EMPREITADA
RESOLUÇÃO
NULIDADE DA DECISÃO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
Sumário

I- A ausência ou insuficiência de motivação da resposta à matéria de facto não dá lugar à nulidade da sentença, apenas permitindo que essa falta seja colmatada na 1ª instância por ordem da Relação a requerimento do interessado;
II- Compete ao juiz especificar quais os factos que considera não terem ficado provados, fundamentando tais respostas negativas. Sendo a decisão sobre a matéria de facto omissa nessa parte, pode a Relação conhecer oficiosamente desse vício, suprindo a falta na medida em que constem do processo todos os elementos em que o Tribunal a quo se baseou;
III- No recurso sobre a decisão da matéria de facto não deve ser sindicada a convicção do Juiz de 1ª instância, apenas devendo determinar-se a alteração da matéria de facto em caso de evidente erro de julgamento, traduzido na flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão;
IV- É de aceitar que a retirada da A./empreiteira da obra sem motivo legítimo, apenas baseada na falta de um pagamento que não era, afinal, devido nem fora contratado, se traduz numa clara recusa no cumprimento da obrigação que configura um incumprimento definitivo do contrato, dispensando a interpelação admonitória ou a fixação de prazo suplementar para cumprimento;
V- Cabendo à A. indemnizar o R. pelos prejuízos decorrentes da resolução do contrato, admite-se que estes corresponderão ao montante que o mesmo R. teve de pagar a mais do valor inicialmente contratado para a realização das obras, no pressuposto que esse sempre seria o preço mais ajustado àquela execução. Nesta perspectiva, o prejuízo que o R. teve na celebração do contrato com a A. (dano “in contrahendo”) foi, pelo menos, ter de suportar, no final, um custo superior ao que estimara para o conjunto das obras na sua habitação.
VI- Sendo manifestamente escassa a factualidade alegada e apurada para permitir conclusões precisas quanto ao crédito de cada uma das partes sobre a contraparte, é de relegar essa determinação para ulterior incidente de liquidação.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório:

C, Lda, veio propor contra J. providência de injunção que, em face da oposição deduzida, veio a seguir a forma de processo declarativa. Pede a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia global de € 10.853,48 respeitante ao fornecimento de bens ou serviços de carpintaria no montante de € 8.750,00, juros acrescidos à taxa de 12% desde 30.4.2007 no valor de € 1.855,48, € 48,00 de taxa de justiça paga e € 200,00 correspondente a outras quantias.
Na oposição defendeu o Réu, em súmula, que a A. apenas prestou parte dos serviços contratados, orçados num total de € 12.150,00, os quais iniciou tardiamente, abandonando a obra sem a concluir apesar de interpelada para o efeito. Mais sustenta que, perante a conduta da A., o R. viu-se obrigado a recorrer aos serviços de terceiros a quem pagou a quantia de € 9.836,94, o que acrescido ao montante ora reclamado excede em cerca de € 6.500,00 o preço de € 12.150,00 que se encontrava estipulado para a execução de todos os trabalhos pela A.. Conclui, pedindo a redução do crédito da A. aos seus justos limites e formula pedido reconvencional, reclamando daquela o valor dos prejuízos sofridos correspondente ao exacto excedente por si pago (€ 6.436,94), “efectuando-se a devida compensação de créditos”.
A A. respondeu, pedindo a improcedência das excepções deduzidas, a improcedência do pedido reconvencional e a condenação do R. como litigante de má fé.
O Tribunal pronunciou-se pela inadmissibilidade do pedido reconvencional, qualificando a pretensão do R. como excepção de compensação.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que decidiu: “a) Condeno o R. a pagar à A. a quantia de € 2.223,06 pelos serviços por esta efectuados. B) Absolvo o R. do pedido de condenação em litigância de má-fé.”
Inconformada, a A. recorreu da indicada sentença, culminando as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:

A) A recorrente considera incorrectamente julgados os factos dados como provados sob os nºs 3º, 15º, 16º e 17º.
B) O dever de motivação da decisão de facto não se basta com a indicação das provas a partir das quais o tribunal formou a sua convicção, havendo também que expor os motivos que levaram a considerar aquelas provas como idóneas e relevantes, eventualmente em detrimento de outras, bem como os critérios utilizados na apreciação das mesmas e o substrato racional que conduziu à convicção concretamente formada;
C) No nosso modesto entendimento, nada disto foi feito pelo tribunal a quo, relativamente aos factos dados como provados sob os nºs 3º, 15º e 16º;
D) O actual sistema da livre apreciação da prova não deve definir-se negativamente pela ausência das regras e critérios legais predeterminantes do seu valor, havendo antes de se destacar o seu significado positivo;
E) O princípio não pode de modo algum parecer querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável — e portanto arbitrária — da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” —, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo;
F) A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e critica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão;
G) Relativamente ao facto dado como provado sob o nº 3, a testemunha R não sabia quando é que a obra de carpintaria tinha que estar concluída, nem tão pouco porque é que só começou em Junho de 2006, ao contrário daquilo que é sustentado na fundamentação de facto, quanto a esta matéria;
H) A testemunha S não sabia quando é que a obra de carpintaria tinha que estar concluída;
I) Relativamente ao facto dado como provado sob o nº 3, as testemunhas R e S limitaram-se a reproduzir aquilo que o dono da obra, o recorrido J, lhes transmitiu, não revelando um conhecimento directo dos factos;
J) Este facto – a empreitada contratada deveria ter sido iniciada e concluída até à Páscoa de 2006 – foi alegado pelo réu no artigo 4º da sua impugnação;
K) E foi impugnado pela autora, quanto à sua veracidade, em 43º do seu articulado de resposta à oposição;
L) Impendia, pois, sobre o réu o ónus da prova da veracidade dessa alegação, nos termos e para os efeitos do disposto no Art.º 374º do Código Civil;
M) Prova essa que o réu não logrou fazer, em audiência de julgamento, quanto ao facto dado como provado sob o nº 3;
N) A recorrente entende que a sentença é nula por violação do disposto na al. b) do nº 1 do Art.º 668º do CPC na medida em não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de dar como provado o facto nº 3;
O) Na fundamentação da sentença ora em apreço (págs. 4 a 6), não consta uma única linha ou palavra que seja quanto ao facto nº 15 dado como provado;
P) Nos autos não existe qualquer documento que se refira ao facto nº 15 dado como provado;
Q) Da totalidade dos depoimentos gravados não consta qualquer referência, quer enquanto pergunta quer enquanto resposta, que se refira ao facto nº 15 dado como provado;
R) A sentença ora em apreço é nula por inexistência absoluta de fundamentação de facto e de direito da decisão que considerou o facto nº 15 como provado, violando, assim, o disposto na al. b) do nº 1 do Art.º 668º do CPC;
S) A sentença ora em apreço é absolutamente omissa quanto à fundamentação de facto relativamente ao facto nº 16 dado como provado;
T) Só na fundamentação de direito, a fls. 7 da sentença de que se recorre, é feita a afirmação, mas sem qualquer fundamentação, de que o R. pagou € 950,00 à F, Lda, € 1.500,00 a L e € 7.386,94 à C.”;
U) A sentença ora em apreço é nula por inexistência absoluta de fundamentação de facto e de direito da decisão que considerou o facto nº 16 como provado, violando, assim, o disposto na al. b) do nº 1 do Art.º 668º do CPC.;
V) Constitui violação do disposto no nº 1 do Art.º 205º da Constituição da República Portuguesa, a falta de fundamentação das decisões dos tribunais, inconstitucionalidade essa que desde já se argui para os devidos e legais efeitos, quanto aos factos nºs 3, 15 e 16 dados como provados;
W) Os documentos de fls. 20, 21 e 22 foram impugnados pela recorrente, quanto à sua veracidade, em 43º do seu articulado de resposta à oposição;
X) Impendia, pois, sobre o réu o ónus da prova da veracidade dos referidos documentos, nos termos e para os efeitos do disposto no Art.º 374º do Código Civil;
Y) O documento de folhas 20 é um mero orçamento que não identifica, devidamente, o destinatário, nem pelo nome, nem pela morada;
Z) Da eventual prestação dos serviços nele referidos não existem nos autos qualquer factura, nem qualquer prova do modo de pagamento;
AA) Nenhuma testemunha se referiu ao alegado pagamento desses mesmos serviços;
BB) Ninguém relacionou o emitente deste documento com a obra a que se referem os presentes autos;
CC) Perante esta factualidade não pode a recorrente aceitar que o tribunal a quo tenha considerado como provado o pagamento de “€ 950,00 à F, Lda.”;
DD) O documento de folhas 21 é uma mera fotocópia de um cheque e, como tal, foi impugnado pela autora, quanto à sua veracidade, em 43º do seu articulado de resposta à oposição;
EE) Não se sabe quem é a emitente do cheque nem a sua relação, se é que existe, com a matéria em discussão nos presentes autos;
FF) Não se sabe qual é a relação subjacente à emissão do referido cheque porque não existe nos autos qualquer prova que o indicie;
GG) A testemunha S, ao ser inquirida sobre o conhecimento que tinha deste cheque, respondeu que o que sabia tinha-lhe sido dito pelo réu;
HH) Tal como o confirmou a Mm.ª Juiz em sede de julgamento: “Mm.ª Juiz – Foi o réu que lhe disse, senhor Dr., isso eu respondo.”;
II) Não se sabe se o alegado cheque foi apresentado a desconto, ou não;
JJ) Perante esta factualidade não pode a recorrente aceitar que o tribunal a quo tenha considerado como provado o pagamento de “€ 1.500,00 a L”;
KK) O documento de folhas 22 é uma fotocópia de um orçamento que não identifica, devidamente, o destinatário, nem pelo nome, nem pela morada;
LL) Da eventual prestação dos serviços nele referidos não existem nos autos qualquer factura, nem qualquer documento quanto ao seu pagamento;
MM) Esta fotocópia não corresponde, sequer, ao original porque lhe falta a reprodução do verso;
NN) Não consta dos autos qualquer referência a esta “conta no verso”, quer documental, quer testemunhal.
OO) Perante esta factualidade não pode a recorrente aceitar que o tribunal a quo tenha considerado como provado o pagamento de “€ 7.386,94 à C.”
PP) Na redacção do facto provado sob o nº 17 há um manifesto erro de escrita;
QQ) Perpassa por toda a fundamentação de facto quais os trabalhos efectuados pela recorrente;
RR) Na redacção do facto provado sob o nº 17 falta relacionar as portas, que também foram fornecidas;
SS) Nem todos os serviços constantes do documento de fls. 22 correspondem a serviços contratados entre A. e R.;
TT) No documento de fls. 22, o 4º item, “fazer o aro porta de entrada e forrar a porta por dentro em contraplacado e trocar fechadura.” não consta do orçamento apresentado pela autora, e aceite pelo réu;
UU) Não tendo a recorrente assumido, contratualmente, a execução deste serviço, não pode ser obrigada a pagá-lo ao recorrido, como se de um incumprimento se tratasse;
VV) Na parte final do documento de fls. 22, onde estão reflectidos os valores, lê-se: “Tudo pela quantia de euros 7100,00 mais 286,94 (ver conta no verso). Total a pagar 7386,94.”;
WW) Ora, o verso do documento não existe no processo;
XX) Não sabendo, pois, a que serviço se refere o montante € 286,94 não pode a recorrente ser obrigada a pagá-la ao recorrido, como se de um incumprimento se tratasse;
YY) O tribunal a quo devia ter apurado qual o montante que o recorrido pagou a terceiros pela obra contratada com a recorrente para poder fazer operar a compensação;
ZZ) O tribunal a quo dispunha de todos os elementos para poder fazer esse apuramento, recorrendo à equidade para fixação do valor a pagar pela obra contratada, e não realizada pela recorrente;
AAA) Na sentença, onde se lê, na pág. 5, que: “A testemunha Joâo,… Perguntado, apresentou como valores médios de mercado o valor de € 13,00 por m2 da madeira de tola para forrar a parede (14 metros conforme fls 22) e € 15,00 por m2 o cálculo pela aplicação da madeira já com o custo da mão de obra e o verniz.”, tal não corresponde à verdade;
BBB) A testemunha disse que o material custa treze euros/m2; a aplicação quinze euros/m2 e os acabamentos (tapa poros, lixagem e verniz) custam mais oito euros/m2.;
CCC) Não é verdade que a testemunha tenha dito que a madeira de tola aplicada, já com o verniz, custa 28 euros/m2, como se afirma na sentença.
DDD) A testemunha disse que a madeira de tola aplicada, já com o verniz, custa 36 euros/m2;
EEE) Os trabalhos descritos no documento de fls. 22 e cujo pagamento seria, alegadamente, da responsabilidade da recorrente, por incumprimento, totalizam, de acordo com a prova testemunhal produzida e recorrendo a critérios de equidade, a quantia de € 2.284,62 e não a quantia de € 7.386,94 como decidiu o tribunal a quo;
FFF) Se a este valor forem adicionados os montantes referidos nos documentos 20 e 21 (€ 950,00 + € 1.500,00) chega-se a um total de € 4.734,62, valor que corresponderia aos trabalhos orçamentados e não executados pela recorrente;
GGG) Assim sendo, – e como diz a Mm.ª Juiz a quo no início da pág. 7 da sentença ora em apreço “Ora, a A não realizou todos os trabalhos, mas apenas os constantes do artigo 17º dos factos provados. Pelo que tem de ser paga pelo serviço executado.” – se o orçamento inicial previa o pagamento de € 12.150,00 e a aqui recorrente não executou trabalhos no valor de € 4.734,62, terá de ser paga pela diferença, ou seja, o recorrido deverá ser condenado a pagar a quantia de € 7.415,38, acrescida dos competentes juros de mora, à taxa legal, desde 30.04.2007;
HHH) Não tendo havido nenhuma testemunha a referir que foi realizado 1/3 dos serviços contratados, não podia o tribunal a quo chegar a esta conclusão, uma vez que não é aduzida qualquer razão técnica que a fundamente;
III) Deve, pois, ser revogada a sentença ora recorrida.”
Pede a revogação da sentença e a sua substituição por outra que decida em conformidade com as conclusões alinhadas e a fundamentação das mesmas.
Em contra-alegações, pugna o recorrido/R. pela manutenção do decidido.
O recurso foi adequadamente recebido como apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

***
II- Fundamentos de Facto:
A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade:
1. No exercício da sua actividade comercial a A. foi contratada pelo R. para o fornecimento e prestação de serviços de carpintaria na habitação do R.: fornecimento e aplicação de 58 m2 de lamparquet de eucalipto colado; polir e envernizar o parquet existente bem como o lamparquet a aplicar; fornecimento e aplicação de quatro armários com portas de abrir em aglomerado, forrados no interior e interiores executados conforme pormenores fornecidos; fornecimento e aplicação de uma porta dupla com um vidro, dez portas fechadas lisas, conforme pormenores fornecidos; fornecimento e aplicação de placas em contraplacado nas paredes do hall de entrada e sala, conforme pormenores fornecidos; fornecimento e aplicação de rodapé no andar; fornecimento e aplicação de forras em contraplacado nas portas e janelas; fornecimento e aplicação de divisória em placa de contraplacado na sala; a madeira a aplicar será tola; a ferragem a aplicar será marca “Cifial”, sendo o puxador suportado até € 25,00; inclui vidros e verniz nas madeiras aplicadas.
2. O preço acordado para o pagamento destes serviços foi de € 12.150,00.
3. Foi ainda acordado entre A. e R. que o serviço deveria ser iniciado e concluído até à Páscoa de 2006.
4. A A. não tinha a obra pronta na Páscoa de 2006.
5. Nem terminou a obra.
6. A 13.9.2006 a A. apresentou ao R. o documento de fls. 19 dos autos em que enumera os serviços que considera já por si executados e o preço dos mesmos da seguinte forma: fornecimento e aplicação de lamparquet de eucalipto - € 2.150,00; fornecimento e aplicação de armários - € 1.800,00; fornecimento e aplicação de aros e portas - € 1.700,00; fornecimento e aplicação de forras em contraplacado - € 650,00.
7. Em Julho de 2006 foi aplicado o lamparquet em 58 m2.
8. Dias depois todo o material começou a levantar trazendo colado o cimento protector da placa do piso.
9. Tal deveu-se à inadequação do cimento, que não foi aplicado pela A., à aplicação de lamparquet com a respectiva cola.
10. A A. limpou todo o lamparquet e recolocou-o devidamente, atrasando a obra por essa causa.
11. O R. não pagou as quantias referidas em 6.
12. Após a data referida em 6, por o R. nada lhe ter pago, a A. saiu da obra.
13. O R. recorreu a “F, Lda”, L e à C para terminar a obra que havia contratado com a A..
14. A A. não fez nenhum acabamento nas madeiras que aplicou.
15. Apesar de interpelada pelo R. para terminar a obra, a A. não o fez( Este ponto será eliminado, como adiante apreciaremos.).
16. Por causa do referido em 15, o R. teve que contratar e pagar € 950,00 à “F, Lda”, € 1.500,00 a L e € 7.386,94 à C( A redacção deste ponto será alterada, como adiante também apreciaremos.).
17. A A. apenas executou os seguintes trabalhos: fornecimento e aplicação de 58 m2 de lamparquet de eucalipto colado; fornecimento de rodapé no andar; fornecimento e aplicação de forras em contraplacado nas portas e janelas; colocação de armários( A redacção deste ponto será também alterada, como adiante veremos.

).

***
III- Fundamentos de Direito:

Cumpre apreciar do objecto do recurso.
À luz do novo regime aplicável aos recursos (aprovado pelo DL nº 303/07, de 24.8), tal como antes sucedia, são as conclusões que delimitam o respectivo âmbito (cfr. arts. 684, nº 3, e 685-A, do C.P.C.). Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (art. 660, nº 2, “ex vi” do art. 713, nº 2, do mesmo C.P.C.). É também incontroverso que, sem prejuízo destas últimas questões, os recursos visam apenas modificar as decisões impugnadas mediante o reexame das questões nelas equacionadas e não apreciar matéria nova sobre a qual o tribunal recorrido não teve ensejo de se pronunciar.
Compulsadas as conclusões do recurso, verificamos que as questões suscitadas e que cumpre apreciar respeitam à arguida nulidade da sentença, impugnação da matéria de facto e aplicação do direito aos factos.

A) Da nulidade da sentença, da motivação da decisão sobre a matéria de facto e da decisão deficiente sobre tal matéria:
Defende a apelante a nulidade da sentença, ao abrigo do disposto no art. 668, nº 1, al. b), do C.P.C., sustentando, em súmula, que a mesma não especifica os fundamentos “de facto e de direito” que sustentam a resposta aos pontos 3, 15 e 16 da matéria de facto.
Apreciando.
As nulidades da decisão encontram-se previstas no art. 668 do C.P.C. e constituem deficiências da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento. Este traduz-se numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável, o tribunal fundamenta a decisão mas decide mal, resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito (cfr. Ac. RC de 15.4.08, Proc. 1351/05.3TBCBR.C1, in www.dgsi.pt). Já no que toca às nulidades da decisão, encontram-se as mesmas legalmente consagradas. Como se resumiu no Ac. RL de 10.5.95 (in CJ, 1995, t. 3, pág. 179), “As nulidades da sentença estão limitadas aos casos previstos nas diversas alíneas do nº 1 do art. 668 do C.P.C.. Não se verificando nenhuma das causas previstas naquele número pode haver uma sentença com um ou vários erros de julgamento, mas o que não haverá é nulidade da decisão.”
Assim, a sentença será nula apenas quando: “a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. f) Seja omissa no que respeita à fixação da responsabilidade por custas, nos termos do nº 4 do art. 659.” (art. 668, nº 1, do C.P.C., na redacção aplicável ao caso).
A sentença será, por isso, nula quando, designadamente, não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (art. 668, nº 1, al. b), do C.P.C.). A razão de ser da sanção da nulidade neste caso é a circunstância da motivação, quer de facto quer de direito, constituir pilar essencial da sentença.
Como explica J. Alberto dos Reis a tal propósito (“Código de Processo Civil anotado”, 1984, vol. V, pág. 139): “Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. A sentença, como peça jurídica, vale o que valerem os seus fundamentos.” E, mais adiante (fls. 140): “O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do nº 2 do art. 668º.” E ainda mais à frente (fls. 141): “Pelo que respeita aos fundamentos de direito, não é forçoso que o juiz cite os textos de lei que abonam o seu julgado; basta que aponte a doutrina legal ou os princípios jurídicos em que se baseou.”
A omissão que está em causa na nulidade da decisão a que alude a al. b) do nº 1 do art. 668 do C.P.C. é a dos fundamentos de facto e de direito que a justificam. Ou seja, a sentença será nula se não mencionar os factos ou o direito em que se baseia.
É evidente que, nos concretos pontos assinalados pela apelante e ainda que esta possa não concordar com os factos apurados ou com as regras de direito aplicadas pelo julgador, não se verifica a nulidade a que se refere a al. b) do nº 1 do art. 668 do C.P.C.. Aquela matéria encontra-se fixada e à mesma foi aplicado o direito.
O que a apelante refere é que a decisão da matéria de facto, no que àqueles pontos respeita, não se encontra devidamente fundamentada, mas tal constitui questão que não pode confundir-se com a nulidade da sentença prevista no normativo citado. Na verdade, o que invoca a recorrente é que a resposta aos pontos 3, 15 e 16 da matéria de facto não se mostra fundamentada ou que está fundamentada de forma insuficiente. Estamos, assim, no domínio da justificação da decisão quanto à matéria de facto e ao exercício a que alude o art. 653, nº 2, parte final, do C.P.C., e não perante a motivação da decisão da causa propriamente dita.
Ora, o que sucede quando a decisão de algum facto essencial para o julgamento da causa não se mostre devidamente fundamentada é que, a requerimento da parte, pode a Relação determinar que o Tribunal de 1ª instância a fundamente, nos termos e para os efeitos previstos no art. 712, nº 5, do C.P.C., determinando a baixa do processo para inserção da motivação da decisão sobre a matéria de facto em falta e ainda que para tanto seja necessário repetir a produção de prova (cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil- Novo Regime”, 2ª ed., 2008, págs. 288 a 291, e J. Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., 2008, págs. 660/661, em anotação ao art. 653).
Tal significa, em resumo, que a ausência ou insuficiência de motivação da resposta à matéria de facto não dá lugar à nulidade da sentença, apenas permitindo que essa falta seja colmatada na 1ª instância por ordem do tribunal superior a requerimento do interessado. E mesmo quando seja inviável obter a posteriori essa fundamentação (por impossibilidade de constituir o mesmo colectivo ou, v. g., repetir a mesma prova testemunhal) ainda assim daí não decorre a nulidade do julgamento (J. Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, ob. cit., loc. cit.).
Neste aspecto é patente o vício da sentença, posto que, em boa verdade, o Tribunal a quo não dá cabal cumprimento ao estabelecido no nº 2 do art. 653 do C.P.C., limitando-se a reproduzir parcialmente os depoimentos das testemunhas sem analisar criticamente os mesmos e sem procurar explicar os fundamentos da sua decisão, isto é, sem referir porque valorou uns ou outros depoimentos.
Sucede que a recorrente não solicitou no seu recurso a realização da diligência a que alude o nº 5 do art. 712 do C.P.C., isto é, não reagiu da forma adequada à deficiência que invoca, não cabendo a esta Relação, por isso, ordená-la.
Não assinala, em contrapartida, a recorrente uma outra falta que inquina, de forma relevante, a sentença recorrida e que respeita à manifesta omissão desta no que toca à resposta aos factos não provados. Com efeito, estabelece o referido nº 2 do art. 653 do C.P.C. que a decisão quanto à matéria de facto declarará quais os factos que o tribunal julga provados e não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. Tal significa que o julgador deve especificar também quais os factos que considera não terem ficado provados, fundamentando igualmente tais respostas negativas. Neste particular é inteiramente omissa a sentença em análise.
Sucede que deste vício, susceptível de desencadear a anulação da decisão, pode a Relação conhecer oficiosamente, por estar em causa a deficiência da resposta à matéria de facto, nos termos do nº 4 do art. 712 do C.P.C., suprindo a falta na medida em que constem do processo todos os elementos em que o Tribunal a quo se baseou (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 294/295).
Dando cumprimento a esse normativo, cumpre, assim, considerar, com interesse para a decisão da causa, que não se provou que:
a) Por causa do atraso da A. na execução dos trabalhos de carpintaria, o R. tivesse de adiar por várias vezes a realização da escritura pública de compra e venda do apartamento em que vivia, e que prometera vender, e que apenas veio a entregar ao comprador em Fevereiro de 2007 (art. 29º da oposição);
b) A factura nº 0292, de 30.3.2007 (a fls. 97 dos autos), tenha sido enviada pela A. ao R. (art. 34º da oposição);
c) Os atrasos da A. em obra tenham sido causados pelos serviços de construção civil (arts. 5º e 6º da resposta à oposição);
d) O R. tenha recusado efectuar o pagamento solicitado pela A. dizendo que não tinha dinheiro e que o seu sogro iria pagar (arts. 13º e 14º da resposta à oposição);
e) Atento o montante a pagar à A., o R. tenha pedido a esta que aguardasse que a chamasse de novo à obra (arts. 17º e 18º da resposta à oposição);
f) Quando a A. regressou à obra se tenha deparado ali com outros carpinteiros, sendo impedida de concluir o que faltava (art. 19º da resposta à oposição);
g) Em virtude de problemas estruturais na obra, como a presença de humidades alheias à A. e da responsabilidade do trolha, tivesse sido acordado entre o R., a A. e o “empreiteiro” que se fizesse um compasso de espera de maneira a que os materiais a ser colocados não causassem problemas (art. 27º da resposta à oposição);
h) E que se fizesse um compasso de espera, passando a A. no local de maneira a medir a humidade para aferir do momento certo para colocar os materiais (art. 30º da resposta à oposição);
i) Sendo combinado entre a A. e o R. que o pagamento seria feito nesse período (art. 31º da resposta à oposição).
Sobre esta matéria em geral não foi produzida qualquer prova. Quanto ao ponto b), apesar do depoimento da testemunha Fernanda, mulher do legal representante da A., que ajudando nos serviços administrativos da empresa A. referiu ter remetido a dita factura ao R., a verdade é que referiu tê-lo feito, por correio normal, apenas em finais de Abril de 2007 (quando a dita factura data de 30.3.2007), não sendo tal depoimento corroborado por qualquer documento (cópia da carta remetida) como seria natural nos serviços da sociedade A..
Já quanto ao ponto f), apesar do referido pelas testemunhas Miguel e Marco, carpinteiros da A. que participaram nos trabalhos da casa do R., a verdade é que nada se apurou quanto às circunstâncias em que a A. regressou aos trabalhos, que seria o facto relevante a considerar nesta matéria.
Verificamos, por isso, em conclusão, que:
- com relação aos pontos concretamente assinalados pela apelante, a sentença sub judice não padece da nulidade a que se refere a al. b) do nº 1 do art. 668 do C.P.C.;
- apesar da carência de fundamentação das resposta à matéria de facto, a parte não requereu a remessa dos autos à 1ª instância para que aí se suprisse a falta, pelo que não cumpre a este Tribunal determiná-lo;
- sendo a decisão da matéria de facto inteiramente omissa quanto à fixação dos factos não provados e respectiva fundamentação, cabe a esta Relação desse vício conhecer oficiosamente, suprindo a deficiência nos termos sobreditos na medida em que constam do processo todos os elementos em que o Tribunal a quo se baseou.
Inexiste, em qualquer caso, a nulidade arguida pela apelante, improcedendo a apelação nesta parte.

B) Da Impugnação da matéria de facto:
Percorrendo as demais conclusões do recurso, verificamos que a apelante defende que o Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos constantes dos pontos 3, 15, 16 e 17.
Cumpre recordar aqui, e para além do que acima deixamos dito, outras regras e limites a observar quanto à reapreciação pelo Tribunal da Relação da matéria de facto. Consagra o art. 655 do C.P.C. o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Segundo este princípio, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas.

“O princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração (...): é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.

Representando, tal como os outros princípios referidos, uma conquista que se tem vindo a desenvolver desde a Revolução Francesa, a livre apreciação implantou-se historicamente em substituição dum sistema de prova legal em que os próprios depoimentos testemunhais eram valorados em função de factores meramente quantitativos. Hoje, a liberdade de apreciação da prova pelo julgador constitui a regra, sendo excepção os casos em que a lei lhe impõe a conclusão a tirar de certo meio de prova.” (J. Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., 2008, pág. 668, em anotação ao art. 655).

Sobre o recurso da matéria de facto diz-se, por outro lado, no preâmbulo do DL 39/95, de 15.02, que veio a prever e a regulamentar a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência — visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso” e, ainda, “... o objecto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova ...”.

Verificamos, assim, que a reapreciação da matéria de facto pelo tribunal superior há-de ser apenas justificada por manifesto e excepcional erro de julgamento, contrário à evidência das provas, não pela leitura e convicção que estas geram no julgador – que é livre, não sendo determinada por qualquer hierarquização das provas, como dissemos – mas pela clara desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão proferida sobre a matéria de facto. Ou seja, os poderes do tribunal da Relação de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto estão reconduzidos aos casos de flagrante desadequação entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão.

É esta, aliás, a posição defendida no Ac. da RC de 22.1.08 (Proc. 738/04.TBTMR, in www.dgsi.pt): “... a existência de um sistemático novo julgamento no âmbito factual, sempre circunscrito aos elementos - audíveis e documentais - disponíveis para a instância de recurso, acabaria por implicar, para os próprios recorrentes, uma inevitável diminuição de base qualitativa nas decisões assim proferidas. Com efeito, toda a indescritível panóplia de elementos visualizáveis que necessariamente rodeia a imediação da apreciação da prova na 1ª instância estaria então absolutamente ausente na instância de recurso. Permitir um segundo julgamento sem a riqueza de um tal cenário de análise seria o mesmo que deliberadamente retirar ao novo julgador um considerável número de instrumentos para uma conscienciosa formação da respectiva convicção, porventura tão ou mais determinantes do que os facultados pelo mero registo magnético, amputando-se o processo decisório da possibilidade de crítica dos elementos genéticos globalmente nele influentes, com um natural e acrescido risco de erro para o resultado final. De forma que, sem prejuízo do indispensável cotejo com todo o sustentáculo fundamentador da decisão impugnada, só limitando a intervenção do tribunal de recurso à detecção de flagrantes e excepcionais situações de inadequação ou irrazoabilidade do juízo e convicção que integram aquele sustentáculo, sindicados no confronto com o peso de certos e discriminados elementos probatórios (a que o recorrente atribui uma relevância desprezada pela instância recorrida) se consegue o desiderato de um melhor julgamento do ponto ou pontos em questão.”

O Ac. do STJ de 10.5.07 (Proc. 06B1868, relatado pelo Conselheiro J. Pires da Rosa) sintetizou, de forma particularmente expressiva, os poderes do Tribunal da Relação sobre a reapreciação da matéria de facto: O tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova) mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si. Claro – repete-se – que por mais sugestiva ou adequada que seja ou pareça a fundamentação do tribunal recorrido, o tribunal tem de conhecer as provas produzidas, tem de ouvir as cassetes (nos pontos indicados, ao menos) sempre, porque só a partir dessa audição – e do confronto dela com as mais provas - pode aferir dessa adequação ou razoabilidade. Mas se esta existe não há que alterar o que quer que seja, não há que substituir a razoabilidade afirmada por uma outra razoabilidade à qual necessariamente faltariam alguns elementos de suporte – já se falou nisso acima - que ajudaram a estruturar a primeira. Estaria a substituir-se uma razoabilidade por uma outra, todavia mais débil.”

Em suma: no recurso sobre a decisão da matéria de facto não deve ser sindicada a convicção do Juiz de 1ª instância, e apenas deve determinar-se a alteração da matéria de facto em caso de evidente erro de julgamento, traduzido na flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão.

É nos moldes descritos que tem de compreender-se a reapreciação da matéria de facto pelo tribunal superior, na certeza de que não pode o tribunal ad quem substituir-se, pura e simplesmente, na convicção formada pelo Juiz no tribunal a quo.

Isto posto, definidas que estão as regras, vamos ao caso concreto.

Já vimos que a apelante contesta a resposta dada pelo Tribunal a quo aos pontos 3, 15, 16 e 17 da matéria de facto, sendo que, atenta a forma do processo, não foi naturalmente organizada base instrutória.

Deu-se como provado no ponto 3 supra que: “Foi ainda acordado entre A. e R. que o serviço deveria ser iniciado e concluído até à Páscoa de 2006”. A apelante sustenta que não se fez prova disso, como resulta dos depoimentos de Rui Oliveira e Sérgio Faria, uma vez que estas testemunhas se limitaram a reproduzir aquilo que o R., dono da obra, lhes transmitiu, não tendo conhecimento directo dos factos.

Ouvido o registo da prova, verifica-se que sobre aquela matéria depuseram as mencionadas testemunhas R e S, o primeiro desenhador e topógrafo, e o segundo engenheiro civil, ambos das relações do R., sendo que o primeiro fez, em Outubro/Novembro de 2005, o levantamento arquitectónico do apartamento em questão e os desenhos respeitantes à execução da obra e o segundo veio a acompanhar mais tarde a realização desta. Ambos revelaram, nos seus depoimentos, conhecer bem as necessidades do R. que pretendia passar a habitar a casa em questão por ter em venda uma outra onde então residia, pelo que pretendia que a obra ficasse pronta até à Páscoa de 2006. Mais referiram que o acordado quanto ao prazo lhes foi referido pelo R..

O Tribunal a quo baseou-se quanto à resposta ao ponto 3, tudo indica, no depoimento da testemunha R.

Ora, aquela resposta encontra justificação nos termos indicados pelo Tribunal a quo, não se surpreendendo qualquer contradição ou erro manifesto de avaliação entre os elementos de prova disponíveis e a indicada resposta. Ou seja, não se encontra motivo para simplesmente desconsiderar o depoimento de pessoas que não tendo embora presenciado o negócio celebrado entre A. e R., conheceram os seus termos através deste último, cuja premência na execução da obra bem conheciam, tanto mais que a própria A. admite, na sua resposta à oposição, o atraso na execução da obra – deste modo reconhecendo que havia sido estabelecido um prazo para a respectiva execução, como é normal acontecer neste tipo de obras, sem todavia indicar em alternativa qual seria esse prazo – apesar de imputar tal atraso aos trabalhos de construção civil prévios à execução dos de carpintaria que à A. cabia executar. Daqui decorre ser plausível acreditar que A. e R. haviam acordado a conclusão dos trabalhos até à Páscoa de 2006.

Por conseguinte, e no que respeita à resposta constante do ponto 3, da conjugação dos aspectos referidos podemos retirar que a convicção expressa pela 1ª instância naquela matéria tem suporte razoável naquilo que os meios de prova analisados fornecem. Para além disso, estamos no domínio da mera contestação da convicção do Julgador que, conforme acima explicámos, não cabe a este Tribunal sindicar.

É, por isso, de manter aquele ponto 3 dos factos provados.

Questiona, seguidamente, a apelante a resposta constante do ponto 15 da matéria assente. Deu-se ali como provado: “Apesar de interpelada pelo R. para terminar a obra, a A. não o fez.”

Refere a apelante que tal resposta não se encontra fundamentada e que não foi produzida qualquer prova, documental ou testemunhal, sobre esse facto.

O apelado argumenta, por seu turno, que tendo as testemunhas Miguel e Marco, carpinteiros e funcionários da A. que trabalharam nas obra dos autos, referido que aquela A. suspendeu os trabalhos em Agosto de 2006, por falta de pagamento, e à mesma regressou em Outubro do mesmo ano, como nada foi entretanto pago, a única explicação para esse regresso tem de ser a interpelação do R. para o efeito.

Constata-se, com efeito, que na resposta a este ponto 15, como afirma a apelante, é inexistente a fundamentação, não cumprindo o Tribunal a quo o determinado no art. 653, nº 2, do C.P.C., nem demonstrando qual o raciocínio seguido ou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. Contudo, quanto à falta de fundamentação em si mesma já vimos que o modo adequado de reagir é o pedido do recorrente de que os autos voltem à 1ª instância para que aí seja suprida essa falta, posição que a apelante não adoptou, como sabemos, e que esta Relação não pode assumir oficiosamente (art. 712, nº 5, do C.P.C.).

Em bom rigor, a falta de motivação é a única deficiência assacada pela apelante à resposta constante do ponto 15, já que esta não propõe, em concreto, como deveria ter o Tribunal a quo respondido sobre esta matéria. Porém, nas conclusões P) e Q) do seu recurso, a apelante menciona também que não foi produzida prova documental ou testemunhal sobre esse facto, pelo que tem de entender-se (como entendeu o apelado na resposta ao recurso) que a apelante considera que tal matéria não deveria ter sido dada como provada.

Ora, compulsados os autos e ouvidos os depoimentos, verificamos, com efeito, que nenhuma prova se produziu quanto a este ponto. Nenhuma carta de interpelação, por exemplo, consta do processo e nenhuma das testemunhas foi, tão pouco, perguntada sobre essa questão. O que se sabe, e já consta do ponto 5 da matéria assente que não foi contestado, é que a A. não terminou a obra.

Por outra banda, é manifestamente excessiva, a nosso ver, a conclusão acima referida que o apelado pretende retirar do depoimento de duas testemunhas: como a A. suspendeu os trabalhos em Agosto de 2006, por falta de pagamento, e à mesma regressou em Outubro do mesmo ano, como nada foi entretanto pago, a única explicação para esse regresso tem de ser a interpelação do R. para o efeito. Basta ver que, na versão da A., esta sustentou que jamais abandonou a obra tendo sido o R. quem lhe pediu que aguardasse que a chamasse de novo, considerando que tinha falta de dinheiro para lhe pagar, pelo que foi a A. quem se apresentou depois em obra sendo então impedida de concluir os trabalhos entretanto já confiados a outros. Não é, pois, possível extrair qualquer ilação segura do aludido “regresso” da A. à obra.

Assim sendo, deve ser eliminado o referido ponto 15 dos “Factos provados” já que quanto ao mesmo é evidente o erro de julgamento consubstanciado na desconformidade existente entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão facto.

Quanto ao ponto 16 dos “Factos provados” refere também a apelante que tal resposta não se encontra fundamentada. Tal como no ponto anterior, assim acontece quanto a esta resposta, não tendo, uma vez mais, o Tribunal a quo observado o determinado no art. 653, nº 2, do C.P.C., não demonstrando o raciocínio seguido ou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção nesta matéria. Mas também sobre essa falta de fundamentação temos de reproduzir aqui o que já acima dissemos: o modo processualmente adequado de reagir a essa falta era o pedido de que a mesma fosse suprida pela 1ª instância, posição que a apelante não adoptou e que esta Relação não pode assumir oficiosamente (art. 712, nº 5, do C.P.C.).

Já quanto à resposta, propriamente dita, entende a apelante que a prova produzida não a permite (ver conclusões W) a OO) do recurso).

Deste ponto 16 consta a seguinte factualidade: “Por causa do referido em 15, o R. teve que contratar e pagar € 950,00 à “F, Lda”, € 1.500,00 a L e € 7.386,94 à C.”

A apelante desvaloriza os documentos de fls. 20 (orçamento de “F, Lda” no valor de € 950,00), 21 (cópia de cheque, no valor de € 1.500,00, emitido por Maria a favor de L com data de 28.12.2006) e 22 (orçamento de “C, no valor de € 7.386,94) dos autos, considerando, no essencial, que tais documentos não provam a existência de qualquer pagamento nem se mostram relacionados com a obra dos autos. Desconsidera, por outro lado, o depoimento da testemunha S por o mesmo se limitar a relatar o que lhe fora dito pelo R..

Também refere que um dos items constantes do doc. de fls. 22 – “fazer o aro porta de entrada e forrar a porta por dentro em contraplacado e trocar fechadura” – está para além dos trabalhos contratados entre A. e R., e que a quantia de € 286,94 que ali acresce ao total de € 7.100,00 do preço dos serviços carece de explicação já que remete para “ver conta no verso” sem que o documento tenha qualquer inscrição no verso respectivo.

Ora, com a salvaguarda da referência inicial a “Por causa do referido em 15...” que não pode manter-se já que o dito ponto 15 foi eliminado, não se surpreende contradição ou erro manifesto de avaliação entre os elementos de prova disponíveis e a indicada resposta. É certo que os documentos em questão não são recibos de quitação mas constituem, em si mesmos, princípio de prova do preço do custo das obras levadas a efeito na casa do R. por aquelas entidades, tendo sido confirmada, em audiência, a realização desses trabalhos e o correspondente pagamento pela testemunha Sérgio Faria, engenheiro civil amigo do A. que acompanhou a obra nessa parte e que foi confrontado em julgamento com os ditos documentos, um a um. A mencionada testemunha não se limitou, de resto, a reproduzir o que lhe fora dito pelo R.: a mesma acompanhou os trabalhos executados por aquelas entidades, verificou o que as mesmas levaram a cabo no local e confirmou que os valores constantes daqueles documentos correspondiam a preços adequados a esses trabalhos. Donde que, sabendo que tais serviços não foram realizados a título gratuito, não custe retirar que foram aqueles os preços pagos pelo R., tanto mais que não é invulgar naquele tipo de trabalhos não haver lugar à emissão de recibos.

Por conseguinte, e no que respeita à resposta constante deste ponto 16 sobre o preço e pagamento dos trabalhos executados por aquelas entidades, temos de concluir que a convicção expressa pela 1ª instância tem suporte razoável naquilo que os meios de prova analisados fornecem. Para além disso, estaremos, uma vez mais, no domínio da contestação da convicção do Julgador que, como já dissemos, não cabe a este Tribunal sindicar.

É, por isso, de manter aquele ponto 16 dos factos provados (na sequência do que se encontra provado sob o ponto 13 que não sofreu contestação), embora com a seguinte redacção: O R. pagou € 950,00 a “F, Lda”, € 1.500,00 a L e € 7.386,94 à C.”

Finalmente, e quanto ao ponto 17, refere a apelante que há um lapso porque falta relacionar as portas que também foram fornecidas pela A..

O facto constante deste ponto 17 é o seguinte: “A A. apenas executou os seguintes trabalhos: fornecimento e aplicação de 58 m2 de lamparquet de eucalipto colado; fornecimento de rodapé no andar; fornecimento e aplicação de forras em contraplacado nas portas e janelas; colocação de armários.”

Aqui assiste razão à recorrente. É o próprio R. que admite, no art. 20º da oposição, que a A. lhe forneceu “doze portas lisas fechadas e respectivos aros” (admitindo-se que haja lapso no número de portas mencionado, pois consta do orçamento acordado entre as partes serem estas 10 – ponto 1 dos factos provados), sendo apenas colocados os aros das portas com as forras em contraplacado, não tendo sido aplicada, tratada ou acabada qualquer destas portas.

O estado inacabado em que se encontravam as portas fornecidas (sem tratamento nem ferragens) foi, entretanto, confirmado pelas testemunhas R e S já atrás identificadas, que se deslocaram ao local da obra e constataram o facto directamente.

Deve, por isso, aquele ponto 17 passar a ter a seguinte redacção: “A A. apenas executou os seguintes trabalhos: fornecimento e aplicação de 58 m2 de lamparquet de eucalipto colado; fornecimento de rodapé no andar; fornecimento e aplicação de forras em contraplacado nas portas e janelas; colocação de armários; fornecimento de 10 portas, sem tratamento nem ferragens.”

Por tudo quanto deixamos dito, é de manter inalterada a resposta dada pela 1ª instância ao ponto 3, eliminando-se o ponto 15 e alterando-se a redacção dos pontos 16 e 17 dos “factos provados” na sentença nos moldes sobreditos.
Procede, por isso, aqui em parte o recurso interposto.

C) Do Direito aplicável:
Aqui chegados, cumpre aplicar o Direito a estes factos.
Começando pela caracterização do contrato, verificamos que, vista a matéria assente, celebraram A. e R. um contrato de prestação de serviço regulado pelas disposições constantes dos arts. 1154 a 1156 do C.C.. Nos termos do art. 1155 do C.C., o mandato, o depósito e a empreitada são modalidades do contrato de prestação de serviço.
No caso, e constituindo a empreitada o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço, verificamos, sem qualquer dúvida, estar perante um contrato de empreitada. “Obra é o produto acabado em que se incorpora o trabalho fornecido pelo empreiteiro. Tanto se está perante a empreitada no caso da construção de um prédio, como na elaboração de um parecer económico.” (Monteiro Fernandes, “Direito Trabalho”, 3ª ed., pág. 53).
É, pois, à luz do regime jurídico da empreitada que devemos caracterizar o contrato celebrado entre a A. e a Ré.
De acordo com o art. 1208 do C.C., “O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.” Como explica Pedro Romano Martinez (“Direito das Obrigações – (Parte Especial) Contratos”, 2ª ed., pág. 469), a propósito de saber se a responsabilidade do empreiteiro se circunscreve aos defeitos existentes à data da entrega da obra: “O cumprimento defeituoso do contrato de empreitada funda-se na ideia de que o empreiteiro está adstrito a uma obrigação de resultado. Ele está obrigado a realizar a obra conforme o acordado e segundo os usos e regras da arte. Se a obra apresenta defeitos, não foi alcançado o resultado prometido.”

Em causa está não a execução defeituosa da obra mas o incumprimento do contratado, uma vez que a A. não concluiu os trabalhos acordados, saindo da obra em virtude do R. não lhe ter pago quantias que aquela lhe reclamou no decurso dos trabalhos.

Vejamos.

Conforme se apurou, o R. acordou com a A. a realização por esta, até à Páscoa de 2006, de trabalhos de carpintaria na sua habitação, trabalhos esses descritos no ponto 1 supra dos factos provados, pelo montante global de € 12.500,00. Em 13.9.2006, quando se encontrava realizada apenas uma parte desses trabalhos, a A. reclamou do R. o pagamento de € 6.300,00 e, como tal quantia não lhe fosse paga, retirou-se da obra sem concluir a mesma (cfr. pontos 6, 11 e 12 supra).

Como é sabido, a obrigação principal do dono da obra é o pagamento do preço acordado, sendo que, na falta de cláusula ou de uso em contrário, o preço deve ser pago no acto de aceitação da obra (art. 1211, nº 2, do C.C.). No caso, não se provou (ou sequer alegou) que tivesse sido estipulado entre as partes o pagamento do preço ou de parte dele antes daquela aceitação ou que fosse essa a prática conhecida de ambos. Por conseguinte, é manifesto que não assistia à A. o direito de suspender a execução dos trabalhos ao abrigo do art. 428 do C.C.. Melhor dizendo, ao sair da obra sem concluir os trabalhos acordados, é inequívoco que a A. incumpriu o contrato firmado entre as partes, já que a sua obrigação principal era a realização da obra acordada, conforme estabelecido e sem quaisquer vícios (cfr. arts. 406, 762, 1207 e 1208, todos do C.C.).

A questão estará em saber se, com a sua conduta, a A. entrou em mora ou se incumpriu definitivamente o contrato, pois só neste último caso assistia ao R. o direito de resolver o mesmo e contratar os serviços de terceiros para terminar a tarefa (arts. 432 e 801 do C.C.).

Como vimos, não se provou que a A. tivesse sido interpelada pelo R. para terminar a obra (ponto 15 supra eliminado), como foi reclamado pela apelante. Mas daí não extraiu a recorrente qualquer efeito, não contestando a sua obrigação de indemnizar o R. pelo pagamento dos serviços que teve de contratar com terceiros para concluir os trabalhos.

Entendemos que é de aceitar que a retirada da A. da obra nas condições acima referidas (pontos 6, 11 e 12 supra) e sem motivo legítimo, como vimos (baseada na falta de um pagamento que não era, afinal, devido), se traduz numa clara recusa no cumprimento da obrigação, recusa essa que configura um efectivo incumprimento definitivo do contrato nos termos e para os efeitos do art. 808 do C.C., dispensando a interpelação admonitória ou a fixação de prazo suplementar para cumprimento.

Daí que pudesse o R. dar por resolvido o contrato (arts. 432, 801, 808 e 799 do C.C.), exonerando-se da obrigação que assumiu (de pagar à A. o preço global contratado) e passando a contratar terceiros para a conclusão da obra.

A resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, dando, assim, lugar à restituição do que houver sido prestado (cfr. arts. 433, 434 e 289, nº 1, do C.C.) e tendo-se o contrato por não celebrado. Assiste, por isso, ao R. o direito de ser indemnizado pelos prejuízos decorrentes da resolução (cfr. art. 801, nº 2, do C.C.), sendo o fim dessa indemnização colocar o contraente na situação patrimonial que teria se o contrato não houvesse sido celebrado.
Daqui não decorre, naturalmente, que não deva o R. pagar à A. a realização dos serviços por esta efectivamente executados. Doutro modo, haveria enriquecimento sem causa por parte do R. que beneficiou, sem dúvida, de uma parte dos serviços contratados que não deixaram de ter utilidade e não podem ser devolvidos à executante.
Por conseguinte, ao R. caberá pagar à A. esses trabalhos, com redução do preço global acordado aos limites do que se mostra cumprido.
Em contrapartida, caberá à A. pagar ao R. uma indemnização pelos prejuízos decorrentes da resolução (cfr. art. 801, nº 2, do C.C.). Admite-se que, conforme reclamado pelo R., estes corresponderão ao montante que este teve de pagar a mais do valor inicialmente contratado para a realização das obras, no pressuposto que esse sempre seria o preço mais ajustado àquela execução. Nesta perspectiva, o prejuízo que o R. teve na celebração do contrato com a A. (dano “in contrahendo”) foi, pelo menos, ter de suportar, no final, um custo superior ao que estimara para o conjunto das obras na sua habitação (se o R. tivesse contratado, de início, aquele ou aqueles que vieram a concluir os trabalhos, certamente teria tido maiores vantagens na negociação dos preços que depois, já numa solução de recurso e nas circunstâncias descritas, estes vieram a exigir-lhe).
No caso, tal corresponderá à diferença entre o valor global orçado para a obra (€ 12.500,00) e o total resultante do somatório entre a quantia que o R. terá de pagar à A. pela parte dos serviços executados e o valor que veio a pagar a terceiros pelos mesmos serviços e com vista à conclusão da obra.
Entre os dois créditos operará a compensação, nos termos do art. 847 do C.C., como consta da sentença sob recurso.
Foi esta, de algum modo, a conclusão da 1ª instância que não sofreu discordância da apelante.
A questão suscitada no recurso tem que ver apenas com o valor desses recíprocos créditos.
Quanto ao crédito da A. sobre o R., discorreu-se na sentença recorrida: “... não sendo possível determinar com segurança o valor do custo da obra realizada pela A. já que foi realizado cerca de 1/3 dos serviços contratados e as facturas de aplicação de materiais juntas não se reportam apenas ao material aplicado na obra, resta-nos recorrer à equidade para fixação do valor a pagar pela empreitada realizada. Desta forma, tendo sido realizado cerca de 1/3 dos serviços contratados por € 12.150,00, fixamos o montante a pagar pelos mesmos em 1/3 desse preço: € 4.000,00. Não são devidos juros de mora dado que a obra não foi aceite, não tendo o R dado o seu acordo aos preços parciais apresentados pela obra realizada.” E, mais adiante, quanto ao crédito do R. sobre a A., justificou-se: “... o R. tem o direito a ser ressarcido pela A da quantia que pagou a mais pela obra contratada com esta. Vejamos: pagando € 4.000,00 à A. pelos serviços efectuados e € 9.836,94 a terceiros para terminarem a obra contratada com a A., o R. pagará pela empreitada € 13.836,94, quando havia sido contratada por € 12.150,00. Desta forma, o excedente que o R. pagará a mais pela empreitada constitui prejuízo por que a A. é responsável por ter faltado com culpa sua ao contratado. Tem, assim, o R. um crédito de € 1.776,94 sobre a A..”
A apelante discorda. Diz que nem todos os serviços encomendados a terceiros correspondem a trabalhos contratados entre a A. e o R. (como é o caso do 4º item do documento de fls. 22: “fazer o aro porta de entrada e forrar a porta por dentro em contraplacado e trocar fechadura” que não consta do orçamento referido no ponto 1, o que se confirma) e que a quantia de € 286,94 que naquele mesmo documento de fls. 22 (orçamento da “C”, no valor de € 7.386,94) acresce ao total de € 7.100,00 do preço dos serviços não apresenta qualquer justificação (naquele doc. diz-se a propósito desta quantia “ver conta no verso” mas o verso respectivo não contém qualquer inscrição). Refere, ainda, que de acordo com o depoimento da testemunha João Graça, promotor de vendas que vendeu à A. produtos para aplicação na obra dos autos, o valor de mercado dos trabalhos referidos nesse documento 22 que à A. caberia realizar seria de € 2.284,62 e não de € 7.386,94 como ali consta.
Por outro lado, afirma que não podia o Tribunal a quo concluir que a A. executou 1/3 dos trabalhos contratados, nem existe razão técnica que o fundamente.
Analisando.
O primeiro aspecto a considerar é que os orçamentos da A. e da “C”, designadamente, não discriminam cada parcela do preço global. Trata-se de preços definidos a forfait, ajustados para a totalidade da obra encomendada. Por outro lado, atenta a diversidade de tarefas a executar previstas num e noutro orçamento não é possível determinar, de forma objectiva, o valor proporcional de cada uma dessas tarefas.
Percorrendo a matéria de facto assente – e é essa que temos de considerar – verificamos que dela não resulta nem o valor individual de cada um dos trabalhos contratados entre A. e R. nem daqueles que foram efectivamente executados pela A., referidos no ponto 17 mas tendo em vista o que consta do ponto 14 (que a A. não fez nenhum acabamento nas madeiras que aplicou). E se esse valor não consta como apurado também não é possível determinar, com objectividade, salvo o devido respeito, o valor proporcional da obra executada pela mesma A., pois este valor tem de definir-se em função do preço unitário dos trabalhos e não do número de tarefas concluídas.
Por outra banda, e no que aos pagamentos efectuados pelo R. a terceiros se refere, apenas temos como apurado que “O R. recorreu a “F”, L e à C para terminar a obra que havia contratado com a A.” (ponto 13) e que “O R. pagou € 950,00 a “F, Lda”, € 1.500,00 a L e € 7.386,94 à C” (ponto 16). Desta factualidade não pode retirar-se com segurança, no entanto e em nosso entender, que tais entidades tenham executado exactamente as tarefas que à A. cabia executar nos moldes contratados com o R., sendo certo que, como acima dissemos, à A. cumprirá pagar ao R. a diferença entre o valor global orçado para a obra (€ 12.500,00) e o total resultante do somatório entre a quantia que o R. terá de pagar à A. pela parte dos serviços executados e o valor que veio a pagar a terceiros pela realização dos mesmos serviços e com vista à conclusão daquela obra.
É, assim, manifestamente escassa a factualidade apurada para permitir conclusões precisas quanto ao crédito de cada uma das partes sobre a contraparte. Nem as partes produziram alegação suficiente em tal matéria que tivesse permitido ampla averiguação sobre os valores em apreço.
Não se encontrando discriminadas as parcelas do preço global nem, por outro lado, o valor exacto dos serviços prestados pela A. e pelos terceiros em sua substituição, de modo a poder realizar a operação aritmética acima indicada que cumpre completar, afigura-se-nos de relegar, por agora, essa determinação, numa e noutra vertente, para ulterior incidente de liquidação, nos termos do art. 661, nº 2, do C.C., não podendo manter-se a sentença nesta parte.
Procede, por isso, apenas em parte a apelação.

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IV- Decisão:

Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando, por consequência, a sentença recorrida e condenando:
A) O R., J, a pagar à A. a quantia que vier a ser liquidada dos trabalhos por esta executados no andar dos autos, sem acabamento nas madeiras que aplicou, de fornecimento e aplicação de 58 m2 de lamparquet de eucalipto colado, de fornecimento de rodapé, fornecimento e aplicação de forras em contraplacado nas portas e janelas, colocação de armários e fornecimento de 10 portas, estas sem tratamento nem ferragens;
B) A A., C, Lda, a pagar ao R. a quantia que vier a ser liquidada correspondente à diferença entre o valor global orçado para a obra (€ 12.500,00) e o total resultante do somatório entre a quantia referida em A) e o valor, também a liquidar, que o R. veio a pagar a terceiros apenas para realização dos serviços em falta acordados com a A. e com vista à conclusão da referida obra;
C) Entre os dois créditos operará, depois, a compensação.
D) No mais mantém-se o decidido.

Custas por A. e R., que se fixa desde já na proporção metade para cada uma das partes a título provisório, a corrigir de acordo com o grau de sucumbência revelado pela liquidação a efectuar.

Notifique.
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Guimarães, 13.1.2011

Maria da Conceição Saavedra
Raquel Rêgo
Mário Canelas