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CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL
CONSENTIMENTO
Sumário
1. Para que exista um contrato de cessão de posição contratual é necessário a concorrência de três vontades negociais: vontade do cedente e do cessionário em celebrar a cessão e o consentimento, expresso ou tácito, do cedido, antes ou depois da cessão. 2. Não se tendo completado o contrato de cessão da posição contratual celebrado entre o autor e a ré, por falta de consentimento, prévio ou posterior, do cedido, não se pode fazer emergir deste contrato a obrigação, para a ré, de pagamento ao autor do remanescente do preço da mesma cessão.
Texto Integral
Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
RELATÓRIO
O…, residente na Rua…, freguesia de Goães, concelho de Amares, intentou contra A… e esposa M…, residentes no lugar de…, freguesia de Carrazedo, concelho de Amares, a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo que estes sejam condenados a pagar-lhe o dobro do valor por eles recebido a título de sinal, isto é, € 50.000,00 (cinquenta mil euros); em via subsidiária, o valor do sinal por eles recebido de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), e os juros de mora vencidos e vincendos calculados sobre um ou outro valor contados desde 29.02.2008 e até efectivo e integral pagamento.
Alega em síntese que, em 20.08.07 os Réus e a sociedade “Construções… Lda.”, celebraram um “contrato promessa de compra e venda”, mediante o qual, os primeiros prometeram vender à segunda, que, por sua vez, prometeu comprar, o prédio misto sito no lugar…, freguesia de Bico (S.Vicente), concelho de Amares, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amares sob o n.º 19898/Bico, inscrito na matriz sob os artigos 66 e 68 urbanos e 232 rústico, com a área total de 2176M2, pelo preço de 120.000,00 (cento e vinte mil euros), tendo sido entre por esta a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de sinal e princípio de pagamento.
Também alega que em 13.12.2007 a sociedade promitente compradora lhe cedeu o direito decorrente do dito contrato promessa, não tendo dado disso conhecimento aos Réus.
Por fim refere que em 29.02.2008 os Réus venderam a terceiro o aludido prédio misto, através de escritura denominada de “conferência de bens e compra e venda”, e só nessa data é que os mesmos ficaram em condições de outorgar a venda do dito prédio misto, nunca tendo dado conhecimento à sociedade “Construções…” de que estavam por fim em condições de vender o prédio, optando por vendê-lo a C….
Conclui que os Réus definitivamente não cumpriram a obrigação de venda do prédio, de forma consciente e culposa.
Os Réus foram citados e na contestação que apresentaram desde logo afirmam que o contrato não foi celebrado para pessoa a nomear e que a cessão é ineficaz perante os Réus, já que não lhes foi dado conhecimento dessa suposta cessão de direito, nem nela consentiram.
Deste modo, a Autora não lhes pode exigir o sinal que receberam da Sociedade "Construções…".
Entre o demais sustentam que os outorgantes do contrato promessa acordaram prorrogar a data de celebração da escritura para finais de Novembro ou início de Dezembro de 2007.
Nessa altura mantiveram contactos com a sociedade promitente compradora com o intuito de celebrar o contrato prometido e o seu sócio que outorgou o contrato promessa em representação da sociedade informou-os que tinha cedido as respectivas quotas à “D…, Lda.” e que era com o seu representante legal que deveriam tratar da questão.
Além disso, em fins de Dezembro de 2007 tornou-se público que a sociedade em causa fora cedida a uma sociedade “D…, Lda.”, cujo sócio era o D….
Pelo que, em 14 de Janeiro de 2008, por acordo, celebraram um contrato sob o título “declaração de desistência e resolução de contrato promessa” com o representante da sociedade “Construções…, Lda.” registada como pertencendo a “D…, Lda.”, que tinha como gerente único o falado D…, o qual subscreveu o acordo de resolução contratual e através deste acordo ficou resolvido o contrato promessa, ficando assim livres para procederem à venda do imóvel em causa a quem quer que fosse.
A sociedade “D…, Lda.” foi contactada pelos Réus e informou que não existia, em 14 de Janeiro de 2008, na contabilidade da sociedade, qualquer elemento que demonstre ou indicie a existência do suposto contrato de cedência nem qualquer movimento do valor dessa cedência.
Terminam pedindo a procedência das excepções invocadas e a improcedência da acção.
Notificados da contestação, vieram os Autores replicar, pugnando pela improcedência das excepções e reafirmando tudo o que foi dito na petição inicial.
Foi proferido de seguida o despacho saneador, e organizou-se a matéria de facto assente e base instrutória, que foram alvo de aditamento, na sequência do articulado superveniente apresentado pela Autora.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal aplicável e respondeu-se à base instrutória nos termos constantes do despacho de fls. 230 e ss., que não foi objecto de censura.
No final foi proferida sentença com o seguinte teor
julgo a acção totalmente improcedente por não provada, e
em consequência absolvo os Réus A… e esposa M… de todos os pedidos formulados pela Autora O….
Custas a cargo da Autora
Inconformada a autora interpôs recurso, tendo apresentado as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1ª- As partes outorgantes no contrato de cessão de fls. 27 e 28 eram totalmente livres de o celebrar nos termos em que o fizeram. E por isso esse contrato é plenamente válido – vd. Arts 405.° e 424.º CC
2ª- A questão do consentimento dos réus para efeito desse contrato de ficou totalmente ultrapassada, tendo em conta a situação de manifesto incumprimento do contrato-promessa em que os mesmos se colocaram
3ª- Estando provado o recebimento pelos réus do Sinal de € 25 000,00, bem como a venda a terceiro dos prédios objecto do contrato promessa, a acção deve proceder condenando-se os réus a pagar a autora o valor desse sinal em dobro .
De harmonia com as razoes expostas deve conceder-se provimento à apelação revogando-se a douta sentença proferida e julgando-se procedente a acção condenando-se os réus a restituir à autora o valor de € 50 000,00 .
Os réus contra-alegaram pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas conclusões dos recorrentes não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC), é a seguinte a questão a decidir:
- Da validade e eficácia da cessão da posição contratual da sociedade promitente compradora à aqui Autora.
Fundamentação
De facto
FACTOS PROVADOS
1. Foi junto aos autos um documento, com a epígrafe “contrato promessa de compra e venda”, com o seguinte teor: “Primeiros outorgantes: A… e M…,... Segundo outorgante: E…, casada...representante legal com poderes para o acto da firma, Construções…, Lda...
Declararam os primeiros outorgantes:
UM: Que são proprietários do prédio misto, composto de urbanos e rústico, sito no lugar de …, freguesia de Bico (S.Vicente), concelho de Amares, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amares sob o n.º 19898/Bico, inscrito na matriz sob os artigos 66 e 68 urbanos e 232 rústico, com a área total de 2176M2,...
Tendo como pressuposto o mencionado acima, os outorgantes celebram contrato promessa de compra e venda, regido pelas cláusulas seguintes:
DOIS: Pelo presente contrato os primeiros outorgantes prometem vender ao segundo, que, por sua vez, a prometem comprar, livre de ónus e encargos, o referido prédio descrito na cláusula UM/um antecedente, pelo preço de 120.000,00 (cento e vinte mil euros).TRÊS: Este preço de 120.000,00 € será pago em seis prestações: a)1ª prestação no valor de 25.000.00 € (vinte e cinco mil euros), a título de sinal e princípio de pagamento, é entregue pelo segundo outorgante aos primeiros no acto da assinatura deste contrato, pelo que estes prestam a devida quitação; b) 2ª prestação no valor de 15.000,00 € (quinze mil euros) até 30/09/2007; 3ª
prestação no valor de 20.000,00 € (vinte mil euros) até 28/02/2008; 5º prestação no valor de 20.000,00 € (vinte mil euros) até 30/04/2008 e, 6ª prestação no valor de 20.000,00 € (vinte mil euros) até 30/05/2008, quantias estas que serão pagas através de cheques pré datados após a realização da respectiva escritura de compra e venda.
QUARTO: A escritura definitiva será realizada até 30/09/2007, podendo porém por consenso e conveniência dos outorgantes, a marcação do dia exacto para a realização da referida escritura, fará também parte integrante desta escritura todos os cheques com datas posteriores à realização da mesma.
CINCO: Os outorgante declaram prescindir do reconhecimento notarial presencial das assinaturas neste contrato, dispensando expressa e voluntariamente essa formalidade a que alude o artigo 410ª do Código Civil, renunciando portanto, à invocação de qualquer invalidade daí derivada, sob pena de abuso de direito, não obstante de lhe conferirem a sujeição a execução
especifica, nos termos da lei civil ... Amares, 20 de Agosto de 2007” (al. A) da matéria assente)
2. O documento referido em A) encontra-se subscrito pelos RR., por E…, e por um terceiro de cuja assinatura apenas se consegue ler “...”, sendo que estas duas últimas assinaturas se encontram apostas sobre um carimbo onde se lê “Construções…, Lda.”. (al. B) da matéria assente)
3. Nenhum dos outorgantes marcou no Cartório Notarial data para celebração da escritura de compra e venda a que alude A) ou avisou a outra parte para esse efeito. (al. C) da matéria assente)
4. As 2.ª a 6.ª prestações referidas em A) não foram pagas. (al. D) da matéria assente)
5. Por escritura pública celebrada no dia 29.02.2008, J… e mulher, D… (na qualidade de 1.ºs outorgantes, os R. marido (que outorgou por si e na qualidade de procuradora da R. mulher) e C… (na qualidade de 3.ºoutorgante) subscreveram um documento denominado de “conferência de bens e compra e venda”, respeitante ao imóvel referido em A), com o seguinte teor:
“Declararam os primeiros e segundo outorgantes...: Conforme escritura de habilitação de herdeiros anterior a esta, outorgada hoje, em vinte e sete de Novembro de mil novecentos e oitenta e nove faleceu M…...no estado de casado em primeiras núpcias e no regime da comunhão geral de bens com R…, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros legitimários o cônjuge, R…, e dois filhos, que são J… e M….
Em trinta de Dezembro de dois mil e seis faleceu R…no estado de viúva de M…, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros legitimários dois filhos, que são J… e M….
Como únicos interessados vão proceder à conferência de bem imóvel doado em vida pelos autores das heranças à filha M…, por conta das respectivas legítimas, por escritura outorgada no Cartório Notarial de Amares em vinte e seis de Novembro de mil novecentos e setenta e cinco...
O prédio está registado a favor da donatária pela inscrição G, estando o ónus de eventual redução registado pela inscrição F, ambas correspondentes à apresentação onze, de catorze de Novembro de dois mil e sete.
Dão por efectuada esta conferência de bens, tendo já pago e recebido a torna respectiva, pelo que se deverá proceder, em conformidade, ao cancelamento do ónus de eventual redução.
Declarou mais o segundo outorgante: Que por si e pela sua representada, vende o identificado imóvel ao terceiro outorgante, pelo preço de cento e vinte e cinco mil euros, que já receberam.
Declarou o terceiro outorgante: Que aceita este contrato nos termos exarados,...”. (al. E) da matéria assente)
6. O registo da aquisição do imóvel referido em A) foi efectuado no dia 14.11.2007 mas ficou sujeito ao ónus de eventual redução de doação. (al. F) da matéria assente)
7. Em finais de Novembro, do ano de 2007, a filha dos Réus pediu ao representante legal da sociedade “Construções…, Lda.” para proceder ao pagamento do IMI e do mais que fosse necessário para a realização da dita escritura, ao que o mesmo acedeu, tendo os Réus ficado de diligenciarem no sentido de o prédio referido em A) poder ser vendido livre de quaisquer ónus ou encargos e, logo que cada uma das partes tivesse os documentos necessários prontos, os RR. ou a filha dos mesmos e o representante daquela sociedade acertariam a data e o Cartório Notarial para realização e celebração da escritura de compra e venda falada. (al. G) da matéria assente)
8. Junto aos autos encontra-se um documento, denominado “contrato de cessão de direito”, celebrado entre a sociedade Construções…., Lda. (na qualidade de “cedente”) e a A. (na qualidade de “cessionário”), com o seguinte teor: “UM – Por “contrato promessa de compra e venda” celebrado em 20.08.07, a sociedade cedente prometeu comprar a A… e M…, que prometeram vender, o seguinte imóvel: “Prédio misto, composto de urbanos e rústico, sito no lugar de…, freguesia de Bico (S. Vicente), conselho de Amares, descrito na CRP de Amares sob o n.º 19898/Bico, inscrito na matriz sob os artigos 66 e 68 urbanos e 232 rústico, com a área total de 2176 m2…”
DOIS – o preço fixado nesse contrato é de € 120 000,00 (cento e vinte mil euros).
TRÊS – o preço seria pago em seis prestações, a 1.ª no valor de € 25 000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de sinal e principio de pagamento paga na data desse contrato e as restantes por cheques pré-datados paras as datas de 30.09.07, 30.12.07, 28.02.08, 30.04.08 e 30.05.08.
OS OUTORGANTES CONTRATAM O SEGUINTE
PRIMEIRA – A sociedade cedente transmite nesta e por este meio ao cessionário todos os direitos e garantias decorrentes do referido “contrato promessa de compra e venda”.
SEGUNDA – O preço desta cessão é de € 15.000,00 (quinze mil euros) que a cedente recebeu já e de que dá quitação
Assim o declaram de livre vontade. Goães, 13.12.07” (al. H) da matéria assente)
9. O documento referido em H) encontra-se subscrito pela A. e por um terceiro de cuja assinatura apenas se consegue ler “…”, sendo que esta última assinatura se encontra aposta sobre um carimbo onde se consegue ler “Construções…, Lda.”. (al. I) da matéria assente)
10. Nem a Autora nem a sociedade Construções…, Lda. deram conhecimento aos Réus da celebração do acordo referido em H), não tendo também estes últimos dado o seu assentimento no que respeita à realização do mesmo. (al. J) da matéria assente)
11. Teor do documento junto a fls. 128, denominado por “declaração de desistência e resolução de contrato promessa”, cujos dizeres se dão aqui como integralmente reproduzidos para todos os efeitos. (al. K) da matéria assente)
12. Teor do cheque junto a fls. 129. (al. L) da matéria assente)
13. O prédio descrito na al. A), da matéria de facto assente não se encontrava registado a favor dos Réus até 30.09.2007. (item 1º da base instrutória)
14. Provado que os Réus adquiriram tal prédio a título gratuito, tendo procedido à conferência de tal bem em conjunto com os demais herdeiros conforme escritura de 29.02.2008 constante de fls. 34 a 39 dos autos. (item 2º da base instrutória)
15. A partir do momento referido em G) nunca mais os Réus, a filha destes ou o representante legal da sociedade identificada em A) voltaram a falar sobre a escritura de compra e venda do imóvel ali também referido. (item 3º da base instrutória)
16. O pagamento da prestação com vencimento em 30.09.2007 (referida em A)) não ficou condicionado à realização da escritura de compra e venda ali mencionada. (item 4º da base instrutória.
17. Desde 28/12/2007, a Construções… encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Amares como pertencendo à sociedade D…, conforme doc de fls 130 a 133 ( item 12 da base instrutória)
De Direito
Delimitado o objecto do recurso nos termos já definidos, comecemos por analisar a questão levantada, que se prende com a validade e eficácia da cessão da posição contratual.
Não se questiona nos autos que entre as partes foi celebrado um contrato de cessão da posição contratual (art. 424º nº 1 do CC), que consiste no negócio pelo qual um dos outorgantes em qualquer contrato bilateral ou sinalagmático transmite a terceiro, com o consentimento do outro contraente, o complexo de direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato .
Existe, pois, por um lado, o contrato de cessão da posição jurídica de um contraente, o contrato que opera a transmissão dessa posição e, por outro, o contrato donde nasceu a posição que é transmitida a terceiro.
A cessão da posição contratual implica, nos termos referidos, a existência de dois contratos: o contrato-base e o contrato-instrumento da cessão, que é o realizado para transmissão de uma das posições derivadas do contrato-base.
Este contrato que serve de instrumento à transmissão da posição contratual nem sempre é do mesmo tipo, podendo revestir a fisionomia de uma compra e venda, doação, dação em pagamento ou outro contrato oneroso inominado. Diz-se, por isso, que é um negócio policausal, um contrato de causa variável; não é um negócio abstracto.
Neste sentido Antunes Varela , in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., 385.
“A cessão da posição contratual opera uma simples modificação subjectiva na relação contratual básica, a qual persiste, embora com um novo titular” - Pires de Lima e Antunes Varela, in, “ CÓDIGO CIVIL, Anotado”,Vol. I,4ªed. , pág.376..
Portanto, como refere Vaz Serra In,R.L.J., Ano. 113, pág. 79., é necessário para a existência do contrato de cessão da posição contratual que:
a- se trate de uma prestação emergente com prestações recíprocas e, por isso, de um contrato bilateral;
b- o outro contraente (o cedido) dê o seu consentimento, antes ou depois da cessão.
E porque tal contrato é integrado por uma estrutura trilateral de vontades negociais, que comprometa o cedente, o cessionário e o cedido, é bom de ver que o consentimento deste último é sempre essencial para a existência do contrato de cessão da posição contratual.
No dizer de Vaz Serra In obra e local citados, a necessidade deste consentimento, prévio ou posterior, resulta de que ao contraente cedido não pode, sem o seu consentimento, ser imposto um contraente diverso do originário, o que o poderia prejudicar.
Na verdade, como salienta Henrique Mesquita In,”CJ, ano 1986,tomo I,pág.15.,” as vinculações contratuais assentam numa relação de confiança, que seria quebrada ou posta em causa se uma das partes pudesse ceder a outrem, por sua livre iniciativa, a respectiva posição jurídica.
Por isso, no caso de o consentimento ser posterior à cessão, esta só vale a partir da prestação do consentimento do cedido, o qual pode ser manifestado tacitamente.
Os requisitos do contrato de cessão estão previstos no art. 425º: a forma da transmissão, a capacidade de dispor e de receber, a falta e vícios da vontade e as relações entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que serve de base à cessão (isto é, do negócio causal em que se integra a cessão, não do contrato-base acima referido).
No caso dos presentes autos, discute-se se esse consentimento é elemento integrante do negócio – o acordo entre o cedente e o cessionário dá origem a um negócio in itinere, cujo aperfeiçoamento – não apenas a sua eficácia – é subordinado ao consenso do outro contraente, sendo este, portanto, um elemento constitutivo de um contrato plurilateral; ou se o consentimento é apenas um elemento exterior, posterior à plena formação do contrato – admitindo-se que o consentimento possa ser dado depois da celebração do contrato, pode concluir-se que o legislador considera o contrato de cessão constituído, mesmo que ainda falte o consentimento do contraente cedido.
Na sentença recorrida seguiu-se a primeira das referidas teses, entendendo-se que, no caso, não se pode considerar o contrato constituído por falta do consentimento dos cedidos.
Entende-se ser esta a decisão correcta.
Na cessão, além das vontades dos intervenientes directos na transmissão, exige-se o consentimento do contraente cedido, que tanto pode ser prestado antes como depois da celebração do contrato de cessão.
Porém este consentimento/ comportamento declaratório “pode ser contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou quaisquer actos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa, mas terão de ser comportamentos positivos, ou seja, que os factos concludentes em que assenta a declaração tácita, não têm necessariamente de ser inequívocos em absoluto, sendo suficiente que eles com toda a probabilidade o revelem”- cfr. ac. STJ 13-03-2008 in CJSTJ, tomo I pág. 174.
Quando posterior, “a cessão só com esse consentimento se torna válida, porque a autorização a ratifica. A autorização é normalmente expressa, mas também pode ser tácita como por exemplo: aceitação de pagamentos feitos pelo cessionário” -cfr. Prof. Galvão Telles in Manual dos Contratos em Geral — Coimbra. Ed. 2002 pág. 455.
… a cessão tem de ser consentida pelo outro contraente do contrato-base. O que bem se compreende porque pode afectar os interesses deste.
O consentimento pode ser anterior ou posterior à cessão e tem-se admitido o consentimento mesmo tácito, emergente, por exemplo, da aceitação de pagamentos feitos pelo cessionário- cfr Ac do STJ de 05 de Maio de 2011 in www.dgsi.pt.
Ora, aquilatando nos factos dados como provados, podemos concluir que os réus não autorizaram de forma expressa nem tácita a cessão da posição contratual alegada pela ré que aliás nem da mesma tiveram conhecimento.
De facto apurou-se que
Junto aos autos encontra-se um documento, denominado “contrato de cessão de direito”, celebrado entre a sociedade Construções…, Lda. (na qualidade de “cedente”) e a A. (na qualidade de “cessionário”), com o seguinte teor: “UM – Por “contrato promessa de compra e venda” celebrado em 20.08.07, a sociedade cedente prometeu comprar a A… e M…, que prometeram vender, o seguinte imóvel: “Prédio misto, composto de urbanos e rústico, sito no lugar de…, freguesia de Bico (S. Vicente), conselho de Amares, descrito na CRP de Amares sob o n.º 19898/Bico, inscrito na matriz sob os artigos 66 e 68 urbanos e 232 rústico, com a área total de 2176 m2…”
DOIS – o preço fixado nesse contrato é de € 120 000,00 (cento e vinte mil euros).
TRÊS – o preço seria pago em seis prestações, a 1.ª no valor de € 25 000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de sinal e principio de pagamento paga na data desse contrato e as restantes por cheques pré-datados paras as datas de 30.09.07, 30.12.07, 28.02.08, 30.04.08 e 30.05.08.
OS OUTORGANTES CONTRATAM O SEGUINTE
PRIMEIRA – A sociedade cedente transmite nesta e por este meio ao cessionário todos os direitos e garantias decorrentes do referido “contrato promessa de compra e venda”.
SEGUNDA – O preço desta cessão é de € 15.000,00 (quinze mil euros) que a cedente recebeu já e de que dá quitação
Assim o declaram de livre vontade. Goães, 13.12.07” (al. H) da matéria assente)
O documento referido em H) encontra-se subscrito pela A. e por um terceiro de cuja assinatura apenas se consegue ler “...”, sendo que esta última assinatura se encontra aposta sobre um carimbo onde se consegue ler “Construções…, Lda.”. (al. I) da matéria assente)
Nem a Autora nem a sociedade Construções…, Lda. deram conhecimento aos Réus da celebração do acordo referido em H), não tendo também estes últimos dado o seu assentimento no que respeita à realização do mesmo. (al. J) da matéria assente).
Falta esta que a recorrente reconhece nas suas alegações (pag 10 e 11 das alegações, pag 264 e 265 destes autos).
E devido a esta falta de assentimento concluímos que falta uma terceira declaração negocial de assentimento para uma verdadeira cessão da posição contratual, nos termos escritos na sentença recorrida e no Acordão do STJ na mesma citada.
A consequência jurídica desta situação é que não podendo ter lugar a transmissão da posição contratual para o cessionário, não se produzem, em princípio, quaisquer efeitos, mesmo entre cedente e cessionário-neste sentido Prof. Mota Pinto Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, 474 e 475, sendo de concluir pela inexistência desse contrato por falta de um dos elementos constitutivos do contrato de cessão da posição contratual: o consentimento do cedido à transmissão da posição contratual do cedente.
A salientar que a nulidade deste contrato apenas se verificava se existisse uma causa intrínseca viciadora do negócio jurídico (quanto ao objecto, à forma ou à formulação da vontade) e a ineficácia uma causa externa, cuja verificação, não invalida o negócio, embora o prive de produção de efeitos ou de certos efeitos, em relação às partes ou a terceiros, o que não é o caso.
E não se diga como faz a recorrente de que sendo os réus incumpridores ( do contrato promessa uma vez que já transmitiram a terceiro os prédios objecto do contrato promessa) a eficácia da posição contratual deixa automaticamente de estar dependente do consentimento deles.
É que não se tendo este completado, por lhe faltar o consentimento do cedido, nada autoriza a afirmar qualquer outro resultado, eventualmente contido, numa espécie de consunção, na eficácia da cessão do contrato e que ficaria imprejudicado pela não verificação do efeito integral desta. Qualquer efeito deste tipo, ligado ao acordo entre cedente e cessionário, só se produzirá se, de acordo com os critérios de interpretação negocial, há um comportamento declarativo nesse sentido. Nesse caso estaremos perante uma manifestação dos chamados negócios com vontade alternativa- neste sentido Prof Mota Pinto na obra citada .
Porém- como se escreve na sentença recorrida- percorrendo o clausulado do contrato de cessão celebrado entre a autora e a sociedade promitente compradora, não vemos qualquer estipulação no sentido apontado, isto é, que as partes tenham previsto qualquer alternativa para a falta de consentimento do cedido.
E também não vemos clausula que nos permita concluir que o cedente autorizou previamente a cessão – como por ex se o contrato promessa tivesse sido celebrado para pessoa a nomear (artº452º a455º do C. Civil)- pois neste caso, para que a cessão se completasse bastaria que fosse levada ao conhecimento do contraente cedido ( por meio de notificação) ou que este a conhecesse ( artº 424º nº2 do C. Civil).
E neste caso a tese defendida pela autora na petição inicial, de que a cessão de direitos inerente ao contrato promessa produz efeito em relação aos réus com a citação para a presente acção- art 53 da p.i- seria aplicável.
Ora, não se tendo completado o contrato de cessão da posição contratual celebrado entre a autor e a cedente não se pode fazer emergir deste contrato a obrigação, para os réus, de pagamento à autora de qualquer valor derivado de alegadamente ocorrer a incumprimento definitivo do contrato promessa por parte dos réus.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recurso.
Sumário
. Para que exista um contrato de cessão de posição contratual é necessário a concorrência de três vontades negociais: vontade do cedente e do cessionário em celebrar a cessão e o consentimento, expresso ou tácito, do cedido, antes ou depois da cessão.
. Não se tendo completado o contrato de cessão da posição contratual celebrado entre o autor e a ré, por falta de consentimento, prévio ou posterior, do cedido, não se pode fazer emergir deste contrato a obrigação, para a ré, de pagamento ao autor do remanescente do preço da mesma cessão.
Decisão
Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães decidem julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida
Custas pela recorrente
Guimarães, 27 de Março de 2012