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INSOLVÊNCIA CULPOSA
CULPA GRAVE
PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE CULPA GRAVE
NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE CONDUTA INCUMPRIDORA E SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
ARTIGO 186º DO C.I.R.E.
Sumário
I- Ainda que provada a culpa grave (nos casos do n.º 3 do art.º 186.º), tal não tem como consequência directa e necessária a qualificação da insolvência como culposa, pois, para que tal possa suceder, é ainda necessário que se demonstre a existência de um nexo de causalidade entre a conduta incumpridora dos administradores e a situação de insolvência do devedor
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.
Proc. n.º 32/14.1TBVMS-A.G1
I - Declarada a insolvência de EMPRESA X, MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO, UNIPESSOAL, L.DA, a Credora EMPRESA Y, MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO, L.DA apresentou as alegações de fls. 3-5, ao abrigo do disposto no artigo 188.º, n.º 1, do C.I.R.E..
O Administrador da Insolvência apresentou parecer, nos termos do disposto no artigo 188.º, n.º 2, do C.I.R.E., pronunciando-se pela qualificação da insolvência como culposa termos constantes de fls. 32-34v, que aqui se dão por reproduzidos.
Este parecer foi com vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 188.º, n.º 3, do C.I.R.E., que, nos termos constantes de fls. 29, aderiu aos argumentos expendidos pelo Administrador da Insolvência no mesmo, pugnando pela qualificação da insolvência do administrador da sociedade insolvente como culposa.
A Insolvente veio opor-se nos termos constantes de fls. 42-44, que aqui se dão por reproduzidos.
Citado, o administrador da Insolvente também se apresentou a deduzir oposição nos termos constantes de fls. 62-65v, que aqui se dão por reproduzidos.
O Administrador da Insolvência respondeu, mantendo o parecer no sentido da qualificação da insolvência como culposa, assim como o Ministério Público.
Foi proferido o despacho saneador de fls. 181-182v, onde se reconheceu a validade e a regularidade do processado, tendo-se dispensado a realização de audiência prévia, identificado o objecto do litígio, enunciado os temas da prova e admitido o requerimento probatório.
Designou-se dia para a audiência de discussão e julgamento, à qual veio a proceder-se com inteira observância de todo o formalismo legalmente previsto, como consta das respectivas actas.
Face ao exposto, nos termos do disposto no artigo 189.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, decido:
i) qualificar como CULPOSA a insolvência de Empresa X, Materiais de Construção, Unipessoal, L.da; ii) declarar V. G. abrangido por esta qualificação e, por conseguinte, decretar a sua INIBIÇÃO quer para administrar patrimónios alheios quer para o exercício do comércio ou para a ocupação de qualquer cargo de titular de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 2 (dois) anos, a contar do registo da presente sentença na competente conservatória; iii) Condenar o Requerido V. G. a INDEMNIZAR, até às forças do respectivo património, os Credores MG – INDÚSTRIA DE COMÉRCIO E PNEUS, L.DA, EMPRESA Y – MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO, L.DA, FAZENDA PÚBLICA, TVT – INDÚSTRIA DO ESFEROVITE, L.DA, P. A. e WWW – TELECOMUNICAÇÕES MÓVEIS NACIONAIS, S.A. no montante dos seus créditos não satisfeitos.
Inconformado o insolvente interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:
1ª. A douta sentença recorrida qualificou como culposa a insolvência da sociedade comercial, da Empresa X Materiais de Construção Unipessoal, Lda deu entrada em juízo em 08-05-2014 e a sentença de declaração de insolvência ocorreu em 23-05-2014, declarou afetado por essa qualificação o aqui recorrente, gerente daquela à data do pedido e da respetiva declaração judicial de insolvência e, em consequência dessa afetação, determinou ainda e expressamente: “por conseguinte, decretar a sua INIBIÇÃO quer para administrar patrimónios alheios quer para o exercício do comércio ou para a ocupação de qualquer cargo de titular de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 2 (dois) anos, a contar do registo da presente sentença na competente conservatória; iii) Condenar o Requerido V. G. a INDEMNIZAR, até às forças do respectivo património, os Credores MG – INDÚSTRIA DE COMÉRCIO E PNEUS, L.DA, EMPRESA Y – MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO, L.DA, FAZENDA PÚBLICA, TVT – INDÚSTRIA DO ESFEROVITE, L.DA, P. A. e WWW – TELECOMUNICAÇÕES MÓVEIS NACIONAIS, S.A. no montante dos seus créditos não satisfeitos. “
o que constitui o objeto do presente recurso.
2ª. Tendo em conta os factos dados como provados na douta sentença (máxime pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9) assim como os factos que não resultaram como provadas nomeadamente - aquando da apresentação à insolvência, a Insolvente omitiu a existência de veículos automóveis da sua pertença e que estavam penhorados em processo executivo instaurado pela Requerente contra aquela; - a Insolvente ocultou ou fez desaparecer uma parte substancial do seu património; - a Insolvente manteve uma contabilidade fictícia pelo menos até 2011.
3ª. Do conjunto destes factos ressalta com certeza e de forma objetiva, desde logo que, com referência à data da entrada do pedido de insolvência em juízo, assim como nos anos anteriores , NÃO EXISTE, quer por parte da, Empresa X Materiais de Construção Unipessoal Lda, quer por parte dos recorrentes, seu gerente à data, QUALQUER PROCEDIMENTO OU ATUAÇÃO, que demonstre ou indicie que a situação de insolvência tenha sido “criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.” Ao invés.
4ª. Resulta de toda a matéria e factualidade uma actuação em defesa da Insolvente – da manutenção da atividade comercial da manutenção dos contratos de trabalho – qualificando tal actuação como prioridade do Recorrente.
5ª. A Crise económica no sector atingiu também a Insolvente, portanto, não se colocou esta assim como não foi por actuação do Recorrente, que a sociedade culminou no estado de Insolvente – mas antes foi atingida como tantas outras sociedades comerciais. Nos indicados períodos temporais.
6.º - O Recorrente aos primeiros sinais de crise diligenciou sempre no sentido Inverso – sacrificando património pessoal, vendendo bens seus para solver e tentar estagnar toda aquela situação de crise, até aos limites – Face à diminuição de trabalho e às dificuldades dela decorrentes e à circunstância de a sociedade não possuir mais meios de sobrevivência, o Requerido apresentou-se à insolvência.
7.º - A sociedade não detinha contabilidade fictícia, o Recorrente e a sociedade não dissiparam, não ocultaram quaisquer bens
8ª. POR SER ASSIM, considera-se não existir nos autos qualquer fundamento e é totalmente indevida a qualificação da insolvência sociedade comercial – Empresa X Materiais de Construção Unipessoal, Lda como culposa, que, desta forma, foi declarada em violação do disposto no artº 186º, nº 1, e n.º 2 CIRE.
9ª. POR DECORRÊNCIA, é indevida também a declaração de afetação do recorrente com tal qualificação da insolvência como culposa, enquanto gerente da insolvente, com os efeitos declarados em i) a iii) do dispositivo expresso na douta sentença, também pela inexistência nos autos de qualquer ato por ele praticado, com dolo ou culpa grave, que tenha criado ou agravado a situação de insolvência nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
10.º - Douta declaração essa que, salvo o devido respeito, violou, da mesma forma, o artº 186º, n.º 2, e n.º 3 pois a razão do n.º 3 no indicado preceito não tem aplicabilidade de forma isolada, tal como resulta da Sentença, limitando-se este a uma avaliação do grau de culpabilidade aplicável ao n.º 2 e 1. –
11.º - O incidente da qualificação de Insolvência não se basta com aplicação à presunção do n.º 3 do artigo 186.º CIRE, pois, - a falta de apresentação à Insolvência da sociedade no período estabelecido, encerra um grau – agrava ou atenua a verificação da actuação dolosa / culpa - factos elencados dos n.º (s) anteriores 1 e 2.
12.º- Do que resulta da factualidade vertida e inserta na Sentença – nomeadamente tendo por base os factos provados e não provados, verifica-se contradição absoluta com a Fundamentação e aplicabilidade das normas invocados, que devidamente aplicadas, só por si bastam a uma Decisão contrária, inexistem, assim fundamentos e factos que possam sustentar a Decisão aqui em crise.
13 ª. Douta declaração essa que, salvo o devido respeito, violou, da mesma forma, o artº 186º, nº 1 n.º 2 e 3 e ainda o artº 189º, nº 2, al. a), CIRE.
SEM PRESCINDIR, ACRESCE QUE:
14ª. Mesmo que doutamente se venha a considerar como própria e legal a qualificação como culposa da insolvência da sociedade, da Empresa X Materiais de Construção Unipessoal, Lda, declarou afetado por essa qualificação o aqui recorrente, gerente daquela à data do pedido e da respetiva declaração judicial de insolvência e, em consequência dessa afetação, determinou ainda e expressamente: “por conseguinte, decretar a sua INIBIÇÃO quer para administrar patrimónios alheios quer para o exercício do comércio...; iii) Condenar o Requerido V. G. a INDEMNIZAR, até às forças do respectivo património, os Credores MG –A. no montante dos seus créditos não satisfeitos Lda e afetados por essa qualificação, (situação que só em mera hipótese académica se coloca),
15.º O recorrente CONSIDERAM SEMPRE TOTALMENTE INDEVIDA A SUA CONDENAÇÃO a “ii..iii). … indemnizarem os credores da insolvente no montante dos créditos...., até às forças respetivos patrimónios.“, condenação esta proferida ao abrigo do artº 189º, nº 2, al. e), do CIRE. ISTO PORQUE:
16ª- Neste caso, a douta sentença não cumpriu a imposição legal prevista no nº 4, do artº 189º, do CIRE,, ao condenar o recorrente nos termos do ponto ii, iii)) do dispositivo, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo não fixou o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não fosse possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, também não definiu os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença.
17.º Com o que foi violado, nesta parte, o artº 189º, nº 4, do CIRE, na redacção dada pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril.
O Ministério Público apresentou contra-alegações nas quais pugna pela manutenção do decidido.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.
1. A Sociedade Empresa X, Materiais de Construção, Unipessoal, L.da, representada pelo seu sócio e único gerente V. G., requereu a sua declaração de insolvência em 08.05.2014. 2. Por sentença, transitada em julgado, proferida em 23.05.2014, no âmbito dos autos principais com o n.º 32/14.1TBVMS, cujos termos aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, foi a sociedade Empresa X, Materiais de Construção, Unipessoal, L.da declarada insolvente. 3. Por não ser a Insolvente detentora de qualquer património, foi a insolvência declarada nos termos do artigo 39.º do C.I.R.E., não tendo sido requerido o complemento da sentença por qualquer credor. 4. A Insolvente não apresentou nem depositou as contas de 2012 e 2013 no prazo legal, tendo-o feito apenas em 11.08.2015, na sequência de notificação do Tribunal para juntar as IES de 2012 e 2013. 5. O Requerido, quando a Insolvente começou a dar os seus primeiros sinais de dificuldades patrimoniais, vendeu bens para pagar dívidas daquela numa tentativa de recuperar o “sufoco” financeiro da sociedade. 6. A situação financeira da Insolvente enfermou com a crise que a partir de 2009 se abateu no mercado da construção civil e obras públicas, incidente também nesta Zona Interior Norte. 7. Apesar da crise, o Requerido encetou todos os passos necessários à recuperação da sociedade, designadamente em 2012, tendo como prioridade assegurar a continuidade da actividade comercial e os postos de trabalho. 8. Face à diminuição de trabalho e às dificuldades dela decorrentes e à circunstância de a sociedade não possuir mais meios de sobrevivência, o Requerido apresentou-se à insolvência. 9. O teor da sentença junta a fls. 136v-141, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 10. Em 19.08.2013 foi constituída a sociedade Conquista Tabela – Unipessoal, L.da, tendo o Requerido como gerente. 11. À data referida em 10., o Requerido passou a trabalhar para aquela empresa e a Insolvente já havia encerrado a sua actividade uns meses antes.
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B. Factos não provados
Nenhum dos restantes factos alegados com relevância para a decisão da causa resultou provado, nomeadamente que:
- aquando da apresentação à insolvência, a Insolvente omitiu a existência de veículos automóveis da sua pertença e que estavam penhorados em processo executivo instaurado pela Requerente contra aquela;
- a Insolvente ocultou ou fez desaparecer uma parte substancial do seu património;
- a Insolvente manteve uma contabilidade fictícia pelo menos até 2011.
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Insurge-se o recorrente quanto à qualificação da insolvência como culposa.
Alega que os factos considerados como provados nos pontos sob os n.ºs 5, 6, 7 e 8 demonstram que o recorrente agiu como um bom pai de família.
Conforme foi considerado como provado, o Requerido (recorrente) quando a Insolvente começou a dar os seus primeiros sinais de dificuldades patrimoniais, vendeu bens para pagar dívidas daquela numa tentativa de recuperar o “sufoco” financeiro da sociedade, e que a situação da insolvente se agravou com a crise, mas que pesar da crise, o Requerido encetou todos os passos necessários à recuperação da sociedade, designadamente em 2012, tendo como prioridade assegurar a continuidade da actividade comercial e os postos de trabalho (factos provados sob os n.ºs 5, 6 e 7).
Por sua vez foi considerado como provado que (facto sob o n.º 8) face à diminuição de trabalho e às dificuldades dela decorrentes e à circunstância de a sociedade não possuir mais meios de sobrevivência, o Requerido apresentou-se à insolvência.
Como resulta da sentença nos autos não resultou provada qualquer situação que se possa subsumir ao disposto nas alíneas a) e h) do artigo 186º, n,º 2 do CIRE.
A sentença baseou a sua decisão no disposto no n.º 3 do citado artigo 186º.
Dispõe o n.º 1 do artigo 186 do CIRE que a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
O n.º 2 do citado artigo enumera uma série de situações em que se considera ter sido a insolvência culposa.
Estabelece assim, o n.º 2 uma presunção inilidível, que complementa a noção de insolvência culposa.
Já o n.º 3 do citado artigo contém uma presunção ilidível (aplicável às pessoas colectivas, tal como o n.º 2).
Conforme já se referiu o n.º 3 do artigo 186º do CIRE estabelece, e no que respeita às pessoas colectivas uma presunção ilidível, presumindo-se a culpa grave dos administradores do devedor se estes não tiverem cumprido o dever prescrito no artigo 18º, ou seja o dever de requerer a declaração de insolvência.
Dispõe o artigo 18º do citado código que “o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3º, ou à data em que devesse conhecê-la.
O prazo de apresentação conta-se do conhecimento da situação, ou sendo anterior, do momento em que o devedor o devia conhecer.
O n.º 3 do artigo 18º estabelece uma presunção também ela inilidível do conhecimento da insolvência quando ocorra , há, pelo menos, três meses, o incumprimento generalizado de qualquer das obrigações referidas na alínea g) do n.º 1 do artigo 20º, como seja o incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos: tributárias, de contribuições e quotizações para a segurança social, dívidas emergentes de contrato de trabalho, rendas de qualquer tipo de locação, e outras.
No caso dos autos como já se referiu, considerou-se que a conduta do recorrente se integrava no disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 186 do CIRE.
A al. a) do nº 3 do art. 186º do CIRE consagra uma mera presunção «juris tantum» de existência de culpa grave, não estabelecendo qualquer presunção quanto à verificação dos demais pressupostos fixados no nº 1 do mesmo preceito para que a insolvência possa ser qualificada como culposa.
Esta só poderá ser declarada se tiver sido feita prova desses outros pressupostos, particularmente do nexo de causalidade adequada entre o comportamento do administrador do devedor integrador daquela alínea e a criação ou o agravamento da situação de insolvência.
Entendemos quanto ao referido e necessário nexo causal, que não está demonstrado o mesmo no que respeita à violação do dever de apresentação à insolvência.
A esse respeio consideramos que a matéria de facto provada não é suficiente para se concluir que a actuação do recorrente agravou a insolvência.
Não se pode concluir pela culpa grave quando se mostra que a insolvência resultou de factores económicos alheios à vontade do recorrente – Ac desta Relação de 12/3/09, disponível em www. dgsi.pt
Embora sem unanimidade mas de forma largamente maioritária, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a interpretar a presunção de existência de culpa grave a que alude o n.º 3 do mesmo preceito consagra apenas, ou pelo contrário, uma presunção “juris tantum”, (ilidível), de culpa grave dos administradores, o que pressupõe e presume a existência de causalidade entre a actuação dos administradores do devedor e a criação ou agravamento do estado de insolvência, neste mesmo sentido, cfr., Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, volume II, pág. 14 e Menezes Leitão, in “Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado”, pág. 175; Ac. Rel. Coimbra de 28.10.08 e de 24.03.09; da Rel. Lisboa de 22.01.08, da Rel. Porto de 22.05.07, 18.06.07, de 13.09.07, 5.02.09 e de 25.05.09 e desta Rel. de 20/09/07, em www.dgsi.pt.
Num caso (o do n.º 2), a verificação dos factos aí, taxativamente, previstos implica necessariamente a qualificação da insolvência como culposa; no outro (o do n.º 3), faz, tão só, presumir a culpa grave dos administradores, os quais podem ilidi-la, fazendo a prova em contrário, cfr. art.º 350.º n.º 2 do C.Civil.
No entanto, ainda que provada a culpa grave (nos casos do n.º 3 do art.º 186.º), tal não tem como consequência directa e necessária a qualificação da insolvência como culposa, pois, para que tal possa suceder, é ainda necessário que se demonstre a existência de um nexo de causalidade entre a conduta incumpridora dos administradores e a situação de insolvência do devedor, neste sentido, Acs desta Rel. de 14.06.2006, in CJ, Ano XXXI, Tomo III, pág. 288, da Rel. Porto de 20.10.2007, in CJ, Ano XXXII, Tomo IV, pág. 189 e da Rel. Coimbra de 24.03.2009, in www.dgsi.pt.
Como já se referiu, o artigo 186.º, nº 3 contém um elenco de presunções cujo âmbito objectivo não reúne o consenso da doutrina e tão pouco da jurisprudência. Para a maioria da doutrina e da jurisprudência nacionais o que resulta do artigo 186.º, nº 3, é apenas uma presunção de culpa grave, em resultado da actuação dos seus administradores, de direito ou de facto, mas não uma presunção de causalidade da sua conduta em relação à situação de insolvência, exigindo-se a demonstração nos termos do artigo 186.º, nº 1, que a insolvência foi causada ou agravada em consequência dessa mesma conduta.
A partir da verificação de qualquer das situações enunciadas nas alínea a) e b) do referido nº 3 do artigo 186º do CIRE, o legislador presume que houve por parte do devedor uma actuação com culpa grave, estabelecendo apenas uma inversão do ónus da prova, ainda que admitindo a prova em contrário – artigo 350º , n.º 2 do Código Civil, não dispensando a alegação do facto.
Há ainda que atentar que, para além da actuação dolosa ou com culpa grave, se exige a alegação de que essa situação esteve na origem da insolvência ou do seu agravamento, pois, só assim se poderá afirmar a situação de insolvência culposa, conforme resulta do disposto no artigo 186º, n.º 1 do CIRE.
E relativamente a esta última afirmação haverá de fazer-se a respectiva prova, já que não se encontra abrangida pela presunção estabelecida no nº 3 do artigo 186º do CIRE.
Com efeito, este normativo é claro e inequívoco, no sentido de que não admite, com o apoio mínimo no texto da lei que o artigo 9º, nº 2 do Código Civil exige, uma interpretação mais abrangente, que inclua no âmbito da presunção estabelecida no nº 3 do artigo 186º do CIRE também o exigido nexo de causalidade entre a actuação descrita naquele preceito legal e o despoletar da situação de insolvência ou do seu agravamento.
Nestas situações haverá que alegar e provar o nexo de causalidade entre a actuação e a situação da insolvência, nos termos em que o exige o n.º 1 do citado artigo 186º.
Ora, no caso provou-se que o gerente da insolvente tentou recuperar financeiramente a sociedade e que a crise, que a partir de 2009 se abateu no mercado de construção civil, agravou a situação da insolvente, sendo que o gerente/recorrente encetou todos os passos necessários à recuperação da sociedade, o que não veio a suceder face à diminuição de trabalho, embora tenha tido como prioridade assegurar a continuidade da actividade comercial e os postos de trabalho – factos provados sob os n.ºs 6, 7, e 8. E como se considerou provado no n.º 8 da sentença, face à diminuição de trabalho e às dificuldades dela decorrentes e à circunstância de a sociedade não possuir meios de sobrevivência, o requerido apresentou-se à insolvência.
Assim sendo, face ao que consta do elenco dos factos provados, entendemos que no caso não foi a ausência do depósito das contas de 2012 e 2013 fora do prazo legal que conduziu à insolvência, mas antes a diminuição de trabalho decorrente da crise.
Outro fundamento invocado na sentença sob recurso para a qualificação da insolvência como culposa foi a omissão por parte do apelante do dever de requerer a declaração de insolvência, o que constitui, nos termos do art.º 186.º n.º 3, al. a) do CIRE, presunção ilidível, mas, segundo a sentença, não ilidida, de culpa grave.
A aludida omissão constitui presunção (ilidível) de culpa grave, mas também não dispensa a prova do nexo de causalidade entre o incumprimento do dever de apresentação e a criação ou o agravamento da situação de insolvência (n.º 1 do art.º 186.º do CIRE.
Ora, verificada a matéria de facto que consta da sentença – factos sob os n.ºs 5 a 9 - resulta efectivamente que há três anos, com referência à data da insolvência, a insolvente tinha dificuldade em satisfazer os seus encargos (nomeadamente fiscais) mas não demonstram o nexo de causalidade entre a situação de insolvência ou o seu agravamento e a não apresentação logo nessa data, assim como não está demonstrado que o recorrente, neste período, criou ou agravou essa situação.
Dos factos provados não se evidencia uma actuação dolosa ou mesmo culposa de criação ou agravamento do estado de insolvência.
Não resulta assim demonstrado o nexo causal entre este facto e a insolvência da EMPRESA X, MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO, UNIPESSOAL, L.DA,.
Deve assim, a insolvência ser considerada como fortuita, ficando prejudicadas as demais questões suscitadas no recurso.
III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a sentença recorrida, nos termos supra referidos.
Custas pela massa insolvente.