CONTRATO DE CONSÓRCIO
PERSONALIDADE JURÍDICA
COMITENTE
EMPREITADA
Sumário

I-O consórcio de sociedades formado nos termos do DL nº 231/81 não possui personalidade jurídica.
II - Tendo sido causados a terceiro danos no âmbito da execução de uma empreitada levada a cabo pelas sociedades consorciadas, em regime de consórcio externo, respondem estas solidariamente pela respectiva reparação.
III-O dono da obra não pode ser responsabilizado como comitente pelo dano produzido pelo empreiteiro.

Texto Integral

Acordam em conferência na 1ª Secção Cível da Relação de Guimarães:

M… intentou, pelo Tribunal Cível da Comarca de Viana do Castelo, acção com processo na forma ordinária contra Vianapolis - Sociedade para o Desenvolvimento do Programa Polis em Viana do Castelo, S.A., A… e Filhos, S.A. e A.. - Companhia de Seguros, S.A., peticionando a condenação das Rés no pagamento da quantia de €112.490,60, acrescida de juros de mora desde a citação.
Alegou para o efeito, em síntese, que quando caminhava em local onde a 2ª Ré, como empreiteira, procedia a uma obra de que era dona a 1ª Ré, sofreu um acidente causado pelas condições irregulares em que os trabalhos decorriam. Do acidente advieram-lhe os danos patrimoniais e não patrimoniais que descreve. As 1ª e 2ª Ré são responsáveis pela reparação do dano em virtude de terem omitido culposamente os deveres de cuidado e prevenção que era suposto terem adoptado. Também a 3ª Ré é responsável, pois que a empreiteira havia celebrado com ela contrato de seguro tendente à cobertura da responsabilidade civil que para a dita Ré resultasse da execução da obra.
Contestaram as Rés, concluindo, com fundamentos vários, pelo insucesso da acção.
Entretanto, a Autora fez intervir principalmente, e como associadas da 2ª Ré, D…, S.A. e C…, Lda., por isso que a empreitada ao abrigo da qual a obra em causa estava a ser executada fora contratada com todas as três, que para o efeito se haviam consorciado.
A final foi proferida sentença que decidiu condenar nos seguintes termos: “As Rés Vianapolis – Sociedade de Desenvolvimento do Programa Polis em Viana do Castelo, o consórcio, chamado, ACF/DST/CE de que faz parte integrante a ré “A… & Filhos, Lda.”, solidariamente, a pagarem à autora M…, a título de danos patrimoniais, a quantia de sessenta e sete euros e setenta e três cêntimos (€ 67,73), acrescida de uma importância indeterminada, a liquidar em conformidade com o estipulado pelo artigo 661º, nº 2, do Código de Processo Civil, relativa aos danos não patrimoniais e futuros sofridos pela autora, bem como a Companhia de Seguros…, SA, no mesmo pagamento, até ao limite da respectiva cobertura, € 1.250.000,00, sem prejuízo da franquia que convencionaram, de dez por cento, no mínimo € 5.000,00”. Mais foram as Rés condenadas no pagamento de juros de mora.

Inconformadas com o assim decidido, apelam as Rés A…& Filhos, S.A. e Vianapolis - Sociedade de Desenvolvimento do Programa Polis em Viana do Castelo, S.A.

+

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Ter-se-á em conta que o teor das conclusões define o âmbito do conhecimento deste tribunal ad quem, e que importa conhecer de questões, e não de fundamentos ou razões que às questões subjazam.

+

Da sua alegação extrai a Apelante A… & Filhos, S.A. as seguintes conclusões:

A) É o presente recurso interposto da sentença proferida pelo tribunal a quo e pela qual se terá condenado a ora Recorrente, juntamente com outras entidades e em regime solidário, a indemnização à Autora, com base em responsabilidade civil extracontratual e em vertente ilícita por parte daquela.
B) Atenta a matéria que foi tida como provada em tal sentença e contrariamente ao constante da mesma, in casu, não se verificam os pressupostos de tal responsabilidade civil extracontratual atinentes a uma “imputação do facto ao lesante” e um “nexo de causalidade entre o facto e o dano”, melhor explicitando, não foi lograda prova de que o sinistro ocorrido com a Autora seja imputável à Recorrente e que o dano clamado pela Autora se prenda (e em exclusivo!) com tal sinistro, dando por adquirido que tal prova competia ao lesado (a), nos termos constantes sob arts. 342º, nº 1 e 487º do CCivil.
C) Assim fez a sentença sob recurso menos adequado enquadramento dos preceitos legais na mesma referenciados à matéria que teve como provada, violando-os, designadamente os contidos sob os arts. 483º, 487º e 492º do CCivil.
D) Pelo que deve ser substituída por decisão que absolva a Recorrente do peticionado.

+

Da sua alegação extrai a Apelante Vianapolis - Sociedade de Desenvolvimento do Programa Polis em Viana do Castelo, S.A. as seguintes conclusões:

I. A Vianapolis é uma sociedade comercial pública também designada de empresa pública, integrada no sector empresarial do Estado e vinculada ao respectivo regime jurídico, e dotada de verdadeiras funções e poderes públicos de autoridade em paridade com o Estado, designadamente no âmbito da protecção, desocupação, demolição e defesa administrativa da posse dos terrenos, instalações que lhe estejam afectas e direitos conexos a uns e a outras, bem como das obras por elas executadas ou contratadas, sendo-lhe ainda atribuídos direitos públicos, tais como requerer a declaração de utilidade pública para efeitos de expropriação, direito de utilizar, fruir e administrar bens do domínio público e do domínio privado do Estado, poderes de ocupação de terrenos particulares, nos termos da lei, tendo ainda competência para elaborar planos de urbanização e planos de pormenor nas zonas de intervenção.
II. Trata-se de poderes e de competências de natureza pública, necessariamente exercidos como tal e segundo regras e princípios de direito público, sendo-lhe tais poderes conferidos com um único objectivo de prossecução do interesse público nacional em matérias de reordenamento urbano, valorização urbanística e ambiental de espaços urbanos.
III. A Vianapolis não é uma sociedade comercial regida pelo direito privado nem realizando actividades de gestão privada, mas antes uma verdadeira empresa pública dotada de prerrogativas e de poderes públicos de autoridade em ordem ao cumprimento do respectivo objecto, sendo equiparada, pois, a uma entidade administrativa.
IV. A Vianapolis celebrou com o consórcio ACF/DST/CE, não um contrato de empreitada de obras particulares ao abrigo do disposto no art. 1.207.º do CC, mas antes um contrato de empreitada de obras públicas ao abrigo do DL n.º 59/99, de 02.03, (Regime Jurídico das Empreitas de Obras Públicas) em vigor à data da respectiva celebração, estando, por isso, sujeito a um regime de direito público e não de direito privado.
V. Constitui, em especial, obrigação do empreiteiro (art. 24.º/2/b) do DL. n.º 59/99 de 02.03), a execução dos trabalhos necessários para garantir a segurança de todas as pessoas que trabalhem na obra e do público em geral, sendo que da cláusula 12.ª do contrato celebrado entre a dona da obra e o empreiteiro decorre expressamente que, para além dos seguros obrigatórios, o empreiteiro ficava obrigado a celebrar um contrato de seguro de responsabilidade civil exploração que garantisse eventuais danos emergentes dos trabalhos objecto do contrato e em que figurassem como segurados, todos os subempreiteiros, montadores e/ou tarefeiros e o dono da obra, contrato esse que foi celebrado.
VI. Constitui entendimento uniformizado na nossa jurisprudência o facto de no contrato de empreitada, seja ele de natureza privada, seja de natureza pública, não existir qualquer vínculo de subordinação do empreiteiro em relação ao dono da obra, pelo que aquele, em princípio, responde pelos danos causados a terceiro com a execução das obras (cfr. Acs. do STJ de 10/12/1998 - Proc. n.º 98B987, de 18/02/1999 - Proc. n.º 98B1190 in: «www.dgsi.pt/jstj»; Acs. do STA de 07/11/1995 - Proc. n.º 037205, de 17/10/1996 - Proc. n.º 039310, de 20/12/2000 - Proc. n.º 046388, de 09/05/2002 - Proc. n.º 048181 in: «www.dgsi.pt/jsta»).
VII. A responsabilidade do empreiteiro por danos provocados a terceiros durante a execução das obras desde há muito que vem consignada nos sucessivos diplomas que regularam a matéria. – cfr. arts. 34º e 36º do DL. 488/71, de 19.02.69, 39º e 41º do DL. 235/86, de 18.08, 38º e 40º do DL. 405/93, de 10.12 e 36º e 38º do DL. 59/99, de 02.03,sendo que não existe no regime jurídico de nenhum desses diplomas e, mais concretamente, no DL. 59/99, de 02.03, nenhum princípio geral de responsabilização do dono da obra decorrente dos prejuízos provocados pelo empreiteiro no âmbito da execução do contrato de empreitada. – Ac. do STA de 22.05.2003 e Ac. do TCA – Norte de 18.09.2008 in, http://www.dgsi.pt/jstansf/ e http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/
VIII. O que existe é, em primeira linha, a responsabilização geral do empreiteiro, cingindo-se a responsabilidade do dono da obra aos prejuízos resultantes da obediência do empreiteiro às ordens ou instruções transmitidas pelo fiscal por aquele nomeado, ou que hajam obtido a sua concordância expressa, e também daqueles outros em que tenha havido erros de concepção do projecto imputáveis ao dono da obra. – cfr. os citados Acs. do STA e do TCA- Norte, - sendo que não é esse, manifestamente, o caso dos autos, nem sequer vem alegado em qualquer parte do processo qualquer facto donde possa resultar qualquer responsabilidade da ora recorrente, uma vez que nenhuma ordem ou instrução escrita foi transmitida pelo fiscal de obra ou por si aceite que tenha sido causa directa de quaisquer danos eventualmente provocados à Autora e ora recorrida.
IX. A falta de responsabilidade da Vianapolis resulta igualmente do disposto no art. 500º do C. Civil, uma vez que o contrato de empreitada de obras públicas constitui uma modalidade do contrato de prestação de serviços, no qual entre o dono da obra e o empreiteiro não existe uma relação de subordinação deste à direcção daquele, pelo que, quaisquer danos causados a terceiros durante a realização da empreitada serão normalmente da exclusiva responsabilidade do empreiteiro, pois o dono da obra só haverá de responder por tais prejuízos se eles se filiarem em facto que lhe seja directamente imputável, o que não nem sequer foi alegado nos autos. – Vaz Serra, in Bol. 245, pág. 37, P. Lima/ª Varela, in Cód. Civ. Anot., II, 2ª ed., págs. 702 e segs -, inexistindo, por isso, entre eles o vínculo próprio das relações entre comitente e comissário. – Ac. Rel. Porto de 21.1.77, in Col. Jurp., 1977, tomo 2, pág. 73 e ª do STJ de 30.01.79, in BMJ, 283, pág. 301.
X. O empreiteiro não actuou sob mandato da Vianapolis, nem os factos provados nos autos são imputáveis a esta por força da aplicação do regime legal das relações entre comitentes e comissários, pelo que não se verificando preenchidos os requisitos da responsabilidade civil extra-contratual em relação à ora recorrente, não está a mesma constituída no dever de indemnizar a A.
XI. A recorrente não é, pois, responsável por quaisquer danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela recorrida, pelo que não está constituída na obrigação de a indemnizar.
XII. Salvo o devido respeito, foram violadas, entre outras, as normas dos arts. 36º e 38º do DL. 59/99, de 02.03 e do art. 500.º do CC.

Termina dizendo que deve ser absolvida do pedido.

+

A parte contrária contra-alegou, concluindo pela improcedência da apelação.

+

Estão provados os factos seguintes:

I - Constantes da matéria de facto dada como assente:

A) A primeira Ré, Vianapolis, tem por objecto social o desenvolvimento de acções estruturantes em matéria de requalificação ambiental e urbana, dinamização de actividades turísticas, culturais, desportivas ou outras intervenções que contribuam para o desenvolvimento económico e social da respectiva área de intervenção.
B) Na prossecução dessa actividade, insere-se a realização da obra de construção do parque de estacionamento subterrâneo e arranjo de superfície do Campo do Castelo, nesta cidade.
C) Nessa qualidade, como dona da obra, adjudicou ao consórcio constituído pelas empresas “A… & Filhos, S.A.”, “D…, S.A.” e “C…, Lda.”, a execução da empreitada mencionada em A), no ano de 2005.
D) Para cobertura de quaisquer danos causados a terceiros na execução da referida empreitada, o referido consórcio transferiu para a 3ª ré, Companhia de Seguros…” a sua responsabilidade civil, nos termos do contrato de seguro titulado pela apólice nº 0084 10 019517 - contrato de seguro de fls. 159 e 55, que aqui se dá por reproduzido.

II - Constantes das respostas à matéria da base instrutória:

1) No dia 12 de Maio de 2006, pelas 16.00 horas, a A. caminhava no Campo do Castelo, nesta cidade, pelo passeio contíguo aos prédios voltados a poente, mais concretamente junto ao edifício em cujo rés-do-chão se encontra instalada uma loja comercial denominada “Loja dos 300”, com entrada pelo número cinco, no sentido norte-sul. - Quesito 1ºf
2) Tal passeio permite não só a circulação das pessoas que residem nos prédios construídos nesse local, como também de qualquer peão que se queira dirigir aos comércios, bancos, agência de seguros aí instaladas, ou à zona de feira semanal que, no espaço mais abaixo desse mesmo Campo do Castelo, se realiza todas as sextas-feiras. - Quesito 2º
3) Esse local se encontrava em obras, englobado nas referidas na al. B) da matéria assente, e essas obras estavam a ser efectuadas pelo consórcio referido na al. C) dessa mesma matéria. - Quesito 3º
4) No local referido no quesito 1°, existia, em toda a extensão daquele passeio, uma vala rasgada no pavimento, tipo rego a céu aberto. - Quesito 4º
5) Essa vala não só pôs o passeio mais estreito, como também junto ao comércio referido em 1°, originou a existência um buraco com cerca de 70 cm de diâmetro e com profundidade superior a 15/20 cm. - Quesito 5º
6) Para permitir o trânsito que se processava nesse passeio, no sentido norte-sul e sul-norte, sobre o buraco referido no quesito anterior, os trabalhadores do consórcio empreiteiro colocaram uma tábua de madeira, solta. - Quesito 6º
7) Essa tábua de madeira tinha entre 15 a 20 cm de largura e cerca de 1,30 m de comprimento. - Quesito 7º
8) Saía cerca de 30 cm para cada lado do buraco. - Quesito 8º
9) Nesse local não existia sinal algum a assinalar a presença do buraco, nem havia tapume ou qualquer outro tipo de resguardo para o buraco a não ser a aludida tábua de madeira. - Quesito 9º
10) Alcançado o local onde essa tábua se encontrava, os peões eram obrigados a aguardar a sua vez, dado que aquela tábua só permitia a passagem de uma única pessoa quer no sentido norte-sul, quer no inverso. - Quesito 10º
11) Quando a A. chegou ao local onde aquela tábua se encontrava a sobrepor o aludido buraco, passou à sua frente uma senhora, que também caminhava no sentido norte-sul. - Quesito 11º
12) Imediatamente atrás daquela Senhora estava a A., que se preparava para pisar aquela tábua de madeira e transpor o mencionado buraco. - Quesito 12º
13) Quando a aludida Senhora pisou a tábua, sensivelmente a meio do espaço do buraco, aquela arqueou e levantou as extremidades. - Quesito 13º
14) Nesse instante, quando a autora avançou sobre essa tábua, para transpor o buraco, devido à elevação da extremidade norte daquela enfiou o seu pé esquerdo por baixo dessa tábua, ficando preso, ao mesmo tempo que tombou para a frente, não caindo ao solo por ter sido imediatamente amparada pelo seu marido, que seguia logo atrás. - Quesito 14
15) A Autora ficou ferida, e foi de imediato transportada ao Centro Hospitalar do Alto Minho. - Quesito 15º
16) Como consequência directa, necessária e imediata do referido acidente, advieram dores muito fortes à A., no pé esquerdo. -Quesito 16º
17) No Hospital foi colocada uma bota gessada no pé esquerdo. - Quesito 17º
18) No dia 12/05/2006, a autora foi assistida no Serviço de Urgência do CHAM, foi-lhe efectuado Rx e feito diagnóstico de fractura do 1º metatársico do pé esquerdo, imobilizada com bota gessada e orientada para a Consulta de Ortopedia Hospitalar. Em 29/06/2006, foi internada no CHAM, por ter efectuado Rx e ter sido diagnosticada “Luxação de Lisfranc”, que não foi de início diagnosticada. - Quesitos 18º e 19º
19) Nesse dia 29/06/2006, foi sujeita a intervenção cirúrgica, tendo sido efectuada redução da luxação e fixação com 3 fios de Kirschener percutâneos, seguidos de imobilização gessada. - Quesito 20º
20) Como consequência directa e necessária do sinistro, resultou para a autora fractura-luxação divergente de Lisfranc (tipo C de Myersen) do pé esquerdo. - Quesito 21º
21) Nos dias 01.07.2006 e 02.07.2006, passou a fazer treino de utilização de andarilho. - Quesito 22
22) No dia 02.07.2006, fez também elevação dos membros inferiores - Quesito 23º
23) No dia 05.07.2006, foram-lhe prestados cuidados de saúde, tais como tratamentos à ferida cirúrgica e remoção de pontos/agrafos. - Quesito 24º
24) A A. teve alta hospitalar no dia 06.07.2006. - Quesito 25º
25) A A. andou 8 semanas com bota gessada. - Quesito 26º
26) Passou a andar com 2 canadianas, desde que saiu do Hospital e durante cerca de 4 meses, nomeadamente durante todo o Verão de 2006 - Quesito 27º
27) Ao fim de 2 meses tirou a bota gessada. - Quesito 28º
28) Nessa data, ou seja, em Setembro de 2006 iniciou marcha e fisioterapia durante 3 meses. - Quesito 29º
29) À data em que foi sujeita a exame médico-legal no âmbito do presente processo, em 01/05/2008, a autora apresentava no membro inferior esquerdo duas cicatrizes verticais ao longo do metatarso, de 9 e 10 cm, dismorfia volumosa do metatarso, diminuição da sensibilidade do 1/3 distal do pé, rigidez tibiotársica a 90º, marcha claudicante e edema vespertino. Entretanto, ainda no ano de 2008, no mês de Setembro ou Outubro, foi sujeita a nova intervenção cirúrgica a esse membro, não estando ainda fixadas e quantificadas as sequelas de que ficou portadora. - Quesito 30º
30) À data em que foi sujeita a exame médico-legal no âmbito do presente processo, em 01/05/2008, a autora apresentava como sequela das lesões sofridas uma IPG de 18%, compatível com o exercício da actividade habitual, mas implicando esforços suplementares. Actualmente, após a intervenção referida na resposta ao quesito anterior, a autora apresenta uma IPG ainda não quantificada. - Quesito 31º
31) Antes da queda, a A. não sofria de qualquer tipo de limitação física, sendo uma pessoa saudável. - Quesito 32º
32) Nessa altura, estava desempregada, dedicando-se às lides domésticas e à educação do filho menor de 14 anos de idade. - Quesito 33º
33) A Autora despendeu a quantia de € 12,61 na aquisição de canadianas, € 18,40 num pé elástico, € 12,10 numa compressa de calor e € 18.92 em ligaduras adesivos. Para além de € 5.70 em medicamentos - Quesito 34º
34) A A. passou noites de insónias, dias angustiados e de sofrimento. -Quesito 35º 35) Teve dificuldades em se adaptar ao andarilho e sofreu transtornos e aborrecimentos com as sucessivas deslocações ao hospital, médicos e sessões de fisioterapia durante vários meses. - Quesito 36º
36) Fez um esforço físico e mental para andar de canadianas, que muito a fizeram cansar durante o Verão. - Quesito 37º
37) Teve dificuldade em realizar as tarefas domésticas durante todo o tempo em que esteve com o pé engessado. -Quesito 38º
38) Tal facto deixou-a perturbada e nervosa. - Quesito 39º
39) Ainda hoje sente muitas limitações em tais tarefas, como lavar, esfregar, ajoelhar-se. - Quesito 40º
40) Sente-se desgostosa por já não poder trabalhar como antes do acidente o fazia - Quesito 41º
41) A Autora, em consequência das sequelas resultantes das lesões sofridas, sente-se envergonhada e revoltada, principalmente por causa da marcha claudicante, o que a entristece e leva a evitar sair de casa. - Quesitos 44º, 45º e 46º
42) A detecção tardia da lesão que a autora apresentava em consequência do sinistro potenciou as sequelas existentes, que seriam minimizadas caso essa lesão tivesse sido diagnosticada e tratada precocemente. - Quesito 47º
43) A obra referida na al. B) da matéria assente estava sujeita a fiscalização permanente. - Quesito 52º.

+

Esta factualidade não vem posta em causa no presente recurso, nem nós encontramos fundamento probatório para a modificar oficiosamente, pelo que consideramos fixada a base factual da causa.

+

Quanto à Apelação da Ré A… & Filhos, S.A.:

Da alegação desta Apelante ressalta que começa por estar subjacente à sua discordância a forma como o dispositivo da sentença recorrida se encontra redigido. E, de facto, tal dispositivo apresenta-se formalmente algo confuso (o que aliás mereceu um pedido de aclaramento, que foi desatendido), por isso que, formalmente, poderá porventura sugerir que se quis destacar (não se entende bem porquê) a condenação pessoal da ora Apelante no confronto das outras duas consorciadas. As dúvidas provavelmente ainda se adensarão mais se se tiver em conta que tal dispositivo reporta-se também à condenação do consórcio (e não, como devia, à condenação de cada uma das três sociedades que integram o consórcio), na certeza de que o consórcio não possui personalidade jurídica.
Mas esta confusão é visivelmente aparente. Pois que, se se ler atentamente a fundamentação da sentença (bem como o despacho que desatendeu o pedido de aclaramento), ver-se-á, sem margem para qualquer dúvida razoável, que o tribunal recorrido entendeu que as três empresas que integram o consórcio eram todas responsáveis solidárias (entre si) pela reparação do dano, recaindo a condenação sobre todas as três. Quer dizer, a ora Apelante não responde nem mais nem diferentemente das outras duas.
Mas, à parte isto, entende a Apelante que devia ter sido absolvida do pedido, uma vez que da factualidade apurada não resulta qualquer responsabilidade pessoal sua na produção do dano.
Mas não pode ser assim.
Isto pelo seguinte:
Não há dúvidas (nem isso vem contestado no recurso) que no âmbito da empreitada contratada com as três sociedades reunidas em consórcio vieram a ser causados danos à Autora. Mais concretamente, está provado que o dano teve a sua causa na forma como os trabalhadores do consórcio agiram (v. pontos 6º e segts. da factualidade acima descrita).
De outro lado, pese embora a acção tenha sido intentada apenas contra a ora Apelante como empreiteira, é certo que se fez intervir (intervenção principal) no processo, como associadas daquela, as outras duas sociedades que integram o consórcio empreiteiro. Ou seja, a acção passou a seguir contra as três sociedades consorciadas, que constituem, portanto, a parte empreiteira.
Entretanto, e conforme aliás resulta alegado no artigo 5º da contestação que a ora Apelante ofereceu, é de concluir, dentro da nomenclatura estabelecida no art. 5º do DL nº 231/81, que estamos perante um consórcio externo. Efectivamente, do contrato de empreitada celebrado resulta a visibilidade do consórcio, isto é, as sociedades que integravam o consórcio apresentaram-se a prestar o seu serviço no contexto de tal contrato de empreitada com a expressa invocação da qualidade de membros do consórcio. Todavia, é importante acrescentar que o referido serviço foi facultado pelas três sociedades sem qualquer discriminação da concreta actividade de cada uma, de forma que é forçoso concluir que se tratou de uma prestação simultaneamente de cada uma e de todas.
De que forma respondem então as consorciadas pelo dano causado à terceira, a Autora?
Como refere Raul Ventura (Primeiras Notas sobre o Contrato de Consórcio, Revista da Ordem dos Advogados, 1981, III, p. 688), não tendo o consórcio personalidade jurídica, a responsabilidade civil há-de recair sobre os membros do consórcio e para determinar qual deles, no caso concreto, é civilmente responsável, haverá que aplicar as regras gerais, que a existência do contrato de consórcio só por si não altera. De observar, a propósito, que o que se possa estabelecer atinentemente no contrato de consórcio não releva para o caso, pois que, como ainda expende Raul ventura (ob. cit., p. 686), o regime da obrigação contraída entre os membros do consórcio e um terceiro é o decorrente da fonte dessa obrigação e não do contrato de consórcio, por isso que este contrato não vincula o terceiro (é uma res inter alios acta relativamente ao terceiro). Significa isto que, no caso sub judice, irreleva o que atinentemente se estabelece no artigo 13º do contrato de consórcio quanto à responsabilidade das três sociedades consorciadas relativamente a terceiros.
Ora, como acima se destacou, está provado que o acidente sofrido pela Autora teve como causa a forma como os trabalhadores do consórcio - e não os trabalhadores desta ou daquela sociedade consorciada em particular - agiram. Ou seja, está provado que na origem do acidente estão as três sociedades consorciadas (por acção dos seus trabalhadores), e não apenas alguma ou algumas delas. O que, diga-se de passagem, tem toda a lógica, na medida em que nem no firmado contrato de consórcio nem no firmado contrato de empreitada se estabeleceu que os serviços que iriam ser executados no local onde o acidente se verificou competiam concretamente apenas a alguma das consorciadas.
Portanto, a responsabilidade não pode ser vista como restrita a esta ou àquela das consorciadas, como haveria de ser se acaso apenas alguma das consorciadas tivesse estado na emergência do dano (v. nº 3 do art. 19º do DL nº 231/81). Pelo contrário, todas as três sociedades consorciadas estão na origem do acidente, pelo que são responsáveis pela reparação do dano causado à Autora. Efectivamente, e contra o que pretende a ora Apelante, concorrem relativamente às três sociedades envolvidas no consórcio - e, como assim, também relativamente à Apelante - todos os pressupostos da obrigação de indemnizar fundada na responsabilidade civil extracontratual, quais sejam, o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade. Tudo conforme dito na sentença recorrida, e que aqui não interessa estar a repetir.
De outro lado, a co-responsabilidade da ora Apelante e suas consorciadas é solidária entre si, como resulta do art. 100º do CComercial.
Foi assim que decidiu a sentença recorrida e, pelo que fica dito, bem.
Improcedem pois as conclusões da apelação, sendo de manter o decidido atinentemente na sentença recorrida.

+

Quanto à apelação da Ré Vianapolis - Sociedade de Desenvolvimento do Programa Polis em Viana do Castelo, S.A.:

Esta Ré foi constituída pelo Decreto-Lei nº 186/2000, isto com vista às intervenções, para a zona de Viana do Castelo, previstas no Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades, Programa POLIS (cujas orientações gerais foram consagradas pela Resolução do Conselho de Ministros nº 26/2000). De acordo com tal diploma, cabe-lhe a natureza de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (o capital é participado unicamente pelo Estado e pelo município de Viana do Castelo), regendo-se pelo regime jurídico do sector empresarial do Estado (o que nos leva em primeira linha ao DL nº 558/99, que estabelece precisamente o regime jurídico do sector empresarial do Estado, incluindo as bases gerais do estatuto das empresas públicas e das empresas detidas, directa ou indirectamente, por entidades públicas estaduais), pelo supra referido diploma e pelos respectivos estatutos. Foram-lhe atribuídos, com vista à prossecução dos seus fins, os poderes para requerer a declaração de utilidade pública da expropriação de quaisquer imóveis e direitos constituídos sobre os mesmos que se reputem necessários à prossecução do seu objecto social, bem como o direito de utilizar, fruir e administrar os bens do domínio público e do domínio privado do Estado que estejam ou venham a estar afectos ao exercício da sua actividade. Outrossim, foram-lhe conferidos os poderes e as prerrogativas do Estado quanto à protecção, desocupação, demolição e defesa administrativa da posse dos terrenos e instalações que lhe estejam afectos e direitos conexos a uns e outras, bem como das obras por si executadas ou contratadas, podendo ainda, nos termos da lei, ocupar temporariamente os terrenos particulares de que necessite para estaleiros, depósitos de materiais diversos, alojamento de pessoal operário, instalações de escritórios e outras finalidades relativas à execução ou coordenação de obras. Interessa acrescentar que, nos termos do DL nº 314/2000, a realização das intervenções aprovadas ao abrigo do Programa Polis e projectos de reordenamento urbano daí resultantes reveste-se de relevante interesse público nacional, como instrumentos de reordenamento urbano, valorização urbanística e ambiental de espaços urbanos.
Por conseguinte, estamos perante uma entidade constituída segundo uma forma própria das sociedades comerciais privadas, mas que visa essencialmente a prática de actos de gestão pública, e que, nessa medida, se rege juridicamente fora do quadro do direito privado.
Entretanto, celebrou com as sociedades do consórcio ora em causa o contrato de empreitada que está documentado nos autos. Contrato que não pode ser visto senão como de empreitada de obras públicas (nos termos do art. 1º do DL nº 59/99, que aprovou o regime jurídico das empreitadas de obras públicas, entende-se por obras públicas quaisquer obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, limpeza, restauro, reparação, adaptação, beneficiação e demolição de bens imóveis, destinadas a preencher, por si mesmas, uma função económica ou técnica, executadas por conta de um dono de obra pública).
Diz a ora Apelante que não pode ser responsabilizada pelo dano sofrido pela Autora.
Temos como evidente a sua razão.
Efectivamente, da matéria de facto que vem provada não decorre que a Apelante tenha cometido algum acto ilícito e culposo que tenha estado na base do dano sofrido pela Autora. Ao consórcio empreiteiro, como entidade que realizava a obra e que detinha o controlo do processo causal material, é que competia criar e observar as condições de segurança no local, em ordem a que terceiros não fossem afectados. Não à dona da obra.
Também não responde objectivamente, pelo risco, pois que em sítio algum prevê a lei uma tal responsabilização. Designadamente, não se verifica qualquer responsabilização da Apelante como comitente (v. arts. 500º e 501º do CCivil), tanto porque não se está perante uma actividade de gestão privada, como porque na relação jurídica de empreitada não se surpreende uma relação de subordinação do empreiteiro ao dono da obra, e é precisamente esta relação de subordinação que dá fundamento à responsabilização do comitente (v. a propósito, entre uma infinidade de outros, o Ac do STJ de 30.1.79 [BMJ 283, p. 301] e o Ac da RÉvora de 8.11.90 [Col Jur, 1990, V, p. 247]). De acrescentar que esta orientação não é posta em causa pelo DL n.º 59/99. Como é entendimento pacífico, tal diploma, conquanto admita a responsabilização do dono da obra, restringe todavia essa responsabilização aos prejuízos emergentes de ordens ou instruções do fiscal nomeado pelo dono da obra, ou que hajam obtido a sua concordância expressa, ou àquelas situações em que tenha havido erros de concepção do projecto imputáveis ao dono da obra, ou ainda às situações em que sobre o dono da obra impendam deveres legais autónomos em matéria de fiscalização, de sinalização da obra e vias. Não é o caso, nada tendo sido aliás alegado neste domínio.
Procedem assim as conclusões do recurso da Apelante,

+

Decisão:

Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em:

a) Julgar improcedente a apelação interposta pela Ré A… & Filhos, S.A., confirmando o decidido quanto a ela;
b) Julgar procedente a apelação interposta pela Ré Vianapolis - Sociedade de Desenvolvimento do Programa Polis em Viana do Castelo, S.A. e, revogando correspectivamente a sentença recorrida, julgam a acção improcedente contra esta Ré e absolvem-na do pedido.


Regime de custas:

Custas da 1ª Instância pela Autora e Rés que ficaram condenadas, na proporção de 1/5 e 4/5 respectivamente.
Custas da apelação interposta pela Ré A…& Filhos, S.A, pela Recorrente;
Custas da apelação interposta pela Ré Vianapolis - Sociedade de Desenvolvimento do Programa Polis em Viana do Castelo, S.A., pela Autora.

+

Guimarães, 3 de Maio de 2011
José Rainho
Carlos Guerra
António Ribeiro