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PROCURAÇÃO
RECONHECIMENTO DA LETRA E DA ASSINATURA
QUOTA DE SOCIEDADE
TRANSMISSÃO POR MORTE
Sumário
1 - A prova de que uma assinatura foi efetuada por determinada pessoa, não se efetua apenas através de exame pericial. Como é sabido, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que, para prova deste facto a lei não exige formalidade especial.
2 - As procurações, nos termos do art. 116º, nº1 C. Notariado, podem ser lavradas por instrumento público, documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento de letra e assinatura ou por documento autenticado. Os advogados podem validar procurações através do reconhecimento de letra e de assinatura ou da autenticação do documento por termo.
3 - Se estiverem reconhecidas presencialmente, nos termos das leis notariais, a letra e a assinatura do documento, ou só a assinatura, têm-se por verdadeiras, conforme determina o artigo 375.º do Código Civil, e se a parte contra quem o documento é apresentado arguir a falsidade do reconhecimento presencial da letra e da assinatura, ou só da assinatura, a ela incumbe a prova dessa falsidade.
4 - As disposições do C. Sociedades Comerciais quanto à transmissão de quota por morte, têm em vista regular a vida e os interesses das sociedades e indirectamente dos seus sócios, não estipulando, nem prevendo regras sucessórias. Este tipo de cláusulas baseia-se na proteção do interesse da sociedade e dos sócios e não dos sucessores do sócio falecido.
5 - A deliberação de amortização de quota tem que fazer menção expressa da verificação do requisito exigido pelo artigo 236.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, sendo nula a deliberação que não contenha esta menção.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
M. P., viúva, A. C., I. C., M. C., R. B., deduziram ação declarativa contra B. C. e mulher A. M., J. P., M. M., Advogado, L. T., Notária, A. F., Revisor Oficial de Contas …, “FAC, SROC”, ora denominada “PF & SA, SROC”, e “Farmácia A., Lda.”, alegando, em síntese, que corre termos processo de inventário por morte de J. C., do qual são herdeiros (tal como o 1º Réu) e que foi remetida para os meios comuns a questão relativa ao pedido de declaração de nulidade da amortização de uma quota do falecido na sociedade Ré.
Mais alegaram que essa sociedade foi constituída por escritura pública em que a Autora outorgou na qualidade de procuradora do J. C., sendo que este, quando outorgou tal procuração na presença do Réu Advogado, estava acamado há vários anos e não tinha consciência, nem compreensão do que se passava à sua volta, tal como não tinha a 1ª Autora que outorgou tal escritura sem que lhe fosse explicado o seu conteúdo, tendo tal sociedade sido constituída com a entrada em espécie de um estabelecimento de farmácia pelo J. C., sendo que o Réu ROC e respectiva sociedade elaboraram o relatório de verificação previsto no artigo 28º do C. das Sociedades Comerciais sem terem em conta o real valor desse estabelecimento, estando os 1º, 2º, 3º, 5º e 6º Réus concertados na prática de um plano para se apropriarem da Farmácia A. sem pagarem qualquer quantia ao J. C. e à 1ª Autora.
Pretendem que seja declarado que:
- o J. C. não mandatou a Autora M. P., nem nunca lhe deu instruções para constituir qualquer sociedade com o Réu B. C., nem lhe conferiu poderes para transferir a “FARMÁCIA A.”, para qualquer sociedade, a constituir;
- as assinaturas constantes dos documentos intitulados “PROCURAÇÃO” e “TERMO DE AUTENTICAÇÃO”, juntos com a escritura de constituição da sociedade “FARMÁCIA A, L.DA”, e neles atribuídas ao declarante J. C., não foram feitas pelo seu próprio punho, nem na presença do 3.º Réu, Dr. M. M.;
- à data dos documentos referidos na alínea anterior, o alegado declarante, J. C. tinha 88 anos de idade; estava acamado há vários anos; e era portador de doença que o impossibilitava de assinar quaisquer documentos e ou de entender e querer o conteúdo das respectivas declarações escritas;
- à data dos documentos referidos, a Autora M. P. contava já 81 anos de idade, não sabia ler nem escrever nem nunca teve qualquer participação ou conhecimento dos negócios familiares, e ao assinar a escritura de constituição de sociedade não tinha consciência de fazer qualquer declaração negocial de transmissão da propriedade da “FARMÁCIA A” ou outra, nem capacidade de entender e de querer o conteúdo dos referidos documentos;
- os primeiros Réus, B. C. e mulher Maria, e os segundo e terceiro Réus, J. P. e DR. M. M. tinham perfeito conhecimento dos factos e consequências mencionados;
- a Autora M. P. não conhece, nem contactou a Sociedade “FAC, SROC” nem o Dr. A. F., ora quinto e sexto Réus, nem lhes solicitou a elaboração do Relatório de Verificação junto com a escritura de constituição da sociedade “FARMÁCIA A, LDA”, e que é falsa a declaração que dele consta, de que a sua elaboração lhes foi solicitada pela Autora M. P., como procuradora de J. C.;
- os quinto e sexto Réus, DR. A. F., e FAC, SROC., elaboraram o referido relatório de verificação, nos termos do disposto no artigo 28º do Código das Sociedades Comerciais, a pedido e de combinação e de acordo com as informações prestadas pelos primeiros, segundo e terceiro Réus, e avaliaram a “FARMÁCIA A”, tomando em consideração apenas o valor do património físico do estabelecimento, constante do balanço realizado em 30-09-2007, do montante de € 123.534,12 (cento e vinte e três mil e quinhentos e trinta e quatro euros e doze cêntimos), bem sabendo e não podendo ignorar que o alvará da “FARMÁCIA A”, por si só, valia e vale cerca de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros);
- os quinto e sexto Réus elaboraram o Relatório de Verificação, nos termos e com o conhecimento dos valores referidos na alínea anterior, de combinação com os primeiros, segundo e terceiro Réus, para satisfação dos interesses pessoais e benefício ilegítimo dos primeiros Réus, B. C. e mulher, e com o propósito de prejudicarem os proprietários da “FARMÁCIA A”;
- os aludidos documentos sob os títulos “PROCURAÇÃO” e “TERMO DE AUTENTICAÇÃO” não são idóneos para conferir os necessários poderes para a indicada mandatária constituir a sociedade em nome do suposto mandante, e para realizar a quota do mesmo pela entrega do estabelecimento comercial denominado “FARMÁCIA A”; e o simples reconhecimento presencial da assinatura do mandante, em ambos os documentos, não lhes confere a natureza de documentos particulares autenticados, nos termos do art.º 116.º do Código do Notariado;
-são falsas as assinaturas dos documentos intitulados “PROCURAÇÃO” e “TERMO DE AUTENTICAÇÃO”, neles atribuídas ao J. C., e inválidos tais documentos e as declarações que deles constam;
- ainda que o J. C. tivesse assinado o documento intitulado “PROCURAÇÃO”, as declarações dele constantes não produzem qualquer efeito, porque o J. C. devido à sua doença e avançada idade – 88 anos – não tinha consciência de que estava a fazer uma declaração negocial, nem tinha capacidade de querer e entender tais declarações;
- a autora M. P. não tinha poderes para representar o J. C. para constituir qualquer sociedade, nem para realizar a respectiva quota com a transmissão do estabelecimento de farmácia denominado “FARMÁCIA A”, sendo ineficazes as declarações negociais feitas em seu nome;
- a escritura de constituição da sociedade é nula, por falsidade, nos termos do artigo 372.º n.º 2 do Código Civil, porque nela se atesta que a Autora M. P. declarou, por si e na qualidade de procuradora do seu marido, constituir uma sociedade por quotas a reger-se pelo contrato constante dos artigos nela descritos, quando não tinha conhecimentos nem capacidade de querer e de entender as declarações que nela lhe são imputadas;
- são nulas as cláusulas sexta e sétima da escritura de constituição da sociedade “FARMÁCIA A, L.DA”, ora sétima Ré, por serem contrárias à ordem pública e ofensivas dos bens costumes, e por prejudicarem a legítima dos herdeiros legitimários, e ainda por violação do disposto no art. 8.º nºs 2 e 3 do Código das Sociedades Comerciais; - a declaração de transmissão do estabelecimento denominado “FARMÁCIA A” para a sociedade denominada “FARMÁCIA A, LDA”, ora sétima Ré, não produz qualquer efeito porque os seus titulares, a ora Autora M. P. e o seu marido J. C., nunca o quiseram transmitir para uma sociedade a constituir com o Ré B. C.; e porque a Autora M. P., ao assinar a escritura de constituição de sociedade, não tinha consciência de fazer uma declaração negocial de transmissão do estabelecimento;
- a deliberação de amortização da quota do sócio J. C., tomada na assembleia-geral do dia 21 de Janeiro de 2011, lavrada pelo instrumento de acta junto como documento n.º 14 é nula por violação das normas constantes dos artigos 56.º nº 1 alíneas a) e d), 223.º nº 6, 224.º, 232.º 233.º, 235.º e 236.º todos do Código das Sociedades Comerciais;
- deve ser ordenado o cancelamento de todos os registos efectuados na C. R. Comercial relativos à sociedade Farmácia A., Lda., nomeadamente, o da constituição da mesma e designação de órgãos sociais e o da amortização de quota;
- a restituição do estabelecimento de farmácia à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J. C.;
- o pagamento de uma indemnização a liquidar em execução de sentença pelos danos causados e que continuam a causar.
Contestou a ré L. impugnando a factualidade alegada pelos autores e alegando que a 1ª autora se apresentou munida da procuração em causa evidenciava boa capacidade de discernimento e compreensão e entendeu perfeitamente o significado dos actos praticados, pelo que pugnou pela improcedência da causa.
Contestaram os réus ROC e SROC, excepcionando a ilegitimidade do primeiro para a causa e a prescrição do direito de indemnização invocado pelos Autores, mais tendo impugnado a factualidade alegada e afirmando que o relatório de verificação em causa foi elaborado de acordo com as directrizes que estabelecem os critérios e procedimentos de verificação das entradas em espécie, sendo certo que o alvará não estava contabilizado no balanço que serviu de base à elaboração desse relatório. Mais requereram a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros Companhia de Seguros A, S.A., e da AIC seguros, Lda., por estar para estas transferida a respectiva responsabilidade civil, mais requerendo, a final, a condenação dos Autores como litigantes de má-fé.
Também os 1º, 2º, 3º, 4º e 7º Réus apresentaram contestação onde excepcionaram a prescrição e impugnaram a factualidade alegada pelos Autores, mais alegando que o J. C. manteve-se capaz e lúcido até 2009 e que só um dos herdeiros não manifestou disponibilidade para acordar no valor da amortização da quota da sociedade, sendo certo que a 1ª Autora, na qualidade de cabeça de casal, recebeu a primeira prestação do pagamento do respectivo valor da amortização da quota, ou seja, € 85.878,28, tendo recusado o recebimento da segunda, de igual montante, do que concluíram pela improcedência da acção e pela condenação dos Autores como litigantes de má fé.
Os Autores replicaram a fls.275 e seguintes rejeitando a ilegitimidade invocada e referindo que a responsabilidade é contratual e por isso não está prescrita e que, ainda que assim não fosse, o prazo aplicável é o do artigo 498º/3 do C. Civil, dado que se está perante uma burla qualificada. Mais pugnaram pela improcedência do pedido de condenação por litigância de má fé.
Foi deferida a intervenção principal provocada das seguradoras.
A Companhia de Seguros A, S.A., aderiu à exceção de ilegitimidade do réu ROC e alegou que a Ré SROC não constava da apólice vigente à data dos factos, à qual nunca aderiu, mais tendo esgrimido a excepção da prescrição.
A AIC excecionou estar excluída da apólice vigente à data da participação do sinistro a cobertura por actos que consubstanciem responsabilidade criminal dos sócios da SROC, sendo certo, porém, que o sinistro se encontra excluído da cobertura temporal da apólice pois que a SROC não era segurada à data dos factos. Mais impugnou a factualidade alegada pelos Autores, concluindo não ter o ROC, nem a SROC, incorrido em qualquer responsabilidade perante os Autores.
Julgou-se improcedente a invocada exceção de ilegitimidade.
Foi a ré L. T., notária, absolvida da instância, por se ter considerado o tribunal incompetente em razão da matéria, para o julgamento da responsabilidade civil que lhe vem imputada.
Igual requerimento por parte dos réus ROC e SROC, foi julgado improcedente, declarando-se o tribunal competente para o conhecimento dos pedidos contra ambos formulados.
Após audiência de julgamento, foi proferida sentença, cujo dispositivo é o seguinte:
“Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, decido: a). declarar que o J. C. tinha 88 anos de idade à data de 18 de Outubro de 2007; b). declarar que a Autora M. P. tinha 81 anos de idade à data de 18 de Outubro de 2007 e que a mesma não sabe ler, nem escrever; c). declarar que a Autora M. P. não conhece, nem contactou directamente com a PF & SA, SROC, nem com o Dr. A. F.; d). declarar que a PF & SA, SROC, elaborou o relatório de verificação previsto no artigo 28º do Código das Sociedades Comerciais, com base nas informações prestadas pelo Réu J. P. e tomando apenas em consideração o valor do património físico do estabelecimento constante do balanço realizado em 30 de Setembro de 2007, no montante de € 123.534,12 (cento e vinte e três mil, quinhentos e trinta e quatro euros e doze cêntimos); e). julgar nula, por violação do disposto nos artigos 56º/1 d). e 236º/2 do Código das Sociedades Comerciais, a deliberação de amortização da quota do falecido sócio J. C., tomada em assembleia geral da Farmácia A., Lda., do dia 21 de Janeiro de 2011 e, em consequência, determinar o cancelamento do respectivo registo efectuado pelo Dep. 229/2011-01-27; f). absolver, no mais, os Réus e as Intervenientes Principais dos pedidos; g). condenar os Autores como litigantes de má fé na multa de 8 (oito) UC e, bem assim, no pagamento de uma indemnização de € 1.000,00 (mil euros) a favor dos Réus A. F. e PF & SA, SROC, e no pagamento de uma indemnização de € 1.000,00 (mil euros) a favor dos Réus B. C. e mulher; J. P., M. M. e Farmácia A., Lda.
Custas a cargo dos Autores e dos Réus B. C., J. P., M. M. e Farmácia A., Lda., na proporção dos respectivos decaimentos que se fixam, respectivamente, em 7/10 e 3/10”.
B. C. e outros (1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 8.º réus) interpuseram recurso, cujas alegações finalizaram com as seguintes Conclusões: A - À data da deliberação de amortização da quota social do falecido J. C. na 7.ª ré, não era ainda conhecido - dependente que estava de eventual acordo - o valor da contrapartida da amortização que, assim, não podia constar da própria deliberação. B - Não podendo o valor, in casu, constar da deliberação, não era exigível que esta mencionasse que a situação líquida da sociedade não ficaria inferior à soma do capital e da reserva legal.
Sem prescindir, C - A omissão da menção referida na precedente conclusão, geraria, quando muito, a anulabilidade da deliberação, que não a nulidade dela. D - E, só podendo assacar-se à deliberação um vício gerador de anulabilidade, esta estaria sanada sendo que, aliás, os autores nem legitimidade teriam para a respectiva invocação, já que a menção omitida não releva para o efeito de satisfazer interesses deles, mas de terceiros, designadamente de credores. E - A situação líquida da sociedade 7.ª ré, depois de satisfeita a amortização na totalidade (in casu, só ocorreu parcialmente, face à recusa de recebimento da segunda e última prestação), não ficaria inferior à soma do capital e da reserva legal. F - Decidindo pela nulidade da deliberação, violou a douta sentença recorrida, nesta parte, o disposto nos arts. 56°.-1 d), 58°.-1 a), 59°.-2, 234°.-1 e 236°.-1 e 2 CSC, como tal, é ilegal, pelo que deve ser substituída por outra que, abstendo-se de decretar a nulidade da deliberação, absolva os réus dos pedidos a este respeito formulados,
com o que tudo se fará a habitual JUSTIÇA.
Os autores M. P., A. C., M. C. e R. B. interpuseram recurso, cujas alegações finalizaram com as seguintes Conclusões:
1- Salvo o devido respeito que temos pelo douto Tribunal “a quo” – e que é muito – os aqui Recorrentes não podem concordar com a douta sentença proferida nos presentes autos, no que tange à resposta factual constantes nos pontos nºs 1, 5, 6, 8, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 22,23,27, 35, 45 presente no rol dos factos dados como não provados no corpo da douta sentença recorrida, bem como, discordam da resposta factual dada pelo Tribunal recorrido nos pontos nºs 14, 66, 69, 73, 81 e 82 presente no rol dos factos provados, sendo seu modesto entendimento que o Tribunal Recorrido incorreu num manifesto e crasso erro de julgamento. 2- Na verdade, entendem os aqui Recorrentes que da conjugação da prova testemunhal produzida nos presentes autos (melhor discriminada na fundamentação/alegações do presente recurso, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, por uma questão de economia processual), bem como da prova documental junta aos autos a fls 106 e ss (Instrumento de Acta de Assembleia Geral), e aliando-se às mesmas as regras da lógica, experiência e das presunções que é legítimo retirar das mesmas, nos termos do disposto no artigo 349º do C.Civil e do artigo 351º do mesmo compêndio legal e partindo ainda do pressuposto de que para a prova do estado de incapacidade físico/ mental de uma pessoa não é necessária a existência de prova documental que ateste inequivocamente o estado de saúde, devendo nortear-se o julgador nesta sede pelo princípio da livre apreciação das provas, concluímos que deverá ser dado como provado que em virtude do AVC de que o J. C. foi alvo em 22 de Fevereiro de 2001 e dos demais problemas de saúde físico (a nível de locomoção) de que foi alvo, bem como, em consequência do estado de demência mental em que o mesmo se encontrava fruto do referido AVC que lhe provocou afasia e paralisia do seu corpo direito, agravado pela pesada idade, as capacidades físicas e mentais do J. C. foram-se deteriorando gravemente e progressivamente até à data do seu decesso, levando a que o mesmo acamasse, tendo o seu estado de saúde agravado de forma manifesta em data nunca posterior a 2006, sendo que, pelo menos à data da outorga da procuração aqui em litígio -18 de Outubro de 2007- o mesmo já se encontrava acamado, impossibilitado de a assinar e/ ou de querer e compreender o sentido e alcance da mesma, não tendo consequentemente conferido validamente poderes para que a aqui Recorrente M. P. outorgasse a escritura de constituição e sociedade aqui em litígio, datada de 16 de Novembro de 2007, em sua representação. 3- Em consequência, por tudo o que mencionamos supra e da análise de toda a prova indicada no corpo das alegações/ fundamentação do presente recurso (a qual se dá aqui por integralmente reproduzida, para todos os efeitos legais),os aqui Recorrentes entendem que os factos presentes nos pontos nºs 5, 8, 15, 17, 18, 22 do rol dos factos não provados e os factos nºs 14, 69º e 73 do rol dos factos provados, devem ser alterados por este douto Tribunal “ad quem” no seguinte sentido:
-O ponto nº 5 do rol dos factos não provados deve ser alterado no sentido de dar-se como provado que: “A doença e o AVC impossibilitaram o J. C. de administrar a farmácia”.
-O facto nº 8 do rol dos factos não provados deve ser alterado no sentido de dar-se como provado que: “o J. C. estava acamado há vários anos e não tinha já verdadeira consciência ou compreensão do que se passava à sua volta nem do que lhe dizia ou lhe diziam, nem capacidade de querer e de entender.
- O facto nº 15 do rol dos factos não provados deve ser alterado no sentido de dar-se como provado que: “O J. C. não mandatou a Autora M. P., nem nunca lhe deu instruções para constituir qualquer sociedade com o réu B. C., nem lhe conferiu poderes para transferir a “FARMÁCIA A.”, para qualquer sociedade, a constituir”.
- O ponto nº 17 do rol dos factos não provados deve ser alterado no sentido de dar-se como provado que: “ Na data de 18 de Outubro de 2007, o J. C. estava acamado e impossibilitado de assinar os documentos referidos em I.26 e I.27. “
-O ponto nº 18 do rol dos factos não provados deve ser alterado no sentido de dar-se como provado que: ”A incapacidade física e psíquica que afectava o J. C., e que os primeiro, segundo e terceiro Réus bem conheciam, para além de não lhe permitir assinar o seu nome, não lhe permitia ter consciência, compreender, entender e querer as declarações que constam desses documentos.
-O ponto nº 22 do rol dos factos não provados deve ser alterado no sentido de dar-se como provado que: A doença progressiva que foi diagnosticada em 2001 ao J. C. agravou-se até à morte.”
- O ponto nº14 do rol dos factos provados deve ser alterado e dar-se como provado no seguinte sentido: “Em 22 de Fevereiro de 2001, o J. C. sofreu um AVC e, em data não concretamente apurada, a gestão da farmácia ficou a cargo do filho, L. A., o qual viria a falecer no mês de Novembro de 2003, e a partir dessa data, a gestão da farmácia ficou a cargo do Réu B. C..
- O ponto nº 73 do rol dos factos provados deve ser alterado e passar a dar-se como provado o seguinte: ”Pelo menos, desde o dia 18 de Outubro de 2007,o J. C. já se encontrava acamado”. 4 - Em consequência e por identidade de razões, deverá este douto Tribunal “ad quem” alterar a resposta dada ao facto presente no ponto nº 69 do rol dos factos provados, no sentido de passar a dar-se como NÃO PROVADO que:
- “Pelo menos até 2 de Novembro de 2005, o J. C. assinava cheques”.
5-Pelas mesmas razão supra mencionadas, deverá ainda ser alterado o ponto nº 81 do rol dos factos dados como provados no sentido de ser dado como NÃO PROVADO que:
-“O J. C. praticou, entre outros, os seguintes actos: a) Em 11.02.2003, subscreveu, na qualidade de entidade patronal, contrato de trabalho com o trabalhador V. B., neto do J. C., filho da autora R. B. – cfr. documento de fls.231 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; b) Em 11.02.2003, subscreveu, na qualidade de entidade patronal, requerimento de dispensa temporária do pagamento de contribuições para a segurança social – cfr. documento de fls.234 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; c) Em 18.03.2003, subscreveu, na qualidade de entidade patronal, comunicação ao ISSS – cfr. documento de fls.236 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; d) Em 11.07.2003, outorgou contrato de conta corrente caucionada com o Banco B e subscreveu livrança referida no contrato – cfr. documento de fls.237 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; e) Em 16.06.2004, subscreveu, na qualidade de entidade patronal, contrato de trabalho com o trabalhador J. B., neto do J. C., filho da autora R. B. – cfr. documento de fls.241 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; f) Em 16.06.2004, subscreveu comunicação de admissão de novo trabalhador, na qualidade de entidade patronal – cfr. documento de fls.244 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; g) Em 2.11.2005, subscreveu o cheque nº. 1030073…, sacado sobre conta da Farmácia A., no BANCO A, no valor de 2.085,00 €, que emitiu a favor de B. C. – cfr. documento de fls.246 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; h) Em 2.11.2005, subscreveu o cheque nº. 5262173…, sacado sobre conta pessoal, no Banco B, no valor de 4.150,00 €, que emitiu a seu favor – cfr. documento de fls.246 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; i) Em 24.10.2005, subscreveu comunicação para a Associação Nacional de Farmácias, pedindo alteração de domiciliação de transferências bancárias – cfr. documento de fls.247 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; j) Em 5.11.2005, subscreveu contrato de aluguer de veículo sem condutor, com o BANCO A – cfr. documento de fls.249 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; k) Em 31.12.2005, subscreveu inventário das existências da Farmácia A. – cfr. documento de fls.250 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; l) Em 31.01.2008, subscreveu documento fiscal de retenção de rendimentos na fonte, referente a J. P. – cfr. documento de fls.251 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; m) Em 31.01.2008, subscreveu documento fiscal de retenção de rendimentos na fonte, referente a M. F. – cfr. documento de fls.252 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. “ 6- Note-se ainda que, no que concerne aos pontos nºs 69º, 81º do rol dos factos provados (presentes na douta sentença recorrida), os aqui Recorrentes impugnaram as assinaturas supostamente realizadas pelo punho do J. C. e que se encontram presentes nos referidos documentos particulares, logo, uma vez impugnadas as assinaturas neles presentes, incumbia aos aqui Recorridos provar que as mesmas foram efectuadas pelo próprio punho do J. C., nos termos do disposto no artigo 374º nº 1 e 2 do C.Civil e, salvo o devido respeito, cremos que os mesmos não lograram provar tal facto, pelo que a não prova do referido facto/a dúvida do mesmo deveria ser decidido contra a parte sobre a qual recaía o ónus da prova, ou seja, in casu, sobre os aqui Recorridos, nos termos do disposto nos artigos 342º nº 1, 374º nº 2 ambos do C.Civil e ainda face ao disposto no artigo 414 do NCPCivil e, consequentemente, tais os referidos factos ali presentes deveriam de ter sido dados como não provados, o que não sucedeu em manifesta violação do disposto nos referidos dispositivos legais. 7- Os aqui Recorrentes defendem ainda que o facto nº 82 presente no rol dos factos provados deve ser alterado pelo douto Tribunal “ad quem” no sentido de passar a dar-se como NÃO PROVADO que:
- “O J. C. assinou a procuração e o termo de autenticação referidos em I.26 e I.27.” 8-Assim como, defendem que o facto nº45 do rol dos factos não provados deve ser alterado por este douto Tribunal “ad quem” no sentido de dar-se como PROVADO que:
-“As assinaturas do nome J. C. constantes da procuração e do termo de autenticação juntos a fls. 114 a 116 não foram feitas pelo punho do J. C..” 9-Ora, no que concerne ao ponto nº 82 do rol dos factos provados e ao ponto nº 45 do rol dos factos não provados, presentes na resposta factual dada pelo douto Tribunal recorrido, muito embora, as assinaturas presentes nos referidos documentos tenham sido reconhecidas presencialmente, certo, é que os aqui Recorrentes arguíram a falsidade da assinatura, o que é admissível em termos legais, nos termos do disposto no artigo 375º nº 2 do C.Civil e salvo o devido respeito, cremos que resultou provado em consequência da prova testemunhal produzida nos presentes autos (a qual é minuciosamente referida no corpo das alegações do presente recurso e a qual se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, por uma questão de economia processual), conjugado com as regras da lógica e da experiência, que o J. C., em 18 de Outubro de 2007, encontrava-se acamado (com afasia e paralisia dos seus membros direitos), totalmente dependente de terceiros para toda e qualquer tipo de actividade e, consequentemente, encontrava-se impossibilitado fisicamente de assinar a referida procuração. Ademais, as assinaturas presentes nos referidos documentos em nada são idênticas às efectivamente realizadas pelo J. C.. 10- Pelo exposto, cremos que a resposta factual dada ao ponto nº 82 do rol dos factos provados e ao ponto nº 45 do rol dos factos não provados, deverá de ser alterada no sentido supra exposto. 11- Ora, aqui chegados, e no pressuposto de que efectivamente os factos presentes nos pontos nºs 5, 8, 15, 17, 18,22 e 45 do rol dos factos não provados e os factos constantes dos pontos nº 14, 69, 73, 81 e 82º do rol dos factos provados irão ser alterados por este douto Tribunal “ad quem” nos termos expostos no corpo das alegações, e, muito embora, este douto Tribunal não esteja vinculado às alegações de direito proferidas pelos aqui Recorrentes (nos termos do disposto no artigo 5º nº 3 do NCPCivil e fazendo jus ao princípio iuranovitcuria), ainda assim estes entendem que à presente situação poderá ser aplicado o regime previsto no artigo 257º do C.Civil, uma vez que, a dar-se como provado que o J. C. assinou efectivamente a procuração e o termo de autenticação aqui em litígio – o que não se concede, mas por mero dever de patrocínio se equaciona -, o que é certo é que à data da outorga da procuração (18-10-2007) este não tinha capacidades volitivas, nem entendimento para compreender o sentido e alcance do referido acto, encontrando-se, portanto, num estado de incapacidade acidental(o qual era do conhecimento de todos os aqui Recorridos, nomeadamente, do Dr. M. M. e do B. C., não podendo inclusive este último desconhecer a mesma, dado que era filho deste), conduzindo inevitavelmente à anulação/declaração de nulidade da procuração, termo de autenticação e da escritura de constituição de sociedade aqui em litígio. 12- Por outro lado, caso se venha a provar que as assinaturas constantes na procuração e termo de autenticação aqui em litígio não foram efectuadas pelo punho do J. C. (o que com o presente recurso se pugna), então conclui-se que a Recorrente M. P. actuou destituída de poderes de representação, o que conduz a que o negócio celebrado pela mesma, em representação do J. C. seja ineficaz face ao mesmo, nos termos do disposto no artigo 268º nº 1 do C. Civil, tendo em conta que o mesmo não foi ratificado pelo mesmo, tudo nos termos e com as inerentes consequências legais. 13-Ademais, é ainda nosso modesto entendimento que a dar-se como provado que efectivamente as assinaturas que constam da procuração e do termo de autenticação aqui em litígio foram efectuadas pelo punho do J. C. – o que não se concede, mas por mero dever de patrocínio se equaciona – então sempre devemos concluir que segundo consta do conteúdo da procuração em litígio nos presente autos, alegadamente o J. C. conferiu poderes à Recorrente M. P. a fim de esta, em sua representação, outorgar uma ESCRITURA de constituição de uma Sociedade. 14- Ora, do exposto, resulta que a constituição da referida Sociedade teria de ser efectivada através de escritura pública, sendo esses poderes que foram conferidos na referida procuração, fazendo-se expressa menção de que a Sociedade teria de ser constituída por ESCRITURA. 15- Assim sendo, e aqui chegados, tendo em conta o disposto no artigo 262º nº 2 do C.Civil “(...) a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar” e in casu, o mesmo teria de ser ser realizado sob a forma de escritura pública, tal como o efectivamente. 16-Ora, sucede que o documento intitulado de “termo de autenticação” redigido pelo Recorrido Dr. M. M. não tem valor legal como termo de autenticação, pois o simples reconhecimento presencial da assinatura no documento dos autos não lhe confere a natureza de documento particular autenticado, nos termos do art.º 116.º do Código do Notariado. 17-O documento em análise, para valer como documento particular autenticado – natureza jurídica das procurações destinadas à prática de actos com intervenção do notário –(art.º 116.º do Código do Notariado e art.º 262.º do Código Civil)teria de conter um TERMO DE AUTENTICAÇÃO lavrado nos termos do art.º 150.º com os requisitos do art.º 151.º, o que manifestamente não sucedeu, tudo pelas razões melhor discriminadas no corpo das alegações, para as quais aqui se remete e se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais. 18-O que concluímos foi que o Recorrido Dr. M. M. (Advogado) limitou-se a fazer um simples reconhecimento da assinatura e não a “autenticar qualquer documento particular”. Portanto, discordamos do entendimento do douto Tribunal “a quo” quando refere que legalmente não seria exigida a forma da escritura pública para a constituição da sociedade aqui em litígio e, como tal, não importa averiguar se o termo de autenticação se encontra ou não bem elaborado. Sendo nosso entendimento que a nossa lei (artigo 262º nº 2 do C.Civil) não refere que a procuração deve seguir a forma legalmente exigida para o negócio que o procurador deva realizar, mas antes limita-se a referir que “a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar”, isto é, se o procurador refere expressamente que o negócio a celebrar tem de ser feito através de escritura pública, a forma exigida para a procuração é a escritura pública ou o documento particular autenticado e in casu, a mesma não revestiu essa forma, pelo que a mesma é nula, bem como, nula é a escritura realizada tendo por base a referida procuração, tudo nos termos do disposto no artigo 220º do C.Civil. 19-Os aqui Recorrentes, tendo em conta a prova testemunhal, os depoimentos de parte e as declarações de parte produzidos nos presentes autos, conjugado com a prova documental apresentada no mesmo e ainda conjugado com as regras da lógica e da experiência (sendo todas os meios de prova melhor discriminados supra no corpo das alegações, para as quais aqui se remete e nesta parte se dá aqui por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, por uma questão de economia processual) discordam ainda da resposta factual dada pelo douto Tribunal “a quo” nos pontos ,nºs 1, 6, 10, 11, 12, 13, 16, 23, 27, 35, todos presentes no rol dos factos não provados e ainda da resposta dada no ponto nº 66 e 72 constante do rol dos factos dados como provados, sendo seu modesto entendimento que este douto Tribunal “ad quem” deverá alterar a resposta dos mesmos e passar a dar como PROVADO o seguinte:
- 1. Os Réus B. C. e M. M. tinham conhecimento, por disso terem sido informados, repetidamente, pela Autora M. P., de que todos os bens familiares teriam de ser repartidos, igualmente por todos os filhos.
- 6. A administração da Farmácia pelo Réu B. C. era feita em representação e sob a autoridade dos seus pais, mas a comportar-se, “de facto”, como seu administrador por direito próprio, postura de que nem o J. C. nem a Autora M. P. chegaram a ter verdadeira consciência, devido à avançada idade e natural diminuição da capacidade física e psíquica de ambos.
- 10. A Autora M. P. foi conduzida ao Cartório Notarial pelo Réu J. P. e assinou a escritura de constituição da sociedade porque todos os referidos Réus lhe asseguraram que a mesma era legal e se destinava a proteger os interesses referidos em II.7.
- 11. A Autora M. P. não entendeu, não compreendeu, nem lhe foi explicado, o conteúdo da escritura de constituição da sociedade.
- 12. A Autora M. P. não teve consciência das declarações constantes da escritura de constituição da sociedade.
- 13. A Autora M. P. assinou a escritura por instruções dos Réus B. C., J. P. e Dr. M. M., sem saber o que estava a assinar, e sem conhecer nem lhe ter sido explicado o seu conteúdo, tendo-se limitado a seguir as instruções dos referidos Réus, os quais lhe disseram que era uma formalidade que era necessário cumprir por virtude do falecimento do seu marido, e que se não preocupasse, pois não havia nenhum prejuízo nem para ela nem para os seus filhos e netos.
- 16. A Autora M. P. e o seu marido jamais admitiram constituir uma sociedade apenas com o Réu B. C., para a exploração da sua farmácia, e ou “abrir mão” deste estabelecimento ou de qualquer parte do seu património a favor do Réu B. C., em prejuízo dos seus restantes filhos.
- 23. A Autora M. P. não tinha, nem tem capacidade de entender e querer, a declaração que ficou consignada em acta que se transcreve: “De seguida, pediu a palavra a Representante Comum e Cabeça de Casal de bens da herança, M. P., que referiu que apesar de entender que não se trata de um acto de disposição nem em boa verdade um acto de administração e entender, ainda, que não depende do seu voto a dita amortização por ser compulsiva (porque prevista no contrato de sociedade), ainda assim, fez menção que gostaria que a sua posição fosse clara – Entende que a amortização deverá ser realizada por um dos dois critérios aí previstos, pela simples razão de que essa foi sempre a vontade de seu marido conforme se retira do contrato de sociedade.”
- 27. O Réu B. C. nunca convocou a assembleia geral dos sócios nem reuniu com o sócio J. C., nem com a Autora M. P., para deliberar sobre qualquer assunto da sociedade, nem tampouco para aprovação dos balanços e contas dos exercícios dos anos de 2007, 2008 e 2009.
- 35. A Autora M. P. não tinha capacidade de querer e entender o conteúdo do documento de fls.183 e a que se alude em I.44. “
20-Discordam ainda os aqui Recorrentes da resposta dada nos pontos nºs 66 e 72 do rol dos factos provados, sendo nosso modesto entendimento que os mesmos deverão ser alterados no sentido de dar-se como NÃO PROVADO que:
- 66. A autora M. P. pretendia que as netas V. e S., filhas do falecido filho L. A., nada herdassem por óbito do avô.
- 72. Constituída a sociedade 7ª Ré, a actividade social decorreu sem história durante o resto do ano de 2007, em 2008, em 2009 e em 2010, sem que qualquer dos Autores, ou quem quer que fosse, tivesse levantado a menor objecção, sequer colocado qualquer dúvida.
21-Na verdade, de toda a prova produzida nos presentes autos, a qual encontra-se minuciosamente referida no corpo das alegações do presente recurso (para a qual aqui se remete e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais), conjugada com as regras da lógica e da experiência, pelas quais se deve reger um julgador, conclui-se que a aqui Recorrente M. P., à data da outorga da escritura de constituição da Sociedade aqui em litígio não compreendeu, nem tinha condições para compreender o real alcance do referido contrato, nem lhe foi explicado o alcance do mesmo, e muito menos o quis nos referidos termos que dali constam, pelo que deverá a mesma ser declarada nula/anulada, tudo nos termos e com as inerentes consequências legais.
22- O mesmo se diga do Instrumento da Acta da Assembleia Geral junta aos autos a fls 106 e ss, onde foi efectuada a amortização da quota aqui em litígio, onde o douto Tribunal “a quo” deu como não provado os pontos nº 41º e 42º do referido rol dos factos, onde se comprova sem margem para dúvidas que a referida Notária não leu, nem explicou em pormenor, o sentido e o alcance do Instrumento da Acta da Assembleia Geral, não avaliando detalhadamente a capacidade da aqui Recorrente para compreender e entender o sentido e alcance do mesmo, nomeadamente, da amortização da quota aqui em litígio. Ademais, no ponto nº 35 do rol dos factos provados, consta que a aqui Recorrente não pediu a palavra para proferir a declaração complementar que dali consta no que concerne à amortização, sendo por isso falso o que ali consta no sentido de que esta pediu a palavra e manifestou expressamente e verbalmente aqueles dizeres/ intenção. Por outro lado do ponto nº 23 do rol dos factos provados consta somente que a aqui Recorrente simplesmente assinou o referido instrumento.
23- Posto isto, conclui-se que não sabendo a referida Recorrente M. P., ler, nem escrever, somos levados a concluir que se o referido instrumento não lhe foi lido, nem explicado, é óbvio que a mesma assinou o referido documento sem saber do que se tratava, nem compreendendo o seu sentido e alcance, pelo que deverão ser retiradas daqui as devidas consequências legais.
24-Discordam ainda os aqui Recorrentes da sua condenação a título de litigância de má-fé, uma vez que, a prova e não prova dos factos apontados pelo douto Tribunal “a quo” para motivar a referida condenação, foram ponto por ponto impugnados por nós no corpo das alegações do presente recurso, para as quais aqui se remete (nos termos, motivos e conclusões ali vertidas, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, por uma questão de economia processual e as quais afrontam na íntegra com a fundamentação do douto Tribunal “a quo” para a condenação dos aqui Recorrentes a título de litigância de má fé), requerendo a este douto Tribunal “ad quem” a alteração da respectiva resposta factual - o que estes anseiam solemente que ocorra-, dada a prova que foi produzida em sede de discussão e julgamento, bem como, de toda a prova documental que consta nos presentes autos, pelo que se conlui pela injusta condenação dos mesmos a este título.
25-Ademais, é ainda nosso entendimento que não será certamente a prova/ não prova de um ou de alguns facto/s alegado/s que poderá motivar a referida condenação e isto por 2 ordens de razões:
- A primeira consiste no facto de que, como é consabido, não é o facto de se dar como provado/não provado um facto por um dado Tribunal que legitimaria a condenação a este título, até porque a prova/não prova dos mesmos nesta sede não significa que isso corresponda à verdade fora do processo, ou até mesmo dentro dele, sendo de todo provável que um Tribunal possa incorrer em erro de julgamento, afinal de contas, errar é humano!
- A segunda razão, radica no facto de os aqui Recorrentes defenderem que a condenação a este título, apenas deverá ocorrer quando :”se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, com dolo ou negligência grave, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, ou, a deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar” (neste sentido, vide o douto aresto proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no Processo nº 5367/09.2TBGMR-A.G1, datado de 05-07-2012, cuja relatora foi a Ilustríssima Juiz Desembargadora Sra. Dra. Maria Luísa Ramos, acessível in www.dgsi.pt).
26 -Pelo exposto, salvo melhor entendimento, cremos que exige-se para a condenação a título de litigância de má-fé que se esteja perante uma situação donde resulte inequivocamente e sem margem para dúvidas que houve uma actuação dolosa ou gravemente negligente da parte. Ora, os aqui Recorrentes não actuaram com dolo, nem culpa/negligência, com vista aos aqui Recorrentes deduzirem pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar, pelo que deverá ser revogada a douta sentença recorrida também nesta parte.
27-Por outro lado, a escritura de constituição da Sociedade aqui em litígio deverá ser declarada nula, por ofensa à ordem e moral pública, bem como, por ofensa aos bons costumes, ou ainda por se traduzir num negócio realizado com fraude à lei, nos termos que infra melhor se explicitarão.
28- Na verdade, tal como se comprova do teor da escritura de constituição da Sociedade aqui em litígio, o J. C. realizou a sua entrada para a Sociedade com uma prestação em espécie, através da entrega do estabelecimento da Farmácia A., o qual era o bem mais valioso do J. C. e sua esposa, a Recorrente M. P., e à data da constituição da Sociedade, tinha um valor real de mercado nunca inferior a € 1.347.899,00, sendo que em troca apenas lhe foi dada como contrapartida pela referida Sociedade uma participação social/ quota num montante de €95.000,00 (noventa e cinco mil euros), o que não é de todo equivalente à prestação em espécie efectuada, sendo a prestação realizada pelo J. C. MANIFESTAMENTE SUPERIOR à contrapartida/ direitos obtidos por este perante a referida Sociedade, o que só por si IMPÕE que a Escritura de constituição da Sociedade aqui em litígio SEJA DECLARADA NULA por violar os bons costumes e a ordem pública, nos termos do disposto nos artigos 280.º nº 2 e 398º nº 1, ambos do C. Civil, a qual É DE CONHECIMENTO OFICIOSO.
29- Por outro lado, ainda que não se conclua pela nulidade, nos termos expostos supra – o que não se concede, mas por mero dever de patrocínio se equaciona -, ainda assim, cremos que deveria ter sido levantada a personalidade jurídica da Sociedade “A., Lda”, pelo motivo desta atentar contra terceiro, pois, em suma, e na prática/ o efeito prático e final desta operação (Constituição da Sociedade Farmácia A., Lda), foi que o Recorrido B. C. viu o seu património enriquecido, sem justa causa, no montante mínimo de € 1.347.899,00, em prejuízo dos seus irmãos e mãe, restantes herdeiros do de cujus J. C..
30- Ou seja, com esta operação de transmissão do bem mais valioso do J. C. e da Recorrida M. P. (a saber o estabelecimento da Farmácia A.) para a Sociedade “A., Lda”, tal conduziu ao efeito prático de ser transferido todo o referido património para a esfera jurídica do aqui Recorrido B. C., em troca de este pagar aos restantes Co-Herdeiros/ aqui Recorrentes (nos quais se inclui a Recorrente M. P.) a modesta quantia de € 171.756,56, contornando e violando assim indirectamente as regras da sucessão legitimária imperativas, nomeadamente, as da colação (artigo 2104 e ss do C.Civil) e da redução das liberalidades inoficiosas (artigo 2168º e ss do C.Civil), que ocorreria se o J. C. e a aqui Recorrido M. P. tivessem doado o estabelecimento da FARMÁCIA A. ao Recorrido B. C..
31-Ou seja, ao fim e ao cabo, conseguiu-se o mesmo efeito que se obteria com a doação/outra liberalidade, mas sem a sujeição à colação, em total fraude à lei e portanto, conclui-se que foi um negócio realizado com fraude à lei (artigo 294º do C.Civil), a qual é de conhecimento OFICIOSO e conduz à NULIDADE da constituição da Sociedade Farmácia A., Lda.
32-Na verdade, cremos que qualquer pessoa bem-intencionada e honrada repudiaria um tal negócio, celebrado no circunstancialismo supra mencionado e o aqui Recorrido B. C. conhece perfeitamente as circunstâncias do negócio, tendo perfeita consciência que o mesmo acarretou a ofensa da legítima dos restantes Co-Herdeiros do de cujus J. C./ aqui Recorrentes.
33-A constituição da Sociedade Farmácia A., Lda, nas circunstâncias e com os efeitos supra mencionados, traduziu-se num acto imoral, contrário à moral pública, ordem pública e bons costumes, uma vez que violou princípios gerais do nosso direito de forma inequívoca e manifesta, mencionando-se a título de exemplo o princípio da protecção do património familiar decorrente do fenómeno sucessório.
34-Como é consabido, as sociedades actuam por intermédio de pessoas físicas que representam a mesma e a prática demonstra que não raras vezes, essas pessoas físicas usam a personalidade jurídica de uma sociedade para alcançarem fins privados/ ilícitos que se não fossem praticados por intermédio da sociedade, não seriam admitidos. Por esta razão tem sido prática no nosso ordenamento jurídico, como em tantos outros, o levantamento da personalidade jurídica colectiva das sociedades. “O levantamento (ou desconsideração) é o instituto pelo qual, em certas circunstâncias muito especiais, é possível não ter em conta as normas que sustentam a personalidade colectiva, de modo a imputar as obrigações da sociedade às pessoas singulares que lhe sirvam de suporte: seja aos administradores, seja aos sócios, conforme as circunstâncias. O levantamento opera por exigência marcada da boa-fé, ou seja, dos valores fundamentais do ordenamento jurídico, de tal modo que a invocação, pelos sócios ou pelos administradores da sociedade considerada, da personalidade, se configure como um abuso do direito”(Neste sentido vide A. C. Menezes Cordeiro, in “código Das Sociedades Comercias Anotado”, 2ª Edição, 2012, Almedina, p. 89).
35-O fundamento da desconsideração encontra-se no art.º 334.º do Código Civil, o que permite a sua imediata aplicação de jure condito. É no intuito de salvaguarda das próprias pessoas colectivas em geral (e das sociedades comerciais em particular), da manutenção do crédito e da clareza que deve presidir à vida jurídica que assim o justifica e impõe.
36- Ora, cremos que nos moldes em que foi criada a Sociedade “Farmácia A., Lda, nomeadamente com o clausulado previsto no seu contrato (nomeadamente o previsto na cláusula 6º nº 2 e o facto de apenas ser atribuída uma quota ao J. C. no valor de €95.000,00), o aqui Recorrido B. C., actuou em termos contrários aos princípios da boa - fé, pretendendo contornar de forma indirecta as regras da sucessão legitimária a que ficaria sujeito, caso o estabelecimento comercial da Farmácia A. lhe fosse doado ou sujeito a qualquer tipo de outra liberalidade por parte dos seus pais, convencendo estes a criarem a referida Sociedade e de nela entregarem o bem mais valioso do seu património, prevendo no referido contrato de constituição de sociedade cláusulas que lhe permitiriam ficar com todo o património na referida Sociedade a preço de “chuva”, quando sabia de antemão que o alvará não se encontrava contemplado no balanço, mas que bem sabia o Recorrido B. C. que o mesmo integrava o referido estabelecimento e que aquele pertencia ao J. C. (tal como resultou provado nos pontos nº 10 e 13, 32, 48 do referido rol dos factos provados) e que sem o mesmo a farmácia não poderia existir/exercer a actividade de forma legalmente válida.
37-Ou seja, utilizando as expressões utilizadas na gíria social, digamos que a Sociedade Farmácia A., Lda serviu no fundo com uma “testa de ferro”, para que o Recorrido B. C. e sua esposa adquirissem o estabelecimento Farmácia A. pertencente anteriormente ao J. C. e esposa, aqui Recorrida M. P., tendo pago abstractamente e unicamente a modesta quantia de € 171.756,56, quando sabiam e não podiam ignorar que no mínimo o mesmo valia € 1.347.899,00.
38 -Pelo exposto, os aqui Recorridos B. C., motivou a criação da referida Sociedade com o intuito deste e da sua esposa, obterem através da mesma fins ilegítimos e contornar disposições legais, o que deverá conduzir à NULIDADE da escritura de constituição da referida Sociedade.
39-O caso sub judice permite o levantamento da personalidade jurídica da Recorrida Sociedade A., Lda, por consubstanciar um caso típico que em termos jurisprudências tem sido muito utilizado para o efectuar, a saber: o atentado a terceiro. Este caso típico postula uso de uma sociedade em termos contrários aos valores do sistema (boa- fé) com o fim de prejudicar terceiros. O Sr. Dr. A. C. Menezes Cordeiro no tratamento desta matéria e com referência à jurisprudência nacional já consolidada, para configurar este caso típico, dá-nos o exemplo da venda de pais a uma sociedade de um filho para contornar o artigo 877.º do C.Civil - necessidade do consentimento de irmãos - (vide o autor, Ob. Cit. p. 90).
40-O exemplo dado pelo autor supra citado, poderá se equiparar ao que se sucedeu no caso sub judice, se atentarmos no facto de que o bem mais valioso do património do J. C. foi transmitido para uma Sociedade constituída unicamente com um só filho (o Recorrido B. C.) e à data da morte do J. C., o Recorrido B. C. ficou detentor de todo o referido património, em troca do pagamento de € 171.756,56, enriquecendo injustificadamente e sem causa no montante mínimo de € 1.176.142,40, evitando que ficasse sujeito às regras da colação, redução de liberalidades inoficiosos ou outras que regulam de forma imperativa a sucessão legitimária.
41-Ora, o Recorrido B. C. da Costa e esposa actuaram em ABUSO DO DIREITO e com violação do princípio da boa-fé, colocando em causa a credibilidade do sistema com o fim de prejudicar os aqui Recorrentes, o que é ilegítimo nos termos do artigo 334.º do C.C que dispõe que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumem ou pelo fim social ou económico desse direito”. Pelo exposto, conclui-se que o douto Tribunal “a quo” poderia e deveria ter levantado a personalidade jurídica da Recorrida Farmácia A., Lda, nos termos e com os fins supra expostos, o qual aqui se requer a Vossas Exªs Senhores Juízes Desembargadores que seja feito, uma vez que tendo o levantamento da personalidade jurídica subjacente a uma actuação levada a cabo com abuso do direito, a mesma é de conhecimento OFICIOSO.
42- A assim não se entender – o que não se concede, mas por mero dever de patrocínio se equaciona - deverá no mínimo entender-se que o ponto nº 2 da cláusula nº 6 presentes no contrato de constituição da Sociedade aqui em litígio é manifestamente violador da moral e dos bons costumes, bem como constituiu uma fraude às leis sucessórias, pois conduz à possibilidade de o valor a pagar pela amortização da quota não ser o valor justo e real da mesma, mas antes, um valor incerto, podendo violar a legítima dos herdeiros legitimários, tal como sucedeu in casu.
43- Pois, a admitirmos como válida a cláusula 6 nº 2 da referida escritura de constituição de Sociedade, estará a legitimar-se que os herdeiros legitimários venham a ser fortemente prejudicados na sua legítima, caso não venham a acordar o valor da amortização, nos termos do disposto no ponto nº 1, da cláusula nº 6 do referido contrato.
44- Isto é, não existindo acordo quanto ao valor a pagar pela amortização da quota do falecido J. C., podendo perfeitamente tal desacordo ser proveniente da Sociedade aqui Recorrida, que é no fundo o Recorrido B. C. (que é o seu único restante sócio e gerente) então o valor a pagar poderá ser simplesmente o valor que constar do último balanço, sabendo os aqui Recorridos de antemão que no referido balanço NÃO está reflectivo o valor do alvará da farmácia (até porque tal foi referido expressamente no Relatório de verificação da entrada em espécie junto aos presentes autos e pelos aqui Recorrentes fortemente criticado), tal como resultou provado nos presentes autos (vide o ponto nº 10 in fine, 13, 32, 47, 48 do rol dos factos provados) e esse alvará é o bem/ direito mais valioso da farmácia!
45- Ou seja, se por hipótese no último balanço constar, por qualquer razão, o valor de €50.000,00, ou até menos, então o valor que a herança do falecido J. C. irá receber em virtude da amortização da quota aqui em litígio será esse, independentemente da mesma valer no mínimo € 1.347.899,00 (tal como sucede in casu) ou mais!!!
46-Ou seja, salvo melhor entendimento, cremos que o valor a pagar pela amortização não deverá se encontrar delimitado por um critério que possa conduzir a um prejuízo da legítima dos herdeiros legitimário, mas antes, o nosso ordenamento jurídico quer que os filhos e mulher do de cujus recebam na íntegra o valor da sua legítima, tal e qual têm direito, sem qualquer entrave, seja de que índole for, pelo que não é preciso grande esforço para se concluir pela não justeza da cláusula 6 nº 2 presente no pacto social de constituição da Sociedade da Farmácia aqui em litígio.
47-Pelo exposto, concluímos que a referida cláusula (6º nº 2) é NULA por ofender os bons costumes e a ordem pública (artigo 280º nº 2 do C.Civil) e viola o disposto no artigo 398º nº 1 do C. Civil que nos refere que: “as partes podem fixar livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo positivo ou negativo da prestação” por conduzir a que a prestação que deve ser realizada em virtude da amortização, seja manifestamente inferior à que seria devida.
48- A referida cláusula viola ainda o princípio fundamental de protecção do património familiar em virtude da sucessão , bem como, as normas imperativas que regem a matéria das sucessões, nomeadamente, o disposto nos artigos 2156º e ss do C.Civil ou o mecanismo da colação (artigo 2104 e ss do C.Civil), da redução de liberalidades (artigo 2168º e ss do C.Civil).
49-Salvo melhor entendimento, na eventualidade de improceder toda a argumentação por nós avançada supra – o que não se concede, mas por mero dever de patrocínio se equaciona-, cremos que aos presentes poderá ser aplicado o regime legal relativo aos negócios usurários, regulado no artigo 282º e ss do C.Civil, uma vez que se verificam in casu todos os pressupostos para a sua aplicação.
50- Por último e sem prescindir, caso ao caso sub judice não seja cabível outra solução jurídica a fim de realizar a justiça efectiva nos presentes autos, cremos que deverá ser no mínimo aplicado o regime do instituto do enriquecimento sem causa, a tal conduzindo só por si os factos referidos nos pontos 13, 76, 77 e 78 do rol dos factos provados, concluindo-se no sentido de que a Sociedade Recorrida/o Recorrido B. C. ficaram enriquecidos injustificadamente e sem causa, num montante nunca inferior a € 1.176.142,40.
51- Discordam ainda os aqui Recorrentes com a resposta que o Tribunal recorrido deu no ponto nº 34 do rol dos factos não provados (nos termos e pelos fundamentos expressos no corpo das alegações, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais),onde vem referido que:
“34. Por virtude por virtude da amortização da quota do J. C., por falecimento deste, por montante não indicado na acta da respectiva deliberação, a herança aberta por óbito do mesmo sofreu um prejuízo directo e imediato, e o Réu B. C. obteve um enriquecimento imediato e sem causa, de montante não inferior a € 1.750.000,00”.
52º-Sendo sua modesta opinião que ficou bastante claro da matéria de facto dada como provada (pontos 13, 76, 77 e 78 do rol dos factos provados) que efectivamente houve um enriquecimento em causa (nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 473º e ss do C.Civil) por parte Recorrido B. C. e esposa e da Sociedade Farmácia A., pelo que deverão ser aditados os seguintes factos ao rol dos factos provados, no sentido de dar-se como PROVADO que:
“ Por via da amortização da quota do J. C., por falecimento deste, pelo montante de €171.756,56 (pago em 2 prestações no valor de €85.878,28 cada), embora o mesmo não tenha sido indicado na acta da respectiva deliberação, o aqui Co-Réu B. C. obteve um enriquecimento imediato e sem causa, de montante nunca inferior a €1.176.142,40, em prejuízo directo e imediato da herança aberta por óbito do J. C..”
E ainda:
- “ Por via da amortização da quota do J. C., por falecimento deste, pelo montante de €171.756,56(pago em 2 prestações no valor de €85.878,28 cada), embora o mesmo não tenha sido indicado na acta da respectiva deliberação, a aqui Co-Ré Farmácia A., Lda obteve um enriquecimento imediato e sem causa, de montante nunca inferior a €1.176.142,40, em prejuízo directo e imediato da herança aberta por óbito do J. C..”
53-Ao decidir como decidiu, o douto Tribunal “ a quo” violou entre outras disposições legais, o previsto nos artigos 220º, 257º e ss, 262º nº 2, 268º nº 1, 280º nº 2, 282º nº 1 e ss, 294º, 334º, 342º nº 1, 374º nº 1 e 2, 375º nº 2, 398º nº 1, 473º e ss, 2104º, 2156º e ss, 2168º e ss, todos do C. Civil, 414º e 466º nº 3 do NCPCivil, 116º e 151º do Código do Notariado, entre outras disposições legais. Foram ainda violadas as regras da livre apreciação da prova, incluindo-se aqui as da lógica e da experiência, no que concerne à apreciação da prova e respectiva resposta factual dada pelo Tribunal recorrido.
Nestes termos e nos melhores de direito, que vossas Ex.as muito doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso, REVOGANDO a douta Sentença aqui recorrida, sendo esta substituída por outra em que dê como provados e não provados os factos aqui sindicados, tudo nos termos e com as inerentes consequências legais, bem como alterando a solução jurídica dada aos presentes autos pelo douto Tribunal “a quo”, tudo nos termos expostos supra, farão V. Exas, senhores Desembargadores, o que é de inteira e elementar JUSTIÇA!
Também a autora I. C. interpôs recurso, com as seguintes Conclusões: I A Recorrente não concorda essencialmente com a resposta dada nos itens 1, 5, 8, 9, 18 e 34. dos factos não provados, requerendo a passagem dos mesmos para a Matéria de Facto provada, nalguns casos com pequenas alterações na sua redacção. II No que se refere ao item 1 dos factos não provados, o depoimento de Parte do Dr. M. M. foi fundamental, quando este confessou em Tribunal que a D. M. P. lhe pediu duas coisas. Por um lado, que a farmácia continuasse na família, por outro, que as duas netas, filhas de um filho pré-falecido, não herdassem. III O animus da M. P. era tratar de igual modo todos os filhos, uma vez que apenas falou ao Dr. M. M. em prejudicar as netas. IV E o que o Dr. M. M. fez, conforme infra se explanará melhor, ao constituir uma sociedade em que as quotas não se transmitiam aos herdeiros e ao passar a farmácia para essa sociedade, foi beneficiar um dos herdeiros, o B. C., e prejudicar todos os demais. V Assim, este item 1 dos factos não provados, deverá passar para os factos provados, com a seguinte redacção: “Os Réus B. C. e M. M. tinham conhecimento, por disso terem sido informados, repetidamente, pela Autora M. P., de que todos os bens familiares teriam de ser repartidos, igualmente por todos os filhos, com excepção das netas, filhas do filho pré-falecido” VI Relativamente aos itens 5, 8, 9 e 18, foi fundamental o testemunho do médico, Dr. S. C., da Notária, Dr.ª M. O., e inclusive da Directora Técnica, Dr.ª C. G.. VII O Dr. S. C., médico de família do J. C. (com quem só contactou pessoalmente em 2010), o qual, dos elementos recolhidos, a pedido da família, no processo escrito desse paciente, revelou que o referido J. C. sofreu um AVC em 2 de Maio de 2002, com paralisia direita e afasia”, VIII A Dr.ª M. O. confirmou que, em data que não logrou concretizar mas que situou entre 2001 e 2004, por ser o seu período de estágio, acompanhou a Notária O. L. a casa do J. C. para um acto que não chegou a ser realizado por o referido J. C. não ter condições para o efeito”. IX O depoimento desta testemunha, uma notária de profissão cujos atos têm fé pública, situou a incapacidade do J. C. entre 2001 e 2004. X Por tudo isto, os itens 5, 8 e 18 deverão ser dados como provados, com a seguinte redacção:
5. A doença e o AVC impossibilitaram o J. C. de administrar a farmácia;
8. O J. C. estava acamado há vários anos e não tinha já verdadeira consciência ou compreensão do que se passava à sua volta nem do que dizia e ou lhe diziam, nem capacidade de querer e de entender;
18. A incapacidade física e psíquica que afectava o J. C., e que os primeiro, segundo e terceiro Réus bem conheciam, não lhe permitia ter consciência, compreender, entender e querer as declarações que constam desses documentos. XI Por sua vez, o item 9 dos factos não provados, alicerçado no testemunho da Dr.ª M. O., informando que tinha ido a casa do J. C. juntamente com a Dr.ª O. L., com quem estava a estagiar, não para a outorga de qualquer escritura de constituição de sociedade, mas sim para um testamento, deverá ser aditado aos factos provados, com a seguinte redacção: A solicitação do Réu B. C., deslocaram-se à residência do J. C. e da Autora M. P., sucessivamente, duas notárias de Vizela, para aí redigirem um testamento, mas ambas se recusaram a fazê-lo, por o J. C. estar acamado, e não ter capacidade de querer e de entender. XII No que se refere ao item 34 dos factos não provados, Ficou provado que a Farmácia pertencia ao J. C. e à M. P. – cfr. item 10 dos factos provados – “A Autora M. P. e o seu marido J. C. eram donos e possuidores do estabelecimento denominado “FARMÁCIA A” e que a Farmácia “era o bem mais valioso do casal” e o seu valor real e de mercado era, “em janeiro de 2011, de, pelo menos € 1.347.899,00” – cfr. item 13 dos factos provados. XIII Ao passar para a sociedade Farmácia A., integrando uma quota, e não sendo esta transmitida para os herdeiros, o valor da farmácia foi de € 170.000,00. XIV Pelo que, entende a Recorrente, sempre deveria o Tribunal ter decidido dar como provado que “Por virtude da amortização da quota do J. C., por falecimento deste, por montante não indicado na acta da respectiva deliberação, a herança aberta por óbito do mesmo sofreu um prejuízo directo e imediato, e o Réu B. C. obteve um enriquecimento imediato e sem causa, de montante não inferior a € 1.177.899,00”. XV Ou seja, o prejuízo de € 1.177,899,00, corresponde à diferença entre o valor da farmácia - 1.347.899,00 – e o montante pelo qual foi amortizada a quota - € 170.000,00. XVI Por tudo isto, os itens 1, 5, 8, 9, 18 e 34 dos factos considerados não provados deverão passar para os factos provados, sendo aditados com a seguinte redacção: XVII 86. “Os Réus B. C. e M. M. tinham conhecimento, por disso terem sido informados, repetidamente, pela Autora M. P., de que todos os bens familiares teriam de ser repartidos, igualmente por todos os filhos…” XVIII 87. A doença e o AVC impossibilitaram o J. C. de administrar a farmácia. XIX 88. O J. C. estava acamado há vários anos e não tinha já verdadeira consciência ou compreensão do que se passava à sua volta nem do que dizia e ou lhe diziam, nem capacidade de querer e de entender. XX 89. A incapacidade física e psíquica que afectava o J. C., e que os primeiro, segundo e terceiro Réus bem conheciam, não lhe permitia ter consciência, compreender, entender e querer as declarações que constam desses documentos. XXI 90. “A solicitação do Réu B. C., deslocaram-se à residência do J. C. e da Autora M. P., sucessivamente, duas notárias de Vizela, para aí redigirem um testamento, mas ambas se recusaram a fazê-lo, por o J. C. estar acamado, e não ter capacidade de querer e de entender. XXII 91. “Por virtude da amortização da quota do J. C., por falecimento deste, por montante não indicado na acta da respectiva deliberação, a herança aberta por óbito do mesmo sofreu um prejuízo directo e imediato, e o Réu B. C. obteve um enriquecimento imediato e sem causa, de montante não inferior a € 1.177.899,00”. XXIII Dos factos provados (e não provados) e de toda a fundamentação da sentença, resulta claro que quer o J. C. quer a D. M. P., em momento algum pretenderam prejudicar os seus filhos. XXIV O J. C., que na data em que “mandatou” a sua mulher para constituir uma sociedade – 18 de Outubro de 2007 - e para passar a farmácia para a mesma, já se encontrava acamado e não tinha capacidade de entendimento. XXV O J. C. tinha sofrido um AVC em 2001 - cfr. testemunho do Dr. S. C.; que um “pedaço antes de Novembro de 2003” deixou de frequentar a farmácia e que desde Novembro de 2003 deixou em definitivo a administração da farmácia – cfr. depoimento da Dr.ª C. G.. XXVI Por tudo isto, não restam dúvidas que o J. C. estava incapaz de entender e querer as declarações constantes dos documentos que instruíram a escritura de constituição de sociedade “FARMÁCIA A, LDA.” – “PROCURAÇÃO” e “TERMO DE AUTENTICAÇÃO”, encontrando-se as mesmas feridas de nulidade e não produzindo qualquer efeito. XXVII A aqui recorrente não vislumbra como é que o Tribunal considerou não provada a falta de entendimento do J. C. em Outubro de 2007, quando alegadamente subscreveu a procuração e o termo de autenticação, e de igual modo, considerou como não provado que “Em 2008 e 2009, o J. C. mantinha-se capaz e lúcido, sendo-lhe entregue o jornal, para leitura diária, a seu pedido” – cfr. item 39 dos factos não provados – não compreendendo qual o facto que o Tribunal valorou para atribuir a perda da capacidade de entendimento no período compreendido entre finais de 2007 e início de 2008. XXVIII Nos termos do art. 246º do Código Civil, “A declaração não produz qualquer efeito, se o declarante não tiver a consciência de fazer uma declaração negocial …”. XXIX É no mínimo estranho que sendo todos os intervenientes da zona de Guimarães, se tenham dirigido a uma notária do Porto, a Dr.ª L. T., para outorgar precisamente as duas escrituras mais polémicas. Uma em 2007 – escritura de constituição da sociedade - e outra em 2011 – amortização da quota. XXX E que durante os restantes anos, quer o J. C., quer a M. P. tivessem recorrido a notários de Guimarães, nomeadamente o Dr. A. T. – testamento outorgado em 18/06/1996 (cfr. item 3º dos factos provados) – e o Dr. C. T. – habilitação de herdeiros de 18/04/2012 (cfr. item 1 dos factos provados). XXXI Não se entende como é que tendo a M. P. 81 anos de idade, se recorre a uma notária no Porto, quando em Guimarães existem reputados notários. XXXII À data em que alegadamente subscreveu a procuração e o termo de autenticação, o J. C. não tinha qualquer capacidade de entendimento. E como tal a procuração não produz qualquer efeito, sendo nula, bem como todos os actos posteriores, nomeadamente a constituição da sociedade e a venda da farmácia. XXXIII Sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que os documentos intitulados de “Procuração” e “Termo de Autenticação” que instruíram a escritura de constituição de sociedade “FARMÁCIA A, LDA.” lavrada no Cartório Notarial da Dr.ª L. em 16 de Novembro de 2007, não são idóneos para conferir os necessários poderes para a M. P. constituísse a sociedade em nome do J. C.. XXXIV Nos termos do nº 1 do art. 116.º do Código do Notariado, “As procurações que exijam intervenção notarial podem ser lavradas por instrumento público, por documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou por documento autenticado.” XXXV Por sua vez, o artigo 150.º do mesmo diploma legal, no seu número um, clarifica que: “Os documentos particulares adquirem a natureza de documentos autenticados desde que as partes confirmem o seu conteúdo perante o notário.” XXXVI Sendo o documento em questão, no caso concreto, apresentado para fins de autenticação, o notário ou outro profissional com igual competência, deve reduzi-lo a termo. XXXVII No documento intitulado de “TERMO DE AUTENTICAÇÃO” – cfr. item 27 dos factos provados – não se identifica o documento que alegadamente se está a autenticar. E tal menção é essencial para a validade do termo. Caso contrário, estamos perante um simples reconhecimento. XXXVIII O “TERMO DE AUTENTICAÇÃO” elaborado pelo Dr. M. M., para valer como documento particular autenticado e assim poder instruir a escritura de constituição de sociedade, nos termos do art. 116º do Código do Notariado, teria de incluir a identificação do documento que se pretendeu autenticar, o que não foi feito. XXXIX Ao não fazê-lo, os documentos intitulados de “PROCURAÇÃO” e “TERMO DE AUTENTICAÇÃO” são inválidos, por não terem sido cumpridas as formalidades impostas por lei para a autenticação do documento. XL Encontrando-se a procuração ferida por um vício que a torna nula, a escritura pública exigida para um determinado negócio principal deve ser recusada uma vez que não existe uma outorga válida de poderes de representação. XLI O termo de autenticação em crise nos presentes autos é inválido, sendo ineficaz a procuração e todos os actos dela dependentes, nomeadamente a constituição da sociedade, sendo ineficazes as declarações negociais feitas em nome do alegado mandante (J. C.). XLII As cláusulas 6ª e 7ª do contrato de sociedade da Farmácia A, Lda. consagram que “No caso de falecimento de qualquer sócio, a respectiva quota não se transmitirá aos sucessores do falecido, ficando a sociedade com a faculdade de amortizar ou adquirir a respectiva quota pelo valor que vier a ser acordado pelas partes”. XLIII Prevêem ainda que “Não havendo acordo quanto ao valor, a contrapartida da amortização ou aquisição será a que resultar do último balanço aprovado” - tudo cfr. item 25 dos factos provados. XLIV Estas duas cláusulas do contrato de sociedade da “Farmácia A, Lda.” são nulas por serem contrárias à ordem pública e ofensivas dos bons costumes e por prejudicar a legítima dos herdeiros legitimários, nos termos do art. 280º, nº 2 e 2156º e seguintes do Código Civil. XLV Sendo ainda nulas por violação do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 8º e al. d) do nº 1 do art. 56º do Código das Sociedades Comerciais. XLVI Como refere, e bem, a sentença recorrida, os bons costumes são uma noção variável com o tempo e o lugar, abrangendo o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa-fé, num dado ambiente e num certo momento – cfr. Prof. Mota Pinto, Teoria Geral, pág. 306. XLVII Ao constituir a sociedade Farmácia A, Lda. e ao passar a farmácia com igual nome para a sociedade, os Recorridos Dr. M. M. e B. C. arranjaram uma forma da farmácia ser retirada da herança e, principalmente, da quota integrada pela própria farmácia poder ser amortizada pelo valor do último balanço. XLVIII Mais do que retirar a farmácia da legítima dos herdeiros, recorde-se que foi dado como provado no item 13 dos factos provados que a farmácia era o bem mais valioso do casal, permitiu-se que a quota fosse amortizada pelo valor do último balanço, ou seja, possibilitou-se que um bem que pertencia à herança fosse amortizado por um valor muito inferior. XLIX A quota foi amortizada pelo valor de € 170.000,00 quando o valor real da farmácia era, em 2011, de € 1.347.899,00 - cfr. item 34 dos factos provados. L Os herdeiros do J. C. foram prejudicados “apenas” em € 1.177.899,00, com excepção do Recorrido B. C. que saiu beneficiado, uma vez que ficou com a sociedade, para onde a farmácia foi transferida. LI Como ensina o Prof. Vaz Serra, “a nulidade dos negócios jurídicos por ofensa aos bons costumes não parece dever destinar-se a invalidar aquilo que a generalidade das pessoas considera inadmissível, mas aquilo que deve ser havido como tal, segundo a opinião de pessoas sãs e honestas”. LII E a Recorrente tem a forte convicção de que pessoas sãs e honestas consideram inadmissível que os herdeiros do J. C. recebam apenas € 170.000,00 por um bem que pertencia à herança e que vale no mínimo € 1.347.899,00. E deste modo, as pessoas sãs e honestas considerariam inválidas a constituição da sociedade “Farmácia A, Lda. e a passagem da farmácia com o mesmo nome para esta sociedade, através da realização de uma quota por ofensa aos bons costumes. LIII Assim, as cláusulas 6ª e 7ª do contrato de sociedade da Farmácia A, Lda. são nulas por serem ofensivas dos bons costumes, da boa-fé e ofendem a legítima. LIV A Recorrente não pode concordar com a sentença recorrida quando a condenou como litigante de má-fé. E muito menos nos montantes em que foi condenada. Até porque nenhum dos litigantes obteve vencimento a 100%. LV A aqui Recorrente I. C. é filha do J. C. e da M. P., pretendendo com esta acção receber o “preço justo” que os seus pais sempre lhe prometeram, bem como aos demais irmãos, por uma farmácia que era da herança e que passou para uma sociedade. LVI E se a farmácia valia no mínimo € 1.347.899,00, como é que a aqui recorrente se pode conformar por dividir com os restantes irmãos apenas a quantia de € 170.000,00. A isto chama-se litigar pelos seus direitos e nunca de má-fé como o Tribunal recorrido erroneamente decidiu. LVII Por tudo isto, a sentença (parcialmente) recorrida violou, entre outros, o disposto nos arts. 220º, 262º, 280º, nº2, 282º, nº 1 e ss., 2156º e ss., 2168º e ss. Do Código Civil, bem como os nºs 2 e 3 do art. 8º e al. d) do nº 1 do art. 56º do Código das Sociedades Comerciais, e ainda os artigos 116º e 150º do Código do Notariado.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente deve revogar-se a sentença recorrida na parte em que não reconheceu que a) o J. C. não mandatou a Autora M. P., nem nunca lhe deu instruções para constituir qualquer sociedade com o Réu B. C., nem lhe conferiu poderes para transferir a “FARMÁCIA A., LDA.”, para qualquer sociedade a constituir; b) à data dos documentos intitulados de “PROCURAÇÃO” e “TERMO DE AUTENTICAÇÃO”, juntos com a escritura de constituição de sociedade, o J. C. era portador de doença que o impossibilitava de entender e querer o conteúdo das respectivas declarações escritas; c) à data dos documentos referidos, a Autora M. P. não sabia ler nem escrever; d) os primeiros Réus, B. C. e mulher Maria, e os segundo e terceiro Réus, J. P. e Dr. M. M. tinham perfeito conhecimento dos factos e consequências mencionados; e) os aludidos documentos sob os títulos “PROCURAÇÃO” e “TERMO DE AUTENTICAÇÃO” não são idóneos para conferir os necessários poderes para a indicada mandatária constituir a sociedade em nome do suposto mandante, e para realizar a quota do mesmo pela entrega do estabelecimento comercial denominado “FARMÁCIA A., LDA.”; e o simples reconhecimento presencial da assinatura do mandante, em ambos os documentos, não lhes confere a natureza de documentos particulares autenticados, nos termos do art. 116º do Código do Notariado; f) a Autora M. P. não tinha poderes para representar o J. C. para constituir qualquer sociedade, nem para realizar a respectiva quota com a transmissão do estabelecimento de farmácia denominado “FARMÁCIA A”, sendo ineficazes as declarações negociais feitas por ambos; g) são nulas as cláusulas sexta e sétima da escritura de constituição da sociedade “FARMÁCIA A, LDA.”, ora sétima Ré, por serem contrárias à ordem pública e ofensivas dos bons costumes, e por prejudicarem a legítima dos herdeiros legitimários, e ainda por violação do disposto no art. 8º nºs 2 e 3 do Código das Sociedades Comerciais; h) seja ordenado o cancelamento de todos os registos efectuados na C. R. Comercial relativos à sociedade Farmácia A., Lda., nomeadamente o da constituição da mesma e designação dos órgãos sociais; i) seja restituída à herança o estabelecimento Farmácia A, tudo com as demais consequências legais.
V. Ex.as, como sempre, farão inteira JUSTIÇA.
Foram apresentadas contra-alegações pelos recorrentes e pela interveniente AIC , quanto ao recurso da autora I. C..
Os autores M. P., A. C., M. C. e R. B. interpuseramnovo recurso, agora do despacho que se pronunciou sobre a ineficácia do pedido de apoio judiciário por eles formulado e que decidiu que o mesmo “só terá efeito para o futuro, não abrangendo as condenações em custas já proferidas, bem como os encargos já vencidos e devidos, nomeadamente e além do mais, os respeitantes à perícia”. O MP contra alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Este recurso foi admitido para subir conjuntamente com os demais recursos.
Os três recursos foram admitidos como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto, validade da procuração e termo de autenticação, nulidade de cláusulas constantes da escritura de constituição da sociedade, nulidade de deliberações, litigância de má fé e apoio judiciário.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados os seguintes factos:
I. Factos Provados:
1. No dia 25 de Outubro de 2010, na Rua Dr. … da freguesia de … do concelho de Vizela, onde tinha a sua residência habitual, faleceu J. C., no estado de casado com a Autora M. P., em primeiras núpcias de ambos e sob o regime da comunhão geral de bens, tendo-lhe sucedido, como únicos e universais herdeiros, a viúva, ora Autora M. P., e os filhos de ambos, R. B.; B. C.; A. C.; M. C.; e I. C., e as netas, V. M. e S. L., em representação do filho pré falecido, L. A., todos devidamente identificados e habilitados por escritura outorgada no dia 18 de Abril de 2012, no Cartório Notarial sito na Avenida de …, da freguesia de Creixomil, do notário Dr. C. T. - cfr. documento de fls.59 e seg. 2. Dessa escritura consta que a Autora M. P. declarou que o autor da sucessão não fez testamento nem qualquer outra disposição de última vontade – cfr. documento de fls.59 e seg. 3. O J. C., porém, deixou testamento lavrado no dia 18 de Junho de 1996, no Primeiro Cartório Notarial de Guimarães, a cargo do Notário, A. T., pelo qual instituiu a Autora M. P. como herdeira da sua quota disponível – cfr. documento de fls.64 e seg. 4. Presentemente, corre termos o processo de inventário por óbito do dito J. C. – processo n.º 912/11.6TBGMR do extinto 5º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Guimarães – o qual foi requerido pelas interessadas, S. L. e V. M., e nele exerce as funções de “Cabeça-de-Casal”, a ora Autora M. P.. – cfr. documento de fls.67 e seg. 5. No dia 11 de Abril de 2011, a Autora M. P. passou procuração ao advogado, Dr. M. M., ora terceiro Réu, com poderes forenses gerais e especiais para a representar em acção de inventário para partilha da herança aberta por óbito de J. C. e, portanto, para a assistir em todos os actos que devesse praticar e em que devesse intervir, na sua qualidade de “Cabeça-de-Casal” e interessada na herança – cfr. documento de fls.76. 6. O Réu Dr. M. M. redigiu, subscreveu e apresentou a relação de bens, de acordo com os elementos fornecidos pelo Réu B. C. – cfr. documento de fls.77. 7. A Autora M. P. não curou de verificar a exactidão e rigor da relação de bens, por depositar, então, total confiança, nos dois referidos Réus. 8. Sucedeu que as interessadas S. e V. reclamaram da relação de bens, nos termos e pelos fundamentos aduzidos no requerimento de fls.78 e seg., cujo teor se dá por inteiramente reproduzido 9. O Réu M. M. renunciou à procuração da Autora M. P., por requerimento do dia 06 de Setembro de 2011 – cfr. documento de fls.89. 10. A Autora M. P. e o seu marido J. C. eram donos e possuidores do estabelecimento denominado “FARMÁCIA A”, instalado no rés-do-chão do seu prédio urbano sito na Rua Dr. …, da freguesia de …, actualmente do concelho de Vizela, onde residiam, cujo alvará estava registado em nome do próprio J. C.. 11. A “FARMÁCIA A” está situada no centro e numa das principais artérias da cidade de Vizela, e o nível de facturação anual dos negócios do estabelecimento proporcionou sempre lucros suficientes para a Autora M. P. e o seu marido satisfazerem todas as necessidades familiares e domésticas, considerando o seu estatuto social, e para procederem ainda ao aforro de economias. 12. O J. C. explorou e geriu a “FARMÁCIA A”, directa e pessoalmente, durante dezenas de anos, e nela trabalhavam quatro pessoas - o próprio J. C. e os seus filhos L. A. e B. C., e uma farmacêutica que exercia também as funções de Directora Técnica – estando a contabilidade a cargo do segundo Réu, J. P., desde 2003. 13. A “FARMÁCIA A” era o bem mais valioso do casal, e o seu valor real e de mercado, considerado o estabelecimento como universalidade, com todos os seus valores activos, incluindo o direito ao arrendamento e o alvará de licença, e os seus valores passivos, era, em Janeiro de 2011, de, pelo menos, € 1.347.899,00. 14. Em 2 de Maio de 2002, o J. C. sofreu um AVC e, em data não concretamente apurada, a gestão da farmácia ficou a cargo do filho, L. A., o qual viria a falecer no mês de Novembro de 2003, e a partir dessa data, a gestão da farmácia ficou a cargo do Réu B. C.. 15. O Réu B. C. passou, então, a administrar a farmácia em nome de seu pai. 16. O J. C. e a Autora M. P. depositavam total confiança no filho B. C.. 17. O J. C. faleceu no dia 25 de Outubro de 2010 com a idade de 91 anos (cfr. documento de fls.93) 18. A Autora M. P. nasceu no dia 24 de Janeiro de 1926 (cfr. documento de fls.94). 19. No dia 31 de Agosto de 2007, foi publicado o Decreto-Lei n.º 307/2007 que definiu o novo regime jurídico das farmácias de oficina, permitindo, às sociedades comerciais, ser donas de farmácias. 20. A Autora M. P. não sabe ler nem escrever. 21. No dia 16 de Novembro de 2007, os Réus B. C. e Dr. M. M., conduziram a Autora, M. P., ao Cartório Notarial da Notária L. T., sito na Rua das …, da cidade do Porto, a qual, na presença de todos, leu a escritura de constituição da sociedade “FARMÁCIA A, LDA”, a qual foi assinada pela Autora Marida M. P. (cfr. fls.97 e seg.). 22. A constituição da sociedade encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial, pela Inscrição 1 AP. 3/20071121 (cfr. documento de fls.103 e seg.). 23. No dia 21 de Janeiro de 2011, os Réus B. C., J. P. e Dr. M. M., conduziram a ora Autora M. P., ao Cartório Notarial de L. T., tendo a Autora M. P. assinado o instrumento de acta de assembleia geral da sociedade “Farmácia A, Lda., que se transcreve: “INSTRUMENTO DE ACTA DE ASSEMBLEIA GERAL. No dia vinte e um de Janeiro de dois mil e onze, pelas dezassete horas e quarenta minutos, no Porto e no Cartório Notarial de L. sito na Rua das …, a solicitação dos interessados, perante mim, L. T., Notária, reuniu a assembleia geral da sociedade “Farmácia A Lda.”, com sede na Rua Dr. …, Vizela, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Vizela, com o número único de matricula e de pessoa colectiva …, …, quatrocentos e …, com o capital social de cem mil euros. Encontravam-se presentes: Em representação da quota indivisa do sócio J. C., como representante comum dos herdeiros, a viúva, M. P., conforme documento se junta, representante de uma quota no valor nominal de € 95.000,00; O sócio B. C., representante de uma quota no valor nominal de € 5.000,00; Encontravam-se também presentes, o Sr. J. P., na qualidade de Técnico Oficial de Contas da sociedade e Dr. M. M. na qualidade de advogado da sociedade; Estando representada a totalidade do capital social, os sócios demonstraram a vontade, com dispensa de formalidades prévias, se constituírem em assembleia-geral nos termos do artigo 54 do CSC, manifestando todos a vontade que a assembleia se constitua e delibere sobre a seguinte ordem de trabalhos: Apresentação, análise e aprovação de contas referentes aos exercícios de 2007, 2008 e 2009; Deliberação sobre a afectação dos resultados dos exercícios; Análise e deliberação respeitante a amortização da quota do sócio J. C. pela sociedade dando cumprimento ao disposto no artigo 6º (sexto) do pacto social (por morte do seu titular). Estando em condições de deliberar assumiu a presidência a Representante Comum da quota indivisa titulada em nome, J. C., M. P., que deu início aos trabalhos, passando de imediato a análise e votação dos pontos da ordem de trabalhos. Explicado que foi o motivo da análise tardia das contas, face ao estado débil do então sócio J. C., a Presidente depois de postas a análise as contas do exercício de 2007, as quais apresentaram um lucro de €1.946,74 (mil novecentos e quarenta e seis euros e setenta e quatro cêntimos), pôs as mesmas a votação, tendo sido deliberado por unanimidade a sua aprovação. De seguida, apresentadas e postas a análise as contas do exercício de 2008, as quais apresentaram um lucro de €66.030,99 (sessenta e seis mil e trinta euros e noventa e nove cêntimos), pôs as mesmas a votação, tendo sido deliberado por unanimidade a sua aprovação. Por fim, apresentadas e postas a análise as contas do exercício de 2009, as quais apresentaram um lucro de €126.033,97 (cento e vinte seis mil e trinta e três euros e noventa e sete cêntimos), pôs as mesmas a votação, tendo sido deliberado por unanimidade a sua aprovação. Em referência ao segundo ponto da ordem de trabalhos, foi também deliberado por unanimidade que os resultados tivessem a seguinte afectação: Exercício de 2007: Para Reservas Legais € 100, 00 (cem euros); Para Reservas Livres € 1.846,74 (mil oitocentos e quarenta e seis euros e setenta e quatro cêntimos). Exercício de 2008: Para Gratificação ao sócio – gerente Sr. B. C. a quantia de € 6.000,00 (seis mil euros); Para Gratificação ao pessoal a quantia de € 9.000,00 (nove mil euros); Para Reservas Legais € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros); Para Reservas Livres € 47.530,99 (quarenta e sete mil quinhentos e trinta euros e noventa e nove cêntimos); Exercício 2009: Para Cobertura de Resultados Transitados Negativos a quantia de € 98.215,32 (noventa e oito mil duzentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos); Para Reservas Legais € 1.500,00 (mil e quinhentos euros); Para Reservas Livres € 26.318,65 (vinte e seis mil trezentos e dezoito euros e sessenta e cinco cêntimos); Por fim, em referência ao terceiro ponto da ordem de trabalhos, aprofundadamente lido e conhecido o conteúdo das disposições contratuais, artigo sexto, número um e dois, convencionado que foi pelos sócios e aí vertidos por representar a real vontade de cada um deles aquando da constituição da sociedade em 16 de Novembro de 2007. Ou seja, que ocorrendo a morte de um deles que a quota não se transmitiria aos sucessores do falecido, ficando a sociedade com a faculdade de a amortizar ou adquirir a respectiva quota pelo valor que viesse a ser acordado pelas partes, ou, não havendo esse acordo, quanto ao valor, a contrapartida seria a que resultasse do último balanço aprovado. Verificado o facto, morte do sócio J. C. em 25 de Outubro de 2010, apesar de se verificar os pressupostos para a amortização compulsiva prevista no n.º 1 do Artigo 233º do C.S.C., entendeu, ainda assim, esta Assembleia deliberar sobre a amortização pela sociedade da quota do sócio J. C.. De seguida pediu a palavra a Representante Comum e Cabeça de casal dos bens da herança, M. P., que referiu que apesar de entender que não se trata de um acto de disposição nem em boa verdade um acto de administração e entender, ainda, que não depende do seu voto a dita amortização por ser compulsiva (porque prevista no contrato de sociedade), ainda assim, fez menção que gostaria que a sua posição fosse clara – Entende que a amortização deverá ser realizada, por um dos dois critérios aí previstos, pela simples razão que essa foi sempre a vontade de seu marido conforme se retira do contrato de sociedade. Submetido pela Presidente a votação o referido ponto, foi deliberada por unanimidade a sua aprovação. Nada mais havendo a tratar, o presidente da mesa encerrou a sessão eram dezoito horas, tendo eu Notária lavrado a presente acta que vai ser assinada pelos presentes e por mim, notária que elaborou o presente instrumento.” – cfr. documento de fls.106 e seg. 24. A escritura foi redigida pela Notária L. T., de acordo com elementos fornecidos pelos Réus B. C., J. P. e Dr. M. M., que também o assinaram. 25. Ficou a constar da escritura de constituição da sociedade que a Autora M. P., intervindo por si e como procuradora do seu marido, e o Réu B. C., constituem uma sociedade por quotas, que se regerá pelo contrato constante dos seguintes artigos:
ARTIGO 1º 1 – A sociedade adopta a firma “FARMÁCIA A, LDA”, e tem sede na Rua Dr. …, nº, freguesia de …, concelho de Vizela. 2 – A gerência poderá deslocar livremente a sede social para qualquer outro local do mesmo concelho ou para concelho limítrofe.
ARTIGO 2º - O objecto social da mesma consiste na exploração de farmácia e também comercialização de artigos ortopédicos, de cosmética e higiene pessoal.
ARTIGO 3º O capital social, integralmente realizado, é de € 100.000,00 (cem mil euros), representado por duas quotas, pertencente na proporção de € 95.000,00 (Noventa e cinco mil euros) ao sócio J. C., a qual foi realizada em espécie, mediante a transferência, que neste acto faz para a sociedade do estabelecimento comercial e alvará de farmácia denominada “Farmácia A” e € 5.000,00 (cinco mil euros), ao sócio B. C., realizada integralmente em dinheiro.
ARTIGO 4º 1 – A administração e representação da sociedade fica afecta a um ou mais gerentes, com ou sem remuneração, conforme decisão da sociedade. 2 – Fica, desde já, designado gerente o sócio B. C.; 3 – Para obrigar a sociedade, em todos os seus actos e contratos é suficiente a intervenção de um gerente.
ARTIGO 5º A sociedade poderá decidir efectuar prestações suplementares, até ao montante global equivalente a cinco vezes o capital social desde que a chamada seja deliberada por unanimidade dos votos representativos de todo o capital social.
ARTIGO 6º 1 – No caso de falecimento de qualquer sócio, a respectiva quota não se transmitirá aos sucessores do falecido, ficando a sociedade com a faculdade de amortizar ou adquirir a respectiva quota pelo valor que vier a ser acordado pelas partes. 2 – Não havendo acordo quanto ao valor, a contrapartida pela amortização ou aquisição será a que resultar do último balanço aprovado.
ARTIGO 7º A sociedade poderá amortizar qualquer quota nos seguintes casos: Quando a quota for objecto de penhora, arresto, ou adjudicação em juízo, falência ou a cessão gratuita a não sócios não autorizada; Quando o sócio praticar actos que violem o pacto social ou as obrigações sociais; Quando, em partilha, a quota for adjudicada a quem não seja sócio; Por interdição ou inabilitação de qualquer sócio. Por exoneração ou exclusão de um sócio. Quando a quota tiver sido cedida a terceiro sem prévio consentimento da sociedade, tomado por maioria, em Assembleia-geral.
Mais declaram os outorgantes: Que a gerência fica, desde já, autorizada a proceder ao levantamento do capital social depositado nos termos do art.º 202º do Código das Sociedades Comerciais, a fim de fazer face às despesas com a constituição e aquisição de bens e equipamentos para instalação e início da sociedade. Adverti a outorgante da obrigatoriedade do registo deste acto na Conservatória do Registo Comercial, no prazo de três meses a contar desta data. ARQUIVA-SE: Relatório de verificação ao valor da entrada em espécie pelo Revisor Oficial de Contas número .., Dr. A. F., com data de 14 de Novembro de 2007. EXIBIRAM:
a) Certificado de admissibilidade da firma adoptada com o número …, emitido em 08/11/2007, pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas; b) o duplicado da guia de depósito do capital social no dia 14 de Novembro de 2007, no Banco A, agência de A. das Caldas, concelho de Vizela. c) O cartão provisório de identificação de pessoa colectiva nº P…. d) Alvará da Farmácia A com o número 1044, emitido pelo Instituto da Farmácia e do Medicamento. O imposto de selo devido pela verba 26.1 da T.G.I.S., no montante de € 400,00 é liquidado e cobrado neste acto. Esta escritura foi lida explicado o seu conteúdo.”
26. Com a referida escritura de constituição da sociedade, ficou arquivado um documento intitulado “PROCURAÇÃO” a que nela se faz referência, do seguinte teor:
PROCURAÇÃO - No dia 18 de Outubro de 2007, na Rua Dr. …, freguesia de …, concelho de Vizela, perante mim, M. M., advogado, cédula profissional n.º … compareceu como outorgante: - J. C., Nif …, B.I. n.º … de 06/06/1978, SIC de Lisboa, casado com M. P., sob o regime da comunhão geral de bens, natural da freguesia de …, concelho então de Guimarães, agora de Vizela, onde é residente, na Rua Dr. ... – Verifiquei - A identidade do outorgante pela exibição do seu bilhete de identidade e POR ELE FOI DITO - Que, pelo presente instrumento, constitui sua bastante procuradora a sua referida mulher M. P., Nif … – B.I. …, de 17/11/1978, SIC de Lisboa, natural da freguesia de …, então do concelho de Guimarães, agora de Vizela, com ele outorgante residente, a quem, com os poderes de substabelecer, confere os mais amplos poderes para constituir para constituir uma sociedade comercial por quotas, sob a firma a designar por ela, procuradora, e que vai ter sede na Rua Dr. …, freguesia de …, concelho de Vizela, e o capital social de € 100.000,00 (cem mil euros), no qual ele outorgante subscreverá uma quota do valor nominal de noventa e cinco mil euros, realizada pela entrega para a sociedade do estabelecimento comercial denominado FARMÁCIA A., estabelecendo e aceitando as cláusulas do pacto social que há-de reger a dita sociedade, outorgar a respectiva escritura bem como tudo o que necessário se torne ao indicado fim. - Mais confere poderes para representá-lo junto da competente Conservatória do Registo Comercial, proceder a quaisquer actos de registo, provisórios ou definitivos, cancelamentos ou averbamentos, prestando declarações complementares se necessário e ainda para junto de quaisquer Repartições públicas, designadamente Finanças e Câmaras Municipais e, de um modo geral requerer, praticar e assinar tudo o que se relacione com os indicados fins, ASSIM O DISSE E OUTORGOU Foi lido e o seu conteúdo explicado ao outorgante em voz alta e na sua presença. Segue-se a assinatura do outorgante, J. C., reconhecida pelo Réu M. M., referindo-se ter sido feita na sua presença, o qual assina por baixo, fazendo constar que o reconhecimento é gratuito e teve lugar no mesmo dia 18 de Outubro de 2007 – cfr. documento junto a fls.114. 27. Integrado no referido instrumento intitulado procuração consta também o seguinte TERMO DE AUTENTICAÇÃO: - No dia dezoito de Outubro de dois mil e sete, na Rua Dr. …, freguesia de …, concelho de Vizela, perante mim, M. M., inscrito na Ordem dos Advogados, Conselho Distrital do Porto, portador da cédula profissional n.º …-P, compareceu: - J. C., casado com M. P., natural da freguesia de Caldas de Vizela (A.), concelho então de Guimarães, agora de Vizela, residente na Rua Dr. …, Vizela, titular do bilhete de identidade n.º … emitido em 06/06/1978, pelo SIC de Lisboa. – Verifiquei - A identidade do outorgante pela exibição do referido bilhete de identidade. - Este termo foi lido e o seu conteúdo explicado ao outorgante. - Segue-se a assinatura do outorgante, José, reconhecida pelo Réu, Dr. M. M., aí se referindo ter sido feita na sua presença, o qual também assina por baixo, posto o que a seguinte declaração: Autenticação registada sob o n.º … – cfr. fls.114 e seg.. 28. Com a escritura de sociedade, foi também arquivado o RELATÓRIO DE VERIFICAÇÃO, elaborado nos termos do disposto no artigo 28.º do Código das Sociedades Comerciais, da autoria da FAC, SROC, e subscrito, em representação daquela, pelo Réu A. F. – cfr. documento de fls.119 e seg.. 29. Consta da Introdução desse relatório, o seguinte: - Nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 28.º do Código das Sociedades Comerciais, foi-nos solicitado pela D. M. P., como procuradora do Sr. J. C., conforme procuração de 18 de Outubro de 2007, … a verificação da entrada em espécie que este último efectuará para realização de capital social da sociedade por quotas com a denominação “Farmácia A, L.da”, contribuinte n.º …. 30. A Autora M. P. não conhece nem contactou directamente a “FAC, SROC, nem o Dr. A. F.. 31. O relatório foi elaborado de acordo com as informações prestadas pelo Réu J. P., técnico de contas da FARMÁCIA A. 32. No relatório apenas foi tomado em consideração o valor do património físico do estabelecimento, constante do balanço realizado em 30-09-2007, do montante de € 123.534,12 (cento e vinte e três mil e quinhentos e trinta e quatro euros e doze cêntimos), e não foi considerado, nem tido em conta o valor real e de mercado do estabelecimento, como universalidade, que inclui o alvará de licença emitido em nome do dito J. C.. 33. A “Declaração de Nomeação de Representante Comum” junta com o “Instrumento de Acta de Assembleia Geral”, tem teor seguinte: “Declaram para os devidos e legais efeitos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do Artigo 222.º e n.º 1 do artigo 223.º do C.S.C., que nomeiam a sua Mãe, M. P., como representante comum dos seus direitos e obrigações inerentes à quota indivisa de J. C. na sociedade comercial denominada Farmácia A, Lda”. 34. Esta “Declaração de Nomeação de Representante Comum” foi subscrita apenas pelos herdeiros M. C.; I. C.; R. B.; e B. C., não tendo sido assinada pelos restantes herdeiros, o ora Autor A. C. e as interessadas V. M.; e S. L. – cfr. documento de fls.112. 35. A Autora M. P. não fez, verbalmente, por si mesma, a declaração que ficou consignada em acta que se transcreve: “De seguida, pediu a palavra a Representante Comum e Cabeça de Casal de bens da herança, M. P., que referiu que apesar de entender que não se trata de um acto de disposição nem em boa verdade um acto de administração e entender, ainda, que não depende do seu voto a dita amortização por ser compulsiva (porque prevista no contrato de sociedade), ainda assim, fez menção que gostaria que a sua posição fosse clara – Entende que a amortização deverá ser realizada por um dos dois critérios aí previstos, pela simples razão de que essa foi sempre a vontade de seu marido conforme se retira do contrato de sociedade.”. 36. A Autora M. P. e o seu marido, J. C., depositaram sempre total confiança no nos Réus B. C., J. P. e M. M.. 37. Depois de constituída a sociedade Ré, o 1º Réu passou a ser seu gerente único. 38. O terceiro Réu, M. M., é filho do segundo Réu. 39. O Réu M. M. é o Advogado da “FARMÁCIA A.” desde, pelo menos, Janeiro de 2012. 40. O Réu M. M. foi Advogado da Autora M. P. e do seu marido, J. C., desde Agosto de 2007 até 6 de Setembro de 2011. 41. O terceiro Réu, M. M., na sua qualidade de advogado, deu instruções quanto ao conteúdo do pacto social e ao conteúdo do instrumento de acta de assembleia geral com a deliberação da amortização da quota do sócio J. C.. 42. Os quinto e sexto Réu sabiam que o seu relatório de verificação iria instruir a escritura de constituição de sociedade e que a quota do J. C., no valor nominal de € 95.000,00 iria ser realizada com a transmissão do seu estabelecimento. 43. Em Novembro de 2007, a Ré “PF & SA, SROC.”, então denominada “FAC, SROC”, foi contactada pelo 3º R., M. M., que, na qualidade de mandatário da A. M. P., em representação do seu marido, o Sr. J. C., questionou a disponibilidade dessa SROC para a elaboração, nos termos do art.º 28º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), de um relatório de verificação para uma entrada em espécie para realização de 95% do capital de uma sociedade comercial por quotas a constituir com o capital social de € 100.000,00. 44. Tal solicitação concretizou-se através de carta dirigida à “FAC, SROC”, subscrita pela A. M. P., na qualidade de procuradora do seu marido, o Sr. J. C., com os poderes decorrentes da procuração – cfr. documento de fls.183. 45. A R. SROC acedeu a tal solicitação, elaborando, consequentemente, o “Relatório de Verificação”. 46. O alvará n.º …, da “Farmácia A” não foi adquirido a terceiros por qualquer acto de carácter oneroso, tendo, pelo contrário, sido requerido pelo próprio à Direcção-Geral de Saúde, e concedido por esta entidade em 26-07-1963. 47. O alvará não foi objecto de avaliação no relatório de verificação. 48. O alvará não estava contemplado no balanço que serviu de base ao relatório de verificação. 49. A publicação do Decreto-Lei n.º 307/2007 de 31 de Agosto, que veio abrir a propriedade, exploração e gestão de farmácias a não farmacêuticos (pessoas singulares e colectivas), resultou numa desvalorização do valor dos trespasses das farmácias então existentes. 50. Só na Rua Dr. …, em Vizela, onde no n.º … se situa a “Farmácia A.” existem, para além desta, mais outras duas farmácias. 51. A Ordem dos Revisores Oficiais de Contas celebrou com a “Companhia de Seguros Companhia de Seguros A, S.A.” um contrato de seguro, titulado pela apólice n.º …, mediante o qual foi transferida a responsabilidade civil por actos ou omissões praticados pelos segurados e associados aderentes no exercício da sua actividade. 52. No ano de 2008 a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas celebrou com a “Companhia de Seguros A, S.A.” um novo contrato de seguro de responsabilidade civil por actos ou omissões praticados no exercício da actividade dos Revisores e Sociedades de Revisores Oficiais de Contas inscritos na respectiva Ordem, agora titulado pela apólice n.º …, contrato esse que se manteve em vigor, titulado pela mesma apólice n.º …, para os anos de 2009, 2010 e 2011 (Doc. 15 e 16). 53. A apólice nº. … iniciou em 1 de Janeiro de 2004 e vigorava à data de 14 de Novembro de 2007, tratando-se de uma apólice de grupo de adesão obrigatória. 54. A apólice nº. … vigorava com uma franquia de 10% sobre o valor do sinistro, mas com o mínimo de € 100,00, sempre a cargo do segurado. 55. O associado .., A. F., aderiu com o capital de € 500.000,00, ampliando o capital seguro em 2017 para € 1.000.000,00. 56. A 6ª Ré SROC nunca aderiu a esta apólice. 57. Na apólice n.º … manteve-se como segurado o associado …, A. F. com um capital de € 1.000.000,00 e a 6ª Ré SROC também aderiu a essa apólice n.º … com um capital de € 1.500.000,00, mantendo-se a franquia de 10% sobre o valor do sinistro, mas com o mínimo de € 100,00, sempre a cargo do segurado. 58. No ano de 2012, a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas celebrou com a “AIC (Europe) Ltd.” um contrato de seguro titulado pela apólice PI-…, mediante o qual foi transferida para essa seguradora a responsabilidade civil por actos ou omissões praticados no exercício da actividade dos Revisores e Sociedades de Revisores Oficiais de Contas inscritos na respectiva Ordem, com o capital seguro de € 6.000.000,00. 59. A PF & SA, SROC, e o seu sócio PF, estavam abrangidos pelas coberturas previstas na referida apólice. 60. Em 31 de Dezembro de 2012, data da reclamação do sinistro, encontrava-se em vigor a apólice de seguro n.º PI-…, cujo limite indemnizatório máximo contratado para o seu período de vigência/ “período seguro” foi fixado em € 1.000.000,00 por sinistro e € 3.000.000,00 por anuidade, sendo a esta quantia, deduzida a correspondente franquia contratual aplicável, igualmente prevista nas condições particulares da Apólice, cujo valor será dedutível ao valor da indemnização que à Seguradora couber pagar e a cargo do Segurado, cujo montante ascende a 10 % da quantia reclamada no montante mínimo de € 100,00 e máximo de € 6.000,00. 61. Nos termos do artigo 2.º das Condições Especiais da Apólice de Seguro, que determina o objecto do seguro, a “presente apólice tem por objecto garantir ao segurado as consequências económicas de qualquer reclamação de responsabilidade civil que lhe seja legalmente imputável, formulada de acordo com a legislação vigente e pela primeira vez contra o segurado durante o período de seguro, por prejuízos patrimoniais primários causados a terceiros, em consequência de erro ou falta profissional cometido pelo segurado ou por pessoal por quem ele legalmente deva responder, no desempenho da actividade profissional descrita nas condições particulares.” 62. Nos termos da alínea a) do artigo 10.º das Condições Particulares da apólice … (apólice vigente à data da participação do sinistro), ficam expressamente excluídos da cobertura da apólice os danos “por quaisquer actos que consubstanciem responsabilidade criminal dos Sócios e/ou Colaboradores dos Segurados, quando ao seu serviço”. 63. Nos termos do primeiro parágrafo do artigo 9.º das Condições Particulares da apólice … (apólice vigente à data da participação do sinistro), apenas ficam garantidos pelas coberturas da apólice “Actos, omissões ou incumprimento de obrigações geradoras de responsabilidade reclamados, pela primeira vez durante a vigência da Apólice e que tenham ocorrido no período de 5 (cinco) anos anteriores à data em que a reclamação é feita ao Segurador, desde que à data da ocorrência e da reclamação a SROC seja segurada da Apólice.” 64. Sob a epigrafe “Cobertura Retroactiva” no artigo 9.º das condições Condições Particulares da apólice …, é estendida a cobertura temporal da apólice às “reclamações que tendo sido apresentadas pela primeira vez ao Segurado e ao Segurador, tenham ocorrido no período de 5 (cinco) anos anteriores à data da reclamação ao Segurador, exclusivamente se esta reclamação estiver excluída do âmbito temporal de apólice anterior”. 65. O período seguro da primeira apólice celebrada entre a AIC e a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas com o n.º PI-… teve início em 1 de Janeiro de 2012. 66. A autora M. P. pretendia que as netas V. e S., filhas do falecido filho L. A., nada herdassem por óbito do avô. 67. A renúncia à procuração referida em I.9 ocorreu porque, entre 11 de Abril de 2011 (data da outorga) e 6 de Setembro de 2011 (data da renúncia), a Autora M. P. passou a aconselhar-se com o Dr. SP, a quem passou procuração em 21 de Outubro de 2011, facto que omitiu ao 3º Réu. 68. Até data não concretamente apurada mas sempre anterior a Novembro de 2003, o J. C. abria a farmácia no início de cada dia, atendia os clientes ao balcão e requisitava encomendas. 69. Pelo menos até 2 de Novembro de 2005, o J. C. assinava cheques. 70. A partir de data não concretamente apurada o J. C. passava mais tempo em casa por dificuldades de locomoção. 71. Desde data não concretamente apurada, a autora M. P. e o falecido J. C., pensavam na constituição de uma sociedade comercial para o negócio da farmácia, quer pela segurança que representava a limitação da responsabilidade, quer pelo facto de terem uma neta, filha do 1º Réu, estudante de farmácia, facto que asseguraria a continuidade da farmácia na família. 72. Constituída a sociedade 7ª Ré, a actividade social decorreu sem história durante o resto do ano de 2007, em 2008, em 2009 e em 2010, sem que qualquer dos Autores, ou quem quer que fosse, tivesse levantado a menor objecção, sequer colocado qualquer dúvida. 73. Em data não concretamente apurada o J. C. ficou acamado. 74. O relatório de verificação teve por base os elementos contabilísticos da então Farmácia A., de J. C., facultados à Sociedade de Revisores Oficiais de Contas pelo 2º Réu. 75. Em 4 de Janeiro de 2011, a Ré sociedade convocou a Autora M. P., na qualidade de cabeça-de-casal ou representante comum da herança indivisa de J. C., para uma assembleia geral daquela, a realizar em 21 de Janeiro de 2011 – cfr. documento junto a fls.222 e 223. 76. Em 1 de Fevereiro 2011, a 7ª Ré comunicou à Autora M. P., na qualidade de cabeça-de-casal ou representante comum da herança indivisa de J. C. que, não tendo havido acordo quanto ao valor da deliberada amortização da quota, o pagamento desta seria feito nos termos do disposto no artº. 235º/1 b). do C. S. Comerciais, isto é, em duas prestações, a seis meses e um ano – cfr. documento de fls.224 e 225. 77. A Ré sociedade pagou a primeira prestação à herança, no valor de € 85.878,28 €, montante que a herança fez dela, o dinheiro sido recebido pela Autora M. P., na qualidade de cabeça-de-casal. 78. A Ré sociedade remeteu a segunda prestação à herança, no valor de 85.878,28 €, mediante cheque de 20 de Dezembro de 2011 – cfr. documento de fls.226 a 228. 79. Em 29 de Dezembro de 2011, a Autora M. P. subscreveu carta, dirigida ao 1º Réu, comunicando a não aceitação do pagamento de prestação relacionada com amortização de participação societária – cfr. documento de fls.261. 80. Em 2 de Janeiro de 2012, no seguimento dessa recusa, a Ré sociedade enviou carta registada à Autora M. P., na qualidade de cabeça-de-casal ou representante comum da herança indivisa de J. C., que o valor se mantinha disponível para ser entregue na sede social daquela, carta essa que não foi levantada nos correios – cfr. documento de fls.229 a 230. 81. O J. C. praticou, entre outros, os seguintes actos: a) Em 11.02.2003, subscreveu, na qualidade de entidade patronal, contrato de trabalho com o trabalhador V. B., neto do J. C., filho da autora R. B. – cfr. documento de fls.231 e seg.; b) Em 11.02.2003, subscreveu, na qualidade de entidade patronal, requerimento de dispensa temporária do pagamento de contribuições para a segurança social – cfr. documento de fls.234 e seg.; c) Em 18.03.2003, subscreveu, na qualidade de entidade patronal, comunicação ao ISSS – cfr. documento de fls.236 e seg.; d) Em 11.07.2003, outorgou contrato de conta corrente caucionada com o Banco B e subscreveu livrança referida no contrato – cfr. documento de fls.237 e seg. e) Em 16.06.2004, subscreveu, na qualidade de entidade patronal, contrato de trabalho com o trabalhador J. B., neto do J. C., filho da autora R. B. – cfr. documento de fls.241 e seg.; f) Em 16.06.2004, subscreveu comunicação de admissão de novo trabalhador, na qualidade de entidade patronal – cfr. documento de fls.244 e seg.; g) Em 2.11.2005, subscreveu o cheque nº. …4, sacado sobre conta da Farmácia A., no BANCO A, no valor de 2.085,00 €, que emitiu a favor de B. C. – cfr. documento de fls.246 e seg.; h) Em 2.11.2005, subscreveu o cheque nº. …7, sacado sobre conta pessoal, no Banco B, no valor de 4.150,00 €, que emitiu a seu favor – cfr. documento de fls.246 e seg.; i) Em 24.10.2005, subscreveu comunicação para a Associação Nacional de Farmácias, pedindo alteração de domiciliação de transferências bancárias – cfr. documento de fls.247 e seg.; j) Em 5.11.2005, subscreveu contrato de aluguer de veículo sem condutor, com o BANCO A – cfr. documento de fls.249 e seg.; k) Em 31.12.2005, subscreveu inventário das existências da Farmácia A. – cfr. documento de fls.250 e seg.; l) Em 31.01.2008, subscreveu documento fiscal de retenção de rendimentos na fonte, referente a J. P. – cfr. documento de fls.251 e seg.; m) Em 31.01.2008, subscreveu documento fiscal de retenção de rendimentos na fonte, referente a M. F. – cfr. documento de fls.252 e seg.. 82. O J. C. assinou a procuração e o termo de autenticação referidos em I.26 e I.27. 83. A Autora M. P. tomou conhecimento do relatório de verificação em 16 de Novembro de 2007. 84. A Autora M. P. tomou conhecimento da constituição da sociedade em 16 de Novembro de 2007. 85. A Autora M. P. tomou conhecimento da procuração no dia 18 de Outubro de 2007.
II. Factos não provados:
1. Os Réus B. C. e M. M. tinham conhecimento, por disso terem sido informados, repetidamente, pela Autora M. P., de que todos os bens familiares teriam de ser repartidos, igualmente por todos os filhos. 2. A Autora M. P. deu instruções ao seu advogado M. M. para fazer as correcções necessárias, à relação de bens, para que nenhum dos seus filhos fosse prejudicado na partilha em benefício de outros, mas este não cumpriu as instruções. 3. Por douto despacho do dia 11 de Abril de 2012, as partes foram remetidas para os meios comuns, no que concerne ao pedido de declaração de nulidade da amortização da quota indicada no art.º 12.º da reclamação. 4. O valor do estabelecimento era e continua a ser de cerca de dois milhões de euros. 5. A doença e o AVC impossibilitaram o J. C. de administrar a farmácia. 6. A administração da Farmácia pelo Réu B. C. era feita em representação e sob a autoridade dos seus pais, mas a comportar-se, “de facto”, como seu administrador por direito próprio, postura de que nem o J. C. nem a Autora M. P. chegaram a ter verdadeira consciência, devido à avançada idade e natural diminuição da capacidade física e psíquica de ambos. 7. Após a publicação deste Decreto-Lei n.º 307/2007, os Réus B. C. e J. P. aconselharam a Autora M. P. e o seu marido, J. C., a constituírem uma sociedade para a exploração da farmácia, para, alegadamente, melhor protegerem os interesses actuais deles próprios, e para melhor assegurarem a continuidade da farmácia no património da família, e a igualdade futura das participações dos filhos de ambos relativamente ao domínio e exploração do estabelecimento. 8. O J. C. estava acamado há vários anos e não tinha já verdadeira consciência ou compreensão do que se passava à sua volta nem do que dizia e ou lhe diziam, nem capacidade de querer e de entender. 9. A solicitação do Réu B. C., deslocaram-se à residência do J. C. e da Autora M. P., sucessivamente, duas notárias de Vizela, para aí redigirem a escritura de sociedade, mas ambas se recusaram a fazê-lo, por o J. C. estar acamado, e não ter capacidade de querer e de entender para poder outorgar, livremente, o respectivo contrato. 10. A Autora M. P. foi conduzida ao Cartório Notarial pelo Réu J. P. e assinou a escritura de constituição da sociedade porque todos os referidos Réus lhe asseguraram que a mesma era legal e se destinava a proteger os interesses referidos em II.7. 11. A Autora M. P. não entendeu, não compreendeu, nem lhe foi explicado, o conteúdo da escritura de constituição da sociedade. 12. A Autora M. P. não teve consciência das declarações constantes da escritura de constituição da sociedade. 13. A Autora M. P. assinou a escritura por instruções dos Réus B. C., J. P. e Dr. M. M., sem saber o que estava a assinar, e sem conhecer nem lhe ter sido explicado o seu conteúdo, tendo-se limitado a seguir as instruções dos referidos Réus, os quais lhe disseram que era uma formalidade que era necessário cumprir por virtude do falecimento do seu marido, e que se não preocupasse, pois não havia nenhum prejuízo nem para ela nem para os seus filhos e netos. 14. Na sequência do referido em I.8 e I.9, a Autora M. P. deu conhecimento, aos demais Autores, dos factos referidos em II.7 a II.9, II.12 e I.21 a I.23, posto o que os Autores deram instruções aos seus advogados, para obterem certidão da escritura de sociedade e do instrumento de acta da assembleia geral, bem como dos documentos que instruem uma e outro, e para averiguarem da sua legalidade e, em resultado dessas diligências, os Autores tomaram conhecimento dos factos alegados nos artigos seguintes. 15. O J. C. não mandatou a Autora M. P., nem nunca lhe deu instruções para constituir qualquer sociedade com o Réu B. C., nem lhe conferiu poderes para transferir a “FARMÁCIA A.”, para qualquer sociedade, a constituir. 16. A Autora M. P. e o seu marido jamais admitiram constituir uma sociedade apenas com o Réu B. C., para a exploração da sua farmácia, e ou “abrir mão” deste estabelecimento ou de qualquer parte do seu património a favor do Réu B. C., em prejuízo dos seus restantes filhos. 17. Na data de 18 de Outubro de 2007, o J. C. estava acamado e impossibilitado de assinar os documentos referidos em I.26 e I.27. 18. A incapacidade física e psíquica que afectava o J. C., e que os primeiro, segundo e terceiro Réus bem conheciam, para além de não lhe permitir assinar o seu nome, não lhe permitia ter consciência, compreender, entender e querer as declarações que constam desses documentos. 19. A Autora M. P. não solicitou coisa alguma aos Réus “FAC, SROC nem ao A. F.. 20. O relatório foi elaborado a pedido e à medida dos interesses dos primeiros Réus B. C. e mulher, e de acordo com as informações prestadas pelo Réu M. M., Advogado da FARMÁCIA A. 21. O relatório de verificação avaliou a “FARMÁCIA A” sem considerar, nem ter em conta, o valor real e de mercado do estabelecimento, como universalidade, que inclui o alvará de licença emitido em nome do dito J. C., o qual só por si, valia e vale cerca de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros), facto que os primeiros, segundo, terceiro, quinto e sexto Réus conheciam e não podiam ignorar, e deliberadamente omitiram. 22. A doença progressiva que foi diagnosticada em 2001 ao J. C. agravou-se até à morte. 23. A Autora M. P. não tinha, nem tem capacidade de entender e querer, a declaração que ficou consignada em acta que se transcreve: “De seguida, pediu a palavra a Representante Comum e Cabeça de Casal de bens da herança, M. P., que referiu que apesar de entender que não se trata de um acto de disposição nem em boa verdade um acto de administração e entender, ainda, que não depende do seu voto a dita amortização por ser compulsiva (porque prevista no contrato de sociedade), ainda assim, fez menção que gostaria que a sua posição fosse clara – Entende que a amortização deverá ser realizada por um dos dois critérios aí previstos, pela simples razão de que essa foi sempre a vontade de seu marido conforme se retira do contrato de sociedade.” 24. Os Réus B. C., J. P. e M. M., de comum acordo, conceberam e puseram em prática um plano para os primeiros Réus se apropriarem da “FARMÁCIA A”, pertencente ao dito J. C. e mulher, ora Autora M. P., sem lhes pagar qualquer quantia, aproveitando-se do ascendente que sobre eles tinham e exerciam, devido à natural incapacidade e dependência em que ambos se encontravam. 25. Esse plano de apropriação passava e passou pela constituição da sociedade comercial por quotas, entre o Réu B. C. e o seu pai, o dito J. C. e pela inclusão, no respectivo pacto social, duma cláusula de amortização obrigatória da quota, por morte de qualquer sócio, pelo valor que resultar do último balança aprovado, e terminaria pela própria amortização da quota do J. C., por morte deste, que se sabia próxima, devido à sua idade e ao seu precário estado de saúde. 26. Na execução desse plano participaram também os Réus A. F. e “FAC, SROC”, como cúmplices e ou com a sua permissividade. 27. O Réu B. C. nunca convocou a assembleia geral dos sócios nem reuniu com o sócio J. C., nem com a Autora M. P., para deliberar sobre qualquer assunto da sociedade, nem tampouco para aprovação dos balanços e contas dos exercícios dos anos de 2007, 2008 e 2009. 28. O referido em I.41 foi feito de combinação com os primeiros e o segundo Réus. 29. O Réu M. M. minutou a escritura de constituição da sociedade e a procuração que com ela se encontra arquivada, e redigiu a redacção do instrumento de acta de assembleia geral com a deliberação da amortização da quota do sócio J. C.. 30. Os quinto e sexto Réu prestaram declarações falsas no “Relatório de Verificação” nomeadamente, atribuindo o valor de € 123.524,12 ao estabelecimento de FARMÁCIA A, omitindo deliberadamente, o valor do respectivo alvará, com o intuito de prejudicar os seus proprietários, para benefício ilegítimo do Réu B. C.. 31. Foi com a notificação da reclamação da relação de bens, que a Autora M. P. tomou consciência de que os documentos que assinou no cartório notarial – escritura de constituição de sociedade e instrumento de acta da assembleia-geral – se destinavam a cumprir o plano concebido pelos primeiros, segundo e terceiro Réus, e por eles executado com a colaboração dos quinto e sexto Réus, de apropriação da “Farmácia A.” por parte dos Réus B. C. e mulher, sem conhecimento nem consentimento e em prejuízo dos seus legítimos proprietários, a ora Autora M. P. e o seu marido, J. C., e por morte deste, em prejuízo de todos os seus restantes herdeiros. 32. Os Réus concorreram para que ao estabelecimento denominado “Farmácia A” com um valor de mercado de cerca de 2 milhões de euros, fosse atribuído um valor contabilístico, e não real, de apenas € 123.534,12 e, por este valor, tal estabelecimento denominado “Farmácia A” retirado da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J. C., por via da amortização da quota titulada pelo falecido J. C.. 33. Os Autores deixaram de comungar dos lucros dos exercícios económicos do identificado estabelecimento de “Farmácia A”, relativos aos anos posteriores à amortização da quota, ocorrida em 21 de Janeiro de 2011. 34. Por virtude da amortização da quota do J. C., por falecimento deste, por montante não indicado na acta da respectiva deliberação, a herança aberta por óbito do mesmo sofreu um prejuízo directo e imediato, e o Réu B. C. obteve um enriquecimento imediato e sem causa, de montante não inferior a € 1.750.000,00. 35. A Autora M. P. não tinha capacidade de querer e entender o conteúdo do documento de fls.183 e a que se alude em I.44. 36. Aquando do referido em I.70 não faltava qualquer outra capacidade ao J. C.. 37. Até 1.11.2007, a única forma de garantir que a farmácia permanecesse na família era a adjudicação à referida neta - que mais ninguém reunia condições para a adjudicação -, por valor considerado justo pelos herdeiros, por isso que a autora M. P. e o falecido J. C. sempre se disponibilizaram para pagar as propinas da neta no curso de farmácia. 38. Depois de muito mais de um ano passado em reuniões, foram estabelecidas as premissas do contrato de sociedade, designadamente a utilização dos critérios do valor acordado pelos herdeiros ou do valor do balanço e ninguém viu razões para se alterar o estabelecido, apesar da publicação do DL 307/2007, de 31 de Agosto. 39. Em 2008 e 2009, o J. C. mantinha-se capaz e lúcido, sendo-lhe entregue o jornal, para leitura diária, a seu pedido. 40. O referido em I.73 ocorreu em finais de 2009, inícios de 2010. 41. Antes de ler o documento referido em I.23, a Notária explicou, em pormenor, o sentido e alcance do negócio que aquele traduzia avaliando, detalhadamente, da capacidade dos outorgantes. 42. Depois, leu o documento, explicou as consequências jurídicas do mesmo decorrentes, perguntou aos outorgantes se tinham compreendido e estavam cientes do respectivo conteúdo, tendo obtido respostas afirmativas. 43. Todos os Autores e o 1º Réu insistiram pela outorga do documento, tendo em vista a necessidade de cumprir o prazo de 90 dias previsto no artigo 234º/2 do C. S. Comerciais. 44. Só o 2º Réu conhecia o teor do relatório, por força das suas funções profissionais. 45. As assinaturas do nome J. C. constantes da procuração e do termo de autenticação juntos a fls.114 a 116 não foram feitas pelo punho do J. C.. 46. Um dos herdeiros do J. C. não manifestou disponibilidade para acordar no valor da amortização da quota do J. C.. 47. Os demais Autores tomaram conhecimento do relatório de verificação em 16 de Novembro de 2007. 48. Os demais Autores tomaram conhecimento da constituição da sociedade em 16 de Novembro de 2007. 49. Os demais Autores tomaram conhecimento da procuração no dia 18 de Outubro de 2007.
Começaremos pelo recurso dos autores, uma vez que vem impugnada a decisão sobre a matéria de facto.
Defendem que, à data da outorga da procuração em litígio nos autos – 18 de outubro de 2007 – o J. C., que contava já 88 anos de idade, padecia de doença prolongada, encontrando-se acamado e impossibilitado de assinar documentos, bem como, já não tinha, à data, verdadeira consciência ou compreensão do que se passava à sua volta, nem tinha capacidade de querer, entender e compreender o alcance do referido acto, não tendo, pelo exposto, conferido validamente poderes para a sua esposa, a autora M. P., outorgar a escritura de sociedade em litígio nos autos, em sua representação, o que conduz à nulidade/anulação da referida escritura.
Discordam da decisão de facto quanto aos pontos números 5, 8, 15, 17, 18, 22 e 45 dos factos não provados e quanto aos pontos números 14, 69, 73, 81 e 82 dos factos provados.
Começam os recorrentes por dar muito ênfase à questão da falta de declaração médica comprovativa do estado de saúde do J. C. à data da outorga da procuração, que teria sido esgrimida pelo tribunal como essencial. Ora, o que se verifica é que esse foi apenas um de entre inúmeros argumentos utilizados pelo Sr. Juiz para dar corpo e explicar o seu processo de formação da convicção acerca da matéria de facto e, designadamente, quanto a esta questão essencial, do estado de capacidade ou incapacidade física e mental do J. C. para entender o sentido da sua declaração – remete-se aqui para o extenso e muito bem elaborado despacho de análise crítica das provas que, ao longo de 20 páginas, deu conta do processo de formação da sua convicção na decisão da matéria de facto. Contudo, sempre se dirá, que não deixa de se revelar um pouco estranho que não tenham os autores – mulher e filhos do J. C. – junto aos autos, qualquer declaração médica contemporânea da alegada doença de que padecia o seu familiar, qualquer documento comprovativo de algum internamento, de algum exame a que tenha sido sujeito, ou mesmo da prescrição de medicação normalmente usada neste tipo de doenças. Também foi total a ausência de prova testemunhal, de cariz profissional, que pudesse informar da existência da doença e da sua progressão no tempo, pois o único médico ouvido, apenas conheceu o J. C. em 2010.
Ora bem, analisada a prova, designadamente, aquela que os recorrentes entendem que põe em causa a decisão proferida em 1.ª instância – declarações de parte da autora, viúva, conjugadas com o depoimento do neto Ricardo, da enfermeira R. B. Guimarães, do médico S. C. e da farmacêutica C. G., bem como das duas notárias, M. O. e O. L. Lima – entendemos que a decisão de facto proferida em 1.ª instância foi a correta e está perfeitamente fundamentada no despacho a que já acima aludimos.
Aliás, deve dizer-se que os recorrentes só em pequenos extractos dão cumprimento ao disposto no artigo 640.º, n.º 1, b) e n.º 2, a) do Código de Processo Civil, passando, a partir deles, a retirar conclusões que não têm em conta a demais prova produzida, nem resultam de uma análise conjugada de toda a prova.
Conforme se pode ler no despacho de motivação da decisão de facto: “Para além da total ausência nos autos de documentação clínica que pudesse comprovar tais alegadas limitações e faltas, as testemunhas inquiridas não lograram localizar temporalmente, em concreto e com certezas, o concreto estado do J. C., desde logo, se e quando acamou e qual a doença que o afetava efetivamente”.
O facto de a autora e o seu neto terem localizado a debilidade mental do J. C. precisamente nos anos de 2006/2007, não pode, só por si, conduzir à prova de tal facto, desacompanhado de outros elementos credíveis de prova, tendo em conta, sobretudo, o seu interesse no desfecho da causa e o facto de terem sido muito precisos quanto a essas datas mas já não lhes ocorrerem outras igualmente importantes, como a data em que foi acometido de AVC ou em que deixou de trabalhar na farmácia ou até, no caso da irmã da autora, da data em que terá falecido.
Veja-se que o médico que seguiu o J. C. no ano em que este faleceu (2010) disse ter tido acesso à documentação clínica posterior a um AVC (sendo irrelevante a questão da data precisa do mesmo), mas que essa documentação terminava em 2002, o que indicia que o J. C. terá recuperado de tal problema – paralisia direita e afasia – pois, caso contrário, teria que existir documentação clínica de sequência, não podendo, assim, o depoimento desta testemunha ser considerado quanto ao intervalo temporal que sobreveio entre 2002 e 2010, altura em que conheceu o J. C. (apesar de ter dito que os registos poderiam ter desaparecido, o que não se mostra de todo credível, uma vez que existiam registos anteriores). A argumentação de que poderá ter passado a ser seguido noutro estabelecimento de saúde, designadamente, privado, também não procede, uma vez que, nesse caso, os seus familiares teriam todo o interesse em fazer chegar aos autor a respetiva documentação clínica e/ou ouvir o médico assistente como testemunha.
Por outro lado, a farmacêutica que foi diretora técnica da farmácia até novembro de 2003, afirmou que nunca viu, até essa data (não manteve contactos posteriores) qualquer falta de comunicação ou entendimento por parte do J. C., atribuindo a sua saída da farmácia (onde atendia pessoas ao balcão como qualquer outro funcionário) à inadaptação aos novos meios informáticos, que o impossibilitava, por vezes, de concluir o atendimento aos clientes.
Já a enfermeira que prestou serviços ao J. C., cerca de uma vez por semana, nos últimos 10 anos da sua vida, referiu-se a problemas respiratórios, uma pneumonia, dificuldade em andar, vários internamentos (aqui, voltamos a sentir a dificuldade da falta de prova documental), contrariou o depoimento da farmacêutica, de forma pouco credível, quanto ao estado de saúde do J. C. nos anos anteriores a 2004, afirmando a sua debilidade mental já nessa altura, não justificando, face a um estado de saúde tão grave como descreveu, como é que apenas era chamada uma noite por semana ou um domingo ou sábado por semana.
Também a pretendida alteração com base no depoimento das notárias que testemunharam, não procede. Uma delas – a notária titular – nem sequer se recorda da situação específica que lhe foi colocada, tendo-se limitado a contar o que costuma fazer, e a outra – estagiária – referiu que se deslocaram à habitação do J. C., num determinado dia, para que este outorgasse um testamento (e não o contrato de sociedade, ou a procuração, conforme foi alegado pelos autores) e que não chegaram a praticar o acto notarial porque a notária ficou com dúvidas quanto à sua capacidade para o entender. Contudo, não soube precisar em que data é que tal teria ocorrido, referindo-se vagamente aos anos de 2001 a 2004, o que torna o depoimento desinteressante, face ao desconhecimento da evolução do estado de saúde do J. C., considerando que teve um AVC em 2001, bem como considerando todos os demais depoimentos a que já fizemos referência. As conclusões que os apelantes retiram a partir desta visita a casa do J. C., em data indeterminada, - que não outorgou nunca mais qualquer acto notarial porque era notório o seu estado de incapacidade física e mental e que, por isso, nenhum notário o faria - extravasam claramente o significado das mesmas, bem como a ocorrência de tal acto isolado numa determinada data que, por não ser conhecida (e veja-se que o intervalo é muito grande, podendo ser qualquer outra data), não pode conduzir àquela conclusão.
As demais “opiniões” dos apelantes, como os próprios apelidam a sua argumentação, não passam disso mesmo, ou seja, diferentes interpretações de declarações isoladas de algumas testemunhas que conduziriam a uma decisão diversa da matéria de facto.
Não vemos razão para ser assim.
A análise a que procedemos vai de encontro à convicção do Sr. Juiz de 1.ª instância, clara e objectivamente explicitada no seu despacho de análise crítica das provas, que, assim, sustentamos.
E o mesmo se diga quanto aos pontos números 69, 81 e 82 dos factos provados, que os apelantes pretendem ver como não provados, mas sem razão.
Os apelantes impugnaram as assinaturas em nome de J. C. constantes dos referidos documentos – artigo 38.º da réplica – bem como alegaram que a assinatura constante da procuração e do termo de autenticação não era do J. C., uma vez que este estava acamado e impossibilitado de os assinar – artigo 49.º da petição inicial.
Relativamente aos documentos particulares constantes de fls. 231 a 252 dos autos, incumbia à parte que apresentou esses documentos, a prova da sua veracidade (artigo 374.º, n.º 2 do CC) e a verdade é que tal prova foi efetuada nos autos, com o grau de certeza necessário para se poder dar tais factos como provados.
A prova de que uma assinatura foi efetuada por determinada pessoa, não se efetua apenas através de exame pericial. Como é sabido, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que, para prova deste facto a lei não exige formalidade especial – cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC.
Ora, por um lado, não se provou que o J. C. estivesse acamado e impossibilitado de assinar nos anos de 2003 a 2008 – anos em que foram produzidos os documentos em causa, referidos nos pontos 69 e 81 dos factos provados (fls. 231 a 252 dos autos) -, por outro lado, ao contrário do que sustentam os apelantes, a comparação das assinaturas contestadas, com a oferecida a fls. 66 e por todos considerada genuína (que data de 1996), revela, à vista desarmada, perfeita semelhança e, finalmente, o depoimento da diretora técnica da farmácia, habituada a ver e confrontar a assinatura do J. C., foi, claramente, no sentido de que as assinaturas eram do referido J. C. (é claro que, muito instada a garantir tal facto, não o fez, como qualquer pessoa de mediana sensatez).
Quanto à procuração e termo de autenticação, acresce que as assinaturas foram reconhecidas presencialmente pelo réu advogado, sendo que os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados por advogados conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.
Veja-se, a este propósito, o Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.º E-13/06, acerca do artigo 38.º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Maio, subscrito por Luís Menezes Leitão, onde se pode ler: “Verifica-se assim que aquela disposição passou a atribuir também aos advogados competências que anteriormente se encontravam exclusivamente reservadas aos notários, numa evolução que já vem desde 2000.
Efectivamente, o art. 1º, nº3, do Decreto-Lei 28/2000, de 13 de Março, atribuiu também aos advogados competência para certificar a conformidade de fotocópias com os originais que lhes sejam apresentados para esse fim, e proceder à extracção de fotocópias que lhes sejam presentes para certificação, adquirindo essas fotocópias o valor probatório dos originais.
Posteriormente, o art. 5º do Decreto-Lei 237/2001, de 30 de Agosto atribuiu ainda aos advogados competência para fazer reconhecimentos com menções especiais por semelhança, nos termos previstos no Código do Notariado, e certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, acrescentando o art. 6º que os reconhecimentos e traduções efectuados nestes termos conferem aos documentos a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.
Confrontando o art. 38º do D.L. 76-A/2006, de 29 de Março, verifica-se que o seu carácter inovatório consiste em ter atribuído aos advogados competência para fazer reconhecimentos de quaisquer espécie, simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, bem como para a autenticação de documentos particulares, uma vez que anteriormente já lhe tinham sido atribuídas outras competências notariais.
As competências notariais agora igualmente atribuídas aos advogados correspondem assim ao seguinte:
a) certificar a conformidade de fotocópias com os documentos originais apresentados e proceder à extracção das mesmas para esse efeito. b) fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais ou por semelhança; c) autenticar documentos particulares, d) certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos.
Estas competências abrangem precisamente as competências anteriormente reservadas aos notários no art. 4º, nº2, c), f) e parcialmente na alínea g) do Código do Notariado.
(…)
Já em relação às procurações, nos termos do art. 116º, nº1, CN as mesmas podem ser lavradas por instrumento público, documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento de letra e assinatura ou por documento autenticado. Assim, os advogados podem validar procurações através do reconhecimento de letra e de assinatura ou da autenticação do documento por termo, uma vez que essas competências lhes foram atribuídas”.
Ora, se estiverem reconhecidas presencialmente, nos termos das leis notariais, a letra e a assinatura do documento, ou só a assinatura, têm-se por verdadeiras, conforme determina o artigo 375.º, n.º 1 do Código Civil, acrescentando o seu n.º 2 que “Se a parte contra quem o documento é apresentado arguir a falsidade do reconhecimento presencial da letra e da assinatura, ou só da assinatura, a ela incumbe a prova dessa falsidade”, prova essa que, como já vimos, não lograram efetuar.
Nada há a acrescentar quanto ao ponto n.º 45 dos factos não provados, uma vez que a sua redação é a oposta da do ponto n.º 82 dos factos provados.
Improcede, assim, a apelação dos autores quanto à pretendida alteração da decisão de facto.
As alterações jurídicas pretendidas pelos apelantes e expressas nas sua conclusões n.ºs 11 a 18 – anulação/declaração de nulidade da procuração, ineficácia da constituição de sociedade por falta de poderes de representação, nulidade da procuração e nulidade da escritura realizada tendo por base essa procuração – estavam dependentes da alteração da matéria de facto a que nos vimos referindo, pelo que, não tendo esta sido alterada, nada há a acrescentar quanto a estes pontos.
Os apelantes prosseguem com o seu recurso quanto à matéria de facto, dizendo discordar da resposta dada pelo tribunal aos pontos números 1, 6, 10, 11, 12, 13, 16, 23, 27 e 35 dos factos não provados, que consideram que ficaram provados, bem como consideram que os pontos números 66 e 72 dos factos provados deveriam transitar para os factos não provados.
Baseiam-se sobretudo nas declarações de parte da recorrente e acrescentando pequenos excertos (não significativas e desinseridos do contexto) dos depoimentos de parte do recorrido B. C. e do recorrido J. P..
Estes pontos da matéria de facto prendem-se com o conhecimento por parte da autora do negócio que iria ser levado a cabo em relação à farmácia e da consciência que a mesma teve das declarações prestadas, bem como da forma como a farmácia vinha sendo gerida nos últimos anos.
declarações de parte, estar bem a par de tudo o que se discute nos autos, apesar de terem já decorrido 10 anos sobre os negócios em causa, o que põe completamente de parte a ideia que se pretende passar, que foi conduzida ou enganada pelos recorridos. Não se trata aqui de saber se compreendeu ou se lhe foi lido e explicado o conteúdo dos documentos, designadamente as expressões técnico/jurídicas que dos mesmos constam. O que ressalta de toda a prova produzida é que a autora e o seu falecido marido estavam a par das alterações que iam ser introduzidas na gestão e na propriedade da farmácia e aceitaram-nas, concordando com as mesmas e atuando em conformidade. É a própria autora, aliás, quanto à gestão corrente da farmácia, que explica como se processava a mesma, desde que o marido tinha deixado de estar à sua frente, sem qualquer repulsa pelo que se passava e aceitando a forma como o filho B. C. conduzia o dia-a-dia da mesma e referindo, aliás, expressamente, que a intenção dos dois era a de constituir uma sociedade, ficando a farmácia para o filho B. C. (que tinha uma filha estudante de farmácia, o que asseguraria a continuidade da farmácia na família), recebendo os outros filhos a contrapartida monetária – veja-se, também, documento de fls. 183, assinado pela autora.
A lucidez que a autora demonstrou nas suas declarações de parte, compreendendo tudo o que lhe era perguntado, apesar dos seus 90 anos de idade, não pode ser apreciada apenas do ângulo ora visado pelos apelantes (na parte em que reproduz a versão que foi trazida à petição inicial), pois essa mesma lucidez e compreensão, existindo agora, existiria certamente há 10 anos atrás, quando os negócios em causa foram levados a cabo, não sendo de aceitar que esta pessoa em concreto tenha sido conduzida para um caminho que não queria ou que não compreendia. As próprias apelantes M. C., R. B. e I. C., em janeiro de 2011, subscreveram um documento, pelo qual nomearam sua mãe, M. P., aqui autora e apelante, como representante comum dos seus direitos e obrigações inerentes à quota indivisa de J. C., na sociedade comercial, ou seja, confiaram nela para representar os seus interesses – fls. 112 dos autos. Veja-se, ainda, que a autora M. P., admitiu expressamente que não havia qualquer problema com a constituição da sociedade, pois a mesma dava corpo à vontade dos dois (ela e o marido) de que a farmácia acabasse por ficar para o filho B. C., como já supra referimos. Isso mesmo resulta, também, do facto de a autora ter recebido a primeira prestação relativa à amortização da quota, sem levantar quaisquer problemas (nem ela, nem os filhos), só tendo os problemas surgido, aquando do pagamento da segunda prestação por, entretanto, o seu novo advogado lhe ter apresentado um investidor que pretendia adquirir o estabelecimento por um valor muito superior, sendo este facto que originou a devolução do cheque com a segunda prestação da amortização da quota, o que aconteceu em dezembro de 2011 – fls. 227 e 261 dos autos (veja-se as declarações da autora, quando disse que, depois de aparecer a proposta dos dois milhões, é que viu que o dinheiro não era justo).
A questão das netas, revela-se de pouca importância, mas também não se vê que tal deve ser alterado, uma vez que a própria autora falou dessa inimizade, apesar de não lhe ter dado importância e tal resulta também da intervenção processual das mesmas no inventário, apresentando reclamação, em maio de 2011, à relação de bens apresentada por sua avó (reclamação a que nenhum dos interessados respondeu).
Improcede, assim, também nesta parte, a impugnação da decisão de facto levada a cabo na apelação dos autores.
A autora I. C., na sua apelação, também impugna a decisão de facto, entendendo que os pontos 1, 5, 8, 9, 18 e 34 dos factos não provados deveriam ter sido julgados provados.
Quanto aos pontos 1, 5, 8 e 18, já nos pronunciámos.
Quanto ao ponto 34, o seu teor é meramente jurídico/conclusivo, pelo que não deve constar da matéria de facto, considerando-se o mesmo como não escrito. Como é sabido, «a matéria de facto "não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica", pelo que as questões de direito que constarem da selecção da matéria de facto devem considerar-se não escritas (embora o NCPC não contenha norma correspondente à ínsita no art. 646.º, n.º 4, 1.ª parte, do anterior CPC, chega-se à mesma conclusão interpretando a contrario sensu o actual art. 607.º, n.º 4, segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz declara os "factos" que julga provados)» - Ac. STJ de 7-5-2014 no Proc. 39/12.3T4AGD.C1.S1. Neste sentido veja-se também Ac. STJ de 28-1-2016 no Proc. 1715/12.6TTPRT.P1.S1 e Ac. STJ de 9-9-2014 no Proc. 5146/10.4TBCSC.L1.S1, todos em www.dgsi.pt.
Quanto ao ponto 9, já vimos que o seu teor não corresponde à verdade, tendo ficado, e bem, a constar dos factos não provados – veja-se a análise que fizemos do depoimento das duas notárias.
Ainda quanto ao ponto n.º 1 dos factos não provados, deve dizer-se que não logrou prova cabal, por oposição aliás, ao que se provou quanto às intenções da autora M. P., expressas no ponto 66 dos factos provados e que, aliás, corresponde às declarações de parte do réu M. M., que a apelante apresenta como único fundamento para dar como provado aquele ponto número 1.
Improcede, assim, totalmente, a alteração da decisão de facto pretendida pela apelante I. C..
Em face do que fica dito, haverá que concluir que nenhuma das alterações jurídicas propugnadas pelos apelantes, com base unicamente na alteração da decisão de facto, logrará surtir o seu efeito.
Vejamos, então, as demais.
Sustentam os apelantes que a procuração é nula por não ter revestido a forma de escritura pública que era a forma exigida para o negócio que o procurador ia realizar.
Salvo o devido respeito, não concordamos com tal entendimento.
Pela procuração em causa o J. C. constituiu procuradora sua mulher, conferindo-lhe poderes para, além do mais, constituir uma sociedade comercial por quotas, “outorgar e assinar a respetiva escritura…”.
O que estabelece o artigo 262.º, n.º 2 do Código Civil é que “a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar”, não a forma pelo qual ele se veio a realizar, mas sim a legalmente exigida para esse negócio.
Ora, à data da subscrição da referida procuração, o artigo 7.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, na redação do DL 76-A/2006, de 29 de março, estipulava que “o contrato de sociedade deve ser reduzido a escrito e as assinaturas dos seus subscritores devem ser reconhecidas presencialmente, salvo se forma mais solene for exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entram para a sociedade, devendo, neste caso, o contrato revestir essa forma” e, como muito bem se assinala na sentença recorrida, não se verificava a exceção prevista na parte final, porquanto, à data da constituição da sociedade “Farmácia A, Lda,” (16/11/2007) com o capital social de € 100.000,00, representado por duas quotas, sendo a do J. C. realizada em espécie mediante a transferência do estabelecimento comercial e alvará da farmácia denominada Farmácia A, a venda, o trespasse ou a cessão de estabelecimento comercial de farmácia bastava-se com a forma escrita (artigo 18.º, n.º 4 do DL 307/2007 de 31 de agosto).
Daí que, “na data da conclusão do negócio em causa, a forma legalmente exigida para o acto em causa, ou seja, para a constituição da sociedade, com transmissão do estabelecimento de farmácia como entrada em espécie, era a simples forma escrita, não sendo, para o efeito, exigida a solene forma de escritura pública” – sentença recorrida.
Quanto à validade da procuração com reconhecimento presencial da assinatura por parte de advogado e do respetivo termo de autenticação, remetemos para o que acima ficou dito quanto a esta matéria.
Quanto ao facto de não constar do termo de autenticação a declaração de que a parte leu o documento, ou está perfeitamente inteirada do seu conteúdo e este exprime a sua vontade, exigida pelo artigo 151.º, n.º 1, a) do Código do Notariado, tal sempre se revelaria desnecessário, considerando que a procuração em causa, com a assinatura reconhecida presencialmente por advogado, nos termos assinalados, era suficiente para transmitir os poderes para constituir a sociedade que veio a ser constituída, não carecendo aquele acto de tal autenticação.
Prosseguem os apelantes, discordando da sua condenação como litigantes de má fé.
Em primeiro lugar baseiam-se na solicitada alteração da matéria de facto e, já vimos que, quanto a este aspeto, não têm razão.
Em segundo lugar, entendem que não resulta dos autos inequivocamente e sem margem para dúvidas que houve uma atuação dolosa ou gravemente negligente da parte.
Vejamos.
A simples circunstância de ambas as partes não terem logrado fazer a prova de todos os factos articulados, não é, por si só, evidentemente, suficiente para se concluir pela litigância de má fé.
Contudo, a atuação processual dos apelantes/autores, preenche os requisitos da litigância de má fé, tal como os mesmos vêm definidos no artigo 542.º, n.º 2 do CPC.
A condenação como litigante de má fé constitui sanção civil para o inadimplemento gravemente culposo ou doloso dos deveres de cooperação e de boa fé (ou probidade) processual (arts. 7.º e 8.º do C.P.C.) – cfr Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil Vol. I (2ª edição revista e ampliada), pag. 97.
A condenação de uma parte como litigante de má fé consubstancia um verdadeiro juízo de censura sobre a sua atitude processual, com o marcado intuito de moralizar a actividade judiciária.
O instituto em causa acautela um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, destinando-se a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça – destina-se a combater a específica virtualidade da má fé processual, que transforma a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial – cfr. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade Processual Por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Actos Praticados No Processo, Almedina, pp. 55 e 56.
Com efeito, a tendência actual é para valorizar os princípios da boa fé e da cooperação processuais para que o processo realize a sua função em prazo razoável, ou seja, usando a terminologia da norma, “para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio” (artigo 7º, 1, do Código de Processo Civil). Princípios que apontam para a cooperação dos intervenientes no processo no sentido de nele se apurar a verdade sobre a matéria de facto e, com base nela, se obter a adequada decisão de direito de modo a que, sem dilações inúteis, proporcionem condições para que a decisão seja proferida no menor tempo possível. Contudo, «se a parte procedeu de boa fé, convicta da sua razão, a conduta é perfeitamente lícita e, perante o insucesso da sua pretensão, o risco inerente à sua actuação é suportar o encargo das custas. Ao invés, se procedeu de má fé, se sabia que não tinha razão ou se não ponderou com prudência os seus pretensos motivos, é ilícita a sua conduta e dá azo à condenação em multa e indemnização à parte contrária, se esta a pedir» - vide Acórdão da Relação do Porto de 22/03/2011, in www.dgsi.pt/jtrp.
A condenação como litigante de má fé há-de afirmar a reprovação e censura dos comportamentos da parte que, de forma dolosa ou, pelo menos, gravemente negligente (situações resultantes da inobservância das mais elementares regras de prudência, diligência e sensatez, aconselhadas pelas mais elementares regras do proceder corrente e normal da vida), pretendeu convencer o tribunal de pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterou a versão dos factos relativos ao litígio ou que fez do processo ou meios processuais uso manifestamente reprovável.
A afirmação da litigância de má fé depende da análise da situação concreta, devendo o processo fornecer elementos seguros para por ela se concluir, exigindo-se no juízo a realizar uma particular prudência, necessária não só perante o natural conflito de interesses, contrário, normalmente, a uma ponderação objectiva, e por vezes serena, da respectiva intervenção processual, mas também face ao desvalor ético-jurídico em que se traduz a condenação por litigância de má fé - cfr., entre outros, os Ac. do STJ de 14/03/2002 e 15/10/2002, in www.dgsi.pt/jstj.
Para se concluir pela verificação de uma tal conduta dolosa ou gravemente negligente deverá o processo revelar, de forma segura e inequívoca, que a parte negou factos cuja veracidade conhecia ou não podia deixar de conhecer (de acordo com o padrão de conduta exigível a uma pessoa normalmente prudente, diligente, sagaz e sensata) ou que afirmou a existência de uma realidade que sabia falsa ou que não podia deixar de saber ser falsa (de acordo com aquele padrão de conduta exigível).
Ora, não podemos deixar de concordar com o tribunal recorrido na análise feita a esta questão.
Com efeito, os autores negaram a autenticidade das assinaturas do J. C., quando sabiam que as mesmas foram por ele efetuadas. Alegaram a incapacidade mental, não só, do J. C., como da autora, esta última para compreender os negócios em que outorgou, e, não só esses factos não se provaram, como foi reconhecido que a autora e o seu falecido marido tinham um projeto para a farmácia, que foi levado a cabo através destes negócios (com a ajuda, claro está, de pessoas habilitadas para o efeito), que foram realizados de acordo com a sua vontade. Alegaram que a autora não havia solicitado a colaboração do ROC para a feitura do relatório de verificação, tendo-se provado o contrário a partir das suas próprias declarações em audiência. Fizeram-no com o único intuito de reverter um negócio que, a dado momento, vieram a concluir não ter sido a melhor opção. Ou seja, como fundadamente se conclui na sentença recorrida: “deduziram intencionalmente pretensão cuja falta de fundamento não desconheciam, alteraram a verdade dos factos de modo propositado com vista a obter ganho de causa contra os réus, litigando, por isso, com manifesta má fé, tentando levar o tribunal a proferir decisão contrária à verdade dos factos, bem sabendo que estava a deduzir certas pretensões cuja falta de fundamento, nesse particular, não podiam ignorar e não ignoravam efetivamente”.
Não há motivo, portanto, para revogar a sentença recorrida no que diz respeito à condenação como litigantes de má fé.
Finalmente, os apelantes discordam da sentença recorrida quando esta decidiu julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade das cláusulas 6.ª e 7.ª da escritura de constituição da sociedade “Farmácia A, Lda.”, por serem contrárias à ordem pública e ofensivas dos bons costumes e por prejudicarem a legítima dos herdeiros legitimários.
Convocam, a propósito, vários institutos e figuras do nosso Direito Civil, entre os quais, o abuso do direito, a fraude à lei, o enriquecimento sem causa, a desconsideração da personalidade jurídica, o negócio usurário, a maior parte deles, pela primeira vez nos autos, e de forma um pouco confusa, misturando-os, sem grande nexo, de forma a tentar obter ganho de causa por qualquer uma dessas vias.
Apesar de se fazer referência a duas cláusulas, a questão prende-se, apenas, com a cláusula 6.ª da escritura de constituição da sociedade, cujo teor é o seguinte:
“1 – No caso de falecimento de qualquer sócio, a respetiva quota não se transmitirá aos sucessores do falecido, ficando a sociedade com a faculdade de amortizar ou adquirir a respetiva quota pelo valor que vier a ser acordado pelas partes. 2 – Não havendo acordo quanto ao valor, a contrapartida da amortização ou aquisição será a que resultar do último balanço aprovado”
Como é sabido e resulta do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea d) do Código das Sociedades Comerciais, são nulas as deliberações cujo conteúdo seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.
No caso de que nos ocupamos, a cláusula em questão limita-se a transpor para o contrato de sociedade a disposição do artigo 225.º do CSC quanto à transmissão de quota por morte, pois aí se determina que o contrato de sociedade pode estabelecer que, falecendo um sócio, a respetiva quota não se transmitirá aos sucessores do falecido, bem como pode condicionar a transmissão a certos requisitos, mais adiantando que, quando a quota não for transmitida para os sucessores do sócio falecido, deve a sociedade amortiza-la, adquiri-la ou fazê-la adquirir por sócio ou terceiro.
Mais estabelece o n.º 4 daquele normativo legal que, salvo estipulação do contrato de sociedade em sentido diferente, à determinação e pagamento da contrapartida devida pelo adquirente aplicam-se as correspondentes disposições legais ou contratuais relativas à amortização, determinando o artigo 235.º, n.º 1 do mesmo Código das Sociedades Comerciais que a contrapartida da amortização é o valor de liquidação da quota, determinado nos termos do artigo 105.º, n.º 2 (que remete para o artigo 1021.º do CC a fórmula de cálculo a efetuar por revisor oficial de contas, estabelecendo este que o valor da quota é fixado com base no estado da sociedade à data em que ocorreu ou produziu efeitos o facto determinante da liquidação/amortização) com referência ao momento da deliberação e que o pagamento da contrapartida é fraccionado em duas prestações, a efetuar dentro de seis meses e um ano, respetivamente, após a fixação definitiva da contrapartida.
Ou seja, este contrato de sociedade limita-se a reproduzir os termos da lei.
Mas, visando alcançar um determinado fim, em si mesmo não ilícito, pode tal contrato ter sido obtido por meios socialmente reprováveis, nas condições concretas em que foi produzido?
Pensamos que não.
Deve aqui considerar-se que os contratos de sociedade têm em vista regular a vida e os interesses das sociedades e indirectamente dos seus sócios, não estipulando, nem prevendo regras sucessórias. Este tipo de cláusulas baseia-se na proteção do interesse da sociedade e dos sócios e não dos sucessores do sócio falecido.
A redação da cláusula em questão salvaguarda o interesse dos herdeiros do sócio falecido – deste ou de qualquer outro, uma vez que se trata de uma cláusula societária e não de uma disposição testamentária particular deste concreto sócio – com o recebimento da quantia a que, segundo os critérios legais de avaliação, tivessem direito.
Aliás, tendo o contrato de sociedade sido elaborado em novembro de 2007, nunca os seus intervenientes ou qualquer das pessoas ora interessadas veio suscitar a questão da nulidade de tais cláusulas por ofensa aos bons costumes, à boa fé, e/ou fraude à lei por preterição de regras imperativas de sucessão, até ao momento em que, já em 2011, na concretização de tal cláusula, tentaram chegar a acordo quanto ao valor da quota, tendo, até, sido considerados vários valores, perto de um acordo (que se terá gorado, como já referimos, pela introdução de um terceiro externo) que não chegou a concretizar-se. E é na falta desse acordo, tentado ao abrigo da referida cláusula, que todos aceitaram, que vêm, agora, suscitar a sua nulidade.
Ora, para além da exaustiva fundamentação da sentença na parte em que dá conta da densificação do conceito de boa fé e/ou bons costumes (da qual retiramos a feliz definição de Mota Pinto, na sua Teoria Geral, 4.ª edição, 2005, pág. 559, “conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, corretas, de boa fé, num dado ambiente e num certo momento”), reproduzimos aqui parte da sentença, com a qual concordamos inteiramente, nada mais se nos oferecendo dizer sobre o assunto:
“Como é também sobejamente sabido, salvo disposição diversa do contrato social, as quotas transmitem-se para os sucessores dos sócios falecidos, nos termos do direito comum das sucessões e em conformidade com o disposto no artigo 2024 do C. Civil.
Mas pode o contrato social estabelecer que, falecendo um sócio, a respectiva participação social não se transmitirá aos sucessores do falecido, bem como condicionar a transmissão a certos requisitos, conforme resulta do disposto no artigo 225º do C. das Sociedades Comerciais e sem que isso constitua qualquer violação dos bons costumes e, muito menos, da legítima dos herdeiros.
Não se vê que as clausulas sexta e sétima do contrato de sociedade em causa ofendam os bons costumes ou sejam violadoras das regras do actuar correcto e de acordo com as normas, nem se vislumbra que as mesmas causem qualquer dano a quem quer que seja.
Com efeito, é a própria lei que permite a existência de cláusulas desse cariz, baseada na protecção do interesse dos sócios supérstites, e não dos sucessores do sócio falecido, sendo certo que, no caso, se está perante uma cláusula de amortização, pois que a extinção da quota depende de deliberação dos sócios, posterior à morte do sócio – neste sentido, cfr. Raúl Ventura, Sociedades por Quotas, vol. I, 2ª Ed., p.538 e 545.
Efectivamente, a finalidade do regime previsto no artigo 225º do C. S. Comerciais é desviar a transmissão da quota do sócio falecido do caminho que seguiria segundo as normas mortis causa, com sujeição a certos meios fixados imperativamente – cfr. ob. cit., p.545 – sendo inequívoco que, no caso em apreço, tais meios imperativos foram respeitados, inexistindo violação de preceitos imperativos, dado que se estipulou a faculdade de amortização ou aquisição da quota e se especificou concretamente a forma de o fazer.
Por outro lado, essa intransmissibilidade em nada afecta qualquer direito ou expectativa dos herdeiros do sócio falecido, na medida em que, pelo mecanismo da amortização ou aquisição, os mesmos são inteirados pelo valor correspondente à quota amortizada, vendo, assim, garantida a sua posição na aquisição do património do autor da sucessão.
Aliás, em bom rigor e de acordo com a melhor doutrina, o que acontece efectivamente é que, com o decesso do sócio, os sucessores entram na titularidade da quota enquanto não é decidida a sua amortização ou aquisição pela sociedade, no prazo legal de noventa dias.
Como ensinam Coutinho de Abreu (Curso de Direito Comercial, Das Sociedades, Vol. II, Almedina, 2009, pp.361 a 363) e Remédio Marques (“Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Vol. III, Almedina, pp. 422 a 424) “os sucessores do sócio falecido, mesmo após a divisão hereditária (ou aceitação do legado plasmado na quota deixada pelo de cuius), são titulares ad tempus, numa situação precária, sujeitos à verificação da condição resolutiva pela qual a quota, ou bem que é amortizada, ou em que é adquirida pela sociedade, por sócio supérstite ou, enfim, por terceiro. Não existe, neste caso, um direito sem sujeito ou estado de vinculação de bens ou direitos à espera de um titular. A quota integrará, desde logo, e após a aceitação, expressa ou tácita (artigo 2056º, 1 e 2 do C. Civil), dos sucessíveis chamados (artigo 2050º do C. Civil) a herança indivisa. E pode inclusivamente, ser adjudicada na partilha a algum ou alguns dos herdeiros do sócio falecido.”
Em face dessa integração, fácil é de ver que não existe, tanto aquando da constituição da sociedade, como aquando da deliberação posteriormente tomada pela sociedade no sentido da amortização, qualquer violação da legítima, posto que está garantido o preenchimento da quota hereditária mínima e imperativamente fixada por lei para o herdeiro do sócio falecido, sendo certo também que não se vislumbra qualquer violação do disposto no artigo 8º/2 e 3 do C. S. Comerciais.
Efectivamente, embora a participação social fosse, por força do regime matrimonial de bens, comum aos dois cônjuges, certo é que, nos termos dos referidos normativos, só o J. C. era considerado como sócio nas relações com a sociedade, pois que foi ele que, representado pela Ré M. P., celebrou o contrato de sociedade”.
Outra questão que está bem decidida na sentença é a questão da representação na Assembleia Geral em que se deliberou a amortização da quota, uma vez que os direitos inerentes à quota indivisa devem ser exercidos por representante comum que, no caso de bens próprios do falecido ou comuns do casal, compete ao cabeça de casal, por designação legal – artigos 222.º, n.º 1 e 223.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais e 2079.º e 2087.º, n.º 1 do Código Civil – pelo que não procede a argumentação de irregularidade de representação por a respetiva declaração de nomeação não ter sido subscrita por todos os herdeiros (a própria designação de representante comum sempre seria tomada por maioria, no caso de não haver designação legal, de acordo com o disposto no artigo 223.º, n.º 1 do CSC e 1407.º, n.º 1 do CC, maioria essa que estava presente no caso, pois a declaração de nomeação apenas não foi assinada por um dos filhos e pelas duas netas).
A questão suscitada pelos apelantes, da desconsideração da personalidade jurídica, estando aqui, salvo o devido respeito, completamente deslocada, não poderá ser objeto de apreciação, uma vez que nunca antes havia sido suscitada nos autos e, como é sabido, os recursos destinam-se a permitir que o tribunal superior proceda à reponderação das decisões recorridas, o que obriga a que a questão já tenha sido objeto de decisão, ou seja, que a questão já tenha sido submetida ao tribunal de categoria inferior – cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª edição revista e atualizada, Almedina, pág. 26.
Outra questão é a da nulidade da deliberação de amortização por falta da menção expressa da verificação do requisito exigido pelo artigo 236.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais “A sociedade só pode amortizar quotas quando, à data da deliberação, a sua situação líquida, depois de satisfeita a contrapartida da amortização, não ficar inferior à soma do capital e da reserva legal, a não ser que simultaneamente delibere a redução do seu capital”.
O n.º 2 deste artigo estabelece que a deliberação da amortização deve mencionar expressamente a verificação do requisito exigido pelo número anterior.
Raúl Ventura, in Sociedades por Quotas, Vol. I, 2.ª edição, Almedina, pág. 736 defende que “a deliberação de amortização que não contenha esta menção é nula, assim como o é a deliberação que amortize a quota sem estar efetivamente verificado o requisito exigido no n.º 1 deste artigo”, esclarecendo que “uma vez que a verificação do requisito é exigida à data da deliberação, compreende-se que o n.º 2 do artigo 236.º, a mande mencionar expressamente na deliberação de amortização. Os sócios são assim chamados à apreciação necessária e direta da situação patrimonial da sociedade”.
Este tem sido, também o entendimento da jurisprudência.
Neste sentido, Acórdão do STJ de 24/10/2006, processo n.º 06B2866 (Ferreira Girão), in www.dgsi.pt, onde se pode ler:
“A norma do n.º 2 do art. 236.º do CSC pertence ao grupo das que não podem ser derrogadas, ainda que por vontade unânime dos sócios e, por isso, a sua violação (através da omissão da menção nela referida) acarreta necessariamente a nulidade da deliberação, nos termos da mesma al. d) do n.º 1 do art. 56.º do CSC.
Aliás, a imperatividade do nela prescrito decorre, além do mais, da sua componente gramatical - o uso do verbo dever; “A deliberação de amortização deve mencionar expressamente a verificação do requisito exigido pelo número anterior” é o que se lê no n.º 2 do art. 236.º em apreço, prescrevendo o seu n.º 1 que “A sociedade só pode amortizar quotas quando, à data da deliberação, a sua situação líquida, depois de satisfeita a contrapartida da amortização, não ficar inferior à soma do capital e da reserva legal, a não ser que simultaneamente delibere a redução do seu capital”; estamos perante normas que visam proteger interesses de ordem pública - a intangibilidade do capital social como medida de protecção de terceiros e do próprio giro comercial”.
No mesmo sentido Acórdão da Relação do Porto de 02/07/1991: “A invalidade resultante da violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 236.º do Código das Sociedades Comerciais é a nulidade da respectiva deliberação e não a sua mera anulabilidade”.
Trata-se de nulidade, que é invocável a todo o tempo e de conhecimento oficioso – artigo 286.º do Código Civil.
E com estes considerandos, estamos já a dar resposta à apelação dos réus, que discordam deste segmento da decisão recorrida, por entenderem que, não tendo sido fixado na deliberação o concreto valor da contrapartida da amortização, também dela não poderia constar a menção expressa de que a situação líquida da sociedade, depois de satisfeita a contrapartida, não ficaria inferior à soma do capital e da reserva legal.
Salvo o devido respeito, sendo adotado tal entendimento, estava aberta a porta para que nunca fosse necessário cumprir o disposto neste artigo 236.º do CSC (que, como já vimos, tem caráter imperativo), para o que seria necessário, apenas, não indicar, na deliberação, o valor concreto da contrapartida da amortização.
No caso, apesar de não estar indicado tal valor concreto, sabemos qual o método a adotar para o calcular – ele consta da cláusula 6.º do contrato de sociedade e das normas legais que já supra enunciámos, para além de ter sido reiterado na assembleia geral que deliberou a amortização, em janeiro de 2011, deliberação essa aqui posta em causa e não a da constituição da sociedade – sendo possível aferir desde logo, na falta de acordo, qual o montante da referida contrapartida.
Não há dúvida, portanto que, a deliberação de amortização tem que mencionar expressamente a verificação do requisito exigido pelo n.º 1 do artigo 236.º, sob pena de nulidade.
Improcede, portanto, a apelação dos réus.
Finalmente, cabe dizer que a decidida nulidade da deliberação de amortização da quota, torna inútil a apreciação do eventual enriquecimento sem causa dos réus, designadamente, do réu B. C., uma vez que todos os actos anteriores foram praticados de forma legal.
Em conclusão, improcedem as três apelações, sendo de confirmar a sentença recorrida.
Há que apreciar, ainda, o recurso dos autores relativo ao apoio judiciário.
Foi decidido que o apoio judiciário eventualmente deferido aos autores (à exceção da autora I. C.), na sequência dos requerimentos apresentados no ISS em 20 de fevereiro de 2017 (a sentença data de 27/01/2017), só terá efeito nos presentes autos para o futuro, não abrangendo as condenações em custas já proferidas, bem como os encargos já vencidos e devidos, nomeadamente e além do mais, os respeitantes à perícia.
Os apelantes têm razão quando dizem que a competência para a decisão dos pedidos de apoio judiciário recai sobre o dirigente máximo dos serviços de segurança social da área da residência do requerente, não podendo o juiz interferir nessa decisão.
Contudo, não é essa a questão que está suscitada nos autos.
O problema que se coloca é o de saber se os apelantes, que nunca requereram o apoio judiciário, tendo pago as taxas de justiça pelos respetivos impulsos processuais, o podiam fazer agora, já depois de proferida sentença em que foram condenados em custas.
Aliás, nem é este bem o problema, uma vez que o Sr. Juiz apenas disse que o apoio judiciário que agora venha a ser concedido apenas terá efeito nos presentes autos para o futuro, discordando, assim, da posição do Ministério Público que entende que, por aplicação do artigo 18.º, n.º 2 da Lei 34/04, de 29/07 (Lei do Apoio Judiciário), nos processos cíveis, o apoio judiciário apenas pode ser requerido até à 1.ª intervenção processual ou, excecionalmente, depois dessa intervenção desde que a insuficiência económica seja superveniente, devendo ser alegada e comprovada antes da 1.ª intervenção processual que ocorra após o reconhecimento dessa situação, o que não aconteceu nos autos.
Tendo o tribunal aceite que os apelantes podiam requerer nesta fase o apoio judiciário, resta, apenas, então, saber se o seu eventual deferimento os isentará das custas, taxas e encargos em que já foram condenados, ou se apenas terá efeitos para o futuro.
Uma vez mais, cremos que se decidiu bem.
O apoio judiciário só opera para o futuro, não sendo um instituto adequado para se obter isenção de custas, taxas e encargos já pagos ou em que já se tenha sido condenado. Daí que o momento adequado para o solicitar, seja antes da 1.ª intervenção processual ou, excecionalmente, após esse momento mas só em caso de superveniência de dificuldades económicas.
Essa tem sido a jurisprudência dominante. Veja-se, por todos, em www.dgsi.pt, os Acórdão da Relação do Porto de 13/11/2000 (0051070), de 30/11/2000 (0031575), de 04/10/2000 (0040747), de 23/01/2002 (0140751) e de 10/12/2003 (0315641) e desta Relação de Guimarães, de 06/10/2004 (1542/04-2) e de 06/10/2016, processo n.º 2998/13.0TBVCT-A.G2, que citamos:
“a) O benefício de apoio judiciário só ganha sentido enquanto instrumento para almejar um fim. E esse fim é a tutela do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva plasmado no art. 20º da CRP. b) Se a situação jurídica já está definida, com o trânsito em julgado da sentença, já não se está em situação de necessidade de “tutela do direito” ou de “acesso à justiça”. c) Daqui resulta que o apoio judiciário, a ser concedido, abrange apenas os atos praticados após a data do pedido e não os atos anteriormente praticados”.
O facto de, nestes autos, a sentença ainda não ter transitado em julgado, não altera a substância do que se disse, tendo em vista que o apoio judiciário tem sobretudo em vista evitar que qualquer pessoa, por insuficiência de meios económicos, deixe de recorre a juízo para defesa dos seus direitos ou interesses legítimos. O Tribunal Constitucional tem sublinhado, como muito bem salienta a magistrada do MP subscritora das contra alegações deste recurso, que “esse instrumento jurídico não pode ser visto como meio destinado a obter, após o julgamento da causa e a condenação em custas, a dispensa dos encargos judiciais a que a participação no processo deu causa (por todos o Acórdão n.º 112/2001)”.
Daí que, como se decidiu no despacho sob recurso, o eventual deferimento do pedido de apoio judiciário só possa operar para o futuro.
Improcede, assim, a apelação dos autores quanto à decisão relativa ao apoio judiciário.
III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedentes os quatro recursos, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas de cada apelação pelos apelantes respetivos.
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Guimarães, 9 de novembro de 2017
Ana Cristina Duarte
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro