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PROVIDÊNCIA CAUTELAR
EMBARGO DE OBRA NOVA
PREJUÍZO
Sumário
1. A instauração de uma providência cautelar não pode ter como fundamento apenas meros incómodos, ou meras ofensas normativas e formais mas, antes, concretas desvantagens, destruição, diminuição ou desvalor, em suma, um dano ou prejuízo objectivo, efectivo, verdadeiro, real, 'in natura', grave, substancial e dificilmente reparável. 2. No embargo de obra nova exige-se que a ofensa do direito resulte de uma obra, trabalho ou serviço que lhe cause ou possa causar prejuízo, sendo que este prejuízo não pode ser um prejuízo qualquer, quer na vertente qualitativa, quer na quantitativa. 3. Apenas podem ser embargadas obras que impliquem uma modificação substancial da coisa, excluindo as que se traduzam em meras modificações superficiais, acabamentos, ou na mera reconstrução de uma situação preexistente.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
M.. requereu contra J.. e mulher T.. procedimento cautelar de ratificação judicial de embargo de obra nova, alegando que, no dia 5 de Julho de 2010, sua filha, a seu mando, procedeu ao embargo de uma obra que os requeridos se encontravam a realizar de ampliação do beiral poente do telhado do imóvel destes, obra essa que iria ocupar o espaço aéreo do imóvel da requerente, fazendo escorrer sobre este as águas pluviais. Apesar do embargo, os requeridos continuaram a obra, tendo procedido à construção e ampliação do beiral da parte poente do telhado do seu prédio. Termina pedindo que se ratifique o embargo extra-judicial, ordenando-se a notificação dos requeridos para a não continuação das obras e que se ordene a destruição da parte inovada.
Os requeridos ofereceram oposição, excepcionando a caducidade do direito à ratificação judicial do embargo por ter a petição dado entrada mais de cinco dias após o embargo extra-judicial e alegando que a obra nova não provoca qualquer ofensa ao direito de propriedade da requerente.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida decisão que julgou improcedente a providência cautelar.
Discordando da decisão, dela interpôs recurso a requerente, tendo formulado as seguintes
Conclusões:
I – Provando-se que a requerente embargou extrajudicialmente a obra dos requeridos, que consistia na colocação telhas viradas para o prédio dela, onde antes apenas havia um remate tradicional, uma empena com murete e rufo de zinco, isto é, sem qualquer queda de águas, e que a ampliação do beiral iria ocupar mais espaço aéreo do prédio da Requerente e, em consequência, iria, de futuro, fazer escorrer sobre este as águas pluviais que incidissem sobre o prédio dos Requeridos, verificavam-se os requisitos legais de tal embargo e da requerida ratificação judicial.
II – Provando-se que, não obstante esse embargo, durante a manhã do passado dia 7 de Julho de 2010, os comitidos dos Requeridos procederam, por ordens e no exclusivo interesse deste, à inovação que se propunham fazer antes do embargo extrajudicial, tendo procedido à construção e ampliação do beiral da parte Poente do telhado do prédio dos Requeridos, tudo conforme a prova fotográfica junta claramente comprova, verificam-se os requisitos legais para ratificação daquele embargo e para destruição da parte inovada.
III – A prova de que os requeridos sabiam bem que iam lesar direitos da requerente é a de que, por várias vezes, encarregaram o empreiteiro de obter o consentimento da requerente para a inovação que pretendiam fazer.
IV – Não resulta de nenhum compulsado nos autos, muito menos da matéria de facto considerada como provada, que a obra visou resolver um problema de infiltração de humidades…, mas sim, e apenas, que os requeridos pediram ao empreiteiro J.. que procedesse aos trabalhos necessários a evitar que se verificassem infiltrações de água no prédio, através da parede poente do mesmo, consistindo a obra a executar por aquele no corte do muro referido em 11º, na execução da cornija e na colocação de telha.
V – Ao contrário do critério seguido na douta decisão recorrida, no caso de embargo de obra nova, providência cautela especificada, não há subordinação ao regime comum, pois atento o direito a proteger, o de propriedade, o direito real por excelência, justifica a especialidade de apenas bastar que a obra cause ou ameace causar prejuízo.
VI – Caso contrário, tornar-se ia despicienda a referência a prejuízo, pois ele já estaria na previsão das providências cautelares não especificadas, no artigo 381º, nº 1 (…alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito).
VII – O artº 381º, e os que o complementam, rege para as providências não especificadas; as especificadas têm, cada uma delas, o seu próprio regime – o que não foi, com o respeito devido, observado na douta decisão ora impugnada.
VIII – No caso da obra nova, a lei não exige qualquer receio, nem gravidade da lesão, nem dificuldade da sua reparação: basta que se cause ou ameace causar prejuízo e este é inerente à perturbação do direito de propriedade, seja por que forma for, incluindo com a invasão do espaço aéreo e, em especial, com a constituição de um estilicídio.
IX – A integridade e a importância, tanto pessoal como social, do direito de propriedade justificam os meios de defesa contra a sua violação abusiva, independentemente da gravidade do prejuízo, que, em casos como o presente, é inerente ao acto perturbador.
X – Fosse como fosse, mantinha-se a violação do direito da requerente e os requeridos sabiam bem dessa violação, tanto assim que, repete-se, mandaram pedir, por várias vezes, para que a requerente autorizasse a obra e, depois, in extremis, disseram ao empreiteiro seu comitido para colocar as telhas em beiral mesmo escorrendo para cima do telhado da requerente e que não haveria problemas, pois “quem tem dinheiro para mandar subir a obra, também tem dinheiro para a deitar abaixo”, embora perfeitamente conscientes da violação do direito de propriedade da Requerente sobre o seu identificado imóvel e, saliente-se, plenamente conscientes de que, com tais ordens e direcções, frontalmente violavam o embargo.
XI – Quanto ao facto de esta nova beirada ser construída no sítio onde já existia outra, não se pode o mesmo revestir-se sequer de pretensa justificação da violação operada pelos Requeridos, pois a anterior beirada não tinha as mesmas medidas, a mesma configuração e a mesma funcionalidade e, sobretudo, não fazia escorrer água para cima do telhado da Requerente.
XII – Se os requeridos queriam evitar infiltrações (a chapa de zinco é impermeável e se estivesse rota poderia ser trocada), a colocação de telhas não implicaria a violação do direito da requerente, nem precisariam os requeridos de qualquer autorização.
XIII – O entendimento seguido pelo Tribunal a quo contraria, aliás, o que se dispõe no artº 419.º, onde se prevê, isso sim, que possa ser dada autorização para a continuação da obra, quando se reconheça que a demolição restituirá o embargante ao estado anterior à continuação ou quando se apure que o prejuízo resultante da paralisação da obra é consideravelmente superior ao que pode advir da sua continuação e em ambos os casos mediante caução prévia às despesas de demolição total.
XIV – Quer isto também dizer que, ao caso do embargo de obra nova, não se aplica o disposto no artº 381º, em particular sobre a gravidade da lesão ou da possibilidade de reparação, estabelecendo-se aqui um regime próprio e específico quando o embargado queira prosseguir a obra e demonstre que o prejuízo resultante da paralisação é consideravelmente superior ao que pode advir da sua continuação.
XV – Assim, e quanto ao caso concreto, era evidente que estavam reunidos todos os pressupostos, de facto e de direito, para o decretamento da providência, e nem tal decretamento impediria que viessem depois os embargados pedir a continuação da obra, nos termos legais, incluindo, como se diz no artº 419º, sempre, em ambos os casos, mediante caução prévia às despesas de demolição.
XVI – No nº 3 do artº 381º define-se que não são aplicáveis as providências referidas no nº 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas na secção seguinte, isto é, precisamente as providências cautelares especificadas, onde se inclui a do embargo de obra nova.
XVII – Temos, assim, que este preceito define, com toda a clareza, que, sempre que nenhuma das providências cautelares nominadas seja aplicável, funciona a providência cautelar comum com âmbito residual.
XVIII – Em termos decisivos, a doutrina do Professor Alberto dos Reis citada vai toda no sentido defendido tanto no requerimento inicial como neste recurso.
XIX – Nomeadamente, quando aquele Mestre afirma:
As providências dos artigos 400º, 409º, 420º, e 429º têm o seu campo de acção perfeitamente demarcado; servem para os fins especificamente designados nesses textos legais e consistem precisamente nos actos aí definidos. As providências do artigo 405º hão-de empregar-se quando não seja caso de aplicar qualquer das medidas autorizadas por aqueles artigos.…as providências cautelares propriamente ditas não absorvem as outras providências preventivas, não podem invadir o domínio de cada uma delas: actuam fora da esfera que lhes está reservada.…entendemos que basta a ilicitude do facto, basta que este ofenda o direito de propriedade, a posse ou a fruição; o prejuízo consiste exactamente nessa ofensa. Trata-se de dano jurídico, isto é, dano derivado, pura e simplesmente, da violação do direito de propriedade…
XX – Ainda seguindo de perto o mesmo Autor, desde que o facto tem a feição de ilícito, porque é contrário à ordem jurídica, caracterizada num direito de propriedade, numa posse ou fruição legal, tanto basta para que haja de considerar-se prejudicial para os efeitos do embargo de obra nova; o embargante não precisa de filiar o seu prejuízo noutra razão que não seja a ofensa da situação jurídica subjectiva, não precisa de alegar que, na realidade das coisas, a obra lhe acarreta perdas e danos.
XXI – No caso concreto, afigura-se à Requerente que o Tribunal a quo fez inconsequente e errada citação da fonte doutrinal indicada na douta decisão ora impugnada – as teses de António Abrantes Geraldes – que noutro sentido não apontam que não aquele que a Requerente apresentou, tanto no requerimento inicial como no presente recurso.
XXII – Na decisão recorrida invoca-se, de facto, a doutrina de António Santos Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, pág. 85), na parte onde o Ilustre Autor afirma o seguinte:
…no âmbito dos procedimentos cautelares comuns entende-se, no que toca à lesão ou prejuízo, que apenas as lesões graves e de difícil reparação ou irreparáveis merecem a tutela provisória, ficando afastadas do círculo de interesses acautelados por ele, ainda que irreparáveis ou de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo que são excluídas as lesões graves mas facilmente reparáveis.
XXIII – Porém, bem lida a fonte da citação, nota-se a desinserção da citação do contexto devido, o que acabou por viciar todos os raciocínios consequentes.
XXIV – Com a citação feita fica-se com a ideia de que o Autor invocado defende que à providência cautelar especificada de embargo de obra nova se aplica o requisito da lesão ou prejuízo, …que apenas as lesões graves e de difícil reparação ou irreparáveis merecem a tutela provisória, ficando afastadas do círculo de interesses acautelados por ele, ainda que irreparáveis ou de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo que são excluídas as lesões graves mas facilmente reparáveis…
XXV – Ora, tal não sucede, como se pode ver na página 81 e, mais que isso, se dermos a atenção devida ao ponto do texto transcrito (o 22.5), de onde resulta, inequivocamente, que a afirmação se refere à tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum, sendo certo que na própria decisão se transcreve essa parte: …no âmbito dos procedimentos cautelares comuns entende-se…
XXVI – Também na nota de rodapé nº 103, a terminar a expressão “apenas merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum…”, onde, desde logo, se diz assim: Diversamente do que ocorre com determinados procedimentos cautelares específicos em que o legislador abstraiu da gravidade das consequências, bastando-se com a prova sumária do direito e outros específicos, como sucede com a restituição provisória da posse ou com a apreensão de veículos automóveis.
XXVII – E na citada página 81, temos, sob o ponto 21 e epígrafe «OS REQUISITOS GERAIS DOS PROCEDIMENTOS CAUTELARES», que o Autor afirma: Dada a extensão de área dos direitos subjectivos que pode ser coberta pelo procedimento cautelar comum; o Autor está a tratar deste e não dos especificados), são exigidos naturalmente requisitos que nem sempre encontram reflexo tão imediato nas normas reguladoras de alguns dos restantes procedimentos específicos. Partindo do modo como vem regulada a matéria, a jurisprudência tem frequentemente afirmado que o decretamento de providências cautelares não especificadas está dependente da conjugação dos seguintes requisitos:
a) Probabilidade séria da existência do direito invocado;
b) Fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito;
c) Adequação da providência à situação de lesão iminente;
d) Não existência de providência específica que acautele aquele direito.
XXVIII – E continua o citado Autor, realçando-se agora o texto: Já quanto a determinados procedimentos tipificados, para além da prova sumária do direito, a lei satisfaz-se com a prova dos respectivos requisitos específicos de conteúdo mais ou menos complexo, mas, de todo o modo, com menor grau de exigência do que aquela que orientou a regulamentação do procedimento cautelar comum. Pode dizer-se, com alguma aproximação que, nuns casos, a regulamentação específica de determinadas providências obedece a requisitos semelhantes aos do procedimento cautelar comum, como sucede com o arresto, o arrolamento, os alimentos provisórios, o arbitramento de reparação provisória ou a suspensão de deliberações sociais. Noutros casos, a lei dispensa a prova específica do periculum in mora e um mecanismo cautelar que, com celeridade e eficácia, confira a tais situações a adequada tutela, sem onerar o requerente com o encargo de provar, ainda que perfunctoriamente, os danos que se visam acautelar.
XXIX – E precisando os raciocínios, agora sobre a «LESÃO GRAVE E DIFICILMENTE REPARÁVEL», a exposição prossegue assim: O fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável constitui nas medidas cautelares atípicas a manifestação do requisito comum a todas as providências; o periculum in mora.
XXX – E na página 97, o Distinto Autor diz assim: Nos procedimentos cautelares específicos o seu campo de aplicação está perfeitamente delimitado pelas normas jurídicas que os enquadram, ajustando-se apenas ao decretamento de providências típicas. Outra é liberdade de conformação do objecto que se verifica no âmbito do procedimento cautelar comum capaz de integrar todo o género de medidas cautelares ajustadas às variáveis correspondentes à natureza do direito que lhes subjaz e à situação de perigo de lesão que se verifica. Continua também perfeitamente actual a doutrina de Alberto dos Reis para quem «as providências cautelares propriamente ditas (ou, na terminologia do anterior C.P.C., as providências não especificadas) não absorvem as outras providências preventivas, não podem invadir o domínio de cada uma delas: actuam fora da esfera que lhes está reservada. A formulação legal acompanhou muito de perto a anterior redacção do art. 399º, disposição relativamente à qual Alberto dos Reis, para demonstrar a maleabilidade e o mimetismo das providências não especificadas, concluiu, de forma simples, mas rica de conteúdo, que a natureza do perigo ditará a natureza da providência.
XXXI – Por último, na página 238, depois de uma sumária caracterização da providência, diz-se assim: O que de especial interessa realçar nesta medida é que pretende tutelar especificamente direitos de conteúdo material ligados aos direitos reais ou equiparados, tendo o legislador optado por aliviar a carga probatória sobre o interessado, ao considerar bastante a prova da existência de danos ou a ameaça da sua ocorrência, independentemente da sua gravidade.
XXXII – E para melhor enquadramento das ideias do Autor em citação, deparamos na página 241, sob a epígrafe «ÂMBITO DA PROVIDÊNCIA», com a seguinte afirmação: À semelhança do que ocorre com a generalidade dos procedimentos cautelares, necessário se torna que, ao menos sumariamente seja invocada pelo requerente a violação ou o perigo de violação de um direito subjectivo. Mais complexa é a amplitude das situações juridicamente tuteláveis por esta medida cautelar. Sem dúvida, os embargos integram o rol dos meios de defesa da propriedade, quer a ofensa derive de um conflito de vizinhança, quer de outro facto de onde, em termos objectivos, possam resultar prejuízos de ordem patrimonial.
XXXIII – O Autor completa o raciocínio, na página 246, no ponto 73.6, da epígrafe dos requisitos, remata o citado Autor: A lei prescindiu da quantificação e da qualificação dos prejuízos. Demonstrado que a actuação do requerido ofende direitos de natureza patrimonial inseridos na previsão normativa, é indiferente a gravidade dos danos, tendo sido afastada uma opção assente no princípio da proporcionalidade assumido no procedimento cautelar comum (art. 387º, nº 2).
XXXIV – Com isto, além de ficar prejudicada a pretensão da decisão recorrida de acolhimento da aplicação subsidiária do regime comum ao caso concreto (artº 392º), fica ainda mais rebatida a tese da comparação do prejuízo resultante para o requerido com o dano que o requerente pretende evitar, devendo, assim, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que acolha a pretensão da requerente, decretando e ordenando a ratificação do embargo e a destruição da parte inovada, descrita nos artigos 19º, 20º e 21º do requerimento inicial.
XXXV – Por fim, não se pode deixar de dizer que o não decretamento da requerida providência e a não determinação de demolição da parte inovada violam os mais elementares princípios legais e de justiça e, sem os quais, tanto a lei como o elevado valor da justiça se vêm esvaziados.
Os requeridos não apresentaram contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Foram colhidos os vistos legais.
A única questão a resolver traduz-se em saber:
- se na providência de embargo de obra nova deve ser considerado o requisito do prejuízo como de «lesão grave e dificilmente reparável do seu direito».
II. FUNDAMENTAÇÃO
Na decisão recorrida foram considerados assentes os seguintes factos:
1º) A Requerente é dona e legítima possuidora do prédio urbano destinado a habitação, com a área coberta de 60 metros quadrados, composto de rés-do-chão com 3 divisões, cozinha e quarto de banho, a confrontar de Norte com caminho público e dos restantes lados com J.., sito no Lugar de Regadas, freguesia de Pedralva, deste concelho e comarca, actualmente inscrito a favor da Requerente na respectiva matriz predial urbana de Pedralva sob o artigo 411.
2º) Os Requeridos são donos e legítimos possuidores do prédio misto, composto de casa de rés-do-chão e 1º andar, com a área coberta de 113m2, logradouro com 783m2, e terreno de cultivo anexo com a área de 2.984m2, confrontando de Norte com caminho, de Sul com os Requeridos, de Nascente com J.. e de Poente com caminho e com M.., inscrito nas matrizes sob os artigos 345 urbano e 575 rústico de Pedralva, descrito na respectiva Conservatória sob o nº 00003/Pedralva.
3º) Em data não apurada mas anterior ao dia 05 de Julho de 2010, comitidos dos Requeridos, por suas ordens e no interesse destes, colocaram sobre o telhado do referido prédio da Requerente estruturas de apoio destinadas à construção civil, designadamente andaimes, em ferro e tábuas.
4º) Apercebendo-se de tal facto, a Requerente pediu a uma filha sua, R.., que, em seu nome, no seu interesse e em sua representação, instasse aqueles comitidos dos Requeridos sobre a finalidade de tais equipamentos.
5º) A Requerente pediu então àquela sua filha e mandatou-a verbalmente para que, no seu interesse, por sua conta e em sua representação, solicitasse no dia 05 de Julho de 2010 ao posto da Guarda Nacional Republicana do Sameiro, Braga, a presença de dois seus militares naquele local, o que sucedeu, para que procedesse ao embargo extrajudicial da obra.
6º) Assim que os militares chegaram ao local, naquele dia 5 de Julho de 2010, a identificada filha da Requerente, como lhe havia sido solicitado por sua mãe, na presença destes, e sempre em representação, por conta e no interesse da Requerente, notificou verbalmente o empreiteiro J.., que ali se encontrava a levar a obra a cabo, para que a parasse suspendendo a execução dos trabalhos e para que não continuasse aquela obra.
7º) Na sequência de tal comunicação, aqueles comitidos dos Requeridos afirmaram àquela R.., que não iam continuar a obra.
8º) Não obstante, após tal comunicação aqueles comitidos dos Requeridos, por ordens e no exclusivo interesse dos Requeridos, concluíram a obra acabando de assentar a telha.
9º) A filha da Requerente, no dia 02 de Julho já tinha comunicado ao empreiteiro J.. para que parasse a execução dos trabalhos e não continuasse aquela obra.
10º) No dia 05 de Julho os trabalhadores prosseguiam os trabalhos até ter comparecido no local a GNR.
11º) A beirada poente do prédio dos Requeridos, como aliás todas as outras do mesmo prédio, estava executada em muro, com chapa e empena.
12º) Os Requeridos solicitaram ao empreiteiro J.. que procedesse aos trabalhos necessários a evitar que se verificassem infiltrações de água no prédio, através da parede poente do mesmo, consistindo a obra a executar por aquele no corte do muro referido em 11º), na execução da cornija e na colocação de telha.
Assim definida a matéria de facto e tendo em conta as conclusões da alegação da recorrente, passemos, então a apreciar o objecto do recurso.
Nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Civil: «Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de trinta dias, a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente».
Vemos, assim, que o embargo de obra nova é uma providência cautelar com funções preventivas ou conservatórias, visando estabilizar a situação de facto, até que seja resolvido o litígio na acção principal.
À semelhança do que ocorre com a generalidade dos procedimentos cautelares, é necessário que, ao menos de forma sumária, seja invocada pelo requerente a violação de um direito subjectivo.
Sendo este tipo de providência uma forma de defesa da propriedade, a requerente invocou e provou o seu direito de propriedade e a violação do mesmo, através de obra que lhe causa prejuízo.
A questão que se põe é a de saber se, neste tipo de providência se aplica ou não um dos requisitos do procedimento cautelar comum, qual seja, o da necessidade de o requerente alegar e provar, indiciariamente, o fundado receio de que o seu direito sofrerá lesão grave e de difícil reparação, se não for de imediato tutelado pela providência peticionada.
Quanto a este ponto a doutrina e a jurisprudência encontram-se divididas.
Para uns, o requisito do receio de lesão grave e dificilmente reparável, contemplado no artigo 381.º, n.º 1 do Código de Processo Civil para as providências cautelares não especificadas, não é aplicável às providências especificadas, designadamente ao embargo de obra nova, pois em relação a cada uma das providências especificadas, a lei prevê determinados fundamentos respeitantes ao dano causado ao direito do requerente. «Em particular com referência ao embargo de obra nova, o “prejuízo” confunde-se com a própria violação do direito do requerente e a função essencial da providência é o julgamento antecipado (embora provisório), de modo a evitar-se que aquela violação perdure por período mais ou menos longo» - Acórdão do STJ de 29/06/1999, dgsi.pt, proc. 99A48, citado no Acórdão da Relação do Porto de 14/10/2008, in www.dgsi.pt/jtrp. Neste sentido também Abrantes Geraldes in «temas da Reforma do Processo Civil», IV volume, 4.ª edição revista e actualizada, pág. 258.
É a tese propugnada no recurso pela apelante.
Ou seja, o prejuízo não carece de valoração autónoma, pois de alguma forma já está ínsito na ofensa do direito, consistindo exactamente nessa ofensa, «não sendo necessário alegar a existência de perdas e danos, por o dano ser jurídico. Desde que o facto tem a feição de ilícito, porque contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade, tanto basta para que haja de considerar-se prejudicial para efeitos de embargo de obra nova – cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol 2.º, pág. 63 e sgs., Moitinho de Almeida, Embargo ou Nunciação de Obra Nova, pág 30, Ac. R. C. de 08/01/1991, CJ, 1991, 1.º, 42 e Ac. RE de 29/11/2001, CJ, 2001, 5.º, 253» - Acórdão da Relação do Porto citado que, como se verá, opta pela outra tese.
Para outros a instauração de uma providência cautelar não pode ter como fundamento apenas meros incómodos, ou meras ofensas normativas e formais, mas, antes concretas desvantagens, destruição, diminuição ou desvalor, em suma, um dano ou prejuízo objectivo, efectivo, verdadeiro, real, ‘in natura’, grave, substancial e dificilmente reparável – Cfr. Batista Lopes, in Procedimentos Cautelares, p.141, cit. por A. Geraldes, Temas, 4º, 246 e Acs. da Relação de Évora de 02.12.1982 e 19.04.1990,BMJ, 324º, 637 e 396º,457; Ac. da Relação do Porto de 03-06-2004, dgsi.pt, p.0433091 e da Relação de Coimbra de 02-10-2007,dgsi.pt, p. 554/04 – todos citados no referido Acórdão da Relação do Porto de 14/10/2008.
Vejamos.
Nos termos do artº 392º do CPC: «Com excepção do preceituado no nº2 do artº 387º, as disposições constantes desta secção são aplicáveis aos procedimentos cautelares regulados na secção subsequente, em tudo quanto nela não se encontre especialmente prevenido».
Como já vimos, com as providências cautelares visa-se alcançar uma decisão provisória do litígio, quando ela se mostre necessária para assegurar a utilidade da decisão, ou seja, prevenir as eventuais alterações da situação de facto que tornem ineficaz a sentença a proferir na acção principal, dividindo-se estas, quanto à sua finalidade e efeitos em conservatórias e antecipatórias, sendo que, no que aqui nos interessa, porque estamos perante um embargo de obra nova, deve dizer-se que, nas conservatórias pretende-se apenas acautelar ou garantir o efeito útil da acção principal, assegurando, para tal momento, a subsistência da situação existente quando se despoletou o litígio, não produzindo efeitos irreversíveis na esfera do requerido, nem proporcionando ao requerente uma tutela imediata do seu direito.
Para que as disposições relativas à providência não especificada não se apliquem às demais, em oposição ao estabelecido por aquele artigo 392.º do CPC, importa que o afastamento dos princípios e requisitos concernentes ao procedimento comum seja a solução mais defensável «face aos elementos lógico e teleológico da hermenêutica jurídica, na perspectivação e enquadramento da natureza e finalidades da globalidade dos procedimentos cautelares. E sendo certo que tal génese, natureza, essência e finalidade primordial – assegurar o efeito útil da acção definitiva - de todos as providencias é, senão a mesma, pelo menos idêntica ou similar. Ora entendemos que tal afastamento não se verifica no embargo de obra nova no concreto ponto que nos ocupa. Já que o artº 412º continua a exigir que a ofensa do direito resulte de uma obra, trabalho ou serviço que lhe cause ou possa causar prejuízo. Isto é, não releva uma qualquer ofensa, mas antes a ofensa de que resulte prejuízo. Naturalmente que este prejuízo não pode ser um prejuízo qualquer, quer na vertente qualitativa, quer na quantitativa» - Acórdão da Relação do Porto de 14/10/2008 que temos vindo a citar.
Não basta uma mera lesão jurídica, mas uma real, efectiva e objectiva lesão ‘in natura’, bem como não basta um qualquer despiciendo dano, lesão ou prejuízo, mas antes um prejuízo relevante, irreparável ou de difícil reparação.
Note-se que qualquer providência tem cariz excepcional e apenas pode ser usada em situações de urgência e cabal necessidade, quando a acção de que é dependente não possa, atempadamente, apreciar e tutelar – pelas vias normais e com plena igualdade de armas dos litigantes – o pedido do autor.
Este entendimento sai ainda reforçado se atentarmos, como se refere na decisão sob recurso, no disposto no artº 419º do CPC o qual, já depois de embargada a obra, admite a possibilidade da autorização da sua continuação, a requerimento do embargado, em dois casos: - quando se reconheça que a demolição restituirá o embargante ao estado anterior à continuação;
- quando se apure que o prejuízo resultante da paralisação da obra é muito superior ao que poderá advir da sua continuação. Ou seja, do embargo de obra emerge um conflito de interesses traduzido no interesse do dono da obra na sua continuação e no interesse do embargante na sua suspensão. E no confronto entre os dois prejuízos - o resultante da suspensão da obra e o resultante da continuação -, isto é, entre as vantagens emergentes da providência e os prejuízos que dela podem advir para o embargado, deve prevalecer o interesse mais valioso.
Tanto assim que se se concluir que o prejuízo do requerido é mais relevante, deve ser-lhe permitida a continuação da obra, desde que preste caução.
Este preceito – artº 419º - e não obstante a não aplicação do nº2 do artº 387º aos procedimentos especificados imposta pelo artº 392º nº1, consubstancia-se, como uma excepção a esta excepção, ou seja – e no que ao embargo de obra nova concerne – como uma repristinação deste segmento normativo, posto que condicionado á prestação de caução. «Ora se a aferição da magnitude do prejuízo dos litigantes releva nesta fase já avançada do processo, mal se compreenderia que ela não tivesse qualquer relevância logo no seu início, quanto mais não seja para se fazer uma triagem relativamente aos casos em que são alegados danos cuja irrelevância ou minudência não justifique este procedimento excepcional e urgente, indeferindo-se os mesmos liminarmente e, assim, se ganhando em termos de racionalização dos meios e da sua adstrição ao julgamento daqueloutros que efectivamente clamam aquela urgência» - Acórdão da Relação do Porto de 14/10/2008 in www.dgsi.pt/jtrp.
Por outro lado, conforme refere Abrantes Geraldes, in «Temas da Reforma do Processo Civil», IV volume, 4.ª edição revista e actualizada, pág. 256: «Tem sido entendimento jurisprudencial restringir o embargo às obras relevantes, excluindo as obras meramente secundárias, os acabamentos ou o aproveitamento de obras anteriores. A “novidade” que entra na qualificação do procedimento implica que apenas possam ser embargadas obras que impliquem uma modificação substancial da coisa, excluindo as que se traduzam em meras modificações superficiais ou na mera reconstrução de uma situação preexistente».
Desde logo se poderia dizer que a obra aqui em causa, também por este motivo, não seria susceptível de ser embargada pois, ela era preexistente, sob uma outra forma, mas também já deitava por cima do imóvel da requerente – espaço aéreo – conforme se pode ver nas fotografias juntas aos autos. O que acontece é que a beirada estava executada em muro, com chapa e empena e, após a obra aqui em causa, foi cortado esse muro, executada a cornija e colocada telha, o que fez com que a beirada ficasse um pouco mais sobre o referido espaço aéreo, sendo certo que já anteriormente ocupava parte dele – veja-se o depoimento da filha da requerente. Ou seja, nesta obra não há qualquer modificação substancial da coisa, há apenas uma reconstrução de uma situação preexistente com um diferente tipo de acabamento que pretende prevenir a infiltração de águas no prédio dos requeridos.
Do que fica dito resulta que bem andou a Mma. Juíza ao considerar que não ficou demonstrada nos autos uma situação de lesão da requerente irreparável ou de muito difícil reparação, não resultando da ofensa ao seu direito de propriedade um prejuízo relevante que justifique o recurso a um procedimento cautelar, que deve, na medida do possível, conciliar o interesse da celeridade com o da ponderação e nunca devendo ser o substituto da acção comum, apenas como uma forma rápida de realização dos interesses dos requerentes.
Improcedem, portanto, as conclusões da alegação da apelante, ainda que parte delas se limite a reproduzir o que sobre esta matéria pensa o autor Abrantes Geraldes que, como já vimos, não é concordante, na generalidade, com o entendimento que aqui sufragamos.
Um outro critério é ainda justificativo da opção tomada.
Extrai-se do teor do artigo 412.º, n.º 1 do CPC (da expressão “suspensão”) que esta providência se limita ao embargo de obras ou trabalhos que não se mostrem ainda concluídos nos seus aspectos fundamentais. Caso contrário a providência perderia toda a utilidade, não exercendo, como deveria, a função preventiva que a lei lhe reserva.
Ora, de acordo com o ensinamento de Abrantes Geraldes, na obra citada, pág. 256: «O momento que releva para efeitos da verificação da conclusão da obra não será o da apreciação judicial do pedido de embargo ou do pedido de ratificação de embargo extrajudicial, mas antes aquele em que é apresentado o requerimento inicial».
Como vimos, à data de apresentação do requerimento inicial, a obra estava concluída, pelo que a providência solicitada não teria qualquer utilidade, sendo certo, como já supra se deixou consignado, que não pode substituir-se à acção principal. De qualquer forma, a eventual demora na decisão da acção a propor não poderá trazer lesão ao direito de propriedade da requerente diferente daquela que já ocorreu, uma vez que a lesão se encontra consumada e aquilo que posteriormente poderá ocorrer mais não é do que a manutenção da mesma situação. Não se trata de lesões futuras mas meros efeitos futuros de lesões já consumadas.
Para terminar, e em conclusão, dir-se-á que a instauração de uma providência cautelar não pode ter como fundamento meros incómodos, mas sim um verdadeiro, grave e dificilmente reparável prejuízo. Como bem se refere no Acórdão da Relação do Porto de 03/06/2004, in www.dgsi.pt/jtrp: «O “incómodo” deverá ser de um tal significado que, se não prevenido ou eliminado, possa obliterar o próprio direito a defender na acção definitiva, tornando esta inútil».
Claramente que não era o caso dos autos, pelo que será de manter a decisão recorrida, improcedendo as conclusões do recurso da apelante.
Sumário:
1. A instauração de uma providência cautelar não pode ter como fundamento apenas meros incómodos, ou meras ofensas normativas e formais, mas, antes concretas desvantagens, destruição, diminuição ou desvalor, em suma, um dano ou prejuízo objectivo, efectivo, verdadeiro, real, ‘in natura’, grave, substancial e dificilmente reparável.
2. No embargo de obra nova exige-se que a ofensa do direito resulte de uma obra, trabalho ou serviço que lhe cause ou possa causar prejuízo, sendo que este prejuízo não pode ser um prejuízo qualquer, quer na vertente qualitativa, quer na quantitativa.
3. Apenas podem ser embargadas obras que impliquem uma modificação substancial da coisa, excluindo as que se traduzam em meras modificações superficiais, acabamentos, ou na mera reconstrução de uma situação preexistente.
III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
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Guimarães, 1 de Fevereiro de 2011
Ana Cristina Duarte
Maria Rosa Tching
Espinheira Baltar