DEPOIMENTO DE PARTE
Sumário

I - Nos termos do disposto no nº 3 do artº 553º do CPC, cada uma das partes pode requerer o depoimento de parte dos seus compartes, independentemente do interesse que cada um possa ter na acção.
II - Não é legítimo indeferir o depoimento de parte dos intervenientes principais, compartes dos requerentes, com fundamento em que eles têm na acção interesse idêntico ao dos autores, quando os mesmos não apresentaram articulado próprio ou apresentaram articulado não coincidente com o dos autores.

Texto Integral

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

Nestes autos de recurso de apelação em separado, são recorrentes F… e outros e recorridos M… e outros.

O recurso vem interposto do despacho proferido pelo Tribunal Judicial de Viana do Castelo, em 23.3.2011, na acção declarativa ordinária nº 1932/09.6TBVCT, instaurada pelos autores/recorrentes contra a ré/recorrida, que, não admitiu o requerimento probatório dos recorrentes no que respeita ao requerido depoimento de parte dos intervenientes principais chamados à causa para assegurar a legitimidade activa, invocando “por terem eles na acção interesse idêntico ao do A. (intervêm do lado activo)”.

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.

Os apelantes nas suas alegações formulam as seguintes CONCLUSÕES:

1. Segundo o disposto no art. 553, nº3, do CPC, cada uma das partes pode requerer o depoimento da parte contrária, mas também o dos seus compartes.

2. E compartes, segundo a lei, só podem ser os litisconsortes ou coligados iniciais ou sucessivos.

3. Por isso ao indeferir o depoimento de parte dos intervenientes principais, o despacho recorrido violou o disposto no citado preceito legal.

4. Além disso, não é descortinável a invocada identidade do interesse dos autores e dos intervenientes, uma vez que nenhum destes fez sua a petição inicial.

Assim, pela razão exposta deve ser revogado o despacho recorrido.


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Os apelados não contra-alegaram.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


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A única questão a decidir e apreciar é a acima enunciada na síntese das conclusões dos apelantes, por serem estas que a fixam e delimitam, ou seja, saber se deveria ter sido admitido o depoimento de parte, dos intervenientes principais, requerido pelos autores.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Nos termos do disposto no nº 3 do artº 553º do CPC, «Cada uma das partes pode requerer não só o depoimento da parte contrária, mas também o dos seus compartes».

Com fundamento na violação desta norma insurgem-se os apelantes, requerendo por isso a revogação do despacho recorrido, alegando que compartes são todos os litisconsortes ou coligados, iniciais ou sucessivos.

O art.º 320°, do CPC, preceitua que: «Estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal:

a) Aquele que, em relação ao objecto da causa, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigo 27° e 28°;

b) Aquele que, nos termos do artigo 30°, pudesse coligar-se com o autor, sem prejuízo do disposto no artigo 31º.».

Por seu turno, o art.º 321.º do CPC, estabelece que “O interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu...”.

Analisando o que determinou, que os intervenientes fossem chamados a intervir nos autos, verifica-se que foi o ter-se considerado ser necessária a intervenção nos mesmos de todos os herdeiros da herança aberta por óbito de F… , falecido, marido da interveniente M… e, pai dos autores, dos intervenientes e da ré.

Assim, os intervenientes foram chamados e admitida a sua intervenção face ao disposto no artº 320, al. a), do CPC.

O despacho recorrido não admitiu o requerido depoimento dos intervenientes com o fundamento de que os mesmos “têm na acção interesse idêntico ao dos autores”.

Ora, tal como a acção se mostra configurada, parece-nos que tal conclusão não será possível tirar, pelo menos, desde já. Pois, à excepção de um dos intervenientes, J… , que apresentou articulado próprio, não coincidente com o dos autores, os demais não apresentaram qualquer articulado.

A lei, artº 553, nº3, referido, diz que as partes podem requerer o depoimento dos seus compartes. Os intervenientes são compartes na acção. E, perante o litígio em questão, somos de entender que, deve questionar-se na ausência de articulado próprio ou de qualquer outra declaração, que os mesmos tenham na acção um interesse idêntico ao dos autores, pois a apelada, ela própria é herdeira daquela supra referida herança e, aqui encontra-se na posição de ré.

Assim, perante aquela certeza e a ausência de factos que demonstrem aquele interesse idêntico ao dos autores invocado pelo tribunal “a quo”, salvo melhor entendimento, cremos que se deve admitir, se outros óbices não se verificarem, o requerido depoimento de parte, já que os argumentos que foram invocados para justificar o seu indeferimento não se encontram demonstrados e o douto despacho recorrido, nos termos em que foi proferido viola o disposto no artº 553, nº3, referido.

Em nosso entender, sendo os intervenientes compartes (litisconsortes) dos autores, estes têm o direito de requerer o seu depoimento, independentemente do interesse que cada um possa ter na acção.

O depoimento de parte é um meio processual destinado a provocar a confissão judicial, ou seja, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art. 352º C.Civil).

A confissão tem forçosamente que incidir sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis à parte contrária. Como afirma Alberto dos Reis (in Código Processo Civil, Anotado, IV, pág. 70), a confissão constitui prova, não a favor de quem a emite, mas a favor da parte contrária; portanto recai necessariamente sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis ao seu adversário.

A maioria da doutrina e jurisprudência têm sustentado o entendimento de que o depoimento de parte tem de incidir necessariamente sobre factos desfavoráveis do depoente, pois apenas estes são susceptíveis de serem confessados.

Atento o seu objecto, o depoimento de parte só pode incidir sobre factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento, em conformidade com o disposto no art. 554º, nº 1 CPC.

O exposto não invalida a possibilidade dos compartes serem admitidos a depor a requerimento dos seus compartes, dos quais estejam do mesmo lado.

Neste sentido, lê-a-se: “Em caso de litisconsórcio necessário, o depoimento de parte de um dos litisconsortes, não tendo o valor de confissão judicial, pode ser valorado livremente como qualquer meio probatório.”, (Ac.STJ de 14.6.2011 in www.dgsi.pt).

No caso presente, os autores requereram o depoimento de parte dos intervenientes a toda a matéria da base instrutória a qual contém factos alegados na p.i, na contestação dos réus e no articulado do interveniente.

Apenas um dos intervenientes apresentou articulado próprio, não coincidente com o dos autores. Da falta de articulado dos restantes, julgo, não poder inferir-se que os intervenientes, cujo depoimento de parte se requer, têm na acção interesse idêntico ao dos autores.

Para justificar tal conclusão basta atentar na qualidade das partes intervenientes na acção, todos eles herdeiros da herança, aberta por óbito de F… , eventualmente, titular da farmácia cuja propriedade é reivindicada, objecto em litígio na mesma.

Deste modo, à luz do exposto, permitindo a disposição legal cuja violação é invocada que as partes requeiram o depoimento dos seus compartes, não se vindo a apurar existirem outros obstáculos à prestação do mesmo, entendemos que é de admitir o requerido depoimento de parte dos intervenientes.

Pois, sendo os mesmos compartes tal é legal, e deve ser admitido, veja-se o que escreveu a este propósito o Prof. Antunes Varela no Manual de Processo Civil, 2ª Edição,pág. 569, “A cada uma das partes é licito requerer o depoimento de parte não só da parte contrária mas também do seu comparte (litisconsorte ou coligado) bem como do seu assistente ou do assistente da parte contrária”.

Como referem os apelantes, o argumento da identidade de interesses não pode sobrepor-se ao que prescreve o citado preceito legal, em face da p.i. e da atitude processual dos intervenientes, não pode concluir-se que exista a invocada identidade de interesses pois nenhum dos intervenientes fez seu o alegado pelos autores na p.i.

Assim, só resta declarar procedente a apelação.


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Sumariando: Artº 713, nº7, do CPC.

I - Nos termos do disposto no nº 3 do artº 553º do CPC, cada uma das partes pode requerer o depoimento de parte dos seus compartes, independentemente do interesse que cada um possa ter na acção.

II - Não é legítimo indeferir o depoimento de parte dos intervenientes principais, compartes dos requerentes, com fundamento em que eles têm na acção interesse idêntico ao dos autores, quando os mesmos não apresentaram articulado próprio ou apresentaram articulado não coincidente com o dos autores.


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III – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogar o despacho recorrido, na parte em que indeferiu o depoimento de parte requerido pelos autores, devendo admitir o depoimento de parte dos intervenientes.

Custas pela parte vencida a final.

Guimarães, 10 de Novembro de 2011

Rita Romeira

Amílcar Andrade

José Rainho