CONTRATO DE SEGURO
CONDIÇÕES GERAIS DO CONTRATO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVERES DE COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário


I - Num contrato de seguro, enquanto contrato de adesão, cabe ao destinatário da cláusula que pretende afastá-la, ou a quem beneficia desse afastamento, o ónus de alegação, competindo ao predisponente, face a tal alegação, alegar e provar o efectivo cumprimento dos deveres de comunicação e informação.

II - O conhecimento imperfeito do conteúdo do contrato, facto subjectivo de averiguação difícil, ocorre frequentemente nos contratos deste tipo, mas não é fenómeno que só neles ocorra. Por isso, não deve aceitar-se a modalidade da tese contratualista que restringe o acordo às condições particulares, dando como não vinculativas para o aderente as condições gerais.

III - Uma invalidez total e permanente refere-se, segundo um declaratário normal, a um estado de incapacidade para todo e qualquer trabalho e para o resto da vida.

Texto Integral


Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

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1 RELATÓRIO

Nos presentes autos (1), C. H., com domicílio no Ed. … Chaves, instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra COMPANHIA DE SEGUROS A, S.A., com sede no Largo de … Lisboa e BANCO A, S.A., com sede na Avenida … Lisboa, deduzindo a final os seguintes pedidos:

a) Que seja considerado válido e em vigor o contrato que o autor celebrou com a ré “Companhia de Seguros A”, por intermédio e, em consequência da sua adesão ao seguro de grupo, que aquela seguradora havia celebrado com a ré Banco A, e de que esta era tomadora e beneficiária, adesão essa que foi certificada pela mencionada ré Companhia de Seguros A, que lhe deu o número … e a que se reporta a apólice nº ….
b) Que o acidente de viação, de que o autor foi vítima, em 07 de Março de 2011, do qual lhe resultaram lesões, que lhe causaram uma incapacidade permanente global de 63%, conforme avaliação feita por Junta Médica, de acordo com a TNI, seja considerado risco coberto pelo referido contrato de seguro, e, consequentemente, que ao autor seja considerada a garantia complementar, referida na al. c) do nº 1. do art. 3º das condições particulares da apólice nº … , correspondente a cem por cento do capital seguro, que, a essa data, o autor, ainda, devia à ré Banco A, na decorrência do empréstimo, no âmbito do crédito à habitação, reportado no clausulado da acção, no valor de € 90.904,27.
c) Que, por via do contratado, seja a ré Companhia de Seguros A condenada a pagar à ré Banco A o valor de € 90.904,27 (noventa mil novecentos e quatro euros e vinte e sete cêntimos) correspondente ao capital, que, em 07 de Março de 2011, data, em que foi vítima de acidente danoso, o autor devia à ré Banco A, na decorrência do empréstimo, que lhe foi feito no âmbito do crédito à habitação, reportado no clausulado da acção.
d) Que, em razão do contratado, seja a ré Companhia de Seguros A condenada a pagar à ré Banco A e, em simultâneo, esta seja condenada a restituir ao A. o valor das prestações e outros pagamentos ou encargos, que deste recebeu, indevidamente, relacionados com o crédito à habitação, que lhe foi concedido a partir do dia 07/03/2011 (data do acidente), que, até ao momento, soma a quantia de € 10.633,87 (dez mil seiscentos e trinta e três euros e oitenta e sete cêntimos), a que devem acrescer juros, à taxa legal.
e) Que a ré Companhia de Seguros A seja condenada a pagar à ré Banco A e, em simultâneo, esta seja condenada a restituir ao A. o valor das prestações e outros encargos, que o autor venha a pagar-lhe, em função e no âmbito do crédito à habitação, que lhe foi concedido, desde a citação para esta acção, até efectivo embolso, acrescido de juros, à taxa legal.
f) Que a ré Banco A seja, directamente, condenada a pagar ao autor, o que este pede nas alíneas anteriores, na hipótese de absolvição da ré Companhia de Seguros A, em razão de vingar ou proceder, eventualmente, uma interpretação contratual, invocada por esta, diferente daquela, que consta dos documentos, referidos no texto, e que, porventura, seja decorrente de falta de elucidação e esclarecimento, devidos ao autor, à data da contratação, ou posteriormente.
g) Que as rés sejam condenadas, solidariamente, no pagamento das custas e encargos processuais, a que esta demanda vai dar causa.
Alega, sinteticamente, que:
(i) No dia 18 de Setembro de 2003, o autor e sua mulher, I. H., outorgaram em escritura de compra e venda, na qual declararam comprar à firma “Empresa A-Sociedade de Empreendimentos da Região, SA”, que, ali, declarou vender-lhes uma fracção autónoma, destinada a habitação dos adquirentes, designada pelas letras BW;
(ii) No mesmo acto, o autor e sua mulher celebraram, ainda, com a ré Banco A, S.A., um contrato de mútuo ou empréstimo, em que, esta declarou mutuar ou emprestar àqueles, com destino à compra do referido imóvel, a quantia de cem mil euros;
(iii) E, por intermediação da mesma ré Banco A, o autor, em 02 de Setembro de 2009, subscreveu um boletim/proposta de adesão ao seguro vida grupo, que aquela instituição estabelecera com a ré Companhia de Seguros A, e de que era tomadora e beneficiária;
(iv) No dia 07 de Março de 2011, o veículo automóvel, em que o autor seguia, foi embatido na parte traseira por uma outra viatura;
(v) Do referido acidente resultaram para o autor várias lesões, designadamente, entorse cervical e lombar com limitação funcional acentuada da coluna cervical e parestesias dos membros superiores; feita RMN, verificou-se a existência de hérnias cervicais com compressão medular;
(vi) Em resultado da avaliação feita pela referida Junta Médica foi arbitrada ao autor uma incapacidade permanente global de 63%.

A ré Companhia de Seguros A deduziu contestação, invocando, sumariamente, que a incapacidade apresentada pelo Autor não está abrangida pelo seguro e que não lhe pode ser imputável qualquer responsabilidade pela pretensa falta de informação que deveria ter sido fornecida por outrem.
Concluiu, propugnando a improcedência da acção.

A ré BANCO A aduziu contestação, referenciando que cumpriu o dever de informação das cláusulas do seguro e impugnando a factualidade referente ao sinistro.
Concluiu, advogando a improcedência da acção.

No despacho saneador foi fixado o objecto do litígio e os temas de prova.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do pertinente formalismo legal.

No final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente decidiu:
A) Declarar a validade do contrato de seguro celebrado entre as Rés COMPANHIA DE SEGUROS A, S.A. e BANCO A, S.A. com referência à apólice nº 5.001…., bem como da adesão ao mesmo do Autor C. H.;
B) Absolver as Rés COMPANHIA DE SEGUROS A, S.A. e BANCO A, S.A. do demais peticionado;
C) Condenar o Autor C. H. no pagamento das custas processuais.
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Inconformado com essa sentença, apresentou o A. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

Quanto à matéria de facto
1. A percentagem de incapacidade total e permanente, a atribuir ao autor é de 63%, pois, foi esta a determinada nos termos do anexo I da Tabela Nacional de Incapacidades, como resulta do atestado médico de incapacidade multiuso, inserto, a fls.38, devendo, assim, ser alterada a resposta constante do ponto 12. dos factos provados, onde se refere que o autor apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 56 pontos, já que, esta percentagem resultou de uma arbitragem ou perícia médico-legal, atribuída de acordo com o anexo II da referida TNI, a qual só é aplicável nas situações, em que estão em causa danos, para efeitos de indemnização, em termos de direito civil.
2. Aliás, é a própria ré seguradora Companhia de Seguros A (cfr. fls. 60 – condições gerais seguro grupo vida- ponto 2.2 c2) in fine), que refere, exclusivamente, que o documento médico exigível para prova da incapacidade relevante é o “atestado médico de incapacidade multiuso”, o que foi confirmado na carta, que aquela ré endereçou ao autor, junta a fls. 41.

Quanto ao direito

Tendo sido dado como provado:
a. Que, por intermediação da ré Banco A, o autor, em 02 de Setembro de 2003, subscreveu um boletim/proposta de adesão ao seguro vida grupo, que aquela instituição estabelecera com a ré Companhia de Seguros A, e de que era tomadora e beneficiária (cfr. doc. de fls. 29) (pontos 5 e 6. dos factos assentes).
b. Que o referido boletim de adesão, apresentado ao autor (fls. 29), é um texto pré-impresso, ou pré-formatado, no qual, sob a rubrica “Declarações”, imediatamente, antes da assinatura do autor, pode ler-se “Declaro que tomei conhecimento das informações pré-contratuais que constam da Nota Informativa que me foi entregue”.
c. Afirmando-se na douta sentença, de forma enfática “que, no momento da subscrição pelo Autor do boletim de adesão foi entregue ao mesmo um texto encimado pelo logotipo da ré Companhia de Seguros A com a epígrafe “Seguro de Vida Crédito Habitação Clientes – Nota Informativa”, o qual, enunciava, nomeadamente, que “Invalidez Total e Permanente por Acidente (grau > 50%) - Considera-se que uma pessoa segura se encontra numa situação de invalidez Total e Permanente se, em consequência de acidente, apresentar uma incapacidade, clinicamente constatada e sobrevinda nos dois anos imediatamente posteriores à data do acidente, de grau igual ou superior a 50%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes”.
d. Reconhecendo o Meritíssimo Juiz, ao fundamentar a sua decisão que “…constatou-se que as Rés não comunicaram ao Autor as condições gerais descritas em 1), dever que incumbia ao BANCO A, nos termos vertidos no art. 4.º, do DL 176/95, de 26 de Junho (vigente à data da celebração do seguro) e no art.º 78.º/1 e 2, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro…” (sic).
e. Aceitando o Senhor Juiz que, “em matéria de interpretação dos contratos de seguro, aplicam-se os parâmetros vertidos no Código Civil, i.e., a doutrina da impressão do destinatário contemplada no art.º 236.º/1, do Código Civil, em função do tomador médio, sem especiais conhecimentos técnicos relativos a seguros (vd. António Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, 2.ª edição, Almedina, p. 487 e ss.).
f. Estando assente, por fim (nº 17. dos factos provados) que as Rés Companhia de Seguros A e Banco A não conseguiram fazer prova de que, no circunstancialismo mencionado em 5) e 6), entregaram/remeteram ao Autor as condições gerais elencadas em 2).
g. Não havendo dúvidas de que o autor padece, em consequência de acidente de viação, de uma incapacidade total e permanente, no mínimo de 56%, mas, na verdade, de 63%, em termos de anexo I da TNI.
Há que extrair as seguintes conclusões:
3. As cláusulas do contrato de seguro, a que o autor aderiu, porque foram elaboradas sem prévia negociação, limitando-se ele a subscrever e aceitar as que as rés lhe propuseram, são, regidas pelo DL 446/85, de 25/10 (art. 1º).
4. Nos termos dos arts. 5.º a 7.º daquela LCCG, e de acordo com o princípio da boa fé contratual consagrado no art. 227.º do Código Civil, o contratante que recorra à cláusulas gerais deve comunicá-las, de forma integral à outra parte e prestar informação sobre aspectos obscuros nelas compreendidos.
5. No caso concreto, as rés não informaram o autor de que o conceito de invalidez permanente, constante da nota informativa, de fls. 32 e das condições particulares, de fls. 35, para ser risco coberto e garantido pela apólice, implicava que, para além da incapacidade permanente igual ou superior a 50%, ali clausulada, ainda, e acrescidamente, lhe era exigido ficar completa e definitivamente incapacitado de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões, como constava da definição desse conceito nas condições gerais, que não lhe foram dadas a conhecer, a não ser em data posterior ao sinistro.
6. A nossa lei (art. 236º do C. Civil) consagra a teoria da impressão do destinatário.
7. O declarante responde pelo sentido que a outra parte, neste caso, o autor, deu ao conceito de invalidez total e permanente, que lhe foi transmitido pelo único documento (fls. 32), que por aquele lhe foi entregue no momento em que aderiu ao seguro. (Neste sentido, cfr. Revista nº 1846/08, de 10/07/2008 e Acs. dessa Veneranda Relação de Guimarães nº 2045/08.3TBFAF.G1, de 03/0//2014 e nº 17/13.5TCGMR.G1, de 15/09/2014).
8. Como o autor não foi esclarecido, nem lhe foi comunicado, em tempo oportuno, que o conceito de incapacidade total e permanente, (de que as rés querem fazer uso nesta acção) não era o constante da referida nota informativa, de fls. 32, nem o constante das condições particulares, de fls. 35, mas, antes, o constante das condições gerais, que limitavam aqueloutro, através de exigências não contidas na definição que desse conceito foi dada ao autor, nos únicos documentos, que lhe foram entregues, à data da adesão, a definição de incapacidade total e permanente, constante das condições contratuais gerais considera-se excluída da aplicação ao contrato celebrado com o autor, nos termos do disposto no art. 8.º, al. a)do citado DL 446/85, de 25/10.
9. Ao aplicar, no caso concreto, o conceito de incapacidade total e permanente, ínsito nas condições contratuais gerais, em vez de se servir desse conceito, tal como definido, expressamente, no único documento, que foi dado ao autor na data da sua adesão, que é a nota informativa, de fls. 32, na qual se lê que “considera que uma pessoa segura se encontra numa situação de invalidez Total e Permanente se, em consequência de acidente, apresentar uma incapacidade, clinicamente constatada e sobrevinda nos dois anos imediatamente posteriores à data do acidente, de grau igual ou superior a 50%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades”, o Meritíssimo Juiz não fez boa aplicação da lei, pois, levou em consideração uma cláusula, que por não ter sido comunicada ao autor, deve ter-se por excluída.
10. No decurso desta acção, a ré seguradora enviou ao autor o doc., de fls. 120, que é o certificado da renovação contratual. Ao lê-lo, o autor verificou que a ré seguradora alterou a redacção das garantias da apólice que com aquela contratara, contrariando, dessa feita, o conteúdo dos certificados de renovação dos anos anteriores, de que juntou cópia da mais recente, a fls. 33.; com efeito,
11. Na rubrica “garantias da apólice” desse novo certificado (fls. 120), a ré substituiu os dizeres do anterior certificado de renovação contratual, de tal modo que, onde, anteriormente se referia a cobertura do risco “invalidez total e permanente” passou a referir-se cobertura do risco “invalidez definitiva para a profissão ou actividade compatível por acidente”.
12. Na anotação, que fez à nova forma de dizer as coberturas abrangidas pela apólice, a ré Companhia de Seguros A, nesse mesmo documento de fls. 120 esclareceu que “Esta cobertura (a saber: invalidez definitiva para a profissão ou actividade compatível por acidente) corresponde à anteriormente designada por Invalidez Total e Permanente”, acrescentando, porém “Esta nova designação é mais clara e transparente…”
13. É uma confissão documental de que à definição de invalidez total e permanente faltava clareza e transparência.
14. O ónus dessa incerteza, dessa falta de clareza, dessa falta de transparência recai, necessariamente, sobre a declarante ré Companhia de Seguros A.
15. É que as cláusulas predispostas em contratos de adesão ou em condições contratuais gerais devem ser interpretadas de acordo com a regra que estabelece que, havendo dúvidas, imprecisões ou ambiguidades no conteúdo de um negócio jurídico, deve-se interpretar as suas cláusulas do modo mais favorável ao aderente. Esta regra impõe que, na dúvida, a interpretação será contrária aos interesses do predisponente, de acordo com o princípio ou brocardo latino: “interpretatio contra stipulatorem ou da interpretatio contra proferentem”.
16. Na sentença recorrida não se levou em conta essa regra interpretativa.
17. Foi dado como assente no ponto 3. dos factos, que o Tribunal considerou provados que nas condições particulares do seguro, a que o autor aderiu consta o seguinte:
Considera-se inválido a Pessoa Segura que apresente um grau de desvalorização igual ou superior a 50%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes”.
18. O referido sobre o conceito de invalidez total e permanente nas condições particulares não é coincidente com a definição, que, desse conceito é dado nas condições gerais da apólice, já que, esta é mais limitativa, porquanto, cumulativamente, exige-se, nestas últimas, para a cobertura do risco por acidente, que o segurado não possa exercer qualquer actividade remunerada.
19. As cláusulas particulares, especificamente acordadas, prevalecem sobre as cláusulas contratuais gerais, tal como resulta do disposto nos arts. 7º e 11º do DL nº 446/85, de 25/10, (cfr. Revista nº 2636/07, de 4/10/2007 e 08B1846 STJ, de 10/07/2008) e STJ 1653/05.9TJNF.P1.S1, de 20/10/2011 e Revista nº 1846/08, de 10/07/2008).
20. Ao aplicar as cláusulas das condições gerais, em detrimento das particulares, o meritíssimo Juiz não agiu correctamente.
21. Está provado que à data da adesão ao contrato de seguro vida, ao autor só foi entregue a nota informativa, de fls. 32, da qual consta uma definição de invalidez total e permanente, coincidente com a que consta nas condições particulares, de fls 35.
22. Estando provado, como está, que as rés nunca comunicaram ou deram a conhecer ao autor o texto das condições gerais da apólice, onde a definição de invalidez total e permanente incluía exigências não contidas nas definições que, desse mesmo conceito era dada na Nota Informativa, de fls. 32, (único documento entregue ao autor na data da adesão ao seguro de grupo) de acordo com a norma constante do art. 236º do C. Civil, a declaração há-de valer com o sentido que um normal declaratário retira do texto entregue ao autor, onde, sem equívoco, o risco contratado seria coberto pela seguradora, desde que o aderente, com menos de 65 anos, sofresse um acidente, de que lhe resultasse uma incapacidade total e permanente igual ou superior a 50%.
23. Estando provado que o autor, com idade inferior a 65 anos, sofre de uma incapacidade permanente global, em consequência de acidente de viação, que, de acordo com o atestado médico de incapacidade multiuso, de fls. 38, atinge o grau de 63%, a sua situação cabe, encaixa e subsume-se, de pleno, no clausulado, a que aderiu, constante do documento, de fls. 32 (Nota Informativa) para que remeteu o boletim de adesão, de fls. 29, onde, sem equívoco, sob a rubrica “declarações”, o autor subscreveu “Declaro que tomei conhecimento das informações pré-contratuais que constam da Nota Informativa que me foi entregue”.
24. E, nesta “Nota Informativa” definiu-se o que as partes deviam entender por Invalidez total e permanente por acidente, a saber: “Considera-se que uma Pessoa Segura se encontra numa situação de invalidez Total e Permanente se, em consequência de acidente, apresentar uma incapacidade, clinicamente constatada e sobrevinda nos dois anos imediatamente posteriores à data do acidente, de grau igual ou superior a 50%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades
25. Sem mais!
26. Razão por que o autor entende, com o devido respeito, que a douta sentença recorrida é, por todo o supra- exposto, juridicamente inaceitável.
27. Razão, ainda, pela qual o recorrente se sente, profundamente, injustiçado.
28. Razão, finalmente, porque o recorrente pede que aquela sentença seja revogada por essa Veneranda Relação e substituída por douto acórdão, que, dando provimento a este recurso, declare procedentes os pedidos que formulou na sua petição inicial, acontecendo, deste modo, e fazendo-se, como, aqui se pede, JUSTIÇA!
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Notificada do recurso apresentado pelo A., a R. COMPANHIA DE SEGUROS A, S.A. veio apresentar a sua resposta à motivação, que se encontra finalizada com a apresentação das seguintes conclusões:

1ª- A douta sentença recorrida não enferma dos erros que o recorrente lhe imputa, pelo que o presente recurso não reúne os pressupostos, quer de facto, quer de direito, para a sua procedência.
2ª- O recorrente restringe o objecto do seu recurso à aplicação do direito aos factos provados, contudo, salvo o devido respeito, o recorrente parte de pressupostos errados, pois fundamenta o seu recurso em factos que não constam como provados, sendo certo que não coloca em crise a matéria de facto, apenas se insurgindo quanto ao grau de incapacidade parcial permanente, que entende ser de 63%.
3ª- Salvo o devido respeito e ao contrário do alegado pelo Autor, não está assente e provado que, nem então, nem posteriormente, ao autor foram dadas a conhecer ou explicadas pelas RR, as cláusulas daquelas condições gerais, na parte em que contrariavam, complementavam ou explicitavam, as únicas, que considera ter contratado.
4ª- Por outro lado faz todo o sentido exigir que para accionar a cobertura de invalidez exigir sofrer de uma incapacidade superior a 63% e simultaneamente estar impossibilitado de exercer a sua actividade profissional ou outra actividade compatível remunerada, pois caso contrário a invalidez nem é total, nem é impeditiva, nem é definitiva.
5ª- Quanto ao ponto da matéria de facto e relativo ao grau de invalidez, como resulta dos factos provados sob o ponto 2. al. c), não é em função do atestado multiusos, mas tem que ser reconhecida por junta médica, e sendo o autor agente da PSP não está submetido ao regime geral da segurança social, mas antes ao Serviço de Assistência e Doença (SAD) da PSP, e não tendo sido submetido a junta médica, e por isso a certificação da incapacidade teve ser efectuada por exame médico-legal.
6ª- E não há qualquer incompatibilidade entre 63% de acordo com a TNI para Acidentes de Trabalho, e 56 pontos de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, que é obtido em função da Tabela de avaliação em direito civil, e mesmo sendo submetido a junta médica, nada impede de a Ré, ou o autor, em sede judicial de requerer exame pericial para certificar a sua incapacidade, pois que os meios de prova em sede judicial não podem ser preteridos por outros meios extrajudiciais de prova.
7ª- Salvo o devido respeito, não resultou provado que as RR não cumpriram o dever de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais, pois o que resultou não provado conforme consta do ponto 17 foi:
“As rés Companhia de Seguros A e Banco A, no circunstancialismo mencionado em 5) e 6) entregaram / remeteram ao autor as condições gerais elencadas em 2) ”.
8ª- Não se provar que entregaram ou remeteram naquele circunstancialismo concreto – aquando da subscrição do certificado de adesão – não significa, não pode significar o seu contrário, que não remeteram e muito menos que não cumpriram, o dever de comunicação e informação.
9ª- O dever de comunicação e informação há-de aferir caso, em função da complexidade do contrato, das circunstâncias objectivas e subjectivas em que é celebrado e das pessoas que nele intervém.
10ª- In casu, o conteúdo do contrato a que o autor aderiu é susceptível de apreensão por um homem médio, mormente quanto à configuração dos direitos e obrigações que dele resultam e às respectivas coberturas e exclusões.
11ª- Ao autor quando subscreveu o boletim de adesão, foram prestadas as explicações solicitadas pelo autor e foram-lhe disponibilizadas as informações pré contratuais, sendo o Autor agente da PSP e como tal com uma cultura acima da média, e a esposa que sempre acompanhou todos os passos e actos da celebração do contrato de seguro, a mesma é mediadora de seguros, pelo que pessoa com conhecimentos técnicos profundos e completos do teor dos contratos, coberturas, garantias e exclusões.
12ª- Não resulta dos factos provados e não provados que o autor tenha solicitado qualquer pedido de esclarecimento sobre o clausulado contratual e que tal pretensão lhe tenha sido negada.
13ª- Pelo exposto, e perante todo este circunstancialismo, entende-se que a ré BANCO A cumpriu os deveres de comunicação e de informação que se lhe impunham na situação concreta, pelo que não é de fazer intervir a sanção prevista nas alíneas a) e b) do artigo 8.º do Decreto- Lei n.º 446/85, de 21 de Outubro.
14ª- É deturpada e abusiva a consideração do autor extraída do teor dos certificados de renovação enviados em 2016 à generalidade das pessoas, pois não implica reconhecimento da falta de clareza e transparência do conceito de invalidez total e permanente, pois pretendeu-se apenas clarificar o âmbito das coberturas logo no nome não alterando em nada, rigorosamente nada, nos seus requisitos.
15ª- No caso dos autos não há que avaliar a prevalência das condições particulares sobre as condições gerais do contrato, pois tal questão só se coloca quando há contradição ou incompatibilidade, o que manifestamente não é o caso, pois que apenas há complementaridade.
16- As condições gerais são aplicadas à generalidade de todos os contratos do mesmo tipo ou ramo, in casu ramo vida, servindo as condições particulares apenas e só para identificar o objecto seguro, as pessoas seguras, os riscos cobertos, o capital seguro, os beneficiários, início e duração do contrato, que são elementos que não constam das condições gerais.
Termos em que, e nos mais e melhores de direito que V. Exªs doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida, e, assim, se fará inteira J U S T I Ç A.
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Notificada do recurso apresentado pelo A., também a R. BANCO A, S.A. veio apresentar as suas contra-alegações à motivação, que se encontram finalizadas com a apresentação das seguintes conclusões:

1. O Autor C. H. veio interpor recurso de apelação da Douta Sentença que julgou parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, declarou a validade do contrato de seguro com referência à apólice n.º …. e absolveu as Rés Companhia de Seguros A, S.A. e Banco A, S.A. do demais peticionado.
2. Salvo o devido respeito, que é muito, entende a Ré Banco A, S.A. que o recurso interposto pelo Autor C. H. carece de fundamento, porquanto o Tribunal a quo, no que diz respeito às questões suscitadas pelo Autor no seu recurso, decidiu corretamente a matéria de facto e de direito sujeita a apreciação na audiência de discussão e julgamento.
3. O Autor C. H. impugna o ponto 12 da matéria de facto assente, considerando que, para os fins da presente ação, deve ser atribuída uma percentagem de incapacidade permanente de 63% conforme resulta do ponto 11 da matéria de facto assente.
4. Somos do entendimento que não se verifica qualquer contrariedade entre a incapacidade permanente global de 63% fixada pela Junta Médica do Ministério da Saúde e o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 56 pontos pelo Gabinete Médico-Legal e Forense do Douro.
5. Estamos perante dois meios probatórios distintos, nomeadamente, prova documental referente à Junta Médica do Ministério da Saúde e, por outro lado, prova pericial realizada no Gabinete Médico-Legal e Forense do Douro. Considerando que estamos perante duas provas distintas, o Douto Tribunal a quo atendeu a ambas, não tendo qualquer fundamento para preterir uma delas em função da outra.
6. Não existem fundamentos para que o Douto Tribunal a quo dê preferência ao meio de prova consubstanciado na Junta Médica sobre o relatório pericial produzido nos autos.
7. O perito é um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação, sendo que o juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador. O julgador considera-se como que amarrado ao juízo pericial, pelo que, sempre que dele divergir, deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.
8. Pelo exposto, estamos em crer que não existem fundamentos para que o ponto 12 da matéria de facto assente seja eliminado, considerando que o mesmo resulta da prova pericial produzida nos presentes autos.
9. O Autor C. H. apenas questionou, nas suas alegações de recurso, o ponto 12 da matéria de facto assente, tendo aceitado a demais factualidade dada como provada e como não provada para efeitos de aplicação do direito.
10. Nos presentes autos não foi dado como facto provado e assente que as Rés Companhia de Seguros A SA e a Banco A, S.A. não cumpriram o dever de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais referentes ao contrato de seguro.
11. Ao contrário do que resulta das alegações apresentadas pelo Autor C. H., não se encontra provado e assente nos autos que não tenham sido explicadas as cláusulas constantes das condições gerais do contrato de seguro.
12. Como facto não provado apenas resultou que “as Rés Companhia de Seguros A e Banco A, no circunstancialismo mencionado em 5) e 6), entregaram/remeteram ao Autor as condições gerais elencadas em 2).”
13. O facto de não se ter provado nos autos que as Rés Companhia de Seguros A SA e Banco A, SA tenham procedido à entrega ao Autor das condições gerais do contrato de seguro, não significa consequentemente que não tenham cumprido o dever de informação e comunicação das respetivas cláusulas.
14. O Autor C. H. não impugnou a matéria de facto, nomeadamente, quanto à falta de referência na matéria assente do alegado incumprimento do dever de comunicação e explicação das condições gerais do contrato de seguro.
15. Da matéria provada e assente nos autos, não se retira que, no caso concreto, as Rés não informaram o Autor do conceito de invalidez permanente constante das condições gerais, ou seja, que exigia, para além da situação de incapacidade permanente igual ou superior a 50%, a impossibilidade de exercício da sua profissão ou qualquer outra atividade remunerada compatível.
16. Conforme resulta da Douta Sentença ora em crise, o conceito de invalidez total e permanente decorre das condições gerais e particulares do contrato de seguro em causa, o qual exige o preenchimento cumulativo das seguintes condições: 1. A pessoa segura fique completa e definitivamente incapacitada de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões; 2. Corresponda a um grau de desvalorização igual ou superior a percentagem definida em Condições Particulares, ou seja, de 50%; 3. Seja reconhecida previamente pela Instituição de Segurança Social pela qual a pessoa segura se encontra abrangida ou pelo Tribunal de Trabalho ou, caso a Pessoa Segura não se encontre abrangida por nenhum regime ou Instituição de Segurança Social, por Junta Médica.
17. Conforme resulta do ponto 11.º dos factos dados como provados, em consequência de acidente e respetivas sequelas, o Autor C. H. ficou, desde 7 de fevereiro de 2014, com uma incapacidade permanente global de 63% atribuída por Junta Médica do Ministério da Saúde. Com efeito, ficou demonstrado nos autos que o Autor C. H., enquanto pessoa segura, ficou incapacitado com um grau de desvalorização de 63%, ou seja, superior ao exigido contratualmente de 50%.
18. Resulta do ponto 15.º dos factos dados como provados que a referida incapacidade é compatível com o exercício de profissão uma vez que o Autor se encontra atualmente a exercer funções nos serviços administrativos da PSP.
19. No caso em apreço, mostra-se comprovado que não se encontram preenchidos todos os pressupostos do conceito de incapacidade total e permanente.
20. Se a pessoa segura, não obstante o grau de desvalorização, consegue exercer uma profissão remunerada, consequentemente consegue proceder ao pagamento do capital seguro, não se verificando quaisquer motivos para o acionamento do seguro.
21. Por todo o exposto, não se pode considerar que a sentença recorrida enferme de qualquer vício, nomeadamente, quanto às respetivas consequências jurídicas, uma vez que não se provou qualquer falta de cumprimento pelas Rés do dever de comunicação e informação das clausulas contratuais gerais.
22. Por outro lado, o Autor C. H. entende que na sentença recorrida não se retiraram as consequências devidas do facto provado do reconhecimento e confissão pela Ré Seguradora da falta de clareza e transparência do conceito de invalidez total e permanente.
23. Salvo o devido respeito, em nosso entendimento, a Douta Sentença ora recorrida não enferma de qualquer vício porquanto não se vislumbra qualquer comportamento insidioso por parte da Ré Companhia de Seguros A S.A.
24. Parece-nos que a nova designação “Invalidez definitiva para a profissão ou actividade compatível por acidente” não se trata mais do que isso mesmo, ou seja, de uma alteração da designação. No entanto, os requisitos do conceito de invalidez definitiva mantêm-se precisamente os mesmos.
25. Em nosso entendimento, não se retira da alteração de designação qualquer confissão por parte da Ré Companhia de Seguros A, S.A. da falta de clareza e transparência do conceito de invalidez total e permanente. Nesta parte, deverá improceder do mesmo modo o recurso interposto pelo Autor C. H..
26. O Autor C. H. invoca que a sentença recorrida não teve em consideração a prevalência das cláusulas do contrato singular e as das condições particulares sobre as constantes nas condições gerais.
27. Na Nota Informativa define-se invalidez total e permanente da seguinte forma: “Considera-se que uma pessoa segura se encontra em situação de invalidez total e permanente se, em consequência de acidente, apresentar uma incapacidade, clinicamente constatada e sobrevinda nos dois anos imediatamente posteriores à data do acidente, de grau igual ou superior a 50%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades” (Facto Assente em 6).
28. Nas condições particulares “considera-se inválida a Pessoa Segura que apresente um grau de desvalorização igual ou superior a 50%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes.” (Facto Assente em 3).
29. Por sua vez, as condições gerais do contrato de seguro define a invalidez total e permanente como “a limitação funcional permanente e sem possibilidade clinica de melhoria em que, cumulativamente, estejam preenchidos os seguintes requisitos: a) a pessoa segura fique completa e definitivamente incapacitada de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões; b) corresponde a um grau de desvalorização igual ou superior à percentagem definida em condições particulares, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela pessoa segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes; c) seja reconhecida previamente pela Instituição da Segurança Social pela qual a Pessoa Segura se encontre abrangida ou pelo Tribunal de Trabalho ou, caso a pessoa segura não se encontre abrangida por nenhum regime ou Instituição de Segurança Social, por Junta Médica.” (Facto Assente em 2).
30. O Autor C. H. defende a não coincidência da definição da situação de invalidez total e permanente entre a nota informativa e condições particulares e, por outro lado, as condições gerais. Em consequência, o Autor C. H. defende a prevalência das condições constantes da nota informativa e das condições particulares sobre as constantes das condições gerais.
31. A nota informativa traduz-se numa informação ou esclarecimento sobre os principais pontos característicos do contrato de seguro, nomeadamente, o início e a duração do contrato, para que serve, quem é que está abrangido, entre outros. A nota informativa do contrato de seguro não estabelece as respetivas cláusulas contratuais, mas apenas as principais características do seguro de vida à habitação.
32. As condições particulares correspondem a um conjunto de cláusulas que adaptam o contrato à situação concreta de um tomador do seguro, uma vez que identificam, entre outras questões, as coberturas constantes das condições especiais que foram escolhidas, os valores do capital seguro que foram acordados, as franquias que as partes estabeleceram, os beneficiários, as características relevantes da pessoa ou bem seguros e a data do início do contrato.
33. As condições gerais dizem respeito ao conjunto de cláusulas contratuais previamente elaboradas e apresentadas pelo segurador que incluem os aspectos básicos do contrato de seguro e que são comuns para riscos com características semelhantes, nomeadamente, as coberturas e exclusões gerais e os direitos e obrigações das partes.
34. No caso em apreço, as condições gerais definiram a situação de invalidez total e permanente composta por três pressupostos cumulativos, sendo que, o segundo pressuposto, correspondente ao grau de desvalorização, é remetido para as Condições Particulares: “b) corresponde a um grau de desvalorização igual ou superior à percentagem definida em condições particulares, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela pessoa segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes”.
35. As condições particulares complementam as condições gerais do contrato de seguro, não existindo qualquer situação de prevalência de umas sobre as outras.
36. O Autor C. H. defende que “está provado que as condições gerais da apólice não foram comunicadas ao Autor/Recorrente”, o que não corresponde à verdade, uma vez que tal facto não consta da matéria assente, a qual não foi impugnada pelo Recorrente nas suas alegações de recurso. Como tal, não se pode atribuir uma consequência jurídica de exclusão daquelas condições gerais atendendo aos factos considerados como provados e não provados.
37. Em todo o caso, importa sempre atender ao regime jurídico da obrigação de prestar informação aos segurados sobre as coberturas e exclusões do contrato de seguro.
38. Dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho que “nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora”. Esta norma vem prevista no referido diploma legal no âmbito do seguro de grupo, o qual consubstancia um contrato celebrado entre a seguradora e o tomador do seguro e que, posteriormente, o membro de determinado grupo adere ao contrato de seguro.
39. Atendendo ao tipo de contrato em questão – contrato de seguro de grupo – o dever de informação do tomador, resultante do disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, restringe o seu alcance às relações entre o segurador e o tomador, partes iniciais no contrato de seguro de grupo, não sendo a sua falta oponível pelo segurado, aqui Autor.
40. Pois que “a seguradora tem de celebrar o contrato com o tomador do seguro para que o contrato de seguro tenha eficácia ou produza efeitos quanto a direitos e obrigações entre ela e o segurado. Só no momento da primeira adesão é que o contrato de seguro começa a produzir efeitos como seguro.” – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Setembro de 2008.
41. O dever de informação impende inequivocamente sobre a seguradora, nunca podendo a obrigação de informação do tomador, prevista no artigo 4.º daquele diploma, valer como uma transferência para o tomador da obrigação de informação com o segurado, a este validamente oponível pela seguradora, perante o mesmo isentando desse dever.
42. No caso sub judice, não se comprovou existir qualquer incumprimento na obrigação de informação das cláusulas do contrato de seguro, como se viu. Contudo, no caso de incumprimento da obrigação de informação pela Banco A, S.A., - que não sucedeu -, não é oponível ao Autor, que para ele não contribuiu nem foi consultado na celebração do contrato de seguro de grupo entre a seguradora e o tomador.
43. O contrato de seguro de grupo resulta de uma negociação prévia entre a Seguradora e o Tomador/Banco, onde o Segurado não teve qualquer intervenção prévia, pelo que o disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Dl. n.º 176/95, de 26 de Julho é somente aplicável nas relação internas entre o Tomador e a Seguradora: “Faltando a devida informação, a seguradora arcará com as respectivas consequências, não podendo invocar perante o segurado as cláusulas contratuais gerais a que essa falta respeita. Responde perante o segurado, sem prejuízo de poder, eventualmente, depois, vir acionar o intermediário pelo prejuízo que tal falta de informação lhe tenha acarretado. A responsabilização direta da seguradora para com o segurado resulta, quer do princípio da boa-fé, quer da consideração de que, estando-se no domínio do direito ao consumo, ser de proteger, em primeira mão, a parte mais débil na relação contratual – o consumidor/segurado” – Acórdão do tribunal da Relação do Porto de 11/09/2008; “A falta de cumprimento dessa obrigação por parte do Banco Réu (se existiu, não ficou aqui provada), não é oponível ao autor que para ela não contribuiu nem foi consultado na celebração do dito contrato de seguro de grupo. Trata-se, assim, a nosso ver, de questão a resolver em sede própria, no domínio das relações entre as duas RR. Perante o A., não tendo a Ré seguradora cumprido o aludido dever, acarreta que se considerem excluídas do contrato as referidas cláusulas gerais (artº 8.º).” – Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27/03/2008.
44. A existir qualquer incumprimento da obrigação de comunicação do teor das cláusulas das condições gerais do contrato de seguro pela Banco A, S.A., perante o Autor/segurado, a responsabilidade recai sobre a seguradora, uma vez que nenhum dever de comunicação é oponível pelo Autor à Tomadora, conforme aliás decorre da própria Sentença ora em crise.
45. Na verdade, o artigo 4.º, n.º 1 do DL n.º 176/95 não colide com o regime previsto no DL. n.º 446/85 no que diz respeito à obrigação de indemnização, nem tão pouco pode o segundo ser considerado lei geral quanto ao primeiro como lei especial, desde logo, porque ambos os diplomas em questão têm âmbitos de aplicação distintos e a ratio subjacente a cada um é efetivamente diversa. Acresce que ambos os diplomas, como se viu, não colidem entre si, sendo perfeitamente harmonizáveis, pois que, atendendo ao contexto em que está previsto o n.º 1 do artigo 4.º do DL n.º 176/95, de 26 de Julho – a propósito dos contratos de seguro de grupo celebrados entre a Seguradora e o Tomador – o seu âmbito de aplicação restringe-se tão-somente às relações estabelecidas entre ambas.
46. No caso sub judice, não se provou que a Ré Banco A, S.A. não explicou o teor das cláusulas do contrato de seguro, sendo certo que se provou a entrega ao Autor da Nota Informativa do contrato de seguro. Mas ainda que assim não se entenda, nunca pode a BANCO A, S.A. ser responsabilizada perante o Autor por um eventual incumprimento do dever de informação, nos termos supra expostos.
47. Por todo o exposto, entende a Ré BANCO A que o Tribunal a quo bem decidiu em julgar totalmente improcedente o pedido formulado devendo, por isso, ser julgado totalmente improcedente o recurso de apelação interposto.
Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exªs melhor suprirão, não deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser mantida a douta decisão recorrida, decidindo deste modo, farão V. Exªs, como sempre JUSTIÇA
*

O Exmº Juíz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida.
*

Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, este pretende que:
- em termos de percentagem de ITP a atribuir ao autor se considere apenas o que consta da matéria de facto provada com o número 11. e já não o que consta do 12., devendo daí constar que a percentagem de ITP a atribuir ao autor é de 63% e não que a mesma corresponda a 56 pontos (conclusões 1. e 2.);
- se reaprecie a decisão de mérito da acção (restantes conclusões).
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3 – OS FACTOS

A) FACTOS PROVADOS
1. A Ré COMPANHIA DE SEGUROS A, S.A. subscreveu com a Banco A, S.A. um “seguro de grupo” contributivo Ramo Vida titulado pela apólice nº …, consignando-se Banco A, SA como tomadora de seguro e beneficiários as pessoas seguras como os clientes do Tomador de Seguro.
2. As condições gerais do seguro referenciado em 1) consignam, designadamente, que:
Artigo 1.º Definições
Invalidez Total e Permanente – A limitação funcional permanente e sem possibilidade clinica de melhoria em que, cumulativamente, estejam preenchidos os seguintes requisitos:
a) A Pessoa segura fique completa e definitivamente incapacitada de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões;
b) Corresponda a um grau de desvalorização igual ou superior à percentagem definida em Condições Particulares, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para ao seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes.
c) Seja reconhecida previamente pela Instituição da Segurança Social pela qual a Pessoa Segura se encontre abrangida ou pelo Tribunal de Trabalho ou, caso a Pessoa Segura não se encontre abrangida por nenhum regime ou Instituição de Segurança Social, por Junta Médica.”
3. As condições particulares do seguro referido mencionado em 1) consignam, designadamente, que:
Artigo 1.°
Objecto do Seguro
O presente contrato de seguro cobre os riscos de morte e invalidez ligados a contratos de mútuo de crédito à habitação, garantindo o pagamento ao beneficiário designado do capital seguro em caso de morte ou invalidez total e permanente.
Artigo 2.°
Pessoas Seguras
São Pessoas Seguras os clientes do Tomador do Seguro que contratem com o Tomador do Seguro empréstimos para a compra de habitação própria (1ª habitação ou habitação secundária), e os respectivos fiadores, em qualquer dos casos, desde que satisfaçam as seguintes condições:
1. Terem preenchido o Boletim de adesão e satisfeito as demais formalidades decorrentes da grelha de selecção médica em vigor no Segurador à data da adesão ou as solicitadas pelo Segurador para aferir do risco moral, de local de residência ou estadia, ou de actividade profissional, ocupacional e desportiva;
2. Terem idade inferior a 65 anos na data da adesão;
3. Ter sido a adesão aceite pelo Segurador, após apreciação do respectivo processo de aceitação.
Artigo 3°
Riscos Cobertos
O que está coberto:
1. O Contrato de Seguro abrange as seguintes garantias:
a) Garantia Principal - Morte por Doença ou Acidente;
b) Garantia Complementar - Invalidez Total e Permanente por Doença;
c) Garantia Complementar - Invalidez Total e Permanente por Acidente.
Considera-se inválida a Pessoa Segura que apresente um grau de desvalorização igual ou superior a 50%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes.
A garantia corresponde à antecipação de 100% do capital seguro.
2. Para além do previsto nas Condições Gerais as garantias cessam os seus efeitos nas seguintes situações:
(…)
b) Pagamento do capital seguro por Morte ou Invalidez;
c) Limite de idade em relação a cada Pessoa Segura:
(…)
ii. Garantia de Invalidez Total e Permanente por Acidente, no termo da anuidade em que a Pessoa Segura completa 65 anos de idade.
Capital Seguro:
1. O capital seguro para as garantias de Morte ou Invalidez incluídas neste contrato corresponde:
(…)
b. Ao longo da vigência do contrato, depende da opção de actualização contratada, conforme detalhado de seguida:
i. OPÇÃO 1 - a 100% do capital em divida actualizado automaticamente de acordo com a informação prestada pela Instituição de Crédito mutuante, com efeitos reportados à data de cada alteração do capital em dívida ao abrigo do contrato de crédito à habitação, de acordo com o regime de actualização previsto por defeito no Artigo 7° do Decreto-lei n.°222/2009, de 11 de Setembro. Nesta situação, o capital seguro será actualizado em função da evolução do capital em dívida à Instituição de Crédito e corresponderá, durante o prazo do empréstimo, ao capital em dívida à Instituição de Crédito;
Artigo 4.°
Beneficiários
(…)
3. No caso de subscrição da opção 1 não haverá valor remanescente, pelo que o capital seguro corresponderá ao capital em dívida, sendo a Instituição de Crédito o único beneficiário do contrato.
(…)
Artigo 5°
Início e Duração do Contrato e das Adesões
(…)
2. Relativamente a cada Pessoa Segura, as garantias contratuais entram em vigor na data de aceitação do risco pelo Segurador ou na data de celebração do contrato de empréstimo ou escritura se posterior, renovam-se a 1 de Janeiro de cada ano e vigoram por 1 ano e seguintes.”
4. No dia 18 de Setembro de 2003, por escritura pública de “compra e venda e mútuo com hipoteca” lavrada no Cartório Notarial de Chaves, exarada de fls. 2 a 4 do Livro …-C, subscrita por C. S. e A. D. na qualidade de procuradoras da sociedade Empresa A-Sociedade de Empreendimentos da Região, SA, como primeiras outorgantes, C. H. e mulher I. H., como segundos outorgantes, e T. R. na qualidade de procurador da Banco A, S.A., como terceiro outorgante, consignou-se designadamente, que:
a) As primeiras outorgantes, na referida qualidade, declararam vender aos segundos outorgantes, pelo preço global de cento e quinze mil duzentos e cinquenta e quatro euros, as fracções autónomas BW e AD do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, localizado no lugar de …, freguesia e concelho de Chaves, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o número quatro mil cento e trinta e sete, inscrita, na respectiva matriz sob o art.º …;
b) A Banco A, S.A. declarou conceder aos segundos outorgantes um empréstimo da quantia de cem mil euros.
5. Em 2 de Setembro de 2009, o Autor subscreveu um boletim/proposta de adesão ao seguro vida grupo indicado em 1), com referência ao “contrato de mútuo” mencionado em 4), sendo que a Companhia de Seguros A emitiu em nome do mesmo, o certificado n.º ….
6. No momento da subscrição daquele boletim de adesão, foi entregue ao autor um texto encimado pelo logotipo da ré Companhia de Seguros A com a epígrafe “Seguro de Vida Crédito Habitação Clientes – Nota Informativa”, o qual, enunciava, nomeadamente, que:
O presente documento procura esclarecer, de uma forma sucinta e clara, as principais questões que por norma se colocam aquando da adesão a um seguro de vida nas circunstâncias da contratação de um empréstimo para crédito à habitação.
PARA QUE SERVE?
O Seguro de vida destina-se a garantir aos clientes da Banco A, mutuários de um crédito à habitação em qualquer um dos regimes existentes para este fim, o pagamento da sua dívida, caso ocorra um imprevisto que ponha em causa a sua capacidade financeira
(…)
CLIENTES NO REGIME GERAL
……….
Protecção mais-apólice …
Especialmente concebida para garantir toda a segurança, desde a data da adesão ao seguro, através das seguintes garantias:
CLIENTES NO REGIME GERAL
(…)
Protecção mais-apólice …
Especialmente concebida para garantir toda a segurança, desde a data da adesão ao seguro, através das seguintes garantias:
(…)
-Invalidez Total e Permanente por Acidente (grau > 50%)
DEFINIÇÕES
Capital seguro: montante do empréstimo ou o valor em dívida actualizado no início de cada ano.
Beneficiário: Banco A
Pagamento do prémio: por débito mensal em conta bancária, sem encargos adicionais.
(…)
Invalidez Total e Permanente por Acidente (grau > 50%)
Considera-se que uma pessoa segura se encontra numa situação de invalidez Total e Permanente se, em consequência de acidente, apresentar uma incapacidade, clinicamente constatada e sobrevinda nos dois anos imediatamente posteriores à data do acidente, de grau igual ou superior a 50%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades.
INÍCIO E DURAÇÃO DO SEGURO
O seguro de vida tem início na data da escritura ou na data de aceitação por parte da seguradora, se esta for posterior.
A duração do seguro acompanha o prazo do empréstimo, no máximo até aos 70 anos de idade do cliente. As garantias do seguro cessam nas seguintes situações:
(…)
- O cliente atingir os 65 anos para a garantia de Invalidez por Acidente.”
7. No dia 07 de Março de 2011, o veículo automóvel em que o autor seguia foi embatido na parte traseira por uma outra viatura.
8. Do referido embate, resultaram para o autor entorse cervical e lombar com limitação funcional acentuada da coluna cervical e parestesias dos membros superiores.
9. Na sequência do enunciado em 8), o Autor foi operado no Hospital, em 11/06/2011, onde lhe foi feita prótese de disco em C4-C5 e artrodese em C3-C4, C5-C6 e C6-C7.
10. Em consequência do indicado em 7) a 9), em 07 de Fevereiro de 2014, o Autor apresentava as seguintes sequelas: entorse cervical e hérnias discais cervicais com compressão medular a três níveis; com artrose a quatro níveis; com radiculopatias a três níveis; bilateralmente, com parestesias; impotência funcional dos membros superiores e disfunção vesical (bexiga e função urinária) sendo acompanhado e medicado por urologia.
11. Em 3 de Julho de 2014, a Junta Médica do Ministério da Saúde decidiu atribuir ao Autor uma incapacidade permanente global de 63% (sessenta e três por cento), determinada nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades.
12. Em consequência do referenciado em 10), o Autor apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 56 pontos.
13. Em 7 de Março de 2011, o capital em divida do empréstimo referido em 4) era de 90.904,27€.
14. Entre 7.3.2011 e Maio de 2015, o Autor pagou o montante total de 15.772,56€ por conta das prestações referentes ao empréstimo citado em 4).
15. O Autor nasceu em 8.1.1968 e é agente de PSP, exercendo actualmente funções nos serviços administrativos.

B) FACTOS NÃO PROVADOS

16. A funcionária da Agência de Chaves da Banco A M. A. declarou ao Autor que a celebração de um “contrato de seguro de vida” era uma condição para a concessão do crédito enunciado em 4).
17. As Rés Companhia de Seguros A e Banco A, no circunstancialismo mencionado em 5) e 6), entregaram/remeteram ao Autor as condições gerais elencadas em 2).
*

C) MOTIVAÇÃO

A formação da convicção do tribunal fundou-se na análise crítica e aglutinada das declarações das testemunhas I. S., M. A., M. P., T. S., S. G., A. G. e M. S. e dos esclarecimentos dos peritos A. O. e M. B., em concatenação com a valoração da escritura pública de fls. 18-28, do boletim de adesão de fls. 29-31, da folha informativa de fls. 32, do certificado de adesão de fls. 33, da apólice de fls. 34-37 e 58-68, do atestado de fls. 38, do assento de fls. 39, dos extractos de fls. 40 e 42, das missivas de fls. 41 e 101, da participação de fls. 96-99, dos relatórios de fls. 101-103 e 191, das declarações médicas de fls. 104-105, do ofício de fls. 106 e dos relatórios periciais de fls. 115-118 e 142-146 e esclarecimentos de fls. 175-176, sopesados à luz das regras probatórias tipificadas e do princípio da livre apreciação, em sede de um iter objectivamente cognoscitivo e dialecticamente valorativo.
*
A testemunha I. S., conquanto a qualidade de esposa do Autor, efectivou declarações matizadamente espontâneas e eivadas de substrato fáctico explicitante, v.g., concretizando o circunstancialismo inerente à negociação com a Ré BANCO A do crédito referenciado nos autos no ano de 2003, o atendimento efectuada pela funcionária D. M. A., a menção do seguro de vida, a entrega pela mesma da folha informativa de fls. 32 e a assinatura pelo Autor do boletim de adesão de fls. 29-31.
Ademais, quanto à alegada necessidade de subscrição do predito seguro de vida, a depoente prefigurou-se claudicante, mencionando que a antedita D. M. A. disse que sem o seguro de vida o empréstimo não era aprovado, sendo que tal requisito não consta das cláusulas do contrato de mútuo e tampouco foram carreados para os autos quaisquer documentos passíveis de indiciar ou certificar tal asserção.
Concomitantemente, a testemunha assinalou que as Rés não remeteram ao Autor as condições contratuais do seguro, sendo que não foram produzidas quaisquer contraprovas.
Acresce que a testemunha aflorou o contexto imanente ao acidente sofrido pelo marido, em convergência substantiva com o descrito na participação de fls. 96-99 e enquadrou as vicissitudes subsequentes, designadamente, as dores, cirurgias, tratamentos e a avaliação pela junta médica, matéria corroborada pelo atestado de fls. 38, pelos relatórios de fls. 101-103 e 191, pelas declarações médicas de fls. 104-105 e pelos relatórios periciais de fls. 115-118 e 142-146.
Assinale-se, ainda, que a testemunha admitiu que o marido só exerce actualmente funções meramente administrativas, o que se configurou verosímil em função das sequelas vivenciadas pelo mesmo.
*
No que se refere à testemunha M. A., funcionária da Ré BANCO A, positivou um depoimento minimamente consistente e provido de razão de ciência sustentada, admitindo com naturalidade lembrar-se do atendimento ao Autor e esposa com referência ao crédito citado nos autos, sublinhando a assinatura do boletim de adesão ao seguro de vida e reconhecendo que apenas lhes facultou a nota informativa de fls. 32, não efectivando quaisquer referências a explicações adicionais, confirmando, assim, o referenciado pela depoente I. S..
Ademais, a testemunha sublinhou que apenas propôs a subscrição do seguro de vida, o que se configura minimamente verosímil à data em que foi negociado o crédito, sendo que não foram produzidas provas documentais susceptíveis de contraditar ou ilidir o mencionado pela depoente.
A testemunha prefigurou-se, outrossim, plausível em sede da enunciação de não saber qual a documentação subsequentemente remetida pela Companhia de Seguros A ao Autor, o que se coaduna com as práticas inerentes à mera intermediação perpetrada pelos bancos no âmbito dos seguros de grupo.
*
As testemunhas M. P. e T. S., as quais prestam serviços à Ré Companhia de Seguros A, limitaram-se a indicar genericamente os fundamentos subjacentes à posição da mesma quanto ao evento danoso referenciado no processo, sendo que não aduziram quaisquer circunstâncias fundadas passíveis de ilidirem o teor dos relatórios periciais de fls. 115-118 e 142-146.
*
As testemunhas S. G. e M. S., funcionários da BANCO A, não titulavam cognição directa da factualidade nuclear do processo, limitando-se a referências genéricas ao montante do empréstimo actualmente em dívida, efectivando, assim, depoimentos inócuos.
*
Relativamente à testemunha A. G., assomou-se como subscritor do relatório de fls. 101-103, reiterando-se os juízos fácticos plasmados no mesmo, os quais se compaginam mutatis mutandis com os vertidos nos relatórios periciais.
*
Os peritos A. O. e M. B. prestaram declarações de forma clara e facticamente estribada, corroborando o vertido nos relatórios periciais de fls. 115-118 e 142-146, v.g., explicitando as sequelas do Autor e a sustentação técnica para a dupla valorização das parestesias no âmbito do código Na...
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Os relatórios periciais de fls. 115-118 e 142-146 fundam-se na factualidade vertida na documentação médica carreada para o processo, afigurando-se, assim, objectivamente sustentados, sendo que, em matéria de juízos de facto, consagram posições substantivamente convergentes e com arrimo em parâmetros claros, suficientemente fundamentados e congruentes com as máximas da experiência, atestando, assim, as sequelas do Autor, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 56 pontos e estabelecendo um nexo de causalidade entre o acidente de viação ocorrido em 7.3.2011 e a antedita factologia.
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A escritura pública de fls. 18-28, o atestado de fls. 38 e o assento de fls. 39 afiguram-se eivados da força probatória plena consignada nos arts. 369.º/1, 370.º/1 e 317.º/1, do Código Civil.
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O boletim de adesão de fls. 29-31, o certificado de adesão de fls. 33 e a apólice de fls. 34-37 e 58-68 consubstanciam-se providos da força probatória plena consignada nos arts. 374.º/1 e 376.º/1 e 2, do Código Civil.
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A folha informativa de fls. 32 e os extractos de fls. 40 e 42 não foram impugnados pelas partes.
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A participação de fls. 96-99 configura-se dotada dos requisitos exigíveis de veridicidade formal, compaginando-se com acidente que induziu no Autor as sobreditas sequelas, sendo que não foram produzidas contraprovas.
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Os relatórios de fls. 101-103 e 191 e das declarações médicas de fls. 104-105 coadunam-se genericamente com o certificado nos preditos relatórios periciais.
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O ofício de fls. 106 revela que o Autor exerce funções na PSP, em congruência com o indicado pela testemunha I. S..
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As missivas de fls. 41 e 101 enunciam meramente as aposições da Ré Companhia de Seguros A no âmbito do litígio.
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Em decorrência do supra acervo probatório, no que se atem aos factos 1) a 3), o Tribunal sopesou a apólice de fls. 34-37 e 58-68.
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No que tange ao facto 4), valorou-se a escritura pública de fls. 18-28.
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No que concerne aos factos 5) a 6), aferiu-se o boletim de adesão de fls. 29-31, o certificado de adesão de fls. 33 e a folha informativa de fls. 32.
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No que se se refere ao facto 7), o Tribunal fundou-se na participação de fls. 96-99.
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Relativamente aos factos 8) a 10) e 12), o Tribunal equacionou os relatórios periciais de fls. 115-118 e 142-146.
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No que tange ao facto 11), valorou-se o atestado de fls. 38.
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No que se atem aos factos 13) e 14), sopesaram-se os extractos de fls. 40 e 42, sendo que o montante das prestações pagas pelo Autor foi reconhecido pela Ré BANCO A e confirmado pelos funcionários da mesma.
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No que se se refere ao facto 15), ponderou-se o assento de nascimento do Autor, sendo que os demais segmentos foram certificados pela testemunha I. S. e pelo ofício de fls. 106.
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No que tange aos factos 16) e 17), sucumbiu a comprovação documental dos mesmos, sendo que as declarações da testemunha I. S. quanto ao facto 15) revelaram-se marcadamente lassas nos termos sobreditos.
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No que tange aos demais enunciados consubstanciados na petição inicial e nas contestações, os mesmos prefiguraram factos instrumentais, asserções genéricas, meros juízos de inferência ou apreciações jurídicas, ou estrita impugnação, inidóneos para integrarem a supra matéria fáctica controvertida.

[transcrição de fls. 227 a 235].
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

I - Alteração da matéria de facto

Diverge o apelante do teor do facto dado como provado com o número 12., pretendendo que apenas se considere o que consta do facto provado com o número 11., isto é, que a percentagem de ITP a atribuir ao autor é de 63% e não que a mesma corresponda a 56 pontos como ora consta.
Indica o sentido da decisão e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso, indicando o documento pertinente em que se baseia.
Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC (cfr. as três alíneas do n.º 1).
Cumpre, pois, apreciar.
O art. 662º do actual CPC regula a reapreciação da decisão da matéria de facto de uma forma mais ampla que o art. 712º do anterior Código, configurando-a praticamente como um novo julgamento.
Assim, a alteração da decisão sobre a matéria de facto é agora um poder vinculado, verificado que seja o circunstancialismo referido no nº 1, quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A intenção do legislador foi, como fez constar da “Exposição de Motivos”, a de reforçar os poderes da Relação no que toca à reapreciação da matéria de facto.
Assim, mantendo-se os poderes cassatórios que permitem à Relação anular a decisão recorrida, nos termos referidos na alínea c), do nº 2, e sem prejuízo de se ordenar a devolução dos autos ao tribunal da 1ª. Instância, reconheceu à Relação o poder/dever de investigação oficiosa, devendo realizar as diligências de renovação da prova e de produção de novos meios de prova, com vista ao apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
As regras de julgamento a que deve obedecer a Relação são as mesmas que devem ser observadas pelo tribunal da 1ª. Instância: tomar-se-ão em consideração os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos (que tenham força probatória plena) ou por confissão, desde que tenha sido reduzida a escrito, extraindo-se dos factos que forem apurados as presunções legais e as presunções judiciais, advindas das regras da experiência, sendo que o princípio basilar continua a ser o da livre apreciação das provas, relativamente aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, aos depoimentos das testemunhas, e agora inequivocamente, às declarações da parte – cfr. arts. 466º/3 e 607º/4 e 5 do CPC, que não contrariam o que acerca dos meios de prova se dispõe nos arts. 341º a 396º do CC.
Deste modo, é assim inequívoco que a Relação aprecia livremente todas as provas carreadas para os autos, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua convicção.
Provar significa demonstrar, de modo que não seja susceptível de refutação, a verdade do facto alegado. Nesse sentido, as partes, através de documentos, de testemunhas, de indícios, de presunções etc., demonstram a existência de certos factos passados, tornando-os presentes, a fim de que o juiz possa formar um juízo, para dizer quem tem razão.
Como dispõe o art. 341º do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.
E, como ensina Manuel de Andrade, aquele preceito legal refere-se à prova “como resultado”, isto é, “a demonstração efectiva (…) da realidade dum facto – da veracidade da correspondente afirmação”.
Não se exige que a demonstração conduza a uma verdade absoluta (objetivo que seria impossível de atingir) mas tão-só a “um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida” - in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 191 e 192.
Quem tem o ónus da prova de um facto tem de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como escreve Antunes Varela - in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420.
O julgador, usando as regras da experiência comum, do que, em circunstâncias idênticas normalmente acontece, interpreta os factos provados e conclui que, tal como naquelas, também nesta, que está a apreciar, as coisas se passaram do mesmo modo.
Como ensinou Vaz Serra “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência, ou de uma prova de primeira aparência” - in B.M.J. nº 112, pág. 190.
Ou seja, o juiz, provado um facto e valendo-se das regras da experiência, conclui que esse facto revela a existência de outro facto.
O juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – cfr. art. 607º/5 do CPC, cabendo a quem tem o ónus da prova “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como refere Antunes Varela – obra supracitada.
Se se instalar a dúvida sobre a realidade de um facto e a dúvida não possa ser removida, ela resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, de acordo com o princípio plasmado no art. 414º do CPC, que, no essencial, confirma o que, sobre a contraprova, consta do art. 346º do CC.
De acordo com o que acima ficou exposto, cumpre, pois, reapreciar a prova e verificar se dela resulta, com o grau de certeza exigível para fundamentar a convicção, o que o apelante pretende neste recurso.
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O Meritíssimo Juiz a quo considerou provado que:
11. Em 3 de Julho de 2014, a Junta Médica do Ministério da Saúde decidiu atribuir ao Autor uma incapacidade permanente global de 63% (sessenta e três por cento), determinada nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades.
12. Em consequência do referenciado em 10), o Autor apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 56 pontos.
Motivando tal decisão, o tribunal consignou o seguinte:
A formação da convicção do tribunal fundou-se na análise crítica e aglutinada das declarações das testemunhas I. S., M. A., M. P., T. S., S. G., A. G. e M. S. e dos esclarecimentos dos peritos A. O. e M. B., em concatenação com a valoração da escritura pública de fls. 18-28, do boletim de adesão de fls. 29-31, da folha informativa de fls. 32, do certificado de adesão de fls. 33, da apólice de fls. 34-37 e 58-68, do atestado de fls. 38, do assento de fls. 39, dos extractos de fls. 40 e 42, das missivas de fls. 41 e 101, da participação de fls. 96-99, dos relatórios de fls. 101-103 e 191, das declarações médicas de fls. 104-105, do ofício de fls. 106 e dos relatórios periciais de fls. 115-118 e 142-146 e esclarecimentos de fls. 175-176, sopesados à luz das regras probatórias tipificadas e do princípio da livre apreciação, em sede de um iter objectivamente cognoscitivo e dialecticamente valorativo.
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A testemunha I. S., conquanto a qualidade de esposa do Autor, efectivou declarações matizadamente espontâneas e eivadas de substrato fáctico explicitante, v.g., concretizando o circunstancialismo inerente à negociação com a Ré BANCO A do crédito referenciado nos autos no ano de 2003, o atendimento efectuada pela funcionária D. M. A., a menção do seguro de vida, a entrega pela mesma da folha informativa de fls. 32 e a assinatura pelo Autor do boletim de adesão de fls. 29-31.
Ademais, quanto à alegada necessidade de subscrição do predito seguro de vida, a depoente prefigurou-se claudicante, mencionando que a antedita D. M. A. disse que sem o seguro de vida o empréstimo não era aprovado, sendo que tal requisito não consta das cláusulas do contrato de mútuo e tampouco foram carreados para os autos quaisquer documentos passíveis de indiciar ou certificar tal asserção.
Concomitantemente, a testemunha assinalou que as Rés não remeteram ao Autor as condições contratuais do seguro, sendo que não foram produzidas quaisquer contraprovas.
Acresce que a testemunha aflorou o contexto imanente ao acidente sofrido pelo marido, em convergência substantiva com o descrito na participação de fls. 96-99 e enquadrou as vicissitudes subsequentes, designadamente, as dores, cirurgias, tratamentos e a avaliação pela junta médica, matéria corroborada pelo atestado de fls. 38, pelos relatórios de fls. 101-103 e 191, pelas declarações médicas de fls. 104-105 e pelos relatórios periciais de fls. 115-118 e 142-146.
Assinale-se, ainda, que a testemunha admitiu que o marido só exerce actualmente funções meramente administrativas, o que se configurou verosímil em função das sequelas vivenciadas pelo mesmo.
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No que se refere à testemunha M. A., funcionária da Ré BANCO A, positivou um depoimento minimamente consistente e provido de razão de ciência sustentada, admitindo com naturalidade lembrar-se do atendimento ao Autor e esposa com referência ao crédito citado nos autos, sublinhando a assinatura do boletim de adesão ao seguro de vida e reconhecendo que apenas lhes facultou a nota informativa de fls. 32, não efectivando quaisquer referências a explicações adicionais, confirmando, assim, o referenciado pela depoente I. S..
Ademais, a testemunha sublinhou que apenas propôs a subscrição do seguro de vida, o que se configura minimamente verosímil à data em que foi negociado o crédito, sendo que não foram produzidas provas documentais susceptíveis de contraditar ou ilidir o mencionado pela depoente.
A testemunha prefigurou-se, outrossim, plausível em sede da enunciação de não saber qual a documentação subsequentemente remetida pela Companhia de Seguros A ao Autor, o que se coaduna com as práticas inerentes à mera intermediação perpetrada pelos bancos no âmbito dos seguros de grupo.
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As testemunhas M. P. e T. S., as quais prestam serviços à Ré Companhia de Seguros A, limitaram a indicar genericamente os fundamentos subjacentes à posição da mesma quanto ao evento danoso referenciado no processo, sendo que não aduziram quaisquer circunstâncias fundadas passíveis de elidirem o teor dos relatórios periciais de fls. 115-118 e 142-146.
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As testemunhas S. G. e M. S., funcionários da BANCO A, não titulavam cognição directa da factualidade nuclear do processo, limitando-se a referências genéricas ao montante do empréstimo actualmente em dívida, efectivando, assim, depoimentos inócuos.
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Relativamente à testemunha A. G., assomou-se como subscritor do relatório de fls. 101-103, reiterando-se os juízos fácticos plasmados no mesmo, os quais se compaginam mutatis mutandis com os vertidos nos relatórios periciais.
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Os peritos A. O. e M. B. prestaram declarações de forma clara e facticamente estribada, corroborando o vertido nos relatórios periciais de fls. 115-118 e 142-146, v.g., explicitando as sequelas do Autor e a sustentação técnica para a dupla valorização das parestesias no âmbito do código Na0120.
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Os relatórios periciais de fls. 115-118 e 142-146 fundam-se na factualidade vertida na documentação médica carreada para o processo, afigurando-se, assim, objectivamente sustentados, sendo que, em matéria de juízos de facto, consagram posições substantivamente convergentes e com arrimo em parâmetros claros, suficientemente fundamentados e congruentes com as máximas da experiência, atestando, assim, as sequelas do Autor, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 56 pontos e estabelecendo um nexo de causalidade entre o acidente de viação ocorrido em 7.3.2011 e a antedita factologia.
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(…)
Relativamente aos factos 8) a 10) e 12), o Tribunal equacionou os relatórios periciais de fls. 115-118 e 142-146.
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No que tange ao facto 11), valorou-se o atestado de fls. 38.
Com o que discorda o apelante, que pretende que em termos de percentagem de ITP a atribuir ao autor apenas se considere o que consta do facto provado com o número 11., isto é, que a percentagem é de 63% e não que corresponda a 56 pontos como ora consta do facto provado com o número 12. Isto porque entende que o Tribunal a quo cometeu errado julgamento na apreciação da prova documental.
Entendendo a R. Companhia de Seguros A que não há qualquer incompatibilidade entre 63% de acordo com a TNI para Acidentes de Trabalho, e 56 pontos de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, que é obtido em função da Tabela de avaliação em direito civil, e mesmo sendo submetido a junta médica, nada impede de a Ré, ou o autor, em sede judicial de requerer exame pericial para certificar a sua incapacidade, pois que os meios de prova em sede judicial não podem ser preteridos por outros meios extrajudiciais de prova.
E entendendo a R. BANCO A que não se verifica qualquer contrariedade entre a incapacidade permanente global de 63% fixada pela Junta Médica do Ministério da Saúde e o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 56 pontos pelo Gabinete Médico-Legal e Forense do Douro, estando-se perante dois meios probatórios distintos, nomeadamente, prova documental referente à Junta Médica do Ministério da Saúde e, por outro lado, prova pericial realizada no Gabinete Médico-Legal e Forense do Douro. Considerando que estamos perante duas provas distintas, o Douto Tribunal a quo atendeu a ambas, não tendo qualquer fundamento para preterir uma delas em função da outra. Logo, não existem fundamentos para que o Douto Tribunal a quo dê preferência ao meio de prova consubstanciado na Junta Médica sobre o relatório pericial produzido nos autos.
Quid iuris?
Diga-se, desde já, não assistir qualquer razão ao recorrente.
Efectivamente, como bem refere a recorrida BANCO A, não se verifica qualquer contrariedade entre a incapacidade permanente global de 63% fixada pela Junta Médica do Ministério da Saúde e o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 56 pontos pelo Gabinete Médico-Legal e Forense do Douro, estando-se perante dois meios probatórios distintos, nomeadamente, prova documental referente à Junta Médica do Ministério da Saúde e prova pericial realizada no Gabinete Médico-Legal e Forense do Douro. Ora, estando-se perante duas provas distintas, o Tribunal a quo atendeu a ambas, não havendo qualquer fundamento para se preterir uma delas em função da outra, não explicando o recorrente porque se deve apenas considerar um dos meios probatórios, só porque lhe é mais favorável.
Deste modo, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo, que foram devidamente ponderados, entende-se nada haver a corrigir, decidindo-se pela improcedência da impugnação neste particular.

II) Reapreciação da decisão de mérito da acção

Pretende também o apelante a reapreciação da decisão de mérito da acção. Porém, antecipando desde já a decisão, também aqui a decisão do tribunal a quo não merece qualquer censura. Mas vejamos a situação.

O contrato de seguro é a convenção através da qual uma das partes (segurador) se obriga, mediante retribuição (prémio) paga pela outra parte (segurado) a assumir um risco e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado (2).
É um contrato que tem natureza de contrato bilateral, de execução continuada, aleatório e de adesão (3).
Dado o momento em que os factos em causa tiveram lugar, na fixação do conteúdo do contrato de seguro em apreço atender-se-á ao disposto na respectiva apólice (art. 1º do DL 72/2008 de 16-04: Regime Jurídico do Contrato de Seguro) e na interpretação das cláusulas de limitação do risco assumido, à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais/LCCG (cfr. art. 3º).
O contrato de seguro é um contrato formal porque a sua validade depende de o respectivo conteúdo ser consubstanciado num documento escrito, denominado apólice, em que devem constar o nome do segurador, do tomador e do beneficiário do seguro, o seu objecto, a natureza e o valor e os riscos cobertos, e de adesão, regulado pelas estipulações daquela apólice não proibidas por lei.
O contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual, tendo carácter supletivo as regras constantes do presente regime, com os limites indicados na presente secção e os decorrentes da lei geral (vd. art. 11º do referido DL 72/2008).
As condições da apólice do seguro podem e devem ser objecto de interpretação, como quaisquer outras declarações de vontade e, de resto, tratando-se (além do mais) de cláusulas contratuais gerais teriam sempre de ser interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam (art. 10º do DL n.º 446/85, de 25-10).

Ao falar de cláusulas contratuais gerais têm-se em vista, em princípio, as cláusulas elaboradas, sem prévia negociação individual, como elemento de um projecto de contrato de adesão, destinadas a tornar-se vinculativas quando proponentes ou destinatários indeterminados se limitem a subscrever ou aceitar esse projecto (4).
As cláusulas contratuais gerais são um conjunto de proposições pré – elaboradas que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou aceitar (5).
“A noção básica pode ser decomposta em vários elementos esclarecedores. Assim, (i) as cláusulas contratuais gerais destinam-se ou a ser propostas a destinatários indeterminados ou a ser subscritas por proponentes indeterminados; no primeiro caso, certos utilizadores propõem a uma generalidade de pessoas certos negócios, mediante a simples adesão; no segundo, certos utilizadores declaram aceitar apenas propostas que lhes sejam dirigidas nos moldes das cláusulas contratuais pré – elaboradas; podem, naturalmente, todos os intervenientes ser indeterminados, sobretudo quando as cláusulas sejam recomendadas por terceiros (generalidade); (ii) – as cláusulas contratuais gerais devem ser recebidas em bloco por quem as subscreve ou aceite; os intervenientes não têm a possibilidade de modelar o seu conteúdo, introduzindo, nelas, alterações (rigidez) (6)”.
Deste modo, as cláusulas contratuais gerais, que se encontram submetidas ao regime fixado pelo DL nº 446/85, de 25/10 (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar nesta questão sem outra indicação de origem), na redacção introduzida pelos DL nº 220/95, de 31/01, nº 249/99, de 7/7, e nº 323/2001, de 17/12, “consistem em situações típicas do tráfego negocial de massas em que as declarações negociais de uma das partes se caracterizam pela pré – elaboração, generalidade e rigidez. Efectivamente, está-se nesses casos perante situações em que uma das partes elabora a sua declaração negocial previamente à entrada em negociações (pré – elaboração), a qual aplica genericamente a todos os seus contraentes (generalidade), sem que a estes seja concedida outra possibilidade que não seja a da sua aceitação ou rejeição, estando-lhes por isso vedada a possibilidade de discutir o conteúdo do contrato (rigidez) (7)”.
Para além disso, e como refere Menezes Cordeiro (8), as cláusulas contratuais gerais costumam caracterizar-se pela desigualdade entre as partes, pela complexidade e pela natureza formulária, ainda que estas características não sejam de verificação necessária.
“Efectivamente, costuma caracterizar as cláusulas contratuais gerais o facto de uma das partes ter uma posição social ou económica mais relevante, que lhe serve de justificação para impor a situação à outra parte. Para além disso, as cláusulas contratuais são normalmente completas e exaustivas, regulando todas as questões de verificação entre as partes, a um nível jurídico, não acessível a leigos.
Finalmente as cláusulas contratuais gerais constam normalmente de formulários, de letra reduzida e leitura difícil, que o aderente não examina detalhadamente, limitando-se a neles incluir os seus elementos de identificação (9).”.
Nas cláusulas contratuais gerais é manifesta a impossibilidade fáctica de uma das partes exercer a sua liberdade de estipulação, que fica assim apenas na mão da outra parte.
Porém, a limitação, jurídica ou meramente de facto, da liberdade do aderente não constitui óbice ao triunfo da tese contratual, pois não é a liberdade de estipulação que caracteriza o negócio jurídico e portanto o contrato, mas a autonomia de vontade, ou seja, a faculdade de regular por si os próprios interesses, ainda que dentro de esquemas legais preestabelecidos (10).
O conhecimento imperfeito do conteúdo do contrato, facto subjectivo de averiguação difícil, ocorrerá com mais frequência nos contratos deste tipo; mas não é fenómeno que só neles ocorra. Por isso, também não deve aceitar-se a modalidade da tese contratualista que restringe o acordo às condições particulares, dando como não vinculativas para o aderente as condições gerais (11).
Ainda assim, a manifesta impossibilidade fáctica de uma das partes exercer a sua liberdade de estipulação, que assim fica apenas na mão da outra parte, pode conduzir a efeitos perversos. “Um deles é a circunstância de o contrato poder ser celebrado sem que uma das suas partes se possa aperceber do seu conteúdo, só sendo confrontada com o regime contratual que aceitou no momento em que surge um litígio, quando naturalmente é demasiado tarde para reagir. O outro é a possibilidade fáctica de serem introduzidas no contracto cláusulas iníquas ou abusivas, em benefício de um dos contraentes, que qualquer contraente normal tenderia a rejeitar, se pudesse discutir as condições do contrato” (12).
Para evitar estes efeitos perversos, que podem ocorrer em relação a uma generalidade de contraentes, a lei tem que intervir no sentido de restringir a liberdade de estipulação, procurando, por um lado, evitar a introdução no contrato de cláusulas de que o outro contraente se não apercebeu e visando, por outro, impedir o surgimento de cláusulas iníquas.
Relativamente ao primeiro vector, ele é concretizado pela referência de que as cláusulas contratuais gerais se incluem nos contratos mediante a sua aceitação (art. 4º da LCCG).
Esclarecida a necessidade de aceitação, ficam naturalmente excluídas do contrato as cláusulas contratuais gerais não aceites especificamente por um contraente, ainda que sejam habitualmente usadas pela outra parte relativamente a todos os seus contraentes. Por outro lado, a exigência de aceitação determina a aplicação às cláusulas contratuais gerais das regras sobre a perfeição da declaração negocial, designadamente em caso de falta de consciência da declaração, erro ou incapacidade.
Mas, para além disso, mesmo que ocorra a aceitação, a lei impõe o cumprimento de certas exigências específicas para permitir a inclusão das cláusulas contratuais gerais no contrato singular. Essas exigências constam dos arts. 5º a 7º da LCCG, reconduzindo-se à (i) comunicação das cláusulas contratuais gerais à outra parte (art. 5º); (ii) à prestação de informação sobre aspectos obscuros nelas compreendidos (art. 6º) e (iii) à inexistência de estipulações específicas de conteúdo distinto (art. 7º).
Como exemplos típicos de contratos, contendo cláusulas contratuais gerais, costumam apontar-se os contratos de adesão, aqueles em que um dos contraentes – o cliente, o consumidor – como sucede, por exemplo (…), na generalidade dos contratos bancários, não tendo a menor participação na preparação e redacção das respectivas cláusulas se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado (13).
Contratos de adesão são, pois, aqueles cujas cláusulas são elaboradas sem prévia negociação individual e que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a subscrever ou aceitar.
Todavia, como resulta do nº 2 do art. 1º, o regime consagrado no DL nº 446/85 (redacção introduzida pelo DL nº 249/99), também se aplica às cláusulas inseridas em contractos individualizados, mas cujo conteúdo, previamente elaborado, os destinatários não podem influenciar.
Assim, relativamente à comunicação à outra parte, especifica a lei que a mesma deve ser integral (art. 5º/1) e ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária, para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento efectivo por quem use de comum diligência (art. 5º/2).
O grau de diligência postulado por parte do aderente, e que releva para efeitos de calcular o esforço posto na comunicação, é o comum (art. 5º/2, in fine). Deve ser apreciado in abstracto, mas de acordo com as circunstâncias típicas de cada caso, como é usual no Direito Civil.
O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe à parte que utilize as cláusulas contratuais gerais (art. 5º/3). Deste modo, o utilizador que alegue contratos celebrados na base de cláusulas contratuais gerais deve provar, para além da adesão em si, o efectivo cumprimento do dever de comunicar (cfr. art. 342º/1 do CC), sendo que, caso esta exigência de comunicação não seja cumprida, as cláusulas contratuais gerais consideram-se excluídas do contrato singular [art. 8º, a)], considerando ainda a lei não terem sido adequada e efectivamente comunicadas as cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real [art. 8º, c)] e as cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de uma das partes [art. 8º, d)].
Para além da exigência de comunicação adequada e efectiva, surge ainda a exigência de informar a outra parte, de acordo com as circunstâncias, de todos os aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justifique (art. 6º/1) e de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados (art. 6º/2).
Com efeito, “a conclusão esclarecida do contrato, base de uma efectiva autodeterminação, não se contenta com a comunicação das cláusulas. Estas devem ser efectivamente entendidas. Para o efeito, a LCCG prevê um dever de informação. O utilizador das cláusulas contratuais gerais deve conceder a informação necessária ao aderido, prestando-lhe todos os esclarecimentos solicitados, desde que razoáveis” (14).
Caso não tenha sido cumprida a exigência de informação, em termos de não ser de esperar o conhecimento efectivo pelo aderente, as cláusulas contratuais gerais consideram-se excluídas dos contratos singulares [art. 8º, b)].
É pacífico que às cláusulas do contrato de seguro é aplicável o regime legal do DL n.º 446/85, de 25/10.
É indiscutível face ao prescrito nos artigos 5º n.º 3 do citado DL que impende sobre a Ré Seguradora, que submete a outrem as cláusulas gerais, o ónus de provar ter cumprido o dever de comunicação.

No caso em apreço, entende o recorrente que não lhe tendo sido entregues as condições gerais do contrato de seguro celebrado, dos elementos que então lhe foram fornecidos e dados, ficou com a convicção que deles resultava sobre o risco coberto e garantido pela apólice em consequência de acidente para a ocorrência de uma situação de invalidez total e permanente, ser bastante a incapacidade permanente ou igual a 50%. Valendo na nossa lei quanto à declaração negocial, a teoria da impressão do destinatário (art. 236º do CC) e lembrando o DL 446/85 de 25-10 quanto às cláusulas não esclarecidas ou comunicadas, que se têm por excluídas nos termos do respectivo art. 8º, a).
Ora, quanto a esta factualidade, o que não se apurou foi tão somente que As Rés Companhia de Seguros A e Banco A, no circunstancialismo mencionado em 5) e 6), entregaram/remeteram ao Autor as condições gerais elencadas em 2). Todavia, o A. não alegou e logo também não provou, o que lhe cabia fazer, que a sua percepção sobre o conceito de incapacidade total e permanente quanto ao risco coberto e garantido pela apólice em consequência de acidente era o constante da referida nota informativa de fls. 32 e das condições particulares do contrato.
Temos, pois, como consta dos factos provados em 2. e 3., que o contrato de seguro em causa rege-se pelas condições gerais, pelas condições particulares e pelas condições especiais constantes do certificado de adesão (vd. ainda fls. 33), e não pela nota informativa indexada, que como dele consta, procura esclarecer, de uma forma sucinta e clara, as principais questões que por norma se colocam ... E, não se tendo provado que as RR. entregaram as condições gerais, ónus que a elas cabia, não se pode concluir que o A. não sabia da sua existência, já que as mesmas eram expressamente referidas no contrato por ele celebrado, ou que para a apólice, a pessoa segura se encontraria em situação de invalidez total e permanente por acidente, se em consequência de um apresentasse uma incapacidade de grau igual ou superior a 50% TNI, desde que clinicamente verificada e sobrevinda no decurso de 2 anos após a data do acidente, ou seja, que o risco coberto pela apólice no caso de invalidez total e permanente era o decorrente da impressão do A. conforme a nota informativa indexada ao contrato. Não sendo a nota informativa que molda o contrato, sendo antes o mesmo regulado pelas condições gerais e particulares como dele consta amiúde (cfr. factos provados em 2. e 3.). Não se entendendo qual a cláusula não comunicada que o A. pretende ver excluída nos termos do art. 8º, a) do DSL 446/85 de 25-10, já que constava expressamente do contrato que assinou a existência das condições gerais e nas condições particulares constantes remissões para aquelas.
Ademais, como bem se refere na sentença do Tribunal a quo, procedendo-se a uma densificação do conceito normativo-contratual de invalidez total e permanente, afere-se linearmente que o mesmo se reconduz a uma impossibilidade absoluta de exercício de qualquer actividade renumerada, sendo que a percentagem da incapacidade prefigura um plus com referência à antedita incapacidade profissional absoluta, o que se compagina com o indicado na al. a) da definição ínsita no art.º 1.º) das condições gerais (15).
E, quanto à teoria da impressão do destinatário, tal como se referiu no referido Ac. de 6-06-2013, mesmo que se considere a cláusula inválida na sua totalidade, não se nos afigura, que a situação de incapacidade do autor pode ser qualificada como invalidez absoluta e definitiva e consequentemente abrangida pelo âmbito do risco coberto. Quanto à interpretação do clausulado do contrato de seguro, vale, conforme é entendimento pacífico o regime geral do Código Civil (arts. 236.º a 239º) com as especificidades decorrentes dos arts. 7.º, 10.º e 11.º do DL. n.º 446/85, de 15.10, a que acresce o disposto nos arts. 8.º e 9.º do DL. n.º 176/95, de 26.07, sobre regras de transparência para a actividade seguradora. (…) O n.º 1 do artigo 236º do CC estipula: “ a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. Este artigo, consagra, na primeira parte, a denominada teoria da impressão do destinatário. Dele resulta que o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Como escreve Manuel de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, pág. 311 e 312, na interpretação dos negócios jurídicos prevalece o sentido objectivo que se obtenha do ponto de vista do declaratário concreto, supondo-o uma pessoa razoável. Atento o disposto no n.º 2 do art. 11º do DL 446/85, de 25/10, na dúvida quanto à interpretação de cláusulas contratuais gerais ambíguas prevalece o sentido interpretativo mais favorável ao aderente, tendo em consideração a situação de vantagem em que se encontra o predisponente no plano técnico e jurídico. Retomando a questão essencial, como decidiu o acórdão do STJ de 29.03.2011, relatado pelo Cons. Alves Velho proferido no processo n.º 313/07.0TBSJM.P1.S1, no sítio do ITIJ, “uma invalidez absoluta e definitiva será, para um declaratário normal, um estado da pessoa que o deixa totalmente (completamente, sem restrição) incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua actividade, designadamente a laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência.” No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 22.01.2009, publicado na CJ, STJ, Tomo I/2009, p. 78, onde se decidiu: “ Sendo o risco coberto, para além da morte, a invalidez absoluta definitiva, mesmo não havendo especificação do conceito dessa invalidez, o declaratário médio e medianamente sagaz, não pode deixar de entender que a mesma se refere a todo e qualquer trabalho que não apenas ao trabalho habitual do segurado”.

No caso provou-se que o A. nasceu em 8-01-1968 e é agente de PSP, exercendo actualmente funções nos serviços administrativos (cfr. facto provado em 15.). Não se está, pois, perante uma situação em que o A. tenha ficado numa situação de invalidez total e permanente, ou seja, esteja incapacitado de exercer qualquer actividade renumerada.
O A. sobre quem recai o ónus de provar a invalidez total e permanente, como elemento constitutivo do seu direito, limitou-se a alegar conclusivamente esse conceito que não provou.

Improcede, pois, o recurso, com custas a pagar pelo recorrente (art. 527º do CPC).
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I - Num contrato de seguro, enquanto contrato de adesão, cabe ao destinatário da cláusula que pretende afastá-la, ou a quem beneficia desse afastamento, o ónus de alegação, competindo ao predisponente, face a tal alegação, alegar e provar o efectivo cumprimento dos deveres de comunicação e informação.
II - O conhecimento imperfeito do conteúdo do contrato, facto subjectivo de averiguação difícil, ocorre frequentemente nos contratos deste tipo, mas não é fenómeno que só neles ocorra. Por isso, não deve aceitar-se a modalidade da tese contratualista que restringe o acordo às condições particulares, dando como não vinculativas para o aderente as condições gerais.
III - Uma invalidez total e permanente refere-se, segundo um declaratário normal, a um estado de incapacidade para todo e qualquer trabalho e para o resto da vida.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo recorrente e consequentemente manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 26-10-2017

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Raquel Baptista Tavares)

1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – V.Real – JC Cível – Juiz 2
2. Vide, entre outros, Pedro Romano Martinez, Contractos Comerciais, Principia, 2006, pág. 73 e José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, pág. 20, e os acórdãos do STJ de 02-10-1997 e 10-12-1997 in CJ-STJ, ano V, Tomo 3, págs. 45 e 158.
3. Cfr., designadamente, os acórdãos da RP de 15-03-1999 e da RL de 09-11-2010 - processo 1870/08.0TVLSB.L1-7, in CJ, XXIV, 2, 182 e “site” da dgsi, respectivamente.
4. Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contractos em Geral, Refundido e Actualizado, página 318.
5. Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, página 413.
6. António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, páginas 413/414.
7. Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, 8ª edição, página 32.
8. Manual de Direito Bancário, página 414.
9. Menezes Leitão, Obra citada, página 33.
10. Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contractos em Geral, página 313.
11. Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contractos em Geral, página 313.
12. Menezes Leitão, Obra citada, página 33.
13. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 1ª edição, página 252/253.
14. Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, página 429.
15. vd. Ac. da RP de 6-06-2013, proc. n.º 30077/08.7TBVCD.P1, in www.dgsi.pt, de cujo sumário consta: I- Num contrato de seguro, enquanto contrato de adesão, cabe ao destinatário da cláusula que pretende afastá-la, ou a quem beneficia desse afastamento, o ónus de alegação, competindo ao predisponente, face a tal alegação, alegar e provar o efectivo cumprimento dos deveres de comunicação e informação. II- Padece de nulidade a cláusula que estabelece que a pessoa segura só é considerada em estado de invalidez absoluta e definitiva quando necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária, por limitar excessivamente as obrigações assumidas na contratação pela seguradora, violando o princípio da boa fé. III- Mas já não padece daquele vício a cláusula que considera a pessoa segura em estado de invalidez absoluta e definitiva quando, em consequência de doença susceptível de constatação médica objectiva, fique total e definitivamente incapacitada de exercer qualquer profissão. IV-Uma invalidez absoluta e definitiva refere-se, segundo um declaratário normal, a um estado de incapacidade para todo e qualquer trabalho e para o resto da vida.