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VALOR DA CAUSA
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
PEDIDO
Sumário
I. A nossa lei processual civil estabelece no n.º 1 do artigo 297º que a utilidade económica imediata do pedido, expressa em dinheiro, constitui o critério geral para a determinação do valor da causa. II. Fundando os autores o pedido de condenação em quantia certa na responsabilidade civil da ré por incumprimento de deveres legais decorrentes da celebração de contrato de mediação imobiliária e na retenção ilícita de valores que, de acordo com o contrato de promessa de compra e venda eram pertença dos autores, não obstante ter sido alegada a existência de um contrato de promessa de compra e venda, mas não se discutindo a subsistência, cumprimento, modificação ou resolução do contrato, o valor da causa não deve ser fixado com recurso à norma especial do n.º 1 do artigo 301º, mas de acordo com os critérios gerais. III. Por conseguinte, o valor da causa corresponde ao valor do pedido e não ao do preço da compra e venda objecto do contrato.
Texto Integral
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. BB e CC instauraram acção declarativa de condenação contraDD - Mediação Imobiliária, Lda., e EE, pedindo a condenação da R. a pagar-lhes a quantia de € 17.741,09, acrescida de juros vincendos, sendo a quantia de € 7.130,85 referente a despesas que tiveram que efectuar para reparar o motor da piscina e com a instalação de uma cobertura, que ao contrário do publicitado pela 1ª R., não existia, € 4.000,00 respeitantes à legalização da piscina, e € 5.799,00 referentes a rendas do imóvel que adquiriram à 2ª R., através da mediação da 1ª R., e que foram por esta recebidas, mas que de acordo com o contrato de promessa de compra e venda celebrado com a 2ª R (vendedora) eram pertença dos AA., e juros vencidos no valor de € 541,24.
Atribuíram à causa o valor de € 17.741,09.
2. As RR. contestaram, não tendo impugnado o valor atribuído à causa.
3. Por despacho com a ref.ª 103954947 foi apreciado e decidido o valor da causa e a competência do tribunal, nos seguintes termos:
«Os AA BB e CC indicaram à causa o valor de € 17.471,09 (dezassete mil quatrocentos e setenta e um euros, e nove cêntimos).
As Rés DD, Mediação Imobiliária, Lda. e EE, por seu turno, indicaram o mesmo valor.
Ora, a lei processual contém norma especial para a fixação do valor da acção quando a acção tem por objecto a apreciação do cumprimento (e incumprimento) de actos jurídicos, nomeadamente de um contrato (ou vários contratos).
Com efeito, segundo dispõe o art. 301°, do NCPC: “1. Quando a acção tiver por objecto a apreciação da existência (...) cumprimento (... ) de um acto jurídico, atende-se ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes.”.
Como refere o Ac. da Relação de Coimbra de 3/2/2004, processo 3696/03, disponível na base de dados da dgsi:
“Dispõe o artº 305, n.º 1, do CPC - diploma esse ao qual nos referiremos sempre que doravante mencionarmos somente o normativo sem a indicação da sua origem -, que “a toda causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”.
(...)
Por outro lado, resulta do n.º 1 do citado artigo 305, que a “utilidade económica” imediata do pedido, expressa em dinheiro, constitui o critério geral para a determinação do valor da causa (Lebre de Freitas in "Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 543"). Aliás, nas palavras do referido professor (in "Ob, e pág. cit") "as disposições sobre o valor da causa que consagram critérios especiais (artºs 307, 308, n.º 3, 309 a 313) representam a concretização e adaptação desse critério geral, em função da modalidade do pedido formulado. "Há, porém, que ter em conta - continua ali o insigne Mestre -, que o pedido se funda sempre na causa de pedir, que o explica e o delimita. Dela não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que este não é considerado abstractamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para apuramento do valor da causa ... Tal como o pedido desligado da causa de pedir não basta à determinação do valor da acção, também a causa de pedir, por si, não o determina ... ".
(...)
Por fim, estatui-se no n.º 1do artigo 310 que "quando a acção tiver por objecto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um acto jurídico, atender-se-á ao valor do acto determinado pelo preço ou estipulado pelas partes". (sublinhado nosso)
Comentando este último normativo, discorre o aludido prof. que vimos citando (in "Ob, cit. pág. 549''), “estando em causa a existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um negócio jurídico, atende-se, ressalvada a especialidade do n.º 3, ao valor sucessivamente resultante do preço, estipulado pelas partes ou decorrente das regras gerais".
(...)
Portanto, nesta acção discute-se ou visa-se apreciar, como grande questão, se o réu cumpriu ou não o aludido contrato promessa, e depois extrair as necessárias consequências jurídicas conforme a conclusão ou juízo final a que se chegar (e, nomeadamente, se os autores têm depois direito a receber aquela importância que reclamam daquele). E para que a pretensão dos autores seja coroada de êxito necessário se torna que tal conclusão vá no seu sentido que o réu faltou, por causa que lhe é imputável, ao cumprimento do dito contrato.
Logo será aplicável ao caso em apreço a previsão o artigo 310, o qual contem em si um critério de excepção ao critério geral contido no artigo 305, n° 1, e que encontra a sua explicitação ou desenvolvimento no n.º 1 do art° 306 (não esquecer que a epígrafe deste normativo se refere aos "critérios gerais para a fixação do valor"). E sendo assim o valor desta causa deve corresponder ao valor do contrato (promessa), cujo cumprimento aqui se discute, e que é determinado pelo preço que as partes (autores e réus) acordaram ou estipularam para o mesmo (...)”.
No mesmo sentido, veja-se o Ac. da Relação de Guimarães de 4/10/2011, processo n.º 904/11.5TBBRG-AG 1, disponível na mesma base de dados.
No caso, no que concerne ao nexo do pedido com a causa de pedir, os AA sustentam a sua pretensão no incumprimento dos deveres em que a Ré DD, Mediação Imobiliária, Lda. se constituiu por virtude da relação jurídica obrigacional, de mediação imobiliária, que estabeleceram com esta Ré, em vista - e de que resultou - o contrato promessa de compra e venda celebrado a 13/3/2014, e, depois, a escritura de compra e venda celebrada a 13/06/2014; e sustentam, ainda, a sua pretensão, no incumprimento, por parte da Ré EE, dos deveres em que ficou investida por virtude desse contrato promessa e dessa escritura de compra e venda.
Daí que, o valor da causa não deva ter por medida o valor do pedido de condenação em prestação pecuniária.
Ao invés, em obediência ao critério especial previsto no art. 301°, n° 1, do NCPC, o valor da presente causa deverá corresponder ao valor do preço estabelecido naquele contrato promessa e também na subsequente e referida escritura de compra e venda - negócios a que se dirigiu também a actividade de mediação imobiliária por banda da Ré DD, Mediação Imobiliária, Lda. -, cujo incumprimento constitui causa de pedir alegada pela A ..
Tais contratos, promessa de compra e venda e escritura de compra e venda, foram juntos pelas partes, e a sua existência não é objecto de dissenso.
E porque deles resulta que o preço ajustado para o negócio de compra e venda foi de € 340.000,00 (trezentos e quarenta mil euros), deverá ser esse o valor da causa.
Não obstante a regra estabelecida pelo art. 315°, n° 2, do Antigo CPC, situações há em que a fixação do valor da causa deve ser realizada em momento anterior ao despacho saneador, o que sucede sempre que a sua alteração implique a incompetência relativa do Tribunal- arts. 102° e 104°, n° 3, do NCPC.
É esse, precisamente, o caso dos autos.
Na verdade, a fixação daquele valor à causa acarreta uma outra consequência, a incompetência deste Tribunal (instância local), pois cabe à secção cível da instância central a preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de processo comum de valor superior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros) - cfr. art. 117°, n° 1, al. a), da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
Por conseguinte, impõe-se também determinar a remessa dos autos à secção cível da instância central, pois para aí são remetidos os processos pendentes nas secções de instância local em que se verifique alteração do valor susceptível de determinar a sua competência - cfr. art. 117°, n° 3, da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
Face a todo o exposto:
a) Fixo o valor da causa em € 340.000,00 (trezentos e quarenta mil euros);
b) E, em sua consequência, declaro este Tribunal incompetente para o seu julgamento, determinando que, transitada esta decisão em julgado, sejam os autos remetidos à secção cível (de Faro) da instância central da comarca de Faro, por lhe assistir tal competência. (…)»
4. Inconformados com o assim decidido recorreram os AA. pugnando pela revogação desta decisão, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]:
A) O pedido e a causa de pedir da acção proposta em juízo pelos AA. recorrentes, processualmente pautaram-se pelos critérios constantes dos artigos 296.° e 297.° do C.P.Civil.
Na medida em que, não estamos em presença, naquela sede processual perante - (...) “a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um ato jurídico ...” , conforme regula o artigo 301º, n.º1do C.P.Civil.
Mas antes, perante o pedido de pagamento dos valores que os AA. despenderam no valor da reparação do motor da cobertura da piscina e da própria capa daquela, que não se encontravam em condições de funcionamento e dos valores das rendas que a 1.ª R. recebeu e não pagou aos AA, acrescida de valores que se predem com a legalização da piscina, que a data dos respectivos contratos não se encontrava regularizada. Apesar da 1ª R. mediadora imobiliária, no anúncio da venda da casa, anunciar a venda também a venda piscina e os seus acessórios, que não se encontravam nas suas devidas condições.
B) Não resultando, o pedido de tais valores, de nenhum condicionamento e validade dos contratos celebrados, o de promessa, e do compra e venda, entre as partes, que os mesmos se celebram e nunca os puseram em causa, tanto judicialmente, como pessoalmente, nem nos presentes autos.
C) Mesmo que, se entendesse, o contrário, só se admite por mera hipótese académica, aceitando o critério legal do artigo 301º, n.º1do C.P.Civil.
Tal verificação do valor da acção, na tese errada do douto despacho, tinha-se que, situar, tão só, ao nível do valor económico do contrato de promessa de compra e venda, no qual na Cl.ª 5.ª do mesmo se consagrou o pagamento das rendas aos AA. ora recorrentes, por parte da 1ª R. cujo o valor é de € 34.000.00 (trinta quatro mil euros), como se alcança de tal contrato junto na p.i. como doc. n.º 2, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. E nunca do valor da compra e venda que nunca foi questionado, por nenhuma parte a sua validade jurídica.
D) Para, assim, termos que concluir que o Instancia Local de Loulé, é o Tribunal competente, em razão do valor para apreciar e julgar o pedido da respectiva acção.
E) Por outro, lado e na mesma esteira, o valor atribuído a acção pelo douto despacho recorrido, não tem qualquer justificação processual e legal. Nem qualquer correspondência, com a realidade processual da acção proposta em juízo, nem com a sua causa de pedir e respectivo pedido.
Além disso, é completamente, absurdo e desproporção económica é abismal, entre o pedido e valor que o despacho recorrido atribuir a essa mesma acção.
Foge a qualquer princípio de Direito e da realidade jurídico-processual e legal, atribuir a uma acção o valor de € 340.000,00. Quando, o valor do pedido, dessa mesma acção é € 14.471,00 (catorze mil e quatrocentos e setenta um euros).
É um empolamento do valor de uma acção, sem qualquer regra jurídico processual ou critério legal, inadmissível, são trezentas vezes mais!
F) O douto despacho recorrido, carece de qualquer suporte legal, processual ou factual, para ter decidido como decidiu: em total oposição, entre os fundamentos de facto (o pedido e causa de pedir) e direito (critérios processuais para atribuição e verificação do valor da acção).
Verificando-se, deste modo, a nulidade da decisão nos termos e ao abrigo do artigo 615.º, n.º1, al. do C.P.Civil.
G) Devendo, para o efeito ser declarada a nulidade de tal despacho, substituído por outro que reconheça a legalidade processual do valor atribuído ao pedido da acção, que declare a competência jurídico-processual da Instância Local de Loulé, em razão do valor, da respectiva secção cível aonde tramitam os presentes autos.
5. Não se mostram juntas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e efeito devolutivo.
No despacho de admissão do recurso o tribunal recorrido proferiu o despacho a que se reporta o n.º 1 do artigo 617º do Código de Processo Civil concluindo pela não verificação da nulidade assacada ao despacho recorrido.
6. Instruído o apenso do recurso foram os autos remetidos a esta Relação.
Dispensados os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
* II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
(i) Da nulidade da sentença;
(ii) Do valor da Causa; e
(iii) Da Competência do Tribunal.
* III – Fundamentação
A) - Os Factos/O Direito 1. Invocam os recorrentes a nulidade do despacho recorrido alegando que “o douto despacho recorrido, carece de qualquer suporte legal, processual ou factual, para ter decidido como decidiu: em total oposição, entre os fundamentos de facto (o pedido e causa de pedir) e direito (critérios processuais para atribuição e verificação do valor da acção)” (cf. conclusão F)), sem no entanto concretizarem a alínea do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil em que enquadram a dita nulidade.
Porém, é manifesto que não existe qualquer nulidade e, infelizmente, está a tornar-se prática corrente a suscitação de nulidades quando simplesmente se discorda dos fundamentos da decisão ou da interpretação que é feita dos factos e das normas jurídicas aplicáveis.
Ora, no caso, a decisão está fundamentada, como se vê da transcrição que fizemos, não se vislumbra contradição nos seus fundamentos, nem obscuridade ou ambiguidade que a torne ininteligível, nem se vislumbra qualquer omissão ou excesso de pronúncia.
O que sucede é que os recorrentes têm uma leitura quando aos fundamentos da acção diversa da que teve o tribunal recorrido, o que leva à aplicação de diferente norma para fixação do valor da causa, mas tais divergências nada têm a ver com a nulidade da sentença, mas sim com o mérito da decisão, o que a seguir se apreciará.
Deste modo, não padece a decisão de qualquer nulidade.
2. Como decorre dos autos, os AA. pretendem obter o pagamento da quantia de € 17.741,09, acrescida de juros vincendos, sendo a quantia de € 7.130,85 referente a despesas que tiveram que efectuar para reparar o motor da piscina e com a instalação de uma cobertura, € 4.00,00 respeitantes à legalização da piscina, e € 5.799,00 reportados a rendas do imóvel que adquiriram à 2ª R., através da mediação da 1ª R., que foram por esta recebidas e retidas, e juros vencidos no valor de € 541,24.
Em consonância com o pedido atribuíram à causa o valor de € 17.741.09.
Na contestação as RR. não impugnaram este valor, pelo que se considera que o aceitaram, em face do disposto no n.º 4 do artigo 305º do Código de Processo Civil.
Porém, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes, é ao juiz que compete a fixação do valor da causa, como se prescreve no n.º 1 do artigo 306º do Código de Processo Civil, devendo fazê-lo, em regra, no despacho saneador.
No caso em apreço, entendeu-se ser lícito ao tribunal conhecer do valor da causa antes do saneador, porque a alteração do valor implicava a incompetência relativa do tribunal (cf. artigos 102º e 104º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Assim, considerando-se que os AA. sustentam a sua pretensão no incumprimento dos deveres em que a Ré DD, Mediação Imobiliária, Lda., se constituiu por virtude da relação jurídica obrigacional de mediação imobiliária que estabeleceram com esta R. - em vista de que de que resultou o contrato promessa de compra e venda celebrado a 13/3/2014 e, depois, a escritura de compra e venda celebrada a 13/06/2014 -, e também, no incumprimento, por parte da Ré EE, dos deveres em que ficou investida por virtude desse contrato promessa e dessa escritura de compra e venda, concluiu-se que o valor da causa não devia ter por medida o valor do pedido de condenação em prestação pecuniária, mas, antes, ser determinado com recurso ao critério especial previsto no n.º 1 do artigo 301º do Código de Processo Civil, pelo que o valor da causa deveria corresponder “ao valor do preço estabelecido naquele contrato promessa e também na subsequente e referida escritura de compra e venda - negócios a que se dirigiu também a actividade de mediação imobiliária por banda da Ré DD, Mediação Imobiliária, Lda. -, cujo incumprimento constitui causa de pedir alegada pela A.”.
Discordam os AA. em sede de recurso e afigura-se-nos que com razão.
Senão vejamos:
3. Como decorre do n.º 1 do artigo 296º do Código de Processo Civil, “[a] toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”, relevando este valor para se determinar a competência do tribunal, a forma do processo, bem como da possibilidade de recurso das decisões e a fixação do valor da taxa de justiça inicial (cf. n.º 2, e artigo 11º do Regulamento das Custas Processuais).
A lei processual estabelece, nas suas disposições subsequentes os critérios gerais e especiais para a fixação do valor da causa, obrigatoriamente a indicar pelo autor na petição inicial, competindo ao juiz fixar o valor da causa, em regra, no despacho saneador (cf. artigo 306.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Assim, no n.º 1 do artigo 297º do Código de Processo Civil estabelece-se que a “utilidade económica” imediata do pedido, expressa em dinheiro, constitui o critério geral para a determinação do valor da causa, pelo que, se pela acção se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro será esse o valor da causa; se pela acção se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente ao benefício. E se na acção forem cumulados vários pedidos, o valor da causa há de corresponder à soma de todos eles, com excepção dos pedidos acessórios não vencidos (cf. n.º 2).
No que se reporta às regras especificas para determinação do valor, no que para o caso nos interessa, prescreve-se no n.º 1 do artigo 301º do Código de Processo Civil que “[q]uando a acção tiver por objecto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um acto jurídico, atende-se ao valor do acto determinado pelo preço ou estipulado pelas partes”.
Como já elucidava Lebre de Freitas, em anotação às correspondentes normas do Código de Processo Civil anterior, a respeito da determinação do valor da causar, “[h]á, porém, que ter em conta que o pedido se funda sempre na causa de pedir, que o explica e o delimita. Dela não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que este não é considerado abstractamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para apuramento do valor da causa (…) Tal como o pedido desligado da causa de pedir não basta à determinação do valor da acção, também a causa de pedir, por si, não o determina ...” (cf. Código de Processo Civil Anotado, 1º Vol., 2ª edição, pág. 588).
Como sublinha também Salvador da Costa (Os Incidentes da Instância, 2013, 6.ª edição, pág. 19): “No caso de não bastar, para o efeito, a análise do pedido, deve ter-se em conta o que resulta do confronto dele com a respectiva causa de pedir. Para se determinar o valor da causa e se os pedidos são ou não distintos, deve atender-se à estrutura destes, aos interesses que os litigantes se propõem fazer valer e aos efeitos jurídicos que visam conseguir”.
4. Da análise da petição inicial verifica-se que os AA. concluem que as RR. estão obrigadas a pagar-lhes a quantia de € 17.741,09, como pedem na acção, respeitando tal valor à soma das várias quantias pedidas, sendo, a quantia de € 7.130,85 referente a despesas que tiveram que efectuar para reparar o motor da piscina e com a instalação de uma cobertura, que ao contrário do publicitado pela 1ª R., não existia, € 4.00,00 respeitantes à legalização da piscina, e € 5.799,00 referentes a rendas do imóvel que adquiriram à 2ª R., através da mediação da 1ª R., que foram por esta recebidas, mas que de acordo com o contrato de promessa de compra e venda celebrado com a 2ª R (vendedor) eram pertença dos AA., e juros vencidos no valor de € 541,24.
Ora, quanto aos valores respeitantes à piscina (reparação do motor, colocação da cobertura em falta e despesas de legalização), os AA., no essencial, fundam a sua pretensão indemnizatória na responsabilidade civil decorrente do incumprimento pela 1ª R. dos deveres a que legalmente estão adstritas para com os clientes e destinatários as empresas de mediação, às quais incumbe a certificação entre as características do imóvel objecto do contrato de mediação e as fornecidas pelo cliente, como previsto no artigo 17º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, alegando que a 1ª R. anunciou que o imóvel tinha uma piscina com cobertura eléctrica, mas vieram a constatar que o motor da piscina não trabalhava e não existia cobertura da piscina, sendo que a piscina também não estava legalizada.
Quanto ao pedido de restituição das rendas, baseiam os AA. a sua pretensão na retenção ilícita desses valores, pois do contrato de promessa resulta que assiste aos AA. direito a receber as referidas rendas e a 1ª R. reteve esses valores, não os entregando aos AA..
Resulta, pois, claro que o pedido na acção se funda na responsabilidade civil, no essencial, decorrente do incumprimento de obrigações legais da 1ª R. enquanto empresa mediadora do negócio subjacente e da apropriação ilícita por aquela R. das rendas em causa, não implicando a apreciação do pedido a indagação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um acto jurídico, que legitime a aplicação da norma do n.º 1 do artigo 301º do Código de Processo Civil, para determinação do valor da causa.
Deste modo e estando a pretensão dos AA. perfeitamente delimitada e quantificada, correspondendo o valor indicado à efectiva utilidade económica que pretendem retirar da acção, o valor da causa tem necessariamente que se fixar com recurso às normas do n.º 1 do artigo 296º e do n.º 1 do artigo 297º do Código de Processo Civil, correspondendo, no caso, a € 17.471,09, como indicado na petição inicial.
5. Aqui chegados, como está bom de ver, não subsiste o fundamento convocado pelo tribunal recorrido para decidir a questão da competência do tribunal, por não se preencher a previsão da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 117º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), visto o valor fixado à causa ser inferior a € 50.000.
Assim, competente para apreciar e decidir a causa é a Instância Local Cível (cf. n.º 1 do artigo 130º da Lei n.º 62/2013) onde a acção foi instaurada, e não a Instância Cível Central de Faro como se decidiu.
6. Em face do exposto, procede a apelação, com a consequente revogação do despacho recorrido em conformidade com o acima decidido.
Não são devidas custas, face à procedência do recurso e porque as RR., que não contra-alegaram, a elas não deram causa (cf. artigo 527º, n.º 1 e 2 “a contrario” do Código de Processo Civil).
*
B) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. A nossa lei processual civil estabelece no n.º 1 do artigo 297º que a utilidade económica imediata do pedido, expressa em dinheiro, constitui o critério geral para a determinação do valor da causa.
II. Fundando os autores o pedido de condenação em quantia certa na responsabilidade civil da ré por incumprimento de deveres legais decorrentes da celebração de contrato de mediação imobiliária e na retenção ilícita de valores que, de acordo com o contrato de promessa de compra e venda eram pertença dos autores, não obstante ter sido alegada a existência de um contrato de promessa de compra e venda, mas não se discutindo a subsistência, cumprimento, modificação ou resolução do contrato, o valor da causa não deve ser fixado com recurso à norma especial do n.º 1 do artigo 301º, mas de acordo com os critérios gerais.
III. Por conseguinte, o valor da causa corresponde ao valor do pedido e não ao do preço da compra e venda objecto do contrato.
* IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido e, em consequência:
a) Fixar à causa o valor de € 17.471,09; e
b) Julgar competente para apreciar e decidir a causa a Instância Local Cível da Comarca de Faro onde a acção foi instaurada.