SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
RESPONSABILIDADE CRIMINAL
EXTINÇÃO
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
BURLA
Sumário

I) O prazo máximo de 3 anos de suspensão da prescrição a que se refere o n.º2 do artigo 120.º é exclusivo da suspensão provocada pela pendência do procedimento a partir da notificação da acusação [artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal].
II) Nos demais casos de suspensão da prescrição previstos nas alíneas c), d) e e) do n.º1 do artigo 120.º, não existe qualquer limite para a duração da suspensão.
III) In casu, a pretendida extinção da responsabilidade criminal por prescrição não ocorre, uma vez que havendo que ressalvar por inteiro o tempo de suspensão decorrente da pendência do procedimento a partir da notificação da acusação, este último com o limite máximo de 3 anos, só no ano de 2013 ocorreria o prazo de prescrição a que alude o n.º 3 do artigo 120.º do Código Penal.

Texto Integral

O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES SECÇÃO CRIMINAL

I - RELATÓRIO

1. No processo comum (tribunal colectivo) n.º305/04.1TABRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga , o arguido José G... foi condenado pela prática crime de falsificação de documentos e de burla qualificada.
2. Veio interpor recurso para esta relação tendo-lhe sido negado provimento
3. Inconformado, o arguido recorre para o STJ, tendo a este respeito sido proferida decisão de rejeição do recurso apresentado.
4. Veio agora o recorrente invocar a prescrição do procedimento criminal.
5. Por decisão proferida em 1 de Julho de 2011foi decidido não declarar extinto, por prescrição, o procedimento criminal relativamente aos crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º,n.º1 alínea a) do Código Penal.
6. Inconformado o arguido recorre, apresentado as seguintes conclusões [fls.3713]:
«(…) 11.-DAS CONCLUSÕES
1.- Consideradas as causas de interrupção e suspensão da prescrição ocorridas no presente procedimento, e atento o momento em que cada um dos crimes se consumou (momento que, conforme sabido, determina o início do prazo de prescrição - cfr., artigo 119.º, nº1, CP), impõe concluir-se que o procedimento criminal iniciado relativamente aos crimes de falsificação deve ser extinto, por prescrição;
ii.- O arguido foi acusado e condenado pelo cometimento de dois crimes de falsificação de documentos, previstos e punidos pelo n.º 1, do artigo 256.º, do CP;
iii.- É de cinco anos o prazo de prescrição do procedimento criminal relativo aos referidos crimes - cfr., artigos 256.°, n.°1, e 118.º, n.º1, al. c), CP;
iv.- Os crimes foram consumados, para efeito da contagem do prazo de prescrição, no decurso do ano de 2001, relativamente a um dos crimes (fls .... do processo) e, no que concerne ao outro, em 06.01.2003 - cfr., artigo 119.º, CP;
v.- Relativamente ao procedimento criminal concernente ao crime de falsificação consumado no decurso do ano de 2001, verifica-se que o respectivo prazo de prescrição decorreu sem que tivesse ocorrido qualquer causa de interrupção ou suspensão, pelo que, nessa medida, deve considera-se extinto o respectivo procedimento criminal;
vi.- O procedimento criminal relativo ao crime de falsificação consumado em 06.01.2003, o respectivo prazo de prescrição foi, conforme bem referido pelo tribunal «a quo», objecto de interrupção em dois momentos. A saber: por efeito da constituição do aqui recorrente como arguido, ocorrida em 18 de Maio de 2007, e da notificação da acusação, realizada em 25 de Outubro de 2009, momento em que, de igual maneira, ficou o prazo de prescrição também suspenso - cfr., artigos 120.º, n.º 1, al. b), e 121.º, n.º1, als. a) e b), CP.
vii.- "Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição" - cfr., artigo 121.º, n.º 3, CP;
viii.- A causa de suspensão determinada pela notificação da acusação cessa com a notificação do despacho que procede à marcação do dia para audiência de julgamento - neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, relatado por CRAVO ROXO, processo 0741311, in w.ww.d1lliLill-, pelo que, in casu, deve ser ressalvado, para efeito da contagem do prazo de prescrição, o período correspondente a cerca de 6 meses (tempo decorrido entre a notificação da acusação e a notificação do despacho que designa a data para a audiência de julgamento);
ix.- Conclui-se, nessa medida, que há muito se verificou a prescrição do procedimento criminal - artigos 118.°, n.º1, al. c), 121.°, n.º 3, e 256.°, n.º 1, CP;
x.- Assim, ao decidir como decidiu violou o Tribunal «a quo» o disposto nos artigos 118.°, n.º1, al. c), 119.°, 120.° e 121.° do CP.
TERMOS EM QUE deve ser procedente o presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão impugnada, declarando-se ainda extinto, por prescrição, o procedimento criminal respeitante aos crimes de falsificação cujo cometimento é imputado ao arguido.
(…)»

7. Na resposta, o Ministério Público, embora ciente de posições diversas na jurisprudência, manifesta a sua concordância com o entendimento manifestado pelo recorrente.
8. Nesta instância, a Exma. procuradora-geral-adjunta emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso [fls.3735 ].
9. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
10. O despacho decisório objecto de recurso é o seguinte:
(…)=CLS=
Veio o arguido José G... requerer, a fls. 3643 e 3644 e também a 3674 e 3675, que se declare prescrito o procedimento criminal relativamente aos factos que configuram a prática de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.°, N.º 1, al. a) do C.P ..
Sustenta, para tal e em síntese, que á data da prática daquele acto processual – 16 de Março de 2011 - o procedimento criminal pela prática dos falados crimes se havia por extinto, por prescrição.
O Digno Magistrado do Ministério Público proferiu douta promoção que antecede.
Cumpre analisar e decidir.
Conforme se constata do Acórdão proferido em 1 de Junho de 2010 nesta Vara Mista, o arguido foi condenado pela prática de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.°, n.? 1, al. a) do C.P ..
O prazo de prescrição do crime de falsificação de documento em apreço é de 5 anos (cfr. artigo 118.°, alínea c) do C.P.).
Os factos que motivaram essa condenação foram praticados em diversas datas dos anos de 1999, 2000, 2001, 2002 e início de 2003 (06-01-2003 - cfr. fls. 2838), sendo que os factos mais recentes foram praticados em 06-01-2003 (cfr. fls. 2838 e 55.).
Tratando-se de crimes de resolução única, deverá entender-se que o prazo de prescrição se inicia com a prática do último acto delitivo.
O arguido foi constituído como tal no dia 18 de Maio de 2007 (cfr. fls. 830), interrompendo-se nessa data o prazo de prescrição (cfr. artigo 121.°, n.º 1, al. a) do C.P.).
O arguido foi notificado da acusação em 25 de Outubro de 2009 (cfr. fls. 2198), suspendendo-se e interrompendo-se novamente o prazo de prescrição (cfr. artigo 120.°, n.º 1, aI. b) e 121.°, n.º 1, aI. b) do C.P.).
Entre a prática dos referidos factos e a notificação da acusação ao arguido não pode ter-se por afirmado o prazo prescricional de 5 anos.
Por outro lado, e ademais, entre um e o outro momento não decorreu o prazo a que se alude no 121.°, n.º 3 do C.P. (in casu, de 7 anos e 6 meses).
A questão que imediatamente se levante é a de saber se o procedimento criminal se extinguiu, por prescrição, após a notificação da acusação ao arguido.
A resolução desta questão passa pela interpretação do disposto no artigo 120.°, n.º1, alínea b) do C.P ..
Tem sido defendido que a referida suspensão do prazo prescricional do procedimento criminal cessa com a notificação ao arguido da data designada para julgamento (cfr. Ac. da RP de 06-06-2007 in www.dgsi.pt.).
Entendo, porém, que tal orientação não tem acolhimento legal (sempre com todo o respeito por opinião diversa).
Efectivamente, tenho entendido que a lei, ao referir que a prescrição do procedimento criminal se suspende durante o tempo em que "o procedimento criminal estiver pendente" pretende significar que tal prazo se suspende enquanto o procedimento criminal correr os seus termos normais, enquanto não foi decidido com decisão transitada em julgado.
É esse o sentido normal das palavras utilizadas pela letra da lei, sendo certo que é de presumir que o legislador se exprimiu em termos adequados (cfr. artigo 9.°, n.º 3 do C.P.).
Por outro lado, do artigo 120.°, n.º 1, al. b) do C.P. não emerge que a expressão "o procedimento criminal estiver pendente (... )" permita a conclusão que tal suspensão finda com da notificação da data designada para julgamento. E, se essa fosse intenção do legislador, certamente seria bem mais fácil expressá-la em termos simples (aliás, como o fez para o inicio desse prazo de suspensão).
E não se afirme que se trata de incúria do legislador na matéria, pois que ele se mostrou, neste âmbito, bem cuidadoso ao consagrar expressamente que a referida suspensão da prescrição do procedimento criminal não poderia ultrapassar 3 anos.
Assim sendo, no caso dos autos, conclui-se que o prazo de prescrição do procedimento criminal se encontrou suspenso desde a data da notificação da acusação ao arguido (que ocorreu em 25 de Outubro de 2009) até ao transito em julgado do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, transito este que ocorreu ainda dentro do período máximo - de 3 anos - da referida suspensão.
Vale isto por dizer que entendo que no caso não verifica a prescrição do procedimento criminal relativamente aos dois crimes de falsificação de documento.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, não se declara extinto, por prescrição, o procedimento criminal relativamente aos crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.°, n.º 1, alínea a) do C.P ..
Notifique.
Braga, 1-07-2011.
(…)»

II – FUNDAMENTAÇÃO

11. Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª Ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª Ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.
12. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objecto do recurso, importa decidir a seguinte questão:
· Se ao caso se mostra extinto o procedimento criminal, por prescrição;

De acordo com o preceituado no artigo 121º,n.º3 do Código Penal:

A questão da alegada prescrição do procedimento criminal

O arguido foi condenado pela prática, em autoria e em concurso, de dois crimes de falsificação, p. e p. pelo artigo 256º,n.º1 alínea a) do Código Penal.

Cada um daqueles crimes era cominado em abstracto “com pena de prisão até 3 anos”

Por isso que o respectivo prazo de prescrição seja de 5 anos - artigo 118.º, n.º1, alínea c) do Código Penal.

O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado – artigo 119.º, n.º1 do Código Penal.

Aquele prazo interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal.

O artigo 120.° do Código Penal (CP) enumera as causas de suspensão da prescrição, que uma vez cessada faz voltar a correr a prescrição.

A prescrição do procedimento criminal suspende-se durante o tempo em que o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou não tendo esta sido deduzida a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo [artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal], e durante o tempo em que vigorar a declaração de contumácia [artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal].

No primeiro daqueles casos, isto é na situação prevista na alínea b) do n.º1 do artigo 120.º do Código Penal, a suspensão não pode ultrapassar 3 anos - artigo 120.º, n.º 2, do CP.

Por seu turno, o artigo 121.º do Código Penal enumera as causas de interrupção da prescrição, sendo que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição (n.º2).

São causas de interrupção da prescrição a constituição de arguido, a notificação da acusação, a declaração de contumácia, a notificação do despacho que designa dia para a audiência na ausência de arguido - artigo 121.º, n.º 1, alíneas a), b) e d), do CP.

Finalmente, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade - artigo 120.º, n.º 3, do CP.

No caso em apreço, a prática dos crimes ocorreu em diversas datas dos anos de 1999,2000,2001,2002 e início de 2003, sendo os factos mais recentes praticados em 06 de Janeiro de 2003 ( fls. 2838 e seguintes do processo).

Conforme já referido na decisão, tratando-se de crime de resolução única o prazo de prescrição tem o seu início com a prática do último acto, ou seja, 06 de Janeiro de 2003.

Por despacho de 18 de Maio de 2007 (fls. 830) o recorrente foi constituído como arguido, o que interrompeu e suspendeu a prescrição

O arguido foi notificado da acusação em 25 de Outubro de 2009, (fls. 2198) facto que teve a virtualidade de interromper a prescrição.

Perante o circunstancialismo apurado é forçoso concluir que o prazo a que alude o citado artigo 120.º, n.º 3, do Código Penal (prazo normal da prescrição acrescido de metade) ainda não se mostra esgotado, uma vez que entre 25 de Outubro de 2009 até ao trânsito em julgado do Acórdão proferido pelo STJ, foi interrompida a prescrição. Acresce que este trânsito ocorreu dentro do período máximo de três anos da referida suspensão.

O prazo máximo de 3 anos de suspensão da prescrição a que se refere o n.º2 do artigo 120.º é exclusivo da suspensão provocada pela pendência do procedimento a partir da notificação da acusação [artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal].

Nos demais casos de suspensão da prescrição previstos nas alíneas c), d) e e) do n.º1 do artigo 120.º, não existe qualquer limite para a duração da suspensão.

Porque em 25 de Outubro de 2009 o arguido /recorrente foi notificado da acusação (fls. 2198) este facto teve a virtualidade de interromper e suspender de novo o prazo da prescrição.

Consequentemente, havendo que ressalvar por inteiro o tempo de suspensão decorrente da pendência do procedimento a partir da notificação da acusação, este último com o limite máximo de 3 anos, só no ano de 2013 ocorreria o prazo de prescrição a que alude o n.º 3 do artigo 120.º do Código Penal

Em conclusão, a responsabilidade criminal do arguido não se mostra extinta pelo decurso do prazo de prescrição, pelo que improcede a arguida excepção.

A responsabilidade pelas custas

13. Uma vez que o arguido decaiu no recurso que interpôs é responsável pelo pagamento da taxa de justiça.

III – DISPOSITIVO

Pelo exposto, os juízes acordam:

· Negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente José G...
· Condená-lo no mínimo de taxa de justiça

Guimarães, 26 de Março de 2012