INVENTÁRIO
MAPA DE PARTILHA
COMPOSIÇÃO DE QUINHÃO
Sumário

I - A simples relacionação de dívida como dívida passiva da herança, e mesmo que tenha sido proferida decisão a indeferir a reclamação que visava fazer excluir do inventário tal relacionação, não equivale à efectiva existência da dívida nem à obrigação do seu pagamento pelos herdeiros.
II - Tal apenas significa que a dívida passa a ser também objecto do inventário, competindo depois aos interessados, em sede de conferência de interessados, aprová-la ou não.
III - Sendo o mapa informativo uma simples expressão contabilística da forma da partilha decidida pelo juiz, nunca pode ser havido como errado e passível de rectificação quando retrata precisamente a forma à partilha.
IV - O que conta para o caso da composição do quinhão em bens de que fala o nº 2 do art. 1377º do CPC é o valor da quota dos interessados na herança e não também o que possa ser devido aos interessados a título de crédito sobre a herança.

Texto Integral

Acordam em conferência na 1ª Secção Cível da Relação de Guimarães:

Maria… requereu oportunamente, pelo Tribunal Judicial de Caminha, que se procedesse a inventário para partilha dos bens deixados por sua sogra, Maria Rosa… falecida em 24 de Março de 1989.
Foi a seu devido tempo apresentada (e depois modificada, em sede de conferência de interessados) a relação dos bens (imóveis e créditos) e das dívidas da herança. Quanto a créditos, vieram a ser relacionados, a par de um outro, dois créditos da herança sobre o interessado José… (que também é o cabeça de casal), nos montantes de €720,00 e €2.830,50. Quanto às dívidas, foi relacionada a dívida, no valor de €37.798,70, por alegadas despesas (benfeitorias) feitas pelo interessado José… na remodelação e reconstrução do prédio da verba nº 12 da relação de bens.
Entretanto, apresentou o interessado Carlos… reclamação contra o relacionamento da dívida (fls. 258), onde disse desconhecer quais as obras e benfeitorias realizadas pelo credor delas e respectivo valor.
Sobre tal reclamação veio depois a ser proferida decisão a indeferi-la (fls. 505 a 508).
Realizada a conferência de interessados, foi proferido despacho determinativo da partilha. Designadamente, e no que interessa concretamente ao caso, decidiu-se que para efeitos da partilha havia que atender ao valor dos bens relacionados (com os aumentos resultantes das licitações), a que deveria ser deduzida a diferença entre o valor do passivo da herança (ditas benfeitorias) e o somatório dos falados dois créditos da herança sobre o interessado José… .
Em execução de tal despacho, e por isso que constatou a existência de excesso de valores para preenchimento de quotas, elaborou a secretaria mapa informativo. Designadamente, verificou que o interessado Carlos… recebia bens no valor de €52.155,00, mas que a sua quota era de apenas €9.328,17, de sorte que tinha que tornar ao interessado José… o valor de €42.826,83.
Foi então cumprida a notificação a que alude o art. 1377º do CPC, na sequência do que o credor das tornas veio requerer (fls. 624) a composição parcial do seu quinhão mediante a adjudicação de bens dos licitados pelo devedor, sendo o remanescente reposto em tornas.
Precisamente na mesma data, atravessou o interessado Carlos… requerimento (fls. 627), onde disse que ocorria “manifesto lapso nas contas efectuadas” no mapa informativo, por isso que do bem benfeitorizado apenas estava relacionado no presente inventário o direito a 3/18, de sorte que o valor a considerar como crédito do benfeitorizante seria apenas o de €6.299,79 (3/18 [ou 1/6] do valor do passivo que fora relacionado); e daqui que o excesso de quota do impetrante seria apenas de €35.749,29, da mesma forma que, consequentemente, os quinhões dos interessados seriam diferentes daquilo que o mapa informativo indicava. Deste modo, concluíram, o mapa informativo enfermava de erro, que havia que rectificar.
Sobre esta pretensão foi proferida decisão (fls. 655) a indeferi-la.
Inconformados com o assim decidido, interpuseram os interessados Carlos… e mulher agravo (1º agravo), admitido com subida diferida
Entretanto, relativamente ao supra referido pedido de composição de parte do seu quinhão com bens licitados pelo devedor e de depósito de tornas no remanescente formulado pelo interessado credor de tornas José… , apresentou-se (fls. 696) o devedor Carlos… a escolher (por ordem de preferência: números 8 [licitada por €5.300,00], 3 [licitada por €550,00], 13 [licitada por €1.050,00], 11 [licitada por €5,00] e 7 [licitada por €20.000,00]) as verbas que deviam servir para preencher a sua quota. Na sequência, declarou o credor (fls. 706) pretender ver-se composto com a verba número 7. Decidiu então o tribunal (fls. 710) que ao licitante seria de adjudicar a verba número 7, que o visado preenchimento se deveria fazer à custa das demais verbas licitadas, e que o remanescente seria pago com tornas a depositar.
Inconformados com o assim decidido, agravaram os mesmos Carlos… e mulher (2º agravo), admitido igualmente com subida diferida
Seguindo o processo seus termos, foi elaborado o mapa da partilha, vindo depois a ser proferida sentença homologatória da partilha conforme resultava do mapa.
Ainda aqui dizendo-se inconformados com o decidido, interpõem o interessado Carlos… e mulher recurso de apelação (fls. 773, 775 e 780).

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Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir, tendo-se sempre presentes as seguintes coordenadas:
- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;
- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

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Importa conhecer dos recursos pela ordem da respectiva interposição (nº 1 do art. 710º do CPC).
De observar que os Apelantes deram cumprimento ao disposto no art. 748º do CPC, declarando terem interesse na apreciação dos agravos.

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Quanto ao 1º agravo (interposto a fls. 661, admitido a fls. 669, alegado a fls. 676 e contra-alegado a fls. 700; foi proferido despacho de sustentação a fls. 710):

Da sua alegação extraem os agravantes as seguintes conclusões:
(…)

Terminam dizendo que deve ser revogado o despacho recorrido, substituindo-se por um outro que considere que o valor para efeitos de partilha a título de benfeitorias descritas na verba nº 1 seja fixado em 1/6 do valor global das mesmas, ou seja, no montante de 6 299, 78 Euros, e o mapa de partilha seja elaborado em conformidade.

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O interessado e cabeça de casal José… e mulher contra-alegaram, suscitando a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, por estar em causa decisão que incidiu sobre “requerimento anómalo”, e concluindo, em todo o caso, pela improcedência do mesmo.

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Vejamos:
No que respeita à questão prévia suscitada pelos agravados, temos como evidente que carecem de razão.
Pois o que conta para a admissibilidade do recurso não é a circunstância da actividade da parte ser “anómala”, mas sim a de se tratar de decisão que a lei não exceptua do recurso. Ora, a decisão recorrida não é de mero expediente, nem foi proferida no uso de um poder discricionário, (v. art. 679º), nem em sítio algum a lei a taxa de irrecorrível, pelo que admite recurso nos termos gerais.
Improcede pois a questão prévia.

Passemos então a apreciar o mérito do agravo.

Plano factual:
Damos aqui por reproduzidas as incidências fáctico-processuais acima elencadas:
Plano jurídico:
Como se vê, pretenderam os ora Agravantes que o mapa informativo continha “manifesto lapso nas contas”, por isso que, reportando-se a verba número 12 ao direito a 3/18 (ou seja, 1/6) do prédio benfeitorizado, o valor das benfeitorias da responsabilidade da herança deveria ser reduzido a 1/6.
O despacho recorrido encarou o assunto à luz do caso julgado formado nos autos, na medida em que havia sido anteriormente proferido despacho a indeferir a reclamação apresentada contra o passivo da herança por efeito dessas benfeitorias.
Não parece porém que tal forma de ver as coisas esteja correcta.
É certo que o que foi relacionado pelo cabeça de casal como dívida da herança por benfeitorias foi bem a quantia de €37.798,70, e não 1/6 dessa quantia. É igualmente certo que os ora Agravantes apresentaram a reclamação onde disseram desconhecer que benfeitorias haviam sido efectivamente feitas (fls. 259). É ainda certo que o tribunal decidiu (fls. 505) pela improcedência da reclamação. Portanto, dir-se-ia que não apenas ficou definido no processo que o passivo a considerar era aquele que fora relacionado (e não 1/6 dele) – o que é dizer, ter-se-ia formado caso julgado formal sobre a questão - como teria ficado precludida a possibilidade de se voltar a reeditar o mesmo assunto.
A verdade é que o despacho que decidiu a reclamação não definiu que tal passivo, quantificado em €37.798,70, existia efectivamente. Não definiu, nem tinha que definir.
Não definiu, porque em sítio algum assim o decidiu, limitando-se a indeferir a reclamação apresentada, e uma coisa não implica a outra. O decidido apenas vale como imposição, no confronto do reclamante, do relacionamento do passivo dever ser considerado no inventário, e não que o passivo existe e é vinculativo para os interessados.
E não tinha que definir, desde logo porque a quem compete em primeira linha incidir sobre a existência e atendibilidade do passivo da herança é à conferência de interessados, como resulta claro do art. 1353º nº 3 do CPC (adiante-se, por pura curiosidade, que in casu nada foi deliberado sobre o assunto, isto a fazer fé na acta da conferência de interessados constante dos autos). Depois, porque a simples relacionação das dívidas passivas, haja ou não reclamação indeferida (e atente-se que a reclamação está legalmente direccionada apenas para os bens e para as dívidas activas, não para as passivas, como, como se infere dos art.s 1348º, 1349º e 1351º do CPC, o que significa que a reclamação ora em questão nem sequer devia ter tido seguimento), não equivale à sua efectiva existência e obrigação de pagamento pelos herdeiros, senão apenas significa que a sua existência passa a ser também objecto do inventário, competindo depois aos interessados aprovar ou não o passivo (sem prejuízo dos casos em que, não sendo o passivo aprovado pelos interessados ou por parte deles, o tribunal possa verificar a sua existência).
Refere a propósito Lopes Cardoso (Partilhas Judiciais [1980], II, pp. 114, 115 e 129):
“(…) todo e qualquer passivo está sujeito a relacionação e aprovação em inventário, seja ele constituído por dívidas a estranhos ou por dívidas aos próprios herdeiros (Cód. Civil, art. 2074º-1) (…). Nem pelo facto de as relacionar [as dívidas] o cabeça de casal fica vinculado ao seu reconhecimento e obrigado ao pagamento proporcional, por isso que a aprovação de dívidas está submetida, no inventário, a disciplina própria. Aquele procedimento não implica, pois, confissão por sua parte, mas mero desempenho de uma obrigação legal em momento em que lhe não pertence formar juízo ou emitir parecer atendível quanto aos aspectos considerados (…). Relacionadas pelo cabeça de casal ou reclamadas directamente pelos credores, as dívidas vão ser sujeitas a aprovação pela conferência de interessados (…)”.
O que se pretende evidenciar com estas passagens é precisamente que a indicação (relacionamento) feita pelo cabeça de casal das dívidas passivas só vale como tal (como indicação ou relacionamento), e que até que a conferência de interessados as aprove ou o tribunal as verifique, a sua existência não está adquirida no inventário para fim algum.
Deverá então o despacho ora agravado ser revogado?
Claro que não.
É que, contrariamente ao que se pretendia no requerimento sobre que incidiu o despacho agravado, o mapa informativo não continha erro algum, limitando-se a cumprir rigorosamente os ditames do despacho determinativo da forma à partilha. Despacho este que, recorde-se, decidiu (bem ou mal, não importa aqui) que havia que abater ao valor dos bens o passivo - €37.798,70 (na realidade, a diferença entre este valor e o valor dos créditos da herança sobre o credor benfeitorizante) - que fora relacionado a título de benfeitorias, e não apenas 1/6 daquele valor. Tal despacho não era susceptível de reclamação ou de impugnação autónoma (v. art. 1373º nº 3 do CPC), e por maioria de razão não se conceberia que se pudesse reclamar de um mapa informativo que se limitara a cumprir os termos do despacho. Bem se vê que os ora Agravantes vieram requerer a rectificação de um erro afinal inexistente, pelo que por esta razão sempre teria que ser indeferida a sua pretensão. Na realidade, o que os Agravantes vieram fazer foi, sob a atípica roupagem de um suposto erro de contas, incidir sobre um assunto completamente alheio à bondade do mapa informativo, assunto esse que somente a jusante (em sede de impugnação do despacho determinativo da partilha) poderia ser tratado.
Portanto, sempre teria que ser indeferida a pretensão dos Agravantes a ver alterado o mapa informativo.
Deste modo, embora com fundamentação diversa, é de manter a decisão recorrida.
Improcedem pois as conclusões do recurso.

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Quanto ao 2º agravo (interposto a fls. 718, admitido a fls. 720, alegado a fls. 727 e contra-alegado a fls. 741; foi proferido despacho de sustentação a fls. 746):

São as seguintes as conclusões que os Agravantes extraem da sua alegação:

(…)

Terminam dizendo que deve ser revogado o despacho recorrido, substituindo-se por um outro que determine que o quinhão do recorrente, licitante seja preenchido com as verbas que indicou de forma decrescente no seu requerimento de 8/1/10, e o mapa de partilha ser elaborado me conformidade. Em alternativa, que ao interessado José… seja adjudicada a verba nº 7, adjudicando-se ao recorrente/licitante todas as demais verbas por este licitadas.

Vejamos:
Plano Factual:
Damos aqui por reproduzidas as incidências fáctico-processuais acima elencadas.

Plano jurídico:
A secretaria verificou, no acto de organização do mapa (segundo os ditames do despacho determinativo da partilha) que os bens licitados pelo ora Agravante excediam em €42.826,83 a respectiva quota, que era de €9.328,17, valor excedentário aquele que tinha que repor ao interessado José… .
O que está em causa no presente recurso, pois que foi sobre isto que foi chamado a decidir o tribunal recorrido, é apenas a questão de aferir da pretensão do não licitante José… a ver parcialmente composto o seu quinhão com bens dos que foram licitados pelo Agravante. Pois que os Agravantes entendem que lhes devem ser adjudicados todos os bens sobre que licitaram ou, em alternativa, todos esses bens menos o da verba número 7.
Ora, verifica-se, para os efeitos do nº 2 do art. 1377º do CPC, que a quota do licitante é de €9.328,17 e que o quinhão do interessado não licitante é, de acordo com o que resulta do despacho determinativo da partilha, também do mesmo valor. Entretanto, mais se verifica que o ora Agravante licitou em bens que excedem largamente a sua quota.
Ninguém desconhece, por certo, que qualquer licitação em sede de partilha tende, isto quando um herdeiro licita a herança toda ou maior porção do que aquela que o seu quinhão comporta, a ofender a igualdade que se quer dever existir entre os herdeiros, na medida em que uns levariam fazenda e outros moeda, esta supostamente mais contingente e menos interessante no plano económico. E, de outro lado, os interessados têm afinal é um direito aos bens da herança e não propriamente ao seu valor em dinheiro, funcionando a licitação, se acaso não existissem mecanismos de correcção, como meio injusto de forçar o não licitante a alienar aquilo que provavelmente preferiria conservar para si se dispusesse de recursos para concorrer à licitação. A lei permite sem dúvida a licitação até onde se quiser, mas salvaguarda a possibilidade dos não licitantes fazerem reverter para si, até ao limite do respectivo quinhão (ou seja, até ao limite do que lhes compete receber hereditariamente segundo as operações da partilha), aquilo que o licitante visou adquirir a mais em bens. Desta forma, observa Lopes Cardoso (v. ob. cit., II, p. 272), conciliam-se os interesses dos herdeiros que, não tendo meios de fortuna, não podem licitar em igualdade de circunstâncias com os mais favorecidos, e, assim, não são desapossados dos bens, e os interesses derivados da justa valoração da herança pelo mecanismo da licitação. Mais diz este autor (ob. cit., p. 401): “(…) o processo de composição de quinhões tem por fundamento a necessidade, que se considerou de primária justiça, de corrigir a licitação, de acautelar os interesses dos menos afortunados, pondo-os a descoberto da própria desvalorização da moeda. Este direito sobreleva, em parte, ao do licitante e na conciliação entre ambos só é possível admitir uma escolha que, afinal de contas, se não traduza num desapossamento. É com subordinação a este critério que a escolha se exerce, tendo sempre presente que o escopo legal reside na atribuição ao licitante de verbas que preencham quantitativamente a sua quota, ou, não sendo possível – como raramente o será – as que com menos diferença a excedam, pois as outras deixam de lhe pertencer para se adjudicarem aos que, por preenchidos a menos, requereram a composição quantitativa dos seus quinhões (…). Daqui vem que não pode o licitante escolher verbas que excedam em muito o seu quinhão, como também lhe fica defesa a escolha restrita a verbas que o não preencham, que no justo equilíbrio das quotas é que está a realidade que a lei protege (…). Conciliam-se pois os interesses de uns e de outros permitindo que o licitante escolha pela forma que a própria licitação lhe garantia mas com o limite da medida do seu quinhão, ou com escasso excesso dele, mas sempre por forma a que da escolha não resulte para os que exercerem o direito conferido pelo art. 1377º - 2 a obrigação de tornarem por sua vez. No caso de qualquer das verbas licitadas exceder, por si só, a quota do próprio licitante, deve este escolher a que, na licitação, obteve menor valor (…)”.
Perante estas directrizes, logo se denota que não se afiguraria correcto o despacho recorrido. Efectivamente, o ora Agravante escolheu para preencher a sua quota, como era seu direito (é exacto, a propósito, o que se diz nas conclusões 2ª e 10ª), e por ordem de preferência (o que significa que não se visou a cumulação de verbas, mas sim uma escolha sequencial das indicadas verbas) as verbas números 8, 3, 13, 11 e 7. Ora, tendo em vista o que acima se deixa apontado (“o escopo legal reside na atribuição ao licitante de verbas que preencham quantitativamente a sua quota, ou, não sendo possível – como raramente o será – as que com menos diferença a excedam, pois as outras deixam de lhe pertencer para se adjudicarem aos que, por preenchidos a menos, requereram a composição quantitativa dos seus quinhões”), a decisão de afectar ao Agravante a verba número 7 (€20.000,00) é precisamente a que maior distanciamento provocaria, em termos de valor, da quota (€9.328,17) do mesmo Agravante. Ao invés, a que mais se aproximaria seria aquela que o Agravante escolheu em primeiro lugar, a número 8 (€5.300,00). Segue-se então que esta verba escolhida em primeiro lugar sempre teria que ser adjudicada ao licitante, sendo à custa das demais verbas licitadas que o quinhão do não licitante poderia, até ao seu limite, ser composto.
Entretanto, o interessado não licitante José… , tendo tomado conhecimento da escolha que o licitante ora Agravante fez, veio dizer (reafirma-se que é exacto o que se escreveu nas conclusões 2ª e 10ª, de sorte que a indicação especificada que o não licitante fez inicialmente, a fls. 624, carece de valor, de nada interessa aqui, até porque não sabemos se continua interessado em receber alguma das outras duas verbas que indicou inicialmente) que pretendia compor o seu quinhão com uma verba que o licitante reservou apenas como última opção, mais propriamente a verba número 7 (fls. 706), recebendo o remanescente (€22.826,83 €42.826,83 - €20.000,00]) em tornas. E daqui dir-se-ia que o seu quinhão poderia ser composto parcialmente com tal verba.
Mas não é assim.
É que, como dizem acertadamente os Agravantes (e no mesmo sentido se pronuncia afinal também o próprio agravado e apelado José… , conforme se infere do que diz na sua contra-alegação à apelação, a fls. 802) o quinhão do não licitante José… é de €9.328,17 e não de qualquer outro valor. Isto é assim porque o que conta para o caso da composição do quinhão em bens de que fala o nº 2 do art. 1377º do CPC é a quota dos interessados na herança (v., mutatis mutandis, Lopes Cardoso, ob. cit., pp. 390 e 104), e a quota desse interessado cifra-se em tal valor. É precisamente dentro desta perspectiva que se compreende o que acima se escreveu acerca da razão de ser da figura jurídica da composição do quinhão, que visa propiciar uma distribuição dos bens pelos quinhões hereditários dos interessados, e não propiciar o pagamento de tudo o que possa ser devido, designadamente a título de crédito sobre a herança, ao interessado não licitante.
E se assim é, como efectivamente é, bem se vê que o interessado José… não pode receber para composição do seu quinhão a verba número 7. Pois que a composição só é legalmente admitida (v. nº 2 do citado art. 1377º) até ao limite do quinhão do interessado (o que é lógico, na medida em que para além deste limite deixa de subsistir a razão pela qual se estabelece a figura da composição do quinhão em bens), e o que é verdade é que aquela verba (€20.000,00) excede largamente o quinhão hereditário do interessado (sendo ademais certo que sempre haveria que ter em conta que este interessado já leva outro bem [o da verba número 6], sobre que licitou, no valor de €700,00, valor este que teria que ser abatido ao valor do seu quinhão).
E dado que o interessado José… não manifestou interesse, após conhecer a escolha do licitante, em ver o seu quinhão composto por qualquer outro bem licitado que não o da verba número 7, e cujo valor coubesse no seu quinhão, nada mais pode o tribunal fazer do que recusar tal pretensão e por aqui se quedar. Cabe observar a propósito que nesta matéria tem de se respeitar a vontade do interessado, não competindo ao tribunal providenciar oficiosamente para que os interessados vejam os seus quinhões preenchidos até onde for possível com bens da herança. Na realidade, o fim precípuo da actividade judicial aqui em causa é apenas permitir, de acordo com a vontade dos interessados envolvidos, que o quinhão do não licitante possa ser composto com bens sobre que outro interessado licitou para além da respectiva quota, e não potenciar a todo o custo uma distribuição equitativa dos bens (por isso é também exacto o que se diz na conclusão 15ª).
Assim sendo, é de concluir que os Agravantes têm razão relativamente à primeira alternativa da sua pretensão recursiva, de sorte que têm direito a que lhes sejam adjudicados os bens sobre que licitaram, improcedendo, pela estrita razão sobredita, a pretensão do interessado José… a ver composto o seu quinhão com a verba número 7.
Procede pois o agravo.

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Quanto à apelação (interposta a fls. 773, admitida a fls. 775, alegada a fls. 780 e contra-alegada a fls. 799):

São as seguintes as conclusões que os Apelantes apresentam:

(…)

Terminam dizendo que deve ser dado provimento aos recursos de agravo interpostos, anulando-se todos os actos subsequentes e alterando-se/revogando-se a sentença recorrida.

Vejamos:
Em decorrência da anunciada procedência do 2º agravo, ficam apodicticamente anulados os actos processuais dependentes do despacho de fls. 710 e sgts., que decidiu precisamente sobre os bens licitados que deviam e não deviam compor o quinhão do interessado José… . Estão nessas circunstâncias o mapa informativo de fls. 744, o mapa da partilha e a sentença homologatória da partilha.
Fica assim prejudicado o conhecimento do objecto da apelação (que aliás mais não faz que reafirmar os fundamentos dos agravos interpostos, com a consequente anulação dos actos processuais dependentes entretanto praticados).

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Decisão:

Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em:

a) Negar provimento ao 1º agravo, confirmando o despacho recorrido;
b) Conceder provimento ao 2º agravo e, revogando o despacho recorrido, indeferem a requerida composição do quinhão do interessado José… com os bens licitados pelos Agravantes, processando-se a partilha em conformidade;
c) Julgar prejudicado o conhecimento da apelação.

Regime de custas:

Custas do 1º agravo pelos Agravantes.
Custas do 2º agravo pelos interessados José… e mulher.

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Guimarães, 27 de Outubro de 2011
José Rainho
Conceição Bucho
Antero Veiga