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CONTRATO DE DOAÇÃO
REQUISITOS
ENCARGOS
ACEITAÇÃO
RESOLUÇÃO
Sumário
I – A doação depende de duas vontades negociais, nos termos do disposto no artº 945, do CC, apesar disso, trata-se de um contrato unilateral, na medida em que acarreta obrigações apenas para uma das partes – o doador. II – Nos termos do artº 963, do CC, as partes podem onerar as doações com encargos, impondo obrigações para o donatário. III – Se houver incumprimento do encargo pelo donatário, quer o doador, quer os seus herdeiros poderão resolver a doação, se esse direito tiver sido conferido pelo contrato, nos termos do art. 966º do CC. IV – A aceitação do donatário, exigida nos termos do artº 945, do CC, tem de reportar-se quer à liberalidade quer ao encargo (caso este exista), pelo que ambos têm de ficar consignados no contrato, sob pena de não poder ser pedida a resolução da doação, nos termos do disposto no artº 966, do mesmo diploma.
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
FC intentou a presente acção declarativa de condenação com processo sumário, por apenso a processo de insolvência, distribuída como acção de Verificação ulterior de créditos ou de outros direitos, contra Massa Insolvente de LR e GR, os devedores e os credores da massa insolvente, na qual pede:
A) - a resolução da doação do prédio descrito nos artigos 1º e 3º da petição inicial, fundada no não cumprimento dos encargos e por indignidade nos termos do artigo 2034º do Código Civil;
B) – que lhe seja restituído o bem identificado;
C) – que seja ordenado o cancelamento de todos os registos resultantes da doação;
D) – que seja o prédio registado a seu favor.
Alega a A. que doou a GR o prédio identificado nos artigos 1º e 3º da p.i., por conta da sua quota disponível, onde ela e o marido, o Luís Rocha, procederam à construção de um prédio urbano, na condição da GR a tratar, sabendo esta que se não cuidasse da doadora a esta assistia a faculdade de revogar a doação. Acontece que desde 2007 a GR e o LR deixaram de conviver com a A., não lhe prestam cuidados, nem a visitam, dizendo publicamente que a A. os roubou. Pelo que, perante estes comportamentos pretende a resolução da doação e, que o prédio doado seja registado a seu favor.
Citados os Réus, apenas a Massa Insolvente, representada pelo Administrador da Insolvência, apresentou contestação, nos termos que constam a fls. 34 e ss., impugnando o alegado pela Autora.
Conclui pedindo que a acção seja julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se a ré dos pedidos formulados pela autora.
Proferido despacho saneador tabelar, com dispensa da selecção da matéria de facto e instruído o processo, procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, sendo a matéria de facto decidida pela forma constante do despacho de fls. 107 a 109, sem reclamação.
Por fim, foi proferida sentença a julgar improcedentes os pedidos formulados pela Autora e a absolver os Réus dos mesmos.
Inconformada com o decidido, recorreu a autora para esta Relação, terminando o recurso de apelação interposto com as seguintes CONCLUSÕES:
1. Vem o presente recurso da decisão que julgou improcedente os pedidos formulados pela Autora [onde se destaca a restituição da doação do prédio descrito no artigo 1° e 3° da P.I.], absolvendo deste modo os Réus.
2. No entanto, e desde logo quanto à matéria facto, cumpre sublinhar a falta de fundamentação dos factos dados como não provados, nomeadamente os artigos 7° a 21° da P.I.
3. Diz-nos a doutrina que “O número 2 do 653° não se contenta com a fundamentação dos factos positivos, mas exige de igual modo que os factos não provados sejam devidamente criticados e fundamentados, através da apreciação crítica das provas propostas pelas partes, de molde a evidenciar a razão ou razões que levam o Tribunal concluir não serem as mesmas suficientes para infirmarem conclusão diversa da de considerar tais factos como não provados” - J Pereira Batista, Reformas do Processo civil, 1997, pag. 90 ss.
4. E salvo o devido respeito, é flagrante na decisão a quo o desvio a esta norma elementar do direito processual.
5. Várias qualificações jurídicas poderiam ser retiradas dos factos alegados pela Autora, não abordados em sede de sentença, entre eles o instituto do vício da declaração nos termos do artigo 247° do Código Civil
6. Alega a Autora que GR e LR, a quem foi doado o imóvel descrito, desde 2007 não lhe prestaram os cuidados que esta esperava por conta da doação motivo pelo qual pretende a resolução da doação. Assim, e sem necessidade de revermos a prova produzida (da qual estabelecemos já considerações), claramente se retira pelo peticionado que, se a recorrente soubesse do rumo que a sua relação teria com a Gracinda e o Luís, e se soubesse das intenções de abandono dos mesmos, nunca teria feito a doação (facto que os mesmos não ignoram nem poderiam ignorar) motivo pelo qual subsumimos os factos a Erro na Declaração.
7. Por outro lado, a doação como os demais contratos está sujeita às regras de interpretação do artigo 236° e seguintes do Código de Processo civil sendo que em caso de dúvida sobre o sentido da declaração prevalece nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente, e “Se a dúvida se mantiver irredutível o negócio é nulo”.
8. Assim, deverá poder a Autora resolver o contrato, ou, quanto muito, considerar-se que o mesmo não corresponde à sua vontade motivo pelo qual é anulável.
Termos pelos quais, deverão ser os pedidos da Autora procedentes
Assim se fazendo inteira JUSTIÇA.
A ré, Massa Insolvente, contra-alegou, terminando as suas alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
1ª... A sentença recorrida não merece qualquer reparo na medida em aplicou de forma perfeita o direito.
2ª... A questão a decidir “in causa”, tão só, tem que ver com a decisão de saber se há ou não direito de resolução da doação e consequentemente saber se o prédio em referência terá que ser restituído à Autora.
3ª... Como resultou provado, a doação foi efectuada sem imposição de qualquer encargo.
4ª... Documento autêntico (escritura pública), não pode ser posto em causa por mera prova testemunhal, Acordão da Relação de Guimarães de 23/3/2011, e ainda, Acordão da Relação de Guimarães de 12/07/2011.
5ª... Nunca a apelada violou qualquer dever de respeito para com o apelante, mas sim o inverso.
6ª... Não logrou a A. provar que tais encargos tenham sido condição da referida doação, nem tão pouco que tais encargos existiam.
7ª... Da hipotética ingratidão, estabelecem os artigos 974º e 976º ambos do Código Civil, que nomeadamente, o direito a arguir judicialmente a revogação de doação por ingratidão caduca no prazo de um ano contado do facto que lhe deu causa.
8ª... Não logrou a A. provar qualquer eventual conduta da donatária que permita concluir pela incapacidade para suceder à doadora.
TERMOS EM QUE, VENERANDOS DESEMBARGADORES,
NEGANDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO
E CONFIRMANDO A SENTENÇA RECORRIDA, V. EXAS. FARÃO
J U S T I Ç A
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações (arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, do CPC), sem prejuízo do disposto na última parte do nº 2, do artº 660, do mesmo código, as questões propostas à apreciação deste Tribunal, consistem em saber:
- se há falta de fundamentação dos factos dados como não provados;
- se houve erro na declaração da autora;
- se assiste à autora o direito de resolver a doação em causa.
II - FUNDAMENTAÇÃO
A) - OS FACTOS
Na 1ª instância consideraram-se provados os seguintes factos:
1) Por escritura pública de 27 de Setembro de 2000, lavrada no cartório Notarial de Ponte de Lima, perante o licenciado Joaquim Daniel Correia de Sousa, doou a Autora a GR, três quartas partes indivisas do prédio rústico composto de leira de mato e lenha, sito no lugar de Lameiros, freguesia de Freixo, descrito no Registo Predial sob o número 00779 da freguesia de Freixo pela inscrição G-1, e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 842º.
2) A referida doação foi feita por conta da quota disponível da Autora.
3) Por escritura pública de 6 de Dezembro de 2002, lavrada no cartório Notarial de Ponte de Lima, perante o licenciado Joaquim Daniel Correia de Sousa, doou a Autora a GR, um quarto indiviso do prédio rústico composto de leira de mato e lenha, sito no lugar de Lameiros, freguesia de Freixo, descrito no Registo Predial sob o número 00779 da freguesia de Freixo pela inscrição G-1, e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 842º.
4) Também esta doação foi feita por conta da quota disponível da Autora.
5) GR, casada com LR no regime de comunhão de adquiridos, aceitou as doações referidas.
6) No prédio doado, GR e LR procederam à construção de um prédio urbano, o qual participado deu origem ao prédio urbano composto de casa de r/c com logradouro, descrito na CRP de Ponte de Lima sob o n.º 779/Freixo e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 925º.
B) O DIREITO
No presente recurso está, essencialmente, em causa saber se a 1ª instância decidiu bem ao absolver os réus dos pedidos formulados pela autora, já que a mesma disso discorda, conforme conclusão nº 1, das alegações.
No entanto, previamente à apreciação dessa questão, pese embora a mesma não concretize na sequência disso qualquer pretensão, quanto à alegada falta de fundamentação dos factos dados como não provados, nomeadamente os artigos 7º a 21º da P.I., oferece-nos dizer o seguinte.
Na conclusão nº4 a autora diz, “é flagrante na decisão a quo o desvio a esta norma elementar do direito processual.” referindo-se, como resulta do exposto na conclusão nº3, ao nº2 do artº 653, do CPC. Ora, pelas razões que a seguir vamos expor, não concordamos de todo com essa afirmação.
A este propósito o Tribunal “a quo” pronunciou-se do seguinte modo, a fls. 108 e ss.: ”O tribunal fundou a sua livre convicção na apreciação crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, nomeadamente no depoimento prestado pela única testemunha inquirida, bem como nos documentos juntos aos autos. ... Nada mais resultou provado, atenta a ausência de conhecimentos demonstrada pela única testemunha inquirida, Martinho Cunha, cuja irmã é nora da Autora. Esta testemunha afirmou que nos jantares familiares em que participou foi referida a questão da doação aos aqui Réus FR e GR com a condição de que esta se ocupasse da mãe. Acrescentou que esta, há cerca de 2 anos, que o não faz por problemas financeiros, encontrando-se em França. Ora, se por um lado a testemunha desconhecia se a Autora é pessoa autónoma ou se necessita de cuidados (e quais), se mora sózinha ou na companhia de alguém, designadamente de outro filho, por outro as explicações que forneceu estão em dissonância com o alegado na petição inicial (pois que a falta de prestação de cuidados por motivos atendíveis, como os financeiros, que terão levado a uma deslocação para o estrangeiro, nada tem a ver com as razões alegadas na petição inicial). Pelo exposto, apesar de eventualmente ter sido vontade da Autora fazer a doação com a condição mencionada na petição inicial, razão pela qual esse assunto poderia ter sido aflorado nas conclusões familiares, certo é que nada se fez constar das escrituras de doação, não havendo prova bastante de que algo tenha sido efectivamente acordado entre as partes (doadora e donatária) nesse sentido.”.
Ora, da análise deste despacho não nos parece que haja falta de fundamentação dos factos dados como não provados, nomeadamente os artigos 7º a 21º da p.i.. A Mª Juíza explicou de forma concreta e explícita a razão porque feita a apreciação crítica das provas, os documentos juntos aos autos e, o depoimento da única testemunha ouvida não lhe era possível responder de modo positivo às razões alegadas na petição.
Do modo que o fez, entendemos não sofrer do apontado vício a fundamentação da matéria de facto, não assistindo qualquer razão à autora.
Dispõe o artigo 653° n.° 2 do Código Processo Civil que: "A matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular; a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador."
Resulta daqui, que se exige ao tribunal que fundamente não só as respostas positivas aos factos apurados mas também a razão porque os não provados mereceram essas respostas negativas e, ainda, que na fundamentação faça uma análise crítica das provas que foram decisivas para decidir desse modo.
Este dever de fundamentação constitui tarefa de difícil execução uma vez que na formação da convicção dos juízes não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis.
No entanto, atenta a explicação precisa dos meios em que se baseou, não se nos oferecem dúvidas sobre a actividade cognoscitiva desenvolvida pela Mª Juíza, para decidir do modo que o fez. Na motivação, das respostas positivas dadas aos factos e daqueles que não deu por provados, é explicada a razão dos meios probatórios geradores da sua convicção, quer para responder provado, quer pela razão porque não deu por provado, o depoimento da única testemunha e os documentos juntos aos autos. Explicou, assim os meios concretos de prova geradores da sua convicção de julgador, referindo as razões da credibilidade do depoimento da testemunha e da razão porque a mesma não logrou convencer quanto aos demais factos alegados na p.i., “atenta a ausência de conhecimentos demonstrada...”.
Em nosso entender, o despacho de fundamentação nos termos em que se encontra elaborado, permite-nos perceber com clareza a lógica da decisão tomada, perante a razoabilidade da convicção que o mesmo demonstra.
No despacho, o Tribunal “a quo” indicou a razão porque o depoimento da testemunha não convenceu, no sentido de puderem ser dados como provados os factos da p.i, agora referidos, por ausência de conhecimento e por dissonância com o alegado na petição, efectuando, assim, a análise crítica das provas tal como exige o citado art. 653º, n.º2 do C. P. Civil e art. 205º da CRP.
Face ao exposto, comprende-se porque, apesar do invocado, a autora nada tenha requerido a esse respeito, nomeadamente a devolução dos autos à 1ª instância, o que lhe era permitido nos termos e para os efeitos do disposto no art. 712º, nº5 do C. P. Civil, caso lhe assistisse razão.
Improcedem, assim, as 2ª e 4ª conclusões da autora/apelante.
Quanto à conclusão 5ª, diremos tão só, com o devido respeito, que bem sabe a autora que os factos alegados para que sejam abordados e qualificados jurídicamente em sede de sentença, têm que se mostrar provados. O que, a autora não logrou fazer, sendo que a ela competia esse ónus, artº 342 nº2, CC, não o tendo feito só à mesma pode ser imputada essa inércia.
No seguimento das suas conclusões, na 6ª a autora diz que “pretende a resolução da doação.” E continua: “Assim, e sem necessidade de revermos a prova produzida (da qual estabelecemos já considerações), claramente se retira pelo peticionado que, se a recorrente soubesse do rumo que a sua relação teria com a Gracinda e o Luís, e se soubesse das intenções de abandono dos mesmos, nunca teria feito a doação (facto que os mesmos não ignoram nem poderiam ignorar) motivo pelo qual subsumimos os factos a Erro na Declaração.”.
E na conclusão 8ª conclui, “Assim, deverá poder a Autora resolver o contrato, ou, quanto muito, considerar-se que o mesmo não corresponde à sua vontade motivo pelo qual é anulável.”.
Ora, com o devido respeito, é evidente que a questão da anulação, agora trazida aos autos em sede de recurso, não pode ser apreciada nesta sede, uma vez que sobre ela não se pronunciou a 1ª instância, já que a mesma não foi colocada à sua apreciação, configurando assim questão nova insusceptível de apreciação por este Tribunal. Sendo que, a 1ª instância, não cometeu qualquer irregularidade ou omissão de pronúncia, esta questão não lhe foi colocada, pois, só, agora, a autora a colocou em sede de recurso e, como é evidente, não se trata de questão que possa ser apreciada oficiosamente. O tribunal de recurso não pode conhecer questões novas, questões não suscitadas na 1ª instância.
Pois, como supra consignámos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artºs 684, nº 3 e 685-A, nº 1 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, cfr. artº 660, nº 2 do mesmo diploma.
E, de entre estas questões, excepto no tocante àquelas que o tribunal conhece “ex officio”, o tribunal de 2ª instância, apenas, poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artºs 664 e 264 do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.
Como é sabido, os recursos destinam-se a permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, constituindo, assim, um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se consideram mal decididas e não para conhecer questões novas, não apreciadas e discutidas nas instâncias, sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso. Este entendimento, conforme com a natureza dos recursos e, subjacente às regras que dimanam do artigo 684º do CPC, tem sido afirmado pela doutrina e pela jurisprudência, com clareza e unanimidade, cfr. entre outros, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pág. 26, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, pág. 153 a 158 e Ac.RC de 15.2.2011 e Ac. STJ de 28.4.2010, ambos in www.dgsi.pt.
Pelo exposto, não pode agora, por via do recurso, este tribunal da Relação conhecer de tal matéria.
Ainda, assim, com mero objectivo de esclarecimento, diremos que atenta a factualidade que ficou assente nunca seria possível concluir do modo que a autora o faz.
Pois, como a mesma refere, “…se a recorrente soubesse do rumo que a sua relação teria com a Gracinda…”, é óbvio que ao celebrar um contrato, qualquer outorgante, provavelmente, não o celebraria se soubesse que haveria incumprimento e é, igualmente, óbvio que o outro contraente tem conhecimento deste facto.
Porém, se houver incumprimento, não é esse sentimento do 1º contraente e esse conhecimento do 2º contraente que determinam a resolução, mas sim o incumprimento em si.
Sendo que, só se houvesse um vício na formação da vontade, contemporâneo à celebração do contrato é que poderia haver lugar à nulidade ou anulabilidade do contrato, nos termos dos artigos 240º e ss. do CC.
No entanto, no caso dos autos, nada foi alegado nesse sentido, alegando a recorrente, apenas, incumprimento do contrato posterior à sua celebração, não sendo invocado factos que pudessem levar a concluir, se provados, que a ré tinha já a intenção de não cumprir e tenha usado de qualquer artifício para determinar a autora à outorga da doação.
No caso da doação com encargo em que este não vem a ser cumprido e não foi prevista a resolução, esta não é possível, mas não é o facto de os doadores não a terem celebrado se soubessem que o incumprimento teria lugar, nem o conhecimento do donatário deste facto que permitem a resolução.
E, é assim, porque a resolução constitui uma forma de destruição do contrato que opera com base em factos posteriores à celebração do mesmo, ou seja, em factos que ocorrem na vigência do contrato, cfr. Antunes, Varela, in “Das Obrigações em Geral”, 3ª edição, Vol II, pág. 242, como é o caso da resolução por incumprimento dos contratos em geral, previsto no artº 801 do CC.
Donde a irrelevância, para o desfecho dos presentes autos, das considerações tecidas pela autora na conclusão 6º. Pois, a prova destes factos não poderia alterar o sentido da decisão, que viesse a ser ou não tomada sobre a possibilidade de resolução da doação.
Passemos, agora, para a apreciação do que foi pedido na acção e que foi objecto de apreciação pela sentença recorrida, ou seja, o direito da autora resolver a doação.
Antecipando desde já, que não nos merece a mesma qualquer crítica, tendo feito o devido enquadramento jurídico dos factos que se apuraram.
E, é atendendo a estes que vamos tecer algumas considerações, transcrevendo, o que foi sintetizado na sentença impugnada, seja: “Com efeito, a Autora apenas logrou demonstrar a realização das duas doações, por conta da quota disponível, relativas ao prédio identificado nos autos e, bem assim, que no mesmo foi posteriormente construída uma habitação pelos insolventes. Nenhum facto se provou acerca de uma eventual conduta da donatária (seja por acção seja por omissão) que permita concluir por incapacidade para suceder à doadora (não se alegou nem provou qualquer condenação criminal – a este respeito apenas se alegou uma conduta susceptível de procedimento criminal, que não se provou –; não se alegou nem provou qualquer conduta ligada a um eventual testamento da doadora; não se alegou nem provou qualquer recusa de alimentos).
Conforme exposto e resulta dos factos provados, a autora celebrou com a ré Gracinda, esta representada por procuradora, dois contratos de doação, em que dispôs de um prédio rústico, por conta da sua quota disponível, tudo nos termos das escrituras de doação juntas a fls. 16 e ss. e 102 e ss.
Nos termos do nº1, do artº 940 do Código Civil, (diploma a que pertencem todos os artigos que sejam referidos, sem menção de outro), “Doação, é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente”.
Face ao disposto no artº 945, verifica-se que se trata de um contrato, ou negócio jurídico bilateral, que pressupõe duas vontade negociais, a “proposta de doação” e a “aceitação”, caducando a primeira se a segunda não ocorrer em vida do doador.
Definido, como um contrato unilateral, porque, apesar de ter subjacente duas declarações de vontade, só gera obrigações para uma das partes. Diferente dos contratos bilaterais ou sinalagmáticos, que geram obrigações para ambas as partes, obrigações ligadas entre si por um nexo de causalidade ou correspectividade, cfr. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 1980, pág 268.
No entanto, o artº 963 dispõe que “as doações podem ser oneradas com encargos”. Significa isso que, na doação, tal como noutros negócios jurídicos que constituem liberalidades, ver artº 2244, as partes podem apôr uma cláusula modal – ou modo, ou encargo – constituindo uma cláusula acessória típica dos negócios que envolvam liberalidades, em que o doador (ou disponente) impõe ao donatário (ou beneficiário da liberalidade) a obrigação de adoptar um certo comportamento, no interesse do doador, de terceiro ou do próprio donatário, cfr. Mota Pinto, na obra citada, pág 454.
A doação modal ou com cláusula modal caracteriza-se por ser aquela em que o donatário fica adstrito ao cumprimento de uma ou mais prestações. Enquanto nas outras espécies de doações o beneficiário se limita a receber, sendo o seu património gratuitamente enriquecido com a coisa ou o direito transmitido ou com o crédito nele constituído sobre a parte liberal, artº 940º, na doação modal ele fica vinculado ao cumprimento de um dever.
Mas, com o limite que lhe é fixado pelo nº 2, do artº 963. Pois, como escreveram Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, Vol.II, 3ª ed., pág. 290 “A doação modal é sempre uma doação, uma liberalidade, que não pode transformar-se num acto prejudicial para o donatário.”.
A obrigação ou o dever contraído pelo donatário não representa uma contraprestação, e muito menos o correspectivo ou equivalente, da atribuição patrimonial que lhe é feita – mas um simples ónus, restrição ou limitação dela, cfr. in Revista de Legislação e de Jurisprudência, 102º, págs. 38 e 39.
Só existe doação com encargos quando, apesar da realização do encargo, o donatário ainda recebe um benefício que represente um valor superior àquele que se obrigou a despender em consequência dos encargos, cfr. Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, vol. III, pág. 227.
O donatário fica obrigado a um determinado comportamento, que pode ser no interesse do doador, ou de terceiro, ou do próprio beneficiário.
Sendo a favor do doador ou de terceiro, este comportamento pode corresponder ao conteúdo de uma obrigação que fica a cargo do donatário, a qual, aliás, não tem necessariamente natureza patrimonial. Pode, porém, não haver uma verdadeira obrigação em sentido técnico, mas um simples dever jurídico, quando aquele que pode exigir o seu cumprimento não é titular de um correspondente direito de crédito, sobre a prestação, cfr. P. Lima e A. Varela, in obra citada, pág. 292.
Como diz, Menezes Leitão, in obra citada, pág. 228, basta que corresponda a um interesse digno de tutela legal para o seu beneficiário ou mesmo para o próprio doador.
Não sendo de esquecer, que quando esteja em apreciação qualquer situação de doação modal, onerada com encargos, o incumprimento dos encargos só poderá fundar o pedido de resolução da doação por parte do doador, quando tal direito lhe seja conferido pelo próprio contrato.
Pois, em caso de incumprimento do encargo pelo donatário, quer o doador, quer os seus herdeiros poderão resolver a doação. Porém, nos termos do artº 966, a resolução só tem lugar se esse direito tiver sido conferido pelo contrato.
Trata-se de uma norma especial que afasta o regime geral previsto no artigo 801º do CC e por força da qual a violação da cláusula acessória, que impõe o dever acessório do donatário de cumprir um encargo, só permite a resolução do contrato pelo doador se as partes lhe atribuíram esse efeito no contrato.
Ou seja, se houver incumprimento desta cláusula acessória do contrato, só é possível ao doador resolver o contrato, se esse direito estiver previsto no mesmo, caso contrário, a única faculdade de que o doador dispõe é o de exigir o cumprimento do encargo, não podendo operar a resolução e não sendo aplicável o regime do artº 801, neste sentido Mota Pinto, in obra citada, pág. 458, Pedro Martinez in “Da Cessação do Contrato”, 2ª edição, pág. 294, P.Lima e A.Varela, obra citada, pág. 293 e, Acórdãos da RC de 24.05.2005, da RL de 17.12.2009, da RP de 23.02.2006, 08.09.2009 e 08.07.2010, da RG de 23.03.2011 e 12.07.2011 e do STJ de 07.10.2010, todos in www.dgsi.pt.
Pois, embora assista ao doador o direito de exigir judicialmente do donatário o cumprimento dos encargos, artºs 965 e 817, a cláusula modal não constitui uma contraprestação do donatário, não estando ligada à obrigação do doador por nexo de causalidade.
A resolução da doação só tem lugar quando as partes no contrato de doação previram essa forma da cessação do contrato. Isso foi dito por MOTA PINTO, na obra citada, pág. 458, onde se pode ler: “Não bastará que o doador alegue e prove o incumprimento do encargo imposto e que a cláusula modal foi a causa impulsiva da doação, para obter a resolução da doação; é necessário que o direito de resolução lhe seja conferido pelo contrato e, portanto, corresponda a uma vontade real susceptível de desentranhar a sua eficácia em sede interpretativa”.
Tem de ser assim, porque a doação é um contrato e, tratando-se de doação modal, a aceitação pelo donatário terá de abranger a liberalidade e o encargo. A aceitação tem de reportar-se a toda a proposta do doador, nos seus exactos termos, não podendo reportar-se, apenas, a uma parte da mesma.
No caso, a doação foi realizada, através de escritura pública e, na interpretação desse negócio não pode olvidar-se o que preceitua o artº 238, nº 1. Assim, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento.
Analisando as certidões juntas a fls. 16 e 102, textos que corporizam a declaração negocial da autora, nelas não se detecta o menor indício de que ela se tenha reservado o direito de pedir a resolução em caso de incumprimento de qualquer cláusula modal.
Como ficou exposto, das mesmas deveria constar alguma referência, no texto do documento, a tal possibilidade para que a A. pudesse vir pedir, com êxito, a resolução da doação.
Assim, não sendo, tem a pretensão da A. que improceder, como foi decidido.
Efectivamente, apenas se provou que a autora, na qualidade de doadora, doou à ré, mulher, um prédio rústico, que esta aceitou, através de procuradora, tudo em cumprimento do que dispõem os artºs 940 e 945..
Não se provou que a mesma lhe tenha imposto qualquer encargo, nem que algo tenha sido previsto para o caso do incumprimento desse, eventual, encargo.
Por outro lado, de igual modo, nenhum comportamento da ré se apurou susceptível de integrar a situação que, ao abrigo do artº 970, permite a cessação do contrato de doação por revogação.
Dispõe o artº 970, “as doações são revogáveis por ingratidão do donatário.”. Referindo o artº 974 quais os casos de ingratidão para este efeito, sendo quando o donatário se torne incapaz, por indignidade, de suceder ao doador, ou quando se verifique algumas das ocorrências que justificam a deserdação, ou seja, os casos previstos nos artigos 2034º e 2166º.
Ora, é manifesto que nenhum desses casos ocorrem nos presentes autos.
Como bem concluiu a decisão recorrida “Analisado o quadro factual apurado, nenhuma possibilidade se verifica de o subsumir a alguma das situações previstas nas várias alíneas dos artigos 2034º e 2166º.
Donde há que concluir que a autora/doadora, face aos factos provados, não tem o direito de resolver o contrato, bem tendo andado a decisão recorrida ao absolver os réus do seu pedido.
Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso e, consequentemente, a apelação.
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SUMÁRIO (art. 713º, nº 7, do CPC)
I – A doação depende de duas vontades negociais, nos termos do disposto no artº 945, do CC, apesar disso, trata-se de um contrato unilateral, na medida em que acarreta obrigações apenas para uma das partes – o doador.
II – Nos termos do artº 963, do CC, as partes podem onerar as doações com encargos, impondo obrigações para o donatário.
III – Se houver incumprimento do encargo pelo donatário, quer o doador, quer os seus herdeiros poderão resolver a doação, se esse direito tiver sido conferido pelo contrato, nos termos do art. 966º do CC.
IV – A aceitação do donatário, exigida nos termos do artº 945, do CC, tem de reportar-se quer à liberalidade quer ao encargo (caso este exista), pelo que ambos têm de ficar consignados no contrato, sob pena de não poder ser pedida a resolução da doação, nos termos do disposto no artº 966, do mesmo diploma.
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III – DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes desta Secção Cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 9 de Fevereiro de 2012,
Rita Romeira
Amílcar Andrade
Manso Rainho