade, aquela que se concede e que assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, i. é, uma verdade que transcenda a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros, afigura-se que, no caso, os critérios legais foram respeitados, pese embora a discordância da recorrente.
Salienta-se que a mera alusão a contradições existentes nos meios de prova produzidos não serve para sustentar que, necessariamente, não sejam, no conjunto disponível, individualmente valorados no que, em razão da convicção fundamentada e da experiência, se consente discernir.
A recorrente não veio, pois, carrear prova que imponha a visada modificação factual.
Deste modo, aliada à restante factualidade, a condenação do arguido mostra-se afastada, sem necessidade de esclarecimentos específicos.
Não só na parte criminal, como também na vertente cível, sendo que, esta, nem mesmo, tal como já constava do despacho proferido para o efeito do art. 414.º do CPP, não seria recorrível, em razão do valor do pedido.
B) - da redução das custas fixadas:
A recorrente, fundamentando excesso na determinação da taxa de justiça aplicada, considera que as custas são excessivas, injustas e desadequadas à situação em concreto, tanto mais que a assistente neste momento a trabalhar como Técnica Especialista de Farmácia no Centro Hospital de Setúbal, E.P.E., ignorando por completo a situação social, familiar do arguido, sendo este um episódio esporádico na sua vida.
Apela aos arts. 515.º e 517.º do CPP, bem como ao art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento das Custas Processuais, referindo que enquadra-se nos requisitos, transparecendo pugnar pela redução, ao mencionar especial atenuação das mesmas.
Ora, tendo o arguido sido absolvido, a responsabilidade da recorrente pelas custas do processo, como assistente, decorre do disposto nesse art. 515.º, seu n.º 1, alínea a), não se colocando situação de isenção a que se reporta esse art. 517.º.
A fixação da taxa de justiça, que se inclui nas custas, de acordo com o art. 3.º, n.º 1, desse Regulamento, obedeceu ao art. 8.º, nºs 1 e 9, do mesmo, por referência à sua tabela III anexa, sem que, de modo algum, se revele injustificada e excessiva.
Com efeito, teve em conta o desfecho do processo e a concreta actividade processual da recorrente, bem como a complexidade da causa.
Nenhuma razão assiste à recorrente.
C) - do arquivamento do processo a que se refere a certidão extraída:
É manifesto que a alegação da recorrente de que devesse ser arquivado o processo relativo à certidão que foi extraída para procedimento criminal contra si não tem qualquer sentido.
Desde logo, ainda que esse aspecto tenha ficado a constar, a final, da sentença, tratou-se de ordem dependente da livre resolução do tribunal e, assim, irrecorrível (art. 400.º, n.º 1, alínea b), do CPP), sendo certo, também, que não revestiu qualquer decisão no âmbito em apreço.
Não poderia, sequer, este Tribunal da Relação emitir, ora, posição acerca disso, mesmo que a decisão da restante matéria objecto de recurso viesse a ser favorável à recorrente.
A extração de certidão teve a finalidade de denunciar a indiciação da prática de ilícitos criminais, decorrente de imposição legal (art. 242.º, n.º 1, alínea b), do CPP), cuja investigação, em inquérito, caberá ao Ministério Público (arts. 262.º e 263.º do CPP), em processo no qual a recorrente poderá exercer a sua defesa.
3. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se:
- negar provimento ao recurso interposto pela assistente e, assim,
- manter a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente, com taxa de justiça de 4 UC.