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INDEMNIZAÇÃO
DANO
MORTE
ACIDENTE DE VIAÇÃO
Sumário
1. A Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio tem um âmbito institucional específico de aplicação extrajudicial, não condicionando a decisão dos tribunais. 2. É adequado, com recurso à equidade, o montante de € 50.000,00 para compensação do dano morte, sendo a vítima um homem jovem (29 anos à data do acidente), muito próximo da sua mãe, com quem vivia e a quem ajudava, sendo fisicamente bem constituído e trabalhador, mas padecendo de doença hepática alcoólica.
Texto Integral
Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I - RELATÓRIO Maria intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Crédito, A e Fundo de Garantia Automóvel, pedindo que estes sejam solidariamente condenados a pagarem-lhe a importância de € 239.500,00 a que deverão acrescer os juros vincendos à taxa legal desde a data da propositura da acção até integral e efectivo pagamento.
Para o efeito, alegou que no dia 26 de Março de 2007, na E.N. 103, no cruzamento desta com a estrada que liga Palme a Vila Chã, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula XE..., conduzido e pertencente a Al , no qual seguia como passageiro o filho da Autora, J, e o veículo de matrícula ...UA, conduzido por N.
O acidente ficou a dever-se a culpa de ambos os condutores, o primeiro por não ter obedecido ao sinal de Stop que se lhe deparava ao chegar àquele cruzamento, e o segundo por circular a uma velocidade superior a 50 km/hora num local onde o não podia fazer.
O filho da Autora sofreu múltiplas lesões que lhe viriam a provocar a morte 4 dias após o acidente, liquidando a Autora pela importância peticionada os danos patrimoniais e morais resultantes do acidente.
O condutor do veículo XE à data do acidente não havia transferido a sua responsabilidade civil para qualquer companhia de seguros, e o seu condutor e proprietário encontrava-se desempregado, não tendo meios para pagar as indemnizações dos danos que fossem provocados por aquele seu veículo.
Contestou o Réu Fundo de Garantia Automóvel (doravante FGA) nos termos que constam de fls. 37 a 40, arguindo a excepção de ilegitimidade da Autora, por considerar que deveriam estar em juízo todos os herdeiros e não somente ela, e impugna todos os factos que ela invoca, alegando desconhecê-los.
A Ré Crédito apresentou a contestação de fls. 47 a 49, impugnando toda a factualidade alegada pela Autora, por a desconhecer e não serem pessoais os factos alegados, imputando, porém, a culpa do acidente ao veículo XE... por haver entrado no cruzamento sem respeitar o sinal Stop.
O Réu A não apresentou contestação.
A Autora replicou à excepção arguida pelo FGA pugnando pela sua legitimidade por ser a única e universal herdeira da vítima, seu filho.
Dispensada a audiência preliminar, elaborou-se despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade activa suscitada pelo Réu FGA, afirmando a existência de todos os pressupostos processuais e a validade e regularidade da instância, com subsequente enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória, sem reclamação.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, sendo a matéria de facto controvertida decidida pela forma constante do despacho de fls. 315 a 320.
Por fim, foi proferida a sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou os Réus FGA e A a pagarem solidariamente à Autora Maria a importância de € 95.200 (noventa e cinco mil e duzentos euros); a Ré Crédito a pagar à Autora a importância de € 40.800 (quarenta mil e oitocentos euros); todos os Réus a pagarem à Autora juros de mora sobre as quantias acima mencionadas, em 1 e 2, à taxa anual de 4%, contados de 09/05/2008, até integral pagamento.
Não se conformando com a sentença, dela apelou o Réu FGA, tendo formulado as seguintes conclusões: 1 - O Tribunal a quo, de acordo com a matéria de facto provada na sentença proferida em 19.01.2010, entendeu conceder à Autora Maria um total indemnizatório de € 136.000,00. 2 – Em virtude de ter também entendido o Tribunal a quo que a responsabilidade do condutor do veículo sem seguro ser de 70%, condenou por isso o FGA a pagar aquela percentagem daquele valor total, ou seja, € 95.200,00. 3 – Todavia, considera o Apelante que os montantes indemnizatórios se afiguram excessivos, atendendo ao disposto na Portaria 377/2008 de 26 de Maio que fixou os critérios e valores de orientação para efeitos de indemnização aos lesados por acidente automóvel. 4 – De acordo com a aplicação das tabelas e valores constantes da portaria o montante indemnizatório não deveria exceder a quantia de € 97.000,00, sendo responsável o Apelante pelo pagamento de 70% desse montante, ou seja, € 67.900,00. 5 – Ao decidir de forma diversa, entende o Apelante que o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 483º nº 1, 562º e 566º do Código Civil e ainda o disposto na Portaria 377/2008 de 26 de Maio. 6 – Atento tudo quanto exposto, requer o Apelante que seja revogada a sentença ora em crise e seja substituída por uma outra no sentido atrás indicado, só assim se fazendo a mais sã e já costumeira JUSTIÇA.
O Autor apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões: 1. A douta sentença proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães mostra-se lavrada de modo profuso e perfeitamente fundamentado. 2. A recorrente, no recurso interposto, não apresenta nenhuma justificação de discórdia quanto aos valores indemnizatórios fixados à recorrida, que não seja o facto de os mesmos não se balizarem no quanto indica a Portaria 377/2008, de 26 de Maio. 3. Mesmo que mais não houvesse, a simples leitura do quanto preceitua o Art.º 1.º da citada Portaria (que fixa o seu objecto) permitiria concluir que os valores aí indicados mais não são do que linhas orientadoras que, clara e inelutavelmente, não afastam a possibilidade de os tribunais fixarem valores superiores àqueles. 4. Este é, também, o entendimento jurisprudencial pacífico quanto à utilidade da Portaria citada, a qual não leva em linha de conta as circunstâncias do caso concreto, essenciais, desde logo, para a formulação do juízo de equidade. 5. O tribunal “a quo”, ao fixar os valores indemnizatórios à recorrida, fê-lo de modo perfeitamente ponderado, criterioso, ajustado, sem nunca perder de vista as circunstâncias do caso concreto, especialmente a idade da vítima mortal, (o filho da recorrida com 29 anos de idade) e o facto de este, para além de ser o único auxilio, quer emocional, quer financeiro daquela, o que releva muito para além do grau de parentesco, ter apenas falecido mais de três dias depois do acidente em que interveio, período durante o qual foi sujeito a intervenções cirúrgicas que, naturalmente, lhe provocaram fortes dores e sofrimentos, bem como amargura e angustia por se ver à beira da morte. 6. Nenhum cabimento tem, por conseguinte, a pretensão da recorrente, não tendo existido violação de qualquer disposição legal na decisão sob recurso. 7. Pelo que deve a douta sentença recorrida ser mantida nos precisos termos em que o foi. Termos em que, deverá ser mantido integralmente o teor do decidido pelo Tribunal “ a quo”, julgando-se, em consequência, totalmente improcedente o recurso interposto pela recorrente.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações (arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, do CPC), a questão que se suscita é a de saber se é ajustada a indemnização de € 136.000,00 (cento e trinta e seis mil euros) arbitrada à Autora na sentença, ou se, pelo contrário, deve a mesma ser reduzida tendo em conta, nomeadamente, os critérios definidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio.
III - FUNDAMENTAÇÃO A) - OS FACTOS
Na 1ª instância consideraram-se provados os seguintes factos:
1 - A Autora é mãe de J [alínea A) dos “FACTOS ASSENTES”].
2 - J faleceu no dia 30 de Março de 2007, sem descendentes e sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de última vontade [alínea B)].
3 - A Autora é a única e universal herdeira da sucessão aberta por óbito de J [alínea C)].
4 - O J nasceu a 09/08/1977 [alínea D)].
5 - Mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº. 002..., valido e eficaz à data do embate, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo ...UA encontrava-se transferida para a Ré Crédito [alínea E)].
6 - No dia 26 de Março de 2007, pelas 19:40 horas, na E.N. nº. 103, no concelho de Barcelos, ocorreu um embate, no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula XE..., conduzido por A, e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ...UA, conduzido por N [artigo 1º da “BASE INSTRUTÓRIA”].
7 - O veículo XE... circulava no sentido de Palme para Vila Chã [artigo 2º].
8 - No veículo XE... circulava, como passageiro, o falecido J [artigo 3º].
9 - O veículo ...UA circulava no sentido de Viana do Castelo para Barcelos [artigo 4º].
10 - Ao chegar ao cruzamento que intercepta, ao km. 7,6, a E.N. 103, seguindo no sentido de Palme para Vila Chã, existe um sinal vertical de “STOP” [artigo 5º].
11 - Ao chegar ao cruzamento com a E.N. 103, seguindo no sentido de Palme para Vila Chã, o condutor do XE... não parou em obediência ao sinal de Stop [artigo 6º].
12 - O veículo XE..., tendo ocupado a zona frontal à faixa dos veículos que, provindo de Viana do Castelo, pretendam virar à esquerda, para Palme, não chegou a ocupar a parte da estrada por onde circulam os veículos que, vindos de Viana do Castelo, seguem em frente, para Barcelos [artigo 7º].
13 - O veículo XE... foi embatido na parte lateral direita, sensivelmente sobre a zona da roda da frente, pela frente, lado direito, do veículo ...UA [artigo 8º].
14 - No local do embate, o traçado da via consiste numa curva com cruzamento em patamar [artigo 9º].
15 - A estrada, no local do embate, é constituída por duas vias de trânsito, uma em cada sentido, com marcação horizontal no pavimento com as marcas M1 (linha longitudinal contínua), M17 e M19 (Guias) e com passeios dos dois lados [artigo 10º].
16 - No local onde ocorreu o embate o pavimento é em asfalto, encontrando-se, à data, em bom estado de conservação [artigo 11º].
17 - No dia do embate o estado do tempo era bom [artigo 12º].
18 - No local do embate existia iluminação pública [artigo 13º].
19 - No local do embate, a faixa de rodagem mede 10,50 metros de largura [artigo 14º].
20 - No local do embate a via é ladeada por vegetação [artigo 15º].
21 - No local do embate, a velocidade máxima permitida é de 50 km por hora [artigo 16º].
22 - O condutor do ...UA circulava a uma velocidade entre os 50 e os 60 km/hora [artigo 17º].
23 - À data do embate, a responsabilidade civil decorrente da circulação do XE... não se encontrava transferida para qualquer companhia de seguros [artigo 18º].
24 - O veículo XE... encontrava-se, à data do embate, matriculado em Portugal [artigo 19º].
25 - O Réu A encontra-se desempregado, revelando insuficiência de meios para solver as suas obrigações [artigo 20º].
26 - Em consequência do embate, o J sofreu lesões traumáticas tóraxico-abdominais, designadamente fracturas do baço e do fígado e contusão pulmonar [artigo 21º].
27 - Das lesões sofridas veio a resultar choque hipovolémico [artigo 22º].
28 - As lesões sofridas foram a causa da morte de J [artigo 23º].
29 - A morte do J veio a acontecer três dias, dezassete horas e trinta minutos após o embate [artigo 24º].
30 - Durante todo aquele tempo as lesões sofridas pela vítima J, quer as provocadas pelo embate, quer as decorrentes das intervenções cirúrgicas a que teve de ser submetido, para tratamento àquelas, provocaram-lhe dores e sofrimentos [artigo 25º].
31 - Por todo o tempo referido em 29, as lesões sofridas pela vítima J provocaram-lhe amargura e angústia, por se ver à beira da morte [artigo 26º].
32 - À data do embate aquele J sofria de doença hepática alcoólica mas era fisicamente bem constituído e trabalhador [artigo 27º].
33 - A Autora sofreu dor pela perda do J [artigo 28º].
34 - A Autora tinha um relacionamento próximo com o filho, com quem vivia [artigo 29º].
35 - Era o J a única companhia e apoio de que dispunha a Autora, já que se encontrava no estado de viúva [artigo 30º].
36 - A Autora amava o seu filho, com o qual constituía a sua única família [artigo 31º].
37 - A Autora viu-se privada da companhia do seu filho, do seu apoio e ajuda [artigo 32º].
38 - À data do embate, o J trabalhava como ferrageiro e na agricultura, ao jornal [artigo 33º].
39 - As actividades do referido J proporcionavam-lhe, mensalmente, um rendimento nunca inferior a € 600 (seiscentos euros) [artigo 34º].
40 - O J ajudava a Autora com metade do valor mensal que recebia [artigo 35º].
41 - O J padecia de doença hepática alcoólica [artigo 36º].
B - O DIREITO
Entende o recorrente que os montantes indemnizatórios são excessivos, atendendo ao disposto na Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, que fixou os critérios e valores de orientação para efeitos de indemnização aos lesados de acidentes de viação.
Relativamente à invocada Portaria, não pode esquecer-se, como consta do seu preâmbulo, que se trata de critérios para os procedimentos de proposta razoável, em particular quanto à valorização do dano corporal.
Parte significativa das soluções adoptadas nesta portaria baseia-se em estudos sobre a sinistralidade automóvel do mercado segurador e do Fundo de Garantia Automóvel e na experiência partilhada por este e pelas seguradoras representadas pela Associação Portuguesa de Seguradores, no domínio da regularização de processos de sinistros.”
Finalidade esta, aliás, repetida pelo preâmbulo da Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, que veio alterar aquela, referindo também que com a Publicação da Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, o Governo fixou, nos termos do disposto no nº 5 do artigo 39º do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, os critérios e valores orientadores, para efeitos de apresentação aos lesados por sinistro automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal.”
Na verdade, o artigo 1º da Portaria nº 377/2008 descreve o seu objecto:
1 - Pela presente portaria fixam -se os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto -Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto.
E, o nº 2 do preceito expressamente consagra que: As disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos.
Como resulta da mesma Portaria, “o regime relativo aos prazos e as regras de proposta razoável, agora também aplicáveis ao dano corporal, exige o apoio de normativos específicos que evidenciem, com objectividade, a transparência e justiça do modelo no seu conjunto e sejam aptos a facilitar a tarefa de quem está obrigado a reparar o dano e sujeito a penalizações, aliás significativas, pelo incumprimento de prazos ou quando for declarada judicialmente a falta de razoabilidade na proposta indemnizatória.”
Como se escreveu no Ac. do STJ de 07.07.2009, proc. 205/07.3GTLRA.C1, acessível in www.dgsi.pt: “A Portaria, tem pois um âmbito institucional específico de aplicação, extrajudicial, sendo que, por outro lado, e, pela natureza do diploma que é, não revoga nem derroga lei ou decreto-lei, situando-se em hierarquia inferior, pelo que o critério legal necessário e fundamental, em termos judiciais, é o definido pelo Código Civil.”
No caso em apreço, tendo o facto lesivo de que emerge o dano que se pretende compensar ocorrido em data anterior à da entrada em vigor da Portaria, nunca poderia ter a mesma aplicação, por força do disposto no artigo 12º, n.º 1, do Código Civil (cfr. Ac. do STJ de 15.04.2009, proc. 08P3704, in www.dgsi.pt).
Resta, pois, ver se são excessivos os montantes indemnizatórios fixados na sentença a título de danos patrimoniais e não patrimoniais e, em particular, quanto ao dano morte.
Relativamente aos danos patrimoniais, fixados no montante de € 36.000,00, ponderou-se o seguinte na sentença:
«Aquele – J – era filho da Autora, e na altura trabalhava na agricultura e como ferrageiro, ganhando € 600,00 por mês, entregava à Autora metade desta importância, para a ajudar nas despesas familiares, já que viviam juntos.
O referido J, contando já 29 anos e 7 meses de idade, era, dos irmãos, o único que vivia com a mãe, que é viúva, sendo de pressupor que assim continuasse, mesmo no caso de vir a casar, com o que esta continuaria a beneficiar da ajuda dele.
Não se sabendo a idade da Autora, fica por se saber por quanto tempo ainda era previsível que fosse beneficiar daquele auxílio da vítima e, por outro lado, é ainda de pressupor que, casando, visse aumentados os seus encargos pessoais, consequentemente diminuindo o montante das ajudas à mãe.
Impondo-se, pois, o recurso a critérios de equidade, fixa-se o quantum da indemnização quanto a esta parte na importância de € 36.000, partindo de uma importância mensal de € 300, entregue em cada um dos doze meses do ano, e durante dez anos, não se descontando qualquer parte dela, à conta de ser recebida de uma só vez, já que, pelas regras da experiência comum, é de aceitar que o valor da contribuição fosse aumentando à medida em que o salário percebido também aumentasse.»
Quanto ao valor de € 36.000,00 fixado pelo tribunal a quo a título de danos patrimoniais, afigura-se o mesmo correcto face ao factualismo apurado, nenhuma censura merecendo nesse aspecto a sentença recorrida, considerando ainda que, nos termos do nº 3 do art. 495º do Código Civil, “têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.
Quanto aos danos não patrimoniais, expressa a lei que na fixação da indemnização deve atender-se àqueles que, pela sua gravidade, aferida em termos objectivos, mereçam a tutela do direito (artigo 496º, nº 1, do Código Civil).
O montante pecuniário da compensação deve fixar-se equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias a que se reporta o artigo 494º do Código Civil (art. 496º, n.º 3, 1ª parte, do mesmo Código).
As circunstâncias a que, em qualquer caso, o artigo 496º, nº 3, manda atender são o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana (cfr. Ac. do STJ de 12.01.2006, proc. 05B4176, disponível in www.dgsi.pt).
Tem-se entendido doutrinária e jurisprudencialmente, maxime, após o acórdão do STJ, tirado em reunião de secções para uniformização de jurisprudência, de 17-03-1971, in BMJ 205º, pág. 150, que em caso de morte, do artigo 496º, nºs 2 e 3, do Código Civil, resultam três danos não patrimoniais indemnizáveis:
- O dano pela perda do direito à vida;
- O dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte;
- O dano sofrido pela vítima antes de morrer, variando este em função de factores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima estava consciente ou em coma, se teve dores ou não, e qual a sua intensidade, se teve ou não consciência de que ia morrer.
No caso em apreço ponderou-se na sentença recorrida:
O dano morte tem carácter autónomo, é um dano próprio pela mera privação da vida, que não se confunde com o dano não patrimonial.
Quanto ao dano morte, como referia o Acórdão do STJ de 27-09-2007, proc. nº 07B2737, in www.dgsi.pt, sabe-se que a vida é o bem mais precioso da pessoa que ele não tem preço, porque é a medida de todos os preços, e que a sua perda arrasta consigo a eliminação de todos os outros bens de personalidade.
À míngua de outro critério legal, na determinação do concernente quantum compensatório importa ter em linha de conta, por um lado, a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais.
E, por outro, conforme os casos, a vontade e a alegria de viver da vítima, a sua idade, a saúde, o estado civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia-a-dia, designadamente a sua situação profissional e sócio-económica.
A indemnização devida pelo dano morte é transmissível, bem como, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros descendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem – art. 496º nº 3 do Código Civil, sendo ainda indemnizáveis, por direito próprio, os danos não patrimoniais sofridos pelas pessoas referidas no preceito familiares da vítima, decorrentes, do sofrimento e desgosto essa morte lhes causou (v. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7ª ed., pág. 604 e segs.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed. pág. 500; Pereira Coelho, Direito das Sucessões, e Ac. do S.T.J. de 17/03/1971, B.M.J. 205, pág. 150; Leite Campos, A indemnização do dano da morte, Boletim da Faculdade de Direito, vol. 50, pág. 247 Galvão Telles, Direito das Sucessões, págs. 88 e segs).
Considerou-se adequada na sentença recorrida a importância de € 60.000,00 a título de indemnização do dano morte, invocando-se essencialmente a idade da vítima (29 anos).
Resultou ainda provado que à data do acidente a vítima sofria de doença hepática alcoólica mas era fisicamente bem constituído e trabalhador, pelo que não podia deixar de se perspectivar que teria ainda muito tempo para viver, como se considerou na sentença, além de que tinha uma relação muito próxima com a mãe, que com esta constituía a sua única família.
O direito à vida é o primeiro, o mais importante, dos direitos absolutos. É o bem supremo, cuja tutela é assegurada pelo art. 24º, da Constituição da República Portuguesa. E que a sua violação gera um dano susceptível de compensação, não se dúvida.
A questão colocada é a de saber como fixar o quantitativo que compense a produção do dano. A regra é-nos dada pelo art. 496º, nº 3, do C. Civil: o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais será fixado equitativamente.
O direito à vida, como direito absoluto inerente à condição humana que é, deve, em abstracto, obter sempre a mesma valoração absoluta isto é, todas as vidas se equivalem.
Mas esta afirmação não significa que, em cada caso concreto e, precisamente por isso, por razões de equidade, não devam nem possam ser ponderados determinados factores que estabeleçam diferenças no montante indemnizatório a fixar. Na verdade, a justiça do caso concreto pode impor a consideração de elementos relativos à idade, à saúde, à integração e desempenho social da vítima, entre outros como factores de valoração do dano (Cfr. neste sentido, Acs. do STJ de 11 de Dezembro de 2008, proc. 08B2935, de 27.09.2007, (já identificado), ambos in www.dgsi.pt, e de 25 de Março de 2004, CJ/STJ, XII, I, 140).
Em todo o caso, como nota o Conselheiro Sousa Dinis, estamos perante parâmetros genéricos que deixam a cada juiz um âmbito de decisão suficientemente elástico para que possam em cada caso, expressar a arte de minorar a supressão do direito à vida (CJ/STJ, IX, I, 7). Mas, a título meramente indicativo, não deixaremos de referir algumas decisões do nosso mais Alto Tribunal: assim, o acórdão de 4 de Novembro de 2003 (CJ/STJ, XI, III, 133) fixou o montante devido pelo dano morte em € 40.000, os acórdãos de 08.07.2006 (já identificado), de 24.10.2006, proc. 06A3021, de 18.12.2007, proc. 07B3715 e de 23.04.2008, proc. 08P303, todos disponíveis in www.dgsi.pt, fixaram aquele montante em € 50.000, e os acórdãos de 30 de Outubro de 2008, proc. 08B2989, in www.dgsi.pt e de11.12.2008 (já identificado) fixaram o mesmo montante em € 60.000.
Sendo a vítima um homem jovem (29 anos à data do acidente), muito próximo da sua mãe, com quem vivia e a quem ajudava, sendo fisicamente bem constituído e trabalhador, mas padecendo de doença hepática alcoólica, não se pode falar que tivesse diante de si um futuro muito longo, mas de qualquer forma tinha motivos para encarar de forma alegre e positiva o caminho a percorrer, sobretudo se houvesse vontade da sua parte em tratar a doença de que padecia, o que foi abruptamente interrompido pelo acidente para o qual nada contribuiu.
Por isso mesmo entendemos que o montante de € 50.000,00 para compensação do dano morte se mostra mais adequado, atenta a ponderação global daqueles factores, à realização da justiça do caso concreto.
No cálculo desta indemnização foram tidos em consideração ta critérios reportados à data da citação 809.05.2008), como se fez na sentença recorrida.
Já no que concerne ao dano sofrido pela Autora, mãe da vítima, considerando que esta sofreu dor pela perda do filho, tinha com ele um relacionamento próximo e com quem vivia, sendo o filho a única companhia e apoio de que dispunha a Autora, que é viúva, que a mesma amava o filho, com o qual constituía a sua única família e que se viu privada da sua companhia, apoio e ajuda, afigura-se adequada a indemnização de € 20,000,00 fixada na sentença.
O mesmo se diga, aliás, relativamente, à indemnização de € 20.000,00 fixada para o dano sofrido pela vítima antes de morrer, uma vez que ficou provado que sofreu lesões traumáticas tóraxico-abdominais, designadamente fracturas do baço e do fígado e contusão pulmonar, que lhe determinaram a morte, o que ocorreu três dias, dezassete horas e trinta minutos após o acidente, e que durante o tempo em que permaneceu vivo lhe provocaram dores e sofrimentos, causando-lhe ainda amargura e angústia por se ver à beira da morte.
Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC)
1. A Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, como se escreveu no Ac. do STJ de 07.07.2009, proc. 205/07.3GTLRA.C1, in www.dgsi.pt, tem um âmbito institucional específico de aplicação, extrajudicial, sendo que, por outro lado, e, pela natureza do diploma que é, não revoga nem derroga lei ou decreto-lei, situando-se em hierarquia inferior, pelo que o critério legal necessário e fundamental, em termos judiciais, é o definido pelo Código Civil
2. No caso em apreço, tendo o facto lesivo de que emerge o dano que se pretende compensar ocorrido em data anterior à da entrada em vigor da dita Portaria, nunca poderia ter a mesma aplicação, por força do disposto no artigo 12º, nº 1, do Código Civil.
3. É adequado, com recurso à equidade, o montante de € 50.000,00 para compensação do dano morte, sendo a vítima um homem jovem (29 anos à data do acidente), muito próximo da sua mãe, com quem vivia e a quem ajudava, sendo fisicamente bem constituído e trabalhador, mas padecendo de doença hepática alcoólica.
IV - DECISÃO
Pelo exposto, na parcial procedência da apelação, altera-se a sentença recorrida no que concerne à quantia atribuída a título de compensação pelo dano morte, fixando-a em € 50.000,00 (cinquenta mil euros), reduzindo-se assim o montante global da indemnização para € 126.000,00 (cento e vinte seis mil euros), a pagar pelos Réus à Autora na proporção das respectivas culpas – 88.200,00 (oitenta e oito mil e duzentos euros) a cargo dos Réus FGA e A, solidariamente, e € 37.800,00, da Ré Crédito – confirmando-se no mais o decidido.
Custas nesta Relação e na 1ª instância pela Autora e Réus, na proporção do respectivo decaimento.
Uma vez que o Réu FGA está isento de custas, o Réu A pagará apenas metade do que a estes caberia pagar, e sem prejuízo, quanto à Autora, do benefício do apoio judiciário concedido.
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Guimarães, 27 de Janeiro de 2011
Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Amílcar Andrade