MONTANTE DA MULTA
CRITÉRIOS LEGAIS
Sumário

I) Na fixação do montante da multa ter-se-á em consideração, para além do mais, que esta não é uma pena «menor», devendo, antes, representar para o delinquente um sofrimento análogo ao da prisão correspondente, embora dentro de condições mais humanas.
II) Ponderando os critérios estabelecidos no artº 47º do CP, o montante de € 5,00 apenas deverá ser aplicável às pessoas que vivam no mínimo existencial, ou abaixo dele.
II) In casu, auferindo o arguido quase quatro vezes o salário mínimo (mais de € 60,00 por dia) e não tendo pessoas a seu cargo (a sua mulher trabalha e não é referida a existência de outras pessoas no seu agregado familiar) é justa e adequada a fixação da taxa diária de multa em 10 Euros

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

No 2º Juízo Criminal de Barcelos, em processo comum com intervenção do tribunal singular (Proc.nº 22/09.6TABCL), foi proferida sentença que:
a) Condenou o arguido Paulo R... pela prática, em autoria material, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo artº 11º, nºs 1, al. a) e 2 do Dec. L. nº 454/91, de 28.12, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. L. nº 316/97, de 19.11, por referência ao disposto na al. a) do artº 202º do Cód. Penal, na pena de 350 [trezentos e cinquenta] dias de multa, à taxa diária de € 8,00 [oito euros], o que perfaz a multa global de € 2.800,00 [dois mil e oitocentos euros], e a que corresponderão, sendo caso disso, 233 [duzentos e trinta e três] dias de prisão subsidiária; e
b) Condenou o mesmo arguido e demandado cível Paulo R... a pagar a EDP – Serviço Universal, S.A. a quantia de € 18.644,88, acrescida de juros de mora vencidos, à taxa legal, no valor de € 839,79, e de juros de mora vincendos, à indicada taxa e até efectivo e integral pagamento.

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A magistrada do MP junto do tribunal recorrido interpôs recurso desta sentença, limitado ao montante diário de cada dia de multa, que defende dever ser fixado em € 12,00.
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Respondendo, o arguido defendeu a improcedência do recurso.
Nesta instância, a sra. procuradora-geral adjunta emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso, fixando-se a taxa diária em € 10,00.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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I – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):
a) No dia 31.07.2008, o arguido preencheu, assinou e entregou à sociedade “EDP – Serviço Universal, S.A.” o cheque nº 6322790700, sacado sobre a conta nº 00774393771, por ele titulada no BANIF, datado de 31.07.2008, no valor de € 18.637,40.---
b) O título mencionado em a) destinava-se a pagar o valor de energia eléctrica fornecida, na sequência de contrato a tanto dirigido, pela sociedade aí reportada à sociedade “E... Têxtil, Ldª”, da qual o arguido era sócio-gerente.---
c) Apresentado a pagamento na agência de Barcelos do banco X, foi o cheque devolvido nos Serviços de Compensação do Banco de Portugal, por falta de provisão, verificada aos 05.08.2008.---
d) Ao proceder pelo modo descrito, o arguido fê-lo de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que na conta sobre a qual foi sacado o cheque em alusão inexistiam fundos suficientes para assegurar o respectivo pagamento e que, como consequência do seu comportamento, iria causar prejuízo à sociedade “EDP – Serviço Universal, S.A.”, consistente no não recebimento da quantia a esta devida e em valor, pelo menos, equivalente ao aposto no indicado título.---
e) Sabia, ainda, ser o seu comportamento proibido e punido por lei.---
f) Por decorrência da ocorrida devolução, a sociedade “EDP – Serviço Universal, S.A.” suportou encargo bancário, no valor de € 7,48.---
(factos relativos à personalidade e condições pessoais do arguido)--
g) Não são conhecidos ao arguido antecedentes criminais.---
h) O arguido exerce a actividade profissional de engenheiro químico, por conta da sociedade “Fábrica de Malhas EICAL”, com sede em Mariz, auferindo a importância mensal de cerca de € 1.900,00.---
i) Reside na companhia da sua cônjuge, que exerce, por conta própria, a actividade de pasteleira, que lhe proporciona o rendimento mensal de cerca de € 500,00 a € 600,00, em habitação arrendada, pela qual mensalmente é liquidada a quantia de € 350,00.---

FUNDAMENTAÇÃO
O recurso limita-se ao quantitativo de cada dia de multa.
O tribunal a quo fixou-o em € 8,00 e a magistrada recorrente pugna pelo valor de € 12,00.
Como se sabe, o referir o quantitativo de cada dia de multa à situação económica e financeira do condenado e aos seus encargos pessoais (art. 47 nº 2 do Cod. Penal), o legislador visou dar realização, também quanto à pena pecuniária, ao princípio da igualdade de ónus e de sacrifícios – Prof. Figueiredo Dias, As Consequências jurídicas do Crime, pag. 128.
Na fixação do montante da multa ter-se-á ainda em consideração que esta não é uma pena «menor», devendo, antes, representar para o delinquente um sofrimento análogo ao da prisão correspondente, embora dentro de condições mais humanas. “É indispensável que a aplicação da pena de multa não represente uma forma disfarçada de absolvição ou o Ersatz de uma dispensa ou isenção de pena que se não teve a coragem de proferir, impondo-se, pelo contrário, que a aplicação da multa represente, em cada caso, uma censura suficiente do facto e simultaneamente uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada” – ac. R.C de 5-4-00, CJ tomo II, pag. 61.
A cada dia de multa corresponde uma quantia diária entre € 5,00 e € 500,00.
Ponderando os referidos critérios, o montante de € 5,00 apenas é aplicável às pessoas que vivam no mínimo existencial, ou abaixo dele. Mas, salvo nos casos de situações de miséria, não pode a multa ser fixada em montante tão próximo do limite mínimo que a faça perder a sua eficácia penal.
No caso destes autos, a multa fixada na sentença (8 euros diários) é mais de 62 vezes inferior ao limite máximo.
É certo que o máximo não é sequer para os “ricos”, mas para os muito ricos, para as pessoas que estão em patamares económicos a que a imensa maioria dos cidadãos não pode sequer aspirar.
É também inevitável a consideração de que a taxa diária da multa nunca é o resultado de uma mera operação matemática, havendo sempre que apelar ao prudente arbítrio do juiz.
Como quer que seja, o arguido não é um «sem abrigo», não vive no mínimo existencial, nem nos patamares que imediatamente se seguem, onde se situam as pessoas que ganham o dobro ou mesmo o triplo do salário mínimo (a que normalmente se adequam taxas de 6, 7 e 8 euros).
O arguido aufere quase quatro vezes o salário mínimo (mais de € 60,00 por dia) e não tem pessoas a seu cargo (a sua mulher trabalha e não é referida a existência de outras pessoas no seu agregado familiar).
Deve, assim, ser decidido algum aumento na taxa fixada, mostrando-se adequados os 10,00 defendidos pela sra. Procuradora geral adjunta no seu parecer.
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DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, concedendo provimento parcial ao recurso, fixam em € 10,00 (dez euros) o montante diário da multa em que o arguido Paulo R... vai condenado.
Sem custas nesta instância.